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O princípio da igualdade como razão essencial do princípio da vulnerabilidade no código de defesa do consumidor
Patrícia Mara Ferreira da Luz Nogueira Rachid*
*Acadêmica do 4º ano de
Direito das Faculdades Integradas do Oeste (FADOM - Divinopólis/MG)
“Se você encontra uma porta a sua
frente, pode abri-la ou não. Se você
abrir a porta, pode ou não entrar e
uma nova sala. Para entrar, você vai ter
de vencer a dúvida, o titubeio ou o
medo. Se você venceu, dá um grande
passo: nesta sala, vive-se.
Mas tem um preço: inúmeras outras
portas que você descobre.
O grande segredo é saber: quando e
Qual porta deve ser aberta.”
(IÇAMI TIBA, A Porta)
É de sabença comezinha que os princípios constitucionais traduzem-se na razão
de ser de todas as normas infraconstitucionais, mormente o princípio da
dignidade humana que tem como bastião o princípio da igualdade. Eis que tal
princípio está consagrado não apenas no seu artigo 5º, mas espraiado, ainda que
implicitamente, em todo texto magno.
Destarte, sob pena de
abraçarmos uma exegese eminentemente literal e gramatical do texto
constitucional e ignorar a plenitude interrelacional do Direito, faz-se mister
a consideração de que o princípio da vulnerabiliade (art. 4º, I, CDC) trata-se
de uma espécie do gênero eqüidade, igualdade ou isonomia.
No que tange às teorias e práticas de vanguarda sobre o Direito é cogente
clarear que a postura extremamente positivista e acrítica de interpretação dos
textos legais tem sido combatida de modo ferrenho e gradualmente substituída
por uma interpretação holística, voltada para a totalidade e unissonidade do
Direito. Torna-se arcaica e inaplicável a lei interpretada em si mesma. Urge o
resgate do antropocentrismo em substituição ao lexcentismo. Daí ressai a Teoria
Tridimensional do Direito, proposta por Miguel Reale, a qual insere a norma
reguladora do fato social concreto dentro de um âmbito axiológico, ou seja, a
lei só será eficiente se aplicada em respeito aos valores da coletividade a
qual se aplica.
Como futuros operadores do Direito e integrantes de uma era humanística e
sociológica, temos a importante responsabilidade de despojar o Direito do seu
excesso de formalidade e estender a sua aplicação a todos os cidadãos de
maneira o mais subjetiva possível. Já não nos é admissível a concepção de um
Direito divorciado da axiologia filosófica da ética e da moral, como previa o
neokantismo e o kelsenismo.
Desta feita, um Estado Democrático de Direito, em todos os seus ramos,
reger-se-á pelos princípios e fundamentos consagrados na sua “Certidão de
Nascimento”, ou seja, em sua Constituição Federal.
Conforme o inciso III do artigo 1º da nossa Lei Maior, a dignidade humana é um
dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Portanto, todas
as normas infraconstitucionais têm que estar baldrameadas neste princípio, sem
a necessidade de que todo diploma legal o traga expressamente, bastando,
portanto, que ele ali se instale de modo implícito e tácito ou ainda, sob outra
designação.
Quanto ao princípio da igualdade, ou isonomia, ou eqüidade consagrado no artigo
5º da Carta e ratificador do princípio da dignidade humana, não está isolado
neste artigo, mas o seu efeito se dissemina por toda legislação pátria.
Todos os princípios são interligados e intergarantidores, todos decorrem uns
dos outros e se reforçam mutuamente. Portanto, não há como se falar em
princípio da dignidade humana sem o princípio da isonomia, ou o princípio da
liberdade, ou o princípio da legalidade, ou o princípio da razoabilidade,
Enfim... Não há como dissociar os princípios norteadores e capitais da
democracia brasileira, senão para fins de estudo dogmático. Na realidade
factual, podemos adotar uma postura organicista e considerá-los como células de
um mesmo tecido; ou tecidos de um mesmo órgão; ou órgãos de um mesmo sistema;
ou sistemas de um mesmo organismo. Em todo organismo legal, o sacrifício de um
princípio significa nefastamente o comprometimento de toda estrutura judicial.
Não obstante aprecie prescindível, gostaria de cometer o pecado da redundância
e deixar claro que o princípio da igualdade ora referido, não se confunde com o
princípio da igualdade objetiva ou formal que iguala convencionalmente todos os
homens, como numa sociedade de clones idênticos. É patente que esta visão do
princípio da igualdade formal, há muito abandonada pelos doutrinadores, mas
infelizmente, remanescente na compreensão de alguns operadores do Direito menos
informados, é um fomento à injustiça e um desvirtuador do Estado Democrático de
Direito. Contrário senso, a igualdade sugerida é a igualdade subjetiva, a
igualdade consagrada pelo nosso ordenamento e que tem como mote, “a igualização
dos desiguais pela outorga de direitos sociais substantivos”[1].
Quanto à discussão em questão, é manifesta a relação de vinculação
incondicional entre a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 que originou o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a Constituição Federal da República
do Brasil. Não fosse a necessidade insofismável da tutela legal do consumidor e
a imprescindibilidade de que essa tutela se fizesse de uma maneira efetiva, a
presente lei poderia ser considerada tão somente como Lei Complementar, vez que
tem sua previsão expressa no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal
o qual estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor”. Destarte, ficou transparente a intenção do legislador originário
em conferir maior proteção ao consumidor visando, sem nenhuma dúvida, os princípios
da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Todavia, optou-se pela codificação
pelos motivos apresentados pelos autores do anteprojeto.
“Primeiramente, dá homogeneidade a um determinado ramo do Direito,
possibilitando sua autonomia. De outro, simplifica e clarifica o regramento
legal da matéria, favorecendo, de uma maneira geral, os destinatários e os
aplicadores da norma”.[2]
O Código de Defesa do Consumidor se nos apresenta como a ferramenta concreta
para a realização de um fundamento constitucional. Não lhe facultando, por
conseguinte, em nenhum momento dissociar-se desta ou de qualquer dos seus
princípios, sob pena de tornar-se com ela colidente e, conseqüentemente,
inaplicável. Conclui-se, pois, que todos os princípios constitucionais estão
contidos em todas as normas infraconstitucionais, inclusive no Código de Defesa
do Consumidor. Ainda que se amparem em designação distinta (princípio da
vulnerabilidade, in casu), a substância tem que ser a mesma.
Ainda, à luz da obra citada, podemos detectar a relação estreita que existe
entre o princípio da vulnerabilidade e o da eqüidade em vários momentos. Ao
reconhecer os consumidores como parte vulnerável da relação no mercado de
consumo, os autores do anteprojeto justificaram essa vulnerabilidade pelo
“tratamento desigual para partes manifestamente desiguais”.[3] Valem-se,
portanto, da legenda característica do princípio da igualdade substancial,
constitucionalmente afiançado para justificar o princípio da vulnerabilidade
constante do Código de defesa do Consumidor.
A definição do princípio da vulnerabilidade feita pelos autores permite uma
interpretação das mais singelas de que o princípio da vulnerabilidade é apenas
uma variante nominal do princípio da isonomia.
A idéia de igualdade e vulnerabilidade remonta a tempos longínquos, haja vista
que já era propagada pelo industrial Henry Ford na célebre frase “O consumidor
é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que
seu elo mais fraco”. Todavia, essa nova interpretação encontra-se abalizada,
pura e simplesmente, em seu caráter ilustratório, haja vista que, se levarmos
em consideração os valores da época em que foi dita, mormente seu autor, temos
que tal idéia visava tão somente a igualar os consumidores de poderes aquisitivos
e consumistas, certamente ele jamais cogitou a igualdade de direitos. Segundo
sua teoria, a capacitação consumeirista do maior número possível de pessoas
aumentaria monstruosamente os ganhos dos industriais que apostassem na produção
menos dispendiosa e mais célere do modelo de produção (linha de montagem) por
ele concebido.
Caso análogo ocorreu no Brasil de 1850, quando a Inglaterra pactuou um acordo
com D. Pedro II, proibindo a entrada de negros vindo da África no território
tupiniquim e iniciando uma campanha político-econômica radical para a abolição
da escravatura e a declaração de “igualdade” de direitos dos negros. Em nenhum
momento podemos crer que os britânicos estivessem se importando com a qualidade
de vida da população negra do Brasil, mas visavam garantir poder aquisitivo ao
imenso contingente de consumidores potenciais para suas mercadorias.
É nesse mesmo sentido que devemos entender as palavras de Ford, contudo nada
nos impede que as utilizemos e as interpretemos de acordo com a nossa realidade
contemporânea, ou seja, uma realidade com fins humanísticos e igualitários, uma
realidade que prima pela igualdade e liberdade dos homens, em que o Direito só
pode ser concebido em toda a sua tridimensionalidade. Por isso, é que a
Constituição Federal buscou munir o nosso ordenamento jurídico de artifícios
legais para garantir proteção do hipossuficiente, criando uma igualdade
substancial entre o consumidor e o fornecedor; entre o trabalhador e o
empregador, dentre outros. Sendo assim, o ordenamento jurídico brasileiro se
apresenta provido de dispositivos capazes de estabelecer um equilíbrio justo
nas mais diversas relações jurídicas (dentre esses dispositivos está o
princípio da isonomia convertido em princípio da vulnerabilidade no Código de
defesa do Consumidor).
O Direito é unitário, esquartejá-lo em ramos completamente incomunicáveis é
crime contra o bom senso e a principiologia básica. Todos os ramos do Direito
são partes indissociáveis e intercomunicantes, logo não há que se distinguir entre
um princípio constitucional e um princípio do Direito Civil ou Administrativo,
ou Comercial. Todos os princípios infraconstitucionais devem ser
obrigatoriamente harmônicos e convergentes para a Constituição Federal. Não se
admite que um princípio constitucional esteja ausente em qualquer norma
inferior. Os liames que interligam os vários ramos do Direito entre si e com os
princípios axiológicos e teleológicos constitucionais não podem ser desfeitos
sob pena de se esquartejar também a democracia.
Ratificando a tese de que tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o
princípio da vulnerabilidade integrante deste são gêneros de uma mesma espécie,
Roberto Senise Lisboa, reconheceu:
“O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor decorre do princípio
constitucional da isonomia, partindo-se a idéia segundo a qual os desiguais
devem ser tratados desigualmente, na proporção de suas desigualdades, a fim de
que se obtenha a igualdade desejada”[4]
Com o mesmo entendimento Maria Celina Bobin de Moraes, em citação de Alinne
Arquete Leite Novais assevera que:
“Assim é que qualquer norma ou cláusula negocial, por mais insignificante que
pareça, deve se coadunar e exprimir a normativa constitucional. Sob essa
óptica, as normas de direito civil necessitam ser interpretadas como reflexo
das normas constitucionais. A regulamentação da atividade privada (...) deve
ser, em todos os seus momentos expressão da indubitável opção constitucional de
privilegiar a dignidade da pessoa humana (...)”[5]
Conclui-se facilmente destas citações que a aplicação dos princípios elencados
no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, inclusive o princípio da
vulnerabilidade, a todas as relações jurídicas de cunho consumeirista é uma
decorrência do reconhecimento da normatividade dos princípios supremos da
Constituição Federal.
Ainda na intenção de corroborar a identidade entre os princípios, revelam-se
mui pertinentes as palavras do advogado especializando em Direito Empresarial
pela Escola Superior de Advocacia de Minas Gerais e em Direito Tributário pela
Fundação Getúlio Vargas, Dr. Tiago Maranduba Schröder, em artigo publicado
Publicada no Juris Síntese nº 29 - MAI/JUN de 2001. Cujo trecho ora transcrevo:
"Todos são iguais perante a lei", igualdade, isonomia, eqüidade (no
sentido aristotélico do termo), seja como for denominado, significa tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Este o fundamento do Código
de Defesa do Consumidor. Verificando que numa sociedade massificada o
consumidor se apresentava em posição bastante inferior ao fornecedor, o
legislador ordinário, atendendo aos auspícios constitucionais, criou
mecanismos, substanciais e adjetivos, que antes de constituir privilégios, são
aplicação do princípio da isonomia. (...) Isonomia que não fica sujeita a critérios
discricionários, advém da Lei Maior, que previu a vulnerabilidade do consumidor
frente ao fornecedor, assim como o fez para os particulares perante o Poder
Público e com os trabalhadores perante os empregadores. Distinções que podiam e
deviam ser feitas pelo Poder Constituinte Originário, conquanto representassem
os anseios do povo”.[6]
Com entendimento similar, para o consultor de empresas, Luiz Otavio de Oliveira
Amaral, o princípio da vulnerabilidade é:
“O princípio dos princípios, não se trata de presunção legal (logo inadmissível
prova em contrário), mas de pressuposto fático necessário à justa equação das
relações de consumo. O consumidor já por definição é vulnerável, sendo, pois,
esta a sua característica imanente, sua qualidade intrínseca e indissociável.
É, enfim, a aplicação plena do principio natural/constitucional da isonomia
(tratar desigualmente segundo as desigualdades)”[7]
Em palestra proferida no CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS da EMERJ - FÓRUM
PERMANENTE, o palestrante Defensor público Dr José Augusto Garcia de Sousa
dissertou sobre o tema: "PROBLEMAS PROCESSUAIS DO CÓDIGO DO
CONSUMIDOR", em determinado momento de sua palestra declarou que:
”O Código de Defesa do Consumidor veio em prol de uma isonomia material,
substancial. Então, aqui há dispositivos altamente favoráveis ao consumidor
para que se obtenha essa isonomia material, substancial; e as vantagens a favor
do consumidor devem ser na medida certa para que se busque essa isonomia
material (...) esse Princípio da Vulnerabilidade vai refletir Princípios
Constitucionais”.[8]
Conforme as citações supra, a Constituição Federal de 1988, consagrou
princípios gerais da cidadania que não podem ser desprezados pelo juiz ou
qualquer outro profissional da área jurídica, quando da apreciação da realidade
fenomenológica. Mas, tais princípios constitucionais, como o caso daqueles que
se encontram no preâmbulo do texto Constitucional, por exemplo, a segurança, o
bem estar, a igualdade da justiça, o desenvolvimento, a dignidade da pessoa humana,
etc., nem sempre estão taxativamente expressos na legislação
infraconstitucional. Não podemos principiar o estudo da Organização do Estado
brasileiro pelo artigo primeiro de sua Constituição Federal, muito ao
contrário, devemos considerar a introdução da Carta Magna que se dá no seu
preâmbulo que também é parte do texto constitucional, inserindo, e tornando
visível para os intérpretes, princípios que devem ser seguidos por todos
aqueles que tiverem sob sua égide.
O fundamento do Estado Democrático de Direito é a cidadania fortalecida e em
função do caráter cidadão da nossa Constituição, o legislador foi estimulado a
criar uma lei verdadeiramente cidadã que é o Código de Defesa do Consumidor,
dentre outras. Nunca é pleonástico ressaltar que o caráter do Código de defesa
do Consumidor é principiológico, ou seja, prescinde da referência do princípio
constitucional a que se refere em todos os diplomas legais, posto que estes
estão esparzidos por todos os textos legislativos, bastando para identificá-lo,
uma simples destreza de interpretação constitucionalística voltada para o
ontológico e não para o regulamento frio e cristalizado da lei. Em que pese já
se tenha passado 15 anos da promulgação da Constituição Cidadã, muitos
intérpretes ainda estão arraigados à cultura jurídica anterior em que só havia
no panorama jurídico nacional leis normativas petrificadas em textos escritos
que previam solução só para os casos concretos.
Muito ao contrário do que se possa imaginar, o princípio da vulnerabilidade do
consumidor não é aquele que sempre acoberta o consumidor e que lhe dá razão
incontinenti, mas reconhece a sua hipossuficiência frente ao poder do
fornecedor. Não raro a lei reconhece a desonestidade de algum consumidor
aventureiro e lhe imputa as conseqüências do fato. O fornecedor não fica refém
de um sistema protecionista, pois tem assegurados os direitos do contraditório
e da ampla defesa inseridos no princípio do devido processo legal, valendo-se
dos instrumentos necessários para a defesa dos seus direitos, como os artigos
301 e incisos, 265, IV, a, e 267, IV, todos do Código de Processo Civil, dentre
outros.
O artigo 5º da Constituição Federal em seu inciso XXXII, ao estabelecer que o
Estado deve promover a defesa do consumidor, assegurou essa proteção ao cidadão
como um direito fundamental, destarte reconheceu a vulnerabilidade do
consumidor na relação de consumo. Vulnerabilidade esta que, se se aplicasse a
imparcialidade absoluta da isonomia formal, quebraria o equilíbrio entre as
partes e a dignidade da pessoa humana. Por isso o Código de Defesa do
Consumidor tem a função primordial de tutelar o consumidor hipossuficiente e
reequilibrar as relações de consumo, sem ferir o princípio constitucional da
isonomia, tratando os desiguais de modo desigual. Seguindo este raciocínio,
conclui-se que a proteção jurídica conferida ao consumidor lhe proporciona o
acesso à justiça real, o que significa o equilíbrio no contraditório e a
equiparação de armas dos litigantes.
Nelson Nery Junior observa que:
“Deve-se buscar a paridade das partes no processo no seu sentido efetivo, de
fato, e não somente a igualdade jurídica formal, uma vez que esta última seria
facilmente alcançável com a adoção de regras legais estáticas (...)Tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, é a substância do princípio
da isonomia”.[9]
Sem sombra de dúvida, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é a
“prima ratio” do Código de Defesa do Consumidor em garantia à realização do
princípio da isonomia garantido na Constituição Federal. Pois, fosse o
consumidor equânime ao fornecedor, não haveria hipossuficiência e, por
conseguinte, a isonomia formal poderia ser mantida, não se justificando a
edição de uma lei com caráter protetor. Em outras palavras,a vulnerabilidade do
consumidor é o próprio fundamento da existência do Código de Defesa do
Consumidor. João Batista de Almeida enfoca o princípio da isonomia, dentre os
princípios específicos aplicáveis à tutela do consumidor, como pilar básico que
envolve essa problemática. Ele assevera que:
“Os consumidores devem ser tratados de forma desigual pelo CDC e pela
legislação em geral a fim de que consigam chegar à igualdade real. Nos termos
do art. 5o da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei,
entendendo-se daí que devem os desiguais ser tratados desigualmente na exata
medida de suas desigualdades”.[10]
O privilégio fático e, portanto, a hipersuficiência técnica e econômica do
fornecedor reside no fato de ele possuir, via de regra, a técnica da produção
que vai de acordo com seus interesses e o poder econômico superior ao
consumidor. A vulnerabilidade do consumidor é patente, e a sua proteção como
uma garantia é uma conseqüência da evolução jurídica pela qual passamos. O
Código de Defesa do Consumidor é a concretização da prestação jurisdicional em
saudação ao princípio constitucional da eqüidade incrustado de forma tácita,
porém irrefragável, no referido diploma.
Ignorar a necessidade do Código de Defesa do Consumidor no nosso ordenamento
seria permitir que as relações jurídicas entre as pessoas potencialmente
desniveladas fossem travadas com o mesmo grau de liberdade e privilégios,
conforme praticado no modelo jurídico sepultado pela Constituição Cidadã.
Com a preponderância de um tratamento desigual para pessoas desiguais, levando
em conta que o consumidor está em situação de manifesta inferioridade frente ao
fornecedor de produtos e serviços, não há que se questionar a legitimidade da
presença do princípio da isonomia no Código de Defesa do Consumidor, não apenas
no inciso I do artigo 4º, mas na totalidade do seu corpo legal. A permuta
terminológica pelo princípio da vulnerabilidade foi um mero capricho do
legislador que procurou dar especificidade ao princípio da eqüidade que é mais
genérico. Poderíamos compreender, de tal sorte, que princípio da
vulnerabilidade é o princípio da igualdade aplicado especificamente às relações
de consumo.
Outra questão relevante no rebatismo do princípio em tela é a efetiva garantia
de que nenhum julgador legalista e conservador tendesse a aplicar a igualdade
formal ou objetiva, deixando assim o consumidor em franca desvantagem. Contudo,
quando determinado o principio da igualdade substancial (como foi feito na
avaliação de Direito do Consumidor), nenhuma dúvida resta quanto à desigualdade
reconhecida pela própria lei.
Em nossa formação diuturna é imperiosa a compreensão do Direito atuando sobre
os fatos reais e não sobre questões teórico-jurídicas. Devemos sempre ter
presente a sua dinamicidade em domínio à sua estaticidade. Infelizmente não
basta que tão somente nós, os graduandos, consigamos vislumbrar essa face
holística do Direito contemporâneo. Tão importante quanto a prontidão
acadêmica, é a prontidão doutrinária e didática do professor universitário para
acolher e conduzir tal clientela rumo ao Direito libertário. Desta feita,
devemos todos, docentes e discentes, concebê-lo atrelado aos fatos sociais
hodiernos que correm contra o tempo e evoluem de forma agílima e, muitas vezes,
surpreendente, atropelando os lineamentos estruturais outrora vigentes.
“Não é a lei, pois, que sempre muda a realidade social, mas esta que exige
adequação das normas a um novo tempo, o que se efetiva através da função
desbravadora da jurisprudência. O julgador, inserido na realidade de seu tempo,
não pode negar-se a julgar por omissão da lei, nem aplicá-la com os olhos
postos no passado, mas sintonizado com a dinâmica social. A imobilidade e
alienação à realidade só podem conduzir à injustiça. Justa é a decisão que
mantém o ordenamento jurídico vivo e sintonizado com a realidade" ( in Ap.
193051083, 4a CCTARSP, rel. Márcio Oliveira Puggina)
Além isso, não podemos olvidar de reconhecer o princípio da hierarquia legal. A
Constituição Federal é soberana a toda e qualquer forma legal existente.
Nenhuma outra lei pode contradizê-la ou ignorá-la. O silogismo é primário: “se
os princípios regem a Constituição Federal e a Constituição Federal rege todas
as leis infraconstitucionais; logo, todas as leis infraconstitucionais são
regidas pelos princípios constitucionais”. Nenhuma lei, norma, decreto,
portaria, enfim... Nenhuma disposição de lei escapa a esta regra. Os princípios
constitucionais encontram-se gravados em todos as leis brasileiras e ninguém,
sob qualquer pretexto, pode desconsiderar esta regra basilar do Direito e
excluir, por seu alvitre, um princípio constitucional de qualquer norma
infraconstitucional.
Outro instituto do Código de defesa do Consumidor é a permissão da inversão do
ônus da prova em favor do consumidor sempre que verossímil sua alegação.
Trata-se de outro momento de aplicação do princípio constitucional da isonomia,
pois o consumidor como parte hipossuficiente na relação de consumo, tem de ser
tratado de forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdade real entre
os partícipes da relação de consumo. Mais uma vez o Direito vale-se da máxima
ruibarboseana de que a democracia e a verdadeira justiça se baseiam em
considerar desigualmente os desiguais, desigualdade essa reconhecida pela
própria lei.
Não resta a mínima dúvida de que a lei de proteção do consumidor municiou o
Judiciário de instrumentos jurídicos adequados para restabelecendo o equilíbrio
e a igualdade nas relações de consumo profundamente abalada pela nova ordem de
mercado.
O Direito do Consumidor não é matéria auto-suficiente, ao contrário, apresenta
nuances do Direito Civil, Penal, Constitucional, Administrativo, Tributário,
Internacional, Comercial, Econômico, Processual, Penal, etc. Faz-se imperativo
para o entendimento global e aplicabilidade da matéria, o entrelaçamaneto com
as outras disciplinas. Um entendimento isolado do Direito do Consumidor nos
deixará completamente alheios da sua aplicabilidade prática, favorecendo, de
tal sorte, o exasperado positivismo, conservadorismo, intransigência e
obstaculação crítica e doutrinária na aplicação do Direito em comprometimento
do exercício da justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Saraiva, 2000.
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GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; FINK,
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MATOS, Cecília. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, Dissertação
de Mestrado apresentada à Faculdade de direito da Universidade de São Paulo,
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Rio de
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In ata da 15ª reunião do fórum permanente dos juízos cíveis. 24/04/2001, às 10
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WATANABE, Kazuo, Anotações de palestra proferida no XXI Encontro Nacional de
Defesa do Consumidor, ocorrido em João Pessoa /PB em 21.06.01.
--------------------------------------------------------------------------------
[1] SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo. 20 ed. São
Paulo: Malheiros editores, 2002, p. 210.
[2] GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al.]. Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2001, p. 09.
[3] Ibdem, p. 17.
[4] VAL, Olga Maria do, política nacional das relações de consumo. Apud.
LISBOA, Roberto Sanise, Responsabilidade civil das relações de consumo. São
Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 2001, p. 84.
[5] MORAES, Maria Celina Bobin de, A caminho de um direito civil
constitucional. Apud. NOVAIS, Alinne Arquete leite. A teoria contratual e o
Código de defesa do Consumidor. São Paulo: revista dos tribunais, 2001, p.83.
[6] Schröder, Tiago Maranduba. In Aspectos da defesa do consumidor em juízo: a
inversão do ônus da prova nas ações de repetição de indébito. Juris Síntese nº
29 - MAI/JUN de 2001
[7] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Os transgênicos e o consumidor brasileiro:
Nações Unidas na Defesa do Consumidor", CNDC/MJ, Brasília, 1986. O autor é
consultor de empresas, advogado militante e professor da Fac. de Direito da
Univ. Católica de Brasília-UCB, ex-diretor de Faculdade de Direito em Brasília.
Já assessorou Ministros de Estados (Justiça, Desburocratização), foi Secretario
geral do Cons.Nac.Defesa do Consumidor-CNDC/MJ, desde o inicio até o fim da
elaboração do anteprojeto do Código do Consumidor-CDC. Foi responsável pela
estruturação e implantação da defesa do consumidor no Brasil (Procons,
Promotorias, delegacias policiais, juizados especiais e entidades
comunitárias). É autor de várias obras e artigos jurídicos publicados. Foi um
dos primeiros a escrever acerca do tema, inclusive formulando a política
inicial do setor e sendo o primeiro executivo da defesa do consumidor na esfera
federal.
[8] SOUZA, José Augusto Garcia de. Problemas processuais do código do
consumidor. In ata da 15ª reunião do fórum permanente dos juízos cíveis.
24/04/2001, às 10 horas.
[9] NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 3, set./dez., 1992.
[10] ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2 ed., São
Paulo: Saraiva, 2000.
RACHID, Patrícia Mara Ferreira da Luz Nogueira. O princípio da igualdade como razão essencial do princípio da vulnerabilidade no código de defesa do consumidor. Disponível em http://pontojuridico.com/modules.php?name=News&file=article&sid=86. Acesso em 27 de set. de 2006.