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Acerca da (i)legalidade do reajuste nos contratos de plano de
saúde coletivos
Marcelo dos Santos Rodrigues *
Como se sabe, existem três tipos de reajustes no tocante
aos contratos de prestação de assistência à saúde: reajuste por faixa etária,
reajuste financeiro (inflação dos custos médicos, hospitalares e farmacêuticos)
e, por fim, reajuste por sinistralidade.
Com efeito, no que concerne ao reajuste por
sinistralidade, objeto do presente trabalho, há grande discussão, seja no
âmbito doutrinário, seja no âmbito judicial, acerca da validade da cláusula
inserida em contrato coletivo de prestação de serviços de assistência à saúde,
que permite a alteração da mensalidade na hipótese de aumento da
sinistralidade.
A cláusula que gera a discordância prevê o recálculo do
prêmio em função da sinistralidade, isto é, toda vez que índice de sinistros
pagos atingir determinado percentual, em função do prêmio cobrado em período
imediatamente anterior, prevendo, assim, a possibilidade da empresa seguradora
a fazer novo cálculo de novo prêmio, segundo índices e parâmetros previstos
contratualmente.
A primeira premissa a ser considerada diz respeito à
natureza jurídica dos planos de saúde coletivos. Em verdade, ainda que exista
entendimento em contrário, vem prevalecendo o reconhecimento de que os
contratos ajustados com a empresa seguradora consubstanciam-se em legítimos
contratos de consumo, regulados, dessa forma, pelo Código de Defesa do
Consumidor, não o descaracterizando a intermediação do estipulante.
Dessa forma, enquadrando-se o plano coletivo de saúde na
categoria de contrato de consumo, como se disse, o principal efeito jurídico
decorrente é a incidência do C.D.C quanto à disciplina da matéria, notadamente
no tocante aos reajustamentos unilaterais das mensalidades.
Cumpre ser registrado, nessa oportunidade, que a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Reguladora responsável pela
regulamentação e disciplina da matéria, ao contrário do que ocorre nos planos
de saúde individual, onde fixa anualmente um índice máximo de aumento das
mensalidades que devem ser observados pelas seguradoras, não controla os
reajustes das mensalidades previstas no contrato coletivo, razão pela qual em
se tratando de planos dessa espécie, ficam as partes livres para estipular as
regras em casos que tais.
Todavia, ainda que a ANS não tenha regulado estritamente a
forma de reajuste dos contratos coletivos de assistência à saúde, bem como à
luz da possibilidade das partes contratantes convencionarem de forma direta as
diretrizes de reajustamento do plano, a forma de reajuste não pode, nem deve,
ser negociada ao arrepio da legislação e dos princípios de proteção do
consumidor.
Não se discute que a revisão do contrato, quando
circunstâncias supervenientes alteram a situação inicial de equilíbrio, é
direito de qualquer uma das partes.
Nesse aspecto, é imprescindível que qualquer aumento
contratualmente previsto seja veiculado através de fórmula claramente definida,
de sorte a fornecer antecipadamente ao contratante que suporta a majoração dos
valores uma perfeita noção do ônus que lhe será carreado em cada etapa
contratual.
Se por um lado a cláusula contratual atende às exigências
legais, noutro prisma, poder-se-ia discutir que a referida disposição permite o
reajuste do prêmio em razão da sinistralidade viola a disposição contida no
inciso X, art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que consagra
vantagem exagerada para a seguradora. De fato, ao permitir que o preço do
contrato seja reajustado sempre que houver um aumento na utilização dos
serviços, a cláusula elimina a característica aleatória do contrato de seguro
(plano) de saúde.
Como se sabe, através do contrato de seguro o segurador
assume a obrigação de garantir a outra parte contra prejuízos resultantes de
riscos futuros, previstos na avença, mas de acontecimento incerto. É esse
evento futuro e incerto que o contrato garante que mostra a sua característica
aleatória. Se o segurador adquire o direito de se precaver, mediante aumento
automático do prêmio, contra a ocorrência do evento futuro e incerto, desaparece
a aleatoriedade do contrato.
Precavendo-se da eventualidade de ter que arcar com custos
acima de certo patamar, a operadora elimina a aleatoriedade do contrato,
transferindo o ônus que, em princípio, seria seu, para o segurado. Todos os
riscos que são próprios da atividade securitária são transferidos para a outra
parte, caracterizando-se, assim, uma vantagem excessiva para a empresa
Seguradora.
À luz das considerações acima, se por um lado a cláusula
contratual que prevê o reajustamento do plano se afigura formalmente em
consonância com a legislação aplicável à matéria, por outro lado, forçoso é
reconhecer que a taxa de sinistralidade desnatura a modalidade do contrato
firmado, transferindo o ônus que originariamente incumbe à seguradora para a
empresa estipulante, sendo possível a argüição da ilegalidade do aumento ou, ao
menos, ser discutido a possibilidade de incidência de um percentual menor,
ressaltando-se, por oportuno, que a matéria não é pacífica no âmbito dos
Tribunais pátrios.
Ressalte-se, outrossim, que a Lei de Plano de Saúde
garante aos usuários dos planos coletivos de assistência à saúde o direito de
não terem de cumprir carência antes de receber atendimento à saúde, podendo
trocar de operadora sem prejudicar ao grupo de pessoas que representa, caso não
concorde com o reajuste pleiteado pela seguradora.
* Advogado e consultor jurídico em Salvador (BA).
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8530>. Acesso em: 25 jun. 2006.