Plano de saúde e
cobertura incondicional dos casos de emergência e urgência
Alex Sandro Ribeiro *
Emergência deriva de casos que impliquem risco imediato de vida ou de
lesão irreparável para o paciente, caracterizada em declaração de médico
assistente. Urgência, de sua vez, diz respeito aos casos resultantes de
acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional. A gravidade,
seriedade e impossibilidade de sujeitar-se à espera afiguram-se-nos requisitos
indissociáveis à caracterização da urgência e da emergência, a ponto de tornar
abusiva qualquer disposição contratual que cerceie o atendimento, salvo se se
tratar de situação inerente a estado pré-existente à contratação e de pleno
conhecimento do segurado e da seguradora do plano de saúde, ocasião em que as
disposições do contrato podem prevalecer.
Diz-se isto até porque, nos termos do artigo 35-c, da Lei n. 9.656/95, é
obrigatória a cobertura do atendimento nos casos de emergência e de urgência, o
que, somado a princípios constitucionais derivados da dignidade da pessoa
humana, implica na vedação de imposição de observância a período de carência
para consultas, internações, procedimentos e exames.
A necessidade de proteger a saúde e a vida do segurado, como exigência
que emerge dos princípios fundamentais em que repousa o próprio Direito
Natural, se sobrepõe a qualquer outro interesse, ainda que se ache tutelado
pela lei ou pelo contrato. Nesse sentido, aliás, cabe até atenção o disposto no
artigo 421, do Código Civil, que manda o contrato cumprir uma função social, o
que serve para impedir que o contrato se transforme num instrumento para atividades
abusivas, causando danos à parte contrária ou a terceiros, como ponderou o
saudoso Miguel Reale.
Apenas para argumentar, até mesmo para que o segurado possa começar a
usufruir da assistência medica da Previdência Social, não precisa ele observar
o prazo de três meses de carência, nos casos de urgência ou emergência, como se
pode defluir de singela interpretação do artigo 2º, da Lei n. 3.807/60, com as
alterações introduzidas pela Lei n. 6.950/81. A saúde é um direito fundamental
do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício (art. 2º, da Lei n. 8.080/90).
E, na duvida se o caso é de urgência ou emergência, deve-se concluir pela
opção mais favorável ao consumidor, pois deixar para analisar minuciosamente e a
posteriori dizer qual era, certamente levará tempo suficiente para que os
danos se tornem irreversíveis e irremediáveis; afinal, é a vida que está em
risco e não poderá ser reposta em caso de perda ou dano, como se de um bem
material qualquer se tratasse.
Partindo de todas estas premissas, inconteste se desenha o dano moral,
para se dizer pouco, em face da atitude da seguradora que, em momento de
extrema delicadeza para o segurado, quando necessitava do serviço
médico-hospitalar de suma importância para a sua vida, ou simplesmente para a
manutenção da sua higidez física, negou-lhe cobertura e sugeriu sua remoção,
causando-lhe momentos de apreensão, desconforto e desprazer, contribuindo
inclusive para o agravamento da debilidade.
De igual, anulável, se não inexigível, qualquer obrigação pecuniária
imputada ao consumidor segurado, notadamente aquelas estampadas em títulos
dados em caução, face à recusa da seguradora em cobrir os gastos da intervenção
de urgência ou emergência. Obviamente, qualquer caso de urgência ou emergência
em discussão num processo judicial desafia tutela antecipada – não vemos a
menor necessidade de preceder de ação cautelar preparatória – porquanto a
probabilidade, conceito que se chega, ao aproximar as duas locuções contidas no
artigo 273 da Lei Processual Civil (prova inequívoca e convencimento da
verossimilhança) é o motivo que deixa presumir a verdade de um fato da
preponderância das razões convergentes a aceitação de determinada proposição
sobre os fundamentos divergentes, isto é, a saúde, como bem intrinsecamente
relevante à vida e à dignidade humana, é condição de direito fundamental do
homem, não podendo ela ser caracterizada como simples mercadoria, nem
confundida com outras atividades econômicas, de tal sorte que a interpretação,
validade e extensão das cláusulas contratuais não podem sobrepujar-se ao sério
risco de vida, com receio de ineficácia do provimento final, o que justifica
plenamente o deferimento da tutela antecipadamente.
Exemplificativamente, pode-se citar a recusa em internar um criança de
tenra idade, sob o argumento de carência contratual ou ausência de cobertura,
mesmo necessitando de internação em UTI pediátrica sob pena de não sobreviver.
Evidente que, em casos que tais, aplicam-se diretamente princípios constitucionais
que consagram direitos fundamentais da pessoa ao contrato havido entre as
partes, flexibilizando-se o princípio do pacta sunt servanda à luz da
nova teoria geral dos contratos e desconsiderando a cláusula de carência e
cobertura ante a necessidade de atendimento à pessoa, respeito à sua dignidade
humana e à sua vida, sendo que este último é o primeiro e supremo direito, dele
decorrendo todos os demais.
Outro exemplo, já com a solução jurídica embutida, pode ser extraído da
seguinte ementa:
"Cobertura negada, sob o fundamento de insatisfeito período de
carência. Assistência, porem, conferida, em caráter emergencial, desde o
primeiro atendimento cirúrgico, para correção de hérnia inguinal, em
recém-nascido, até o tratamento subseqüente, com internação em UTI, primeiro
devido à intercorrência de edema pulmonar e de síndrome de angustia
respiratória, com risco à vida da paciente. Clausula de carência que, se
genericamente não se deve reputar abusiva, na espécie, porem, exibe como tal
sua aplicação cega, posto desconforme com a essência do plano de atendimento,
com o equilíbrio da relação contratual, com o princípio da boa-fé objetiva e
com o bem maior de vida por garantir. Espécie em que, ademais, como cláusula
restritiva que é, não mereceu o devido destaque, no instrumento da celebração,
como exige a legislação consumerista." (Apelação Cível n. 136.174-4/5-00,
10ª Câmara de Direito Privado do TJSP, São Paulo, Rel. Dês. Quaglia Barbosa, j.
08.04.2003, v.u.)
Por tudo isso, fácil concluir que apenas um atestado médico favorável à
transferência ou à alta médica sem o menor risco é a única condição plausível e
aceitável para definir se o segurado deve ser mantido ou aceito para
internação, tratamento, exames ou procedimentos em caráter de emergência ou
urgência, cabendo ao plano de saúde contratado suportar todos os gastos
decorrentes de tais situações.
* Advogado em
São Paulo, pós-graduado em Direito Civil pelo UniFMU.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8502>. Acesso em: 12 jun. 2006.