® BuscaLegis.ufsc.br

 

 

 

 

Alimentos transgênicos x Direitos do Consumidor no Direito Brasileiro

 

 

 

 

  Sobre o autor

ANTÔNIO JOSÉ DE MATTOS NETO é advogado, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito Privado pela Universidade Federal do Pará, professor de Pós-Graduação na Universidade Federal do Pará e na Universidade da Amazônia (Unama).

 

 

 

SITUAÇÃO DO PROBLEMA

 

 

 

Nos albores do terceiro milênio vivemos em um admirável mundo novo. Os avanços científicos fazem que estejamos experimentando situações, fatos, problemas nunca antes vividos. A Ciência, ilimitada, põe ao homem seus postulados, e este, limitado, procura meio para conviver frente às novas situações.

 

O progresso da Ciência e da Tecnologia conduzem o homem a melhor qualidade de vida. No entanto, esses mesmos ramos do conhecimento humano podem trazer a morte. Para conter a corrida de ganância dos inescrupulosos, urge que se edite leis de proteção à vida, à saúde, à qualidade de vida humana, ao equilíbrio ecológico, enfim, ao harmônico sistema biológico sobre o planeta.

 

Nesses largos passos científicos, a engenharia genética vem trazendo novos conceitos e criando novas situações que o homem necessita normatizar. A engenharia genética, conceito novo, merece ser regulamentada e ter seus limites impostos, sempre em favor da humanidade.

 

Esse ramo da ciência desenvolveu pesquisas que permitiu a transferência de material genético de um organismo para outro, vindo possibilitar o manuseio e uso de organismos geneticamente modificados – OGM, mais conhecidos como transgênicos.

 

Os produtos transgênicos causam impactos, sendo uns conhecidos, alguns prováveis, e outros desconhecidos cientificamente, mas com probabilidade de serem verificados. Tais impactos podem ser prejudiciais ao homem, seja enquanto cidadão com direito a boa qualidade de vida, seja enquanto consumidor, seja em relação ao meio ambiente.

 

No presente estudo, interessa-nos investigar até que ponto e em que medida os produtos transgênicos (organismos geneticamente modificados – OGM) devem ser postos no mercado de consumo, sem que venham atentar contra a vida, a saúde, a qualidade de vida, o meio ambiente equilibrado ecologicamente, bem como os sagrados direitos básicos do consumidor.

 

Esta é a nossa proposta de trabalho!

 

 

 

PRODUTOS TRANSGÊNICOS

 

 

 

Evidentemente, que no estreito espaço científico de nosso trabalho, com limitado objetivo e comezinhas noções de biotecnologia e biossegurança, não vamos nos estender desenvolvendo profundo trabalho tecnocientífico sobre produtos transgênicos. Para nossos objetivos, basta a noção simples e superficial sobre tais organismos geneticamente modificados.

 

Pode-se dizer que “a engenharia genética, também conhecida como técnica do DNA/RNA recombinante, permite a transferência de material genético de um organismo para outro ultrapassando as barreiras da compatibilidade sexual entre as espécies, na qual se fundamenta o melhoramento genético convencional. Através do melhoramento genético de plantas, grãos de pólen contendo o genoma completo de uma espécie são introduzidos nos ovários de uma outra espécie ou variedade de planta. Os genomas das duas espécies se recombinam e produzem um descendente que vai apresentar uma mistura de características, da qual o melhorista seleciona aquelas desejáveis através de um longo processo de seleção. Este método só é aplicável em espécies de plantas que apresentam afinidade sexual, em geral pertencentes a uma mesma espécie taxonômica ou a espécies proximamente relacionadas (pertencentes a uma mesma linha filogenética)”.1

 

Ainda, segundo a Ciência especializada, “a engenharia genética baseia-se no isolamento de um único gene que determina a expressão de uma característica de interesse. Este gene é posteriormente inserido na espécie alvo do melhoramento através de técnicas de transformação de plantas. Isto permite que uma determinada característica favorável, presente em um determinado organismo, possa ser transferida para outros organismos, mesmo que estes não tenham afinidade taxonômica com a espécie doadora do gene. Dessa forma, genes de diferentes organismos, inclusive pertencentes a reinos distintos, estão sendo inseridos em plantas, tais como milho, algodão, batata, soja, feijão, mamão, eucalipto, etc".2

 

Por medida de segurança, a legislação dos países que se preocupam com a matéria, inclusive o Brasil, exige uma análise prévia dos riscos potenciais, desde as atividades de pesquisa até os testes de produção e comercialização3. (Ver atividades no Projeto de Lei.)

 

O desiderato do legislador é implementar medidas que previnam os riscos, considerando a possibilidade de minimizá-los, ou, então, manejá-los, já que não existe risco zero. Explicitamente, quer se dizer que risco sempre há, e, considerando tal contingência, as leis devem minimizar ou manejar os riscos.4

 

Apesar desses cuidados, algumas experiências no Brasil têm preocupado os poderes públicos e instituições de defesa do meio ambiente e do consumidor, como, por exemplo, o caso da soja transgênica, no Rio Grande do Sul, produzida e iniciada comercialização pela empresa Monsanto do Brasil Ltda., e Monsoy Ltda. Dizem os especialistas que o princípio ativo dessa soja transgênica é o herbicida Round up, de amplo espectro, cujos resíduos foram encontrados em córregos, rios, lençóis freáticos, frutas e peixes e a utilização dessas águas, desses frutos e peixes, colocaria em risco a população consumidora, podendo provocar inúmeras doenças, tais como depressão do sistema imunológico, desordem do sistema nervoso central, dermatites, câncer, etc.5

 

Sendo cientificamente verdadeiros tais impactos prejudiciais ao homem, as empresas produtoras da soja transgênica estariam atentando contra vários direitos humanos, todos insculpidos constitucionalmente, a saber, os fundamentais direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ecologicamente, ao consumo adequado e sadio, etc.

 

 

 

EXIGÊNCIAS DAS NORMAS AMBIENTAIS PARA OS TRANSGÊNICOS

 

 

 

As empresas para produzir e comercializar os organismos geneticamente modificados devem cumprir exigências legais de várias ordens, inclusive as de tutela do meio ambiente.

 

Isto por que a axiologia trazida pela Constituição Federal de 88 elegeu o meio ambiente como direito fundamental do homem brasileiro, e dispensou um Capítulo específico para tratar a matéria, o VI, inserido no Título VIII que versa “da ordem social” , em cuja parte está o art. 225 que determina que “ todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, devendo ser preservado pela sociedade civil e Poder Público, para as gerações atuais e futuras.

 

A cláusula constitucional segue diretriz da ONU, segundo a qual o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, juntamente com o direito do consumidor, dentre outros, são direitos fundamentais de terceira dimensão.

 

Ainda por mandamento constitucional, o Poder Público tem o dever de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as instituições dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (CF, art. 225, §1º, II). Igualmente, o Poder Público tem o dever constitucional de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (CF, art. 225, §1º, V).

 

Por outro lado, também é dever constitucional do Poder Público exigir, na forma da lei, para a realização de atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, dando-se ampla publicidade (CF, art. 225, §1º, IV).

 

Ora, diante das normas constitucionais, é dever do Poder Público exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o denominado EIA, com o respectivo Relatório de Impacto Ambiental, o chamado Rima6, de todo e qualquer experimento, teste ou ensaio com organismos geneticamente modificados.7

 

Não basta as empresas produtoras e comercializadoras de produtos transgênicos cumprirem as exigências da Lei de Biossegurança (Lei nº 8.974, de 05.01.95), urge que obedeça também a legislação ambiental, e outras leis específicas de diversas áreas do conhecimento científico.

 

Nesse sentido, antes mesmo do plantio, em escala comercial, de qualquer produto geneticamente modificado, deve a empresa realizar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, pois o organismo em seu habitat natural vive equilibrado no ecossistema e se houver alguma modificação, inclusive genética, pode gerar conseqüências danosas ao meio ambiente e vir prejudicar o homem.

 

Medidas de precaução são salutares à manutenção do equilíbrio ambiental para as gerações presentes e futuras. A revista científica Nature publicou estudo mostrando que o milho transgênico cultivado experimentalmente no Brasil está pondo em risco o equilíbrio do ecossistema, pois contém um pólen que pode matar lagartas e uma espécie de borboletas.8

 

A modificação genética de uma espécie da natureza merece ser previamente analisada com detalhes, considerando as variações climáticas da região, o solo, as espécies endêmicas diferenciadas do local.

 

O Estudo Prévio do Impacto Ambiental obedece a um dos princípios fundamentais do Direito Ambiental, a saber, o princípio da precaução. Entende-se como tal, o constante no Princípio nº 15 da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992 (na ECO/92): “Para proteger o meio ambiente, medidas de precauções devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente”.

 

Quer dizer, se houver risco de dano futuro, ou mera possibilidade de prejuízo ao homem ou à natureza ou ao meio ambiente, não se deve deixar para depois as medidas efetivas de tutela ao meio ambiente, sendo a solução recomendável a não-aprovação da atividade ou do produto transgênico. Não há necessidade, pois, que se tenha prova científica de que ocorrerá o dano, basta a mera possibilidade, ainda que duvidosa.

 

Por outro lado, toda nova tecnologia, todo novo organismo geneticamente modificado, deve ser previamente analisado de modo exaustivo, para minimizar, o máximo, os efeitos indesejáveis, nocivos. Assim, os produtos engenheirados cujos efeitos são desconhecidos, não se sabendo se causará qualquer tipo de dano ao consumidor, deve ser previamente analisado, por estudo exaustivo.

 

Dessa forma, estará a empresa obedecendo a legislação ambiental, porque satisfeito estará o princípio da precaução, contemplado em sede constitucional.

 

 

 

DEVER DE RESPEITO ÀS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

 

 

O microssistema jurídico encerrado na Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor – o CDC, ampara o consumidor a partir, também, do respeito às normas ambientais. É que o CDC entendeu que o meio ambiente tem íntima relação com os direitos básicos do consumidor, sendo que muitas situações em que o fornecedor estivesse infringindo as normas ambientais estaria, conseqüentemente, espoliando um direito do consumidor. Por exemplo, se um fornecedor utilizar inadequadamente um produto químico no adubo da terra para o plantio de uma hortaliça, ou, então, se utilizar um produto químico não recomendável, ou condenado pelos órgãos públicos de fiscalização da agricultura, o consumidor, ao ingerir tal alimento, será ofendido no seu direito básico à saúde.

 

Assim, as normas de tutelas ao consumo constituem um sistema jurídico de proteção completa ao consumidor, de tal sorte que em não se cumprindo uma norma ambiental que tenha relação direta ou indireta com as relações de consumo, o fornecedor estará fatalmente desrespeitando as normas do CDC.

 

Nesse quadro, infere-se que a empresa que produzir e comercializar OGM, sem cumprir com as exigências das normas ambientais, como por exemplo o EIA/Rima, estará, evidentemente, infringindo norma de consumo, e, assim, ofendendo os direitos básicos do consumidor.

 

Abaixo, analisemos quais direitos do consumidor que podem ser maculados nessa situação.

 

 

 

DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR PASSÍVEIS DE VIOLAÇÃO PELO DESCUMPRIMENTO DE NORMAS AMBIENTAIS, NA EXPLORAÇÃO DE PRODUTOS TRANSGÊNICOS

 

 

 

Direito à vida

 

 

 

Sendo a vida um direito fundamental do homem, pois é um dos direitos humanos de primeira geração, constitui um sagrado direito constitucional e, mesmo, supraconstitucional, não podendo ser ofendido, pelo menos de acordo com os ordenamentos jurídicos do mundo moderno civilizado.

 

Os produtos engenheirados postos no mercado de consumo não devem acarretar riscos à vida do consumidor (CDC, art. 6°, art. 8º). Na construção de programas e políticas de relação de consumo, a ação governamental e a iniciativa privada devem imperativamente traçar metas e planos que protejam a vida do consumidor (CDC, art. 4º). E tal exigência está de acordo com o mandamento constitucional do art. 170, V.

 

Por isso, o OGM antes de ser produzido deve ser previamente experimentado, e mais do que isso, deve ser analisado exaustivamente para se conhecer os efeitos adversos como resultado dos genes altamente alienígenas inseridos em seus genomas.

 

Assim, por exemplo, a Ciência relata que na produção de suplemento alimentar, manipulou-se bactéria para produzir L-triptofano, e o resultado foi que uma molécula tóxica também foi produzida, causando síndrome easionofilia-mialgia, e que resultou na morte de 37 pessoas e de 1.500 com seqüelas.9

 

 

 

Direito à saúde

 

 

 

As integridades física e psíquica do consumidor são bens jurídicos tutelados pelo sistema de defesa do consumidor, por recomendação de documentos internacionais.

 

A ONU emitiu a Resolução 39.248, de 9.4.85 que traça as diretrizes para proteção dos consumidores e recomenda que os seus países membros adotem políticas de proteção ao consumidor. Uma dessas diretrizes constitui a proteção da saúde e segurança dos consumidores, segundo a qual os fabricantes devem manter registros de segurança para facilitar aos consumidores as instruções de uso adequado dos produtos, sendo as informações prestadas mediante símbolos internacionalmente reconhecidos.

 

O CDC insere no art. 6º, I, a proteção à saúde do consumidor, frisando que a Política Nacional de Relações de consumo será traçada tendo por pressuposto o respeito à saúde do consumidor (art. 4º). A lei consumerista brasileira exige, também, que o fornecedor coloque no mercado de consumo produtos que não atentem contra a saúde do consumidor (art. 8º), sob pena de responsabilização objetiva pelo dano de consumo causado (art. 12).

 

Assim, o OGM não deve atentar contra a saúde (integridades física e psíquica) do adquirente do produto. Deve-se evitar o que foi relatado pela literatura biomédica: a soja modificada geneticamente com genes da castanha do Pará resultou em alergia em pessoa.10

 

Por igual, um outro fenômeno do quotidiano brasileiro deve ser evitado. Refiro-me ao cão da raça pitbull, criada a partir de gens de outras raças caninas cuja experiência tem demonstrado que sua agressividade excessiva tem gerado riscos contra a integridade física e, até mesmo, contra a vida humana. Esses cães, muitas vezes, são comercializados e, nesses casos, o negócio fica sob o amparo das normas de consumo. A criação genética que resultou nesta espécie canina, certamente não considerou que a voracidade do animal atentaria contra a integridade das pessoas. E animais, tanto quanto os vegetais, fazem parte do meio ambiente, pelo que deveria ter sido melhor e mais experimentado a criação genética dessa espécie canina.

 

 

 

Direito à Segurança

 

 

 

A Resolução n° 39.248/85 da ONU elencou como um dos direitos fundamentais do consumidor, o de adquirir produto ou utilizar serviço seguro, ou seja, produtos e serviços que não coloquem em risco a vida e/ou saúde do consumidor. Recomendou a institucionalização do princípio da obrigatoriedade de colocar no mercado apenas produtos seguros, de retirar os nocivos e de indenizar o consumidor quando houver acidente de consumo.

 

Este direito foi preconizado originariamente em 1962, por John Kennedy, quando enviou mensagem ao Congresso americano intitulada “Consumers, by definition, include us all”, definindo quatro direitos básicos do consumidor: direito à segurança, direito à informação, direito de escolha e direito de ser ouvido. Aqui, pela primeira vez, o mundo civilizado falava em segurança do produto e do serviço.

 

O produto deve ser seguro na sua utilização, não ofendendo a integridade física ou psíquica do consumidor.

 

O CDC, no art. 6º, I, também insculpe como um dos direitos básicos do consumidor, o de adquirir produto seguro, sem riscos contra a pessoa do consumidor. Tal direito também é um valor relevante na Política Nacional de Relações de Consumo. A qualidade dos produtos postos à disposição dos interessados no mercado de consumo deve ser segura, imputando ao fornecedor a responsabilidade na ocorrência de dano por acidente de consumo (CDC, art. 12).

 

Nesse sentido, o produto transgênico não deve por em risco a saúde ou vida dos consumidores. Muito pelo contrário: a modificação genética deve visar a melhoria da qualidade de produtos de alimentação e nutrição. A espécie alimentar deve ser melhorada, mas deve ser inócua.

 

No entanto, há relato de caso em que o OGM trouxe risco à saúde do consumidor, como por exemplo o da modificação genética de hormônio bovino, em que o leite dos animais tratados com o hormônio engenheirado aumentou o riscos de câncer de mama.11

 

 

 

Direito à Informação

 

 

 

O CDC inscreve esse direito fundamental do consumidor no art. 6º, III, segundo o qual o fornecedor é obrigado a especificar corretamente a quantidade, características, composição, qualidade, preço e riscos que apresente o produto.

 

Este direito foi vislumbrado nas idéias de vanguarda de John Kennedy. Por seu turno, a ONU, em suas Diretrizes, reconheceu aos consumidores o princípio da adequada e necessária informação do produto. A ONU preocupou-se, inclusive, com a globalização econômica e fez inserir recomendação de obrigatoriedade das empresas multinacionais de informar, oferecer segurança e qualidade a todos os consumidores indistintamente, onde quer que elas atuem.

 

O direito de informação ao público consumidor corresponde ao dever do fornecedor de informar todas as características do produto, alertando-o de eventuais riscos, o que vem, por fim, propiciar liberdade de escolha, pois o consumidor conscientemente adquire o produto sabendo o que vai utilizar.

 

No CDC, se não houver o respeito a esse direito, o fornecedor responde civilmente por vício, nos termos do art. 12 e segs.

 

Devido o imperativo desse direito, o fornecedor de alimentos transgênicos é obrigado a rotular a mercadoria, esclarecendo que o produto é modificado geneticamente, suas características, e indicando o processo que resultou aquele produto e os riscos para o consumidor.

 

 

 

Direito à Liberdade de Escolha

 

 

 

O direito à liberdade de escolha é um corolário natural da informação correta, precisa, adequada e clara sobre o produto.

 

A Resolução nº 39.248/85 da ONU orienta que os governos devem exigir que os fornecedores informem adequadamente os consumidores na compra de produtos para capacitá-los a fazer a escolha acertada, de acordo com suas necessidades e desejos individuais.

 

O direito de escolha foi explicitamente nominado por Kennedy em sua histórica mensagem ao Congresso americano, tal a importância que o consumidor tem de optar livremente pelo que consumir.

 

O sagrado direito de liberdade de escolha do consumidor está cristalizado no CDC, art. 6º, II. Se o fornecedor omitir a informação, ou informar inadequada ou obscuramente, responde pelo dano causado, dependendo se o interesse ofendido do consumidor foi a integridade física ou psíquica (CDC, art. 12), ou se econômica (CDC, art. 18 e segs.).

 

O fornecedor é obrigado a informar a natureza transgênica do produto, para o consumidor poder optar entre o alimento modificado geneticamente e orgânico.

 

 

 

Direito contra a Publicidade Abusiva

 

 

 

O CDC tem como um dos princípios norteadores o da não-abusividade do anúncio publicitário.

 

É abusivo o anúncio que agride os valores sociais. Ofende, portanto, a ordem pública. E um dos valores de tutela permanente da sociedade é a saúde pública e a segurança que produtos e serviços devem dar ao consumidor.

 

O CDC, no art. 37, § 2º, in fine, proíbe qualquer publicidade “capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança”. Tal regra é posta em homenagem a um dos subprincípios que integram o princípio da não-abusividade, que é o da inofensividade da mensagem publicitária.

 

A nosso ver, se um OGM não for exaustivamente experimentado e analisado, nos termos da Lei de Biossegurança e das normas ambientais, e for posto à disposição da população consumidora, com divulgação de publicidade, neste específico caso, entendemos que há publicidade abusiva por induzir o consumidor a condutas nocivas à saúde e segurança, pois se deve considerar sempre que um produto transgênico é um risco à saúde do consumidor, já que a biotecnologia diz que não há risco zero.

 

Esclareça-se que somente nessa estreita porta pode haver publicidade abusiva, e não se enquadra no caso à empresa fornecedora do alimento transgênico que cumpra com todas as exigências legais brasileiras.

 

 

 

Direito à Efetiva Prevenção e Reparação de Danos Materiais e Morais

 

 

 

A prevenção e reparação de danos tanto materiais quanto morais são direitos assegurados originariamente desde os primeiros documentos internacionais de consumo.

 

A ONU, na multicitada Resolução, direciona aos países para que desenvolvam possibilidades de real ressarcimento ao consumidor.

 

A Constituição de 88 veio sanar a dúvida no ordenamento jurídico brasileiro sobre a ressarcibilidade do dano moral, pois o dano material já estava previsto desde 1916, com o Código Civil. A Constituição da República inseriu como uma de suas cláusulas pétreas, a indenizabilidade do dano moral.

 

O Código consumerista, no art. 6º, VI, prevê esse direito como fundamental do consumidor.

 

Nos casos em que os alimentos engenheirados causem dano à vida, saúde, integridade física ou psicológica do consumidor, evidentemente, que a empresa responsável para exploração do OGM terá que responder civilmente, reparando o dano, material ou moral.

 

 

 

OUTRAS NORMAS DE CONSUMO DE POSSÍVEL OFENSA NA PRODUÇÃO DE TRANSGÊNICOS

 

 

 

Práticas Abusivas

 

 

 

Na relação que apresenta, o CDC considera como uma das práticas abusivas a colocação, no mercado, de produto ou serviço sem a observância de normas técnicas oficiais (art. 39, VIII).

 

Em hipótese de transgênicos, já verificamos a necessidade legal de sempre ser feita a análise minudente dos riscos que o alimento alterado geneticamente pode causar ao homem, cujo resultado deve estar no Estudo Prévio de Impacto Ambiental e respectivo Relatório (EIA/Rima), pois a Resolução nº 1/86 do Conama assim exige.

 

Ora, em não sendo providenciado o EIA/Rima, o fornecedor está descumprindo norma técnica (a exigência do estudo da impactação ambiental) oficial (exigido pelo poder público federal), e assim, a conduta passa a ser abusiva.

 

Nessa situação, a qualidade do produto fica prejudicada, por que pode afetar a integridade física ou psíquica do consumidor, ocorrendo assim um vício por inadequação. A sanção legal prevista, dentre outras, é a possível apreensão, inutilização da mercadoria, ou cassação de registro, proibição de produzir ou suspensão de fornecimento do produto.

 

Afinal, o alimento transgênico deve corresponder aos padrões saudáveis de consumo humano, não podendo ser nocivo.

 

 

 

Cláusulas Abusivas

 

 

 

As cláusulas abusivas também são práticas condenáveis que podem ser verificadas na comercialização de OGM.

 

Exige o CDC, art. 51, XIV, que as cláusulas contratuais de fornecimento de produto ou serviço não infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais.

 

Aqui há de ser construído um raciocínio. Os alimentos geneticamente modificados e postos a venda no mercado de consumo, ainda que seu rótulo ou invólucro informe adequadamente a sua condição de transgênico, já trazem previamente no contrato de venda e compra futuro que tiver de ser entabulado pelo consumidor, a cláusula tácita, não escrita, de ter sido desrespeitada a norma ambiental, se a empresa produtora do alimento não elaborou o EIA/Rima. Na hipótese, como o alimento não passou pelo estudo de impactação ambiental prévia, a cláusula de infringência da norma ambiental adere ao futuro negócio de venda com o consumidor.

 

E, assim, o fornecedor do produto transgênico estaria contratando abusivamente, o que vai gerar a nulidade plena do negócio, devendo o consumidor devolver o alimento engenheirado e pedir seu dinheiro de volta (CDC, art. 51, § 2º).

 

 

 

CONCLUSÃO

 

 

 

O avanço tecnológico deve servir ao homem, sem ofendê-lo em seus bens jurídicos. O Direito, através das leis, deve encontrar respostas de controle sempre que a Ciência e a Tecnologia coloquem em risco a vida, ou saúde, ou integridade do homem, e por extensão dele, a natureza, o meio ambiente, os animais, os vegetais. Afinal, o equilíbrio do ecossistema não pode ser rompido, sob pena de extinção da espécie humana.

 

Por isso, os organismos geneticamente modificados representam um progresso da ciência e da tecnologia mas, não devem ser valorizados em detrimento da integridade e sobrevivência humanas. Qualquer modificação genética em produtos postos à disposição do homem pela natureza deve obedecer procedimentos que, ao final, venham beneficiar a humanidade.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

Almeida, Carlos Ferreira de. Os Direitos dos Consumidores. Coimbra, Livraria Almedina, 1982.

 

Benjamin, Antonio Herman de Vasconcelos e. Comentários ao Código de Proteção dos Consumidores. Comentadores Toshio Mukai...(et. al.); Coord.Juarez de Oliveira, S. Paulo, Saraiva, 1991.

 

Carvalho, João Luiz Homem de. Impactos das Biotecnologias na Agricultura, Estrutura Agrária e Soberania Alimentar. In: Anais do Seminário Internacional sobre Biodiversidade e Transgêncios, Brasília, 1999.

 

Coelho, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Direitos do Consumidor, S. Paulo, Saraiva, 1994.

 

Cordeiro, Ângela. Transgênicos: Conceito, Evolução, Conseqüências Sociais e para a Pesquisa Agrícola no Brasil. In: Anais do Seminário Internacional sobre Biodiversidade e Transgêncios, Brasília, 1999.

 

Correa, Alayde Teixeira. Código de Defesa do Consumidor: um Instrumento de Defesa do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, Belém, 2000, mimeografado.

 

Fontes, Eliana M.G. Desenvolvimento, Estágio no Brasil e Requisitos para uma Política Nacional de Biossegurança. In: Anais do Seminário Internacional Sobre Biodiversidade e Transgêncios, Brasília, 1999.

 

Grinover, Ada Pellegrini...(et. alli) Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 6. ed., R. de Janeiro, Forense Universitária, 1999.

 

Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Basileiro. 7. ed. rev., atual. e ampl., S. Paulo, Malheiros Editores, 1998.

 

-------------- . Et alli. Princípios Gerais de Direito Ambiental Internacional e a Política Ambiental Brasileira, S. Paulo, Revista dos Tribunais, 1993.

 

Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o Novo Regime das Relações Contratuais, S. Paulo, Revista dos Tribunais, 1992.

 

Mattos Neto, Antonio José. Manual do Consumidor; Doutrina, Jurisprudência e Legislação, Belém, CEJUP, 1992.

 

---------------. Et. alli. O Direito Agrário em Debate. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998.

 

Prudente, Antonio Souza. Sentença na Ação Cautelar Inominada nº 1998.34.00.027681-8, Autor: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC e Ré: União Federal. In: Revista do Consumidor, nº 31, jul/set.,1999.

 

 

 

NOTAS

 

 

 

1 Fontes, Eliana M.G. Desenvolvimento. Estágio no Brasil e Requisitos para uma Política Nacional de Biossegurança. In: Anais do Seminário Internacional sobre Biodiversidade e Transgêncios, Brasília, 1999, p. 22.

 

2 Idem, p. 23.

 

3 No Brasil, a matéria é regulada pela Lei nº 8.974, de 5.1.95.

 

4 Idem, p. 27.

 

5 Carvalho, João Luiz Homem de. Impactos das Biotecnologias na Agricultura, Estrutura Agrária e Soberania Alimentar. In: Idem, p. 67.

 

6 O EIA/Rima foi introduzido no Brasil com a Resolução nº 1/86 do Conama e está previsto no Princípio 17 da "Declaração do Rio de Janeiro", de 1992, que foi o documento fruto da reunião dos países que integram a ONU, tendo como tema o meio ambiente e desenvolvimento. Por sua vez, esta Conferência Internacional teve sua origem remota na Declaração de Estocolmo, de 1972, extraída da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, recomendando às nações que se preocupassem com a proteção ao meio ambiente.

 

7 O leading case no Poder Judiciário foi o da soja transgênica no Rio Grade do Sul, em Ação Cautelar Inominada, ingressada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC – contra a União Federal, envolvendo as empresas Monsanto do Brasil Ltda., e Monsoy Ltda., cuja brilhante e exemplar sentença prolatada pelo Juiz Federal Antonio Souza Prudente, exigiu o EIA, apesar da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ter aprovado o projeto e sua comercialização, sem a exigência daquele estudo de impacto ambiental.

 

8 Prudente, Antonio Souza. Sentença na Ação Cautelar Inominada nº 1998.34.00.027681-8, Autor: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC e Ré: União Federal. In: Revista do Consumidor, nº 31, jul./set.,1999, p. 290.

 

9 Cordeiro, Ângela. Transgênicos: Conceitos, Evolução, Conseqüências Soiais e para a Pesquisa Agrícola no Brasil. In: idem, p. 138.

 

10 Idem, ibidem.

 

11 Idem,ibidem.

 

 

Retirado de: http://www.consulex.com.br