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O Código de Defesa do Consumidor:
um microssistema normativo
eficiente?
Fernando Borges da Silva*
A Ordem Econômica e o CDC.
Ao estabelecer a defesa do
consumidor como Princípio da Ordem Econômica, o constituinte impôs ao
legislador ordinário a tarefa de criar um conjunto de normas capazes de
harmonizar a defesa do consumidor e o desenvolvimento econômico fundado na
economia de mercado e na livre concorrência. Promulgada a Carta Política,
fez-se premente a criação de um sistema normativo capaz de propiciar a efetiva
proteção do consumidor pretendida pela nova ordem. Para tanto, estabeleceu o
constituinte no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT, o prazo de cento e vinte dias para que o Congresso Nacional elaborasse o
Código de Defesa do Consumidor.
Depois de ardoroso trabalho de
análise, discussão e consolidação dos numerosos projetos existentes, o
Congresso Nacional, com certo atraso é verdade, se desincumbiu da tarefa e
aprovou a versão final do texto da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que
dispôs sobre a proteção do consumidor e deu outras providências.
Do ponto de vista jurídico, o
Código de Defesa do Consumidor – CDC, foi reconhecido
"como lei moderna e tecnicamente adequada à realidade atual das relações
de consumo" aqui na expressão Nelson Nery Júnior.
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Das Grandes Codificações aos Microssistemas Normativos.
Ao elaborar o CDC, o legislador
adotou técnica de contraponto às grandes codificações do século XIX, voltadas a
normatizar grandes áreas do direito. Tais
codificações, por seu caráter abrangente, deixavam de atender satisfatoriamente
a determinadas relações jurídicas que por sua natureza careciam de tutelas com
maior eficácia.
Essa tendência, no entanto, foi
amenizada pelo legislador que a partir do início do século passado iniciou à normatização através microssistemas
jurídicos capazes de atender as especificidades de determinadas relações que
exigiam tratamento peculiar. No Brasil, vários microssistemas
foram promulgados e, por sua especialidade, afastaram a incidência imediata das
normas gerais, v.g., o Dec-lei 58/37, que regula a
venda de lotes de terreno em prestações, a Lei 6.015/73, que dispõe sobre
registros públicos e a Lei 8.245/91, que dispões sobre locação de imóveis etc.
Dentre os microssistemas
normativos em vigor, nenhum alcançou tamanho destaque quanto o CDC, seja por
suas características, seja por sua aplicabilidade nas relações jurídicas de
consumo, principal modalidade da atividade econômica.
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Um Microssistema
Normativo Eficiente.
O que faz do CDC um microssistema normativo eficiente são os princípios em que
se funda. Tais princípios se irradiam diretamente da Constituição Federal e dão
ao consumidor um tratamento diferenciado em razão da natureza das relações
jurídicas que envolvem os atores desse tipo de relação em uma economia de
mercado. Essas peculiaridades do CDC são, em regra, inaplicáveis a relações
jurídicas subordinadas às normas gerais (Código Civil, Comercial, Código de
Processo Civil etc.)
O primeiro elemento caracterizador
desse microssistema normativo está na própria
Constituição Federal que considerou a defesa do consumidor direito fundamental
a ser promovido pelo Estado (art. 5, XXXII). Tal disposição levou o legislador
ordinário a atribuir ao CDC o caráter de normas de ordem pública e interesse
social (art. 1°). Na prática, significa dizer que o Poder Judiciário deverá, de ofício, nas lides que lhe forem apresentadas,
conhecer todas as questões inerentes às relações de consumo. Afasta-se, pois,
nessa matéria, o princípio dispositivo.
Outro importante caracterizador
desse microssistema normativo é o princípio da
isonomia estabelecido entre o consumidor e fornecedor, este entendido latu sensu. A principal virtude
desse princípio está em reconhecer a vulnerabilidade do consumidor no mercado
de consumo (art. 4º, I do CDC) como ferramenta para atingir a igualdade
pretendida pelo legislador. Implica reconhecer o consumidor como parte mais
fraca, hipossuficiente tanto econômica como
tecnicamente.
A partir desse reconhecimento de
vulnerabilidade, o Código disponibiliza vários outros instrumentos que
possibilitam a busca da igualdade, dentre os quais cita-se:
a)possibilidade
de inversão do ônus da prova em benefício do consumidor quando verossímil a
alegação ou diante de sua hipossuficiência percebida
segundo as regras de experiências(art. 6°, VIII);
b)a
interpretação de cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor
em todo e qualquer contrato de consumo (art. 47);
c)manutenção
de assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente e instituição
de Promotorias, Varas e Delegacias especializadas em matéria de consumo
(art.5º, I, II, III e IV);
d)concessão de
estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor
(art. 5º, V);
e)proteção
contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou
desleais, bem como contra práticas abusivas ou impostas no fornecimento de
produtos e serviços (art. 6°, IV).
A disciplina da responsabilidade
civil no CDC também o torna um microssistema
normativo peculiar e ao mesmo tempo eficiente, com normas inaplicáveis, via de regra, à responsabilidade civil estranha ao CDC. Esse
diferencial está calcado na adoção, pelo CDC, da teoria do risco da atividade.
Significa dizer que o simples exercício da atividade econômica no mercado,
coloca o fornecedor, produtor ou importador como responsável pela reparação dos
danos causados ao consumidor derivados dessa atividade. É a responsabilidade
objetiva pelos fatos e ou pelos vícios do produto e do serviço, previstas nos
artigos 12 e 18, respectivamente.
Vale citar ainda os princípios
relacionados aos contratos de consumo que reforçam o caráter de um microssistema normativo peculiar, com normas próprias e
diferenciadas daquelas destinadas a regular relações
jurídicas não consumeristas. Nesse ponto, o Código
adota tutelas específicas para relações contratuais celebradas entre consumidor
e fornecedor o que denota o tratamento diferenciado que o legislador quis
atribuir a tais relações. São exemplos desse tratamento jurídico peculiar,
dentre outras:
a)a boa
fé, equidade e equilíbrio regente dos contratos de consumo (art. 4°, III);
b)a
solidariedade legal dos causadores dos danos (art. 7°, P.U);
c)a
proibição de cláusulas abusivas com imputação de nulidade de pleno direito das
cláusulas assim consideradas(art. 6°, IV e 51);
d)interpretação
mais favorável ao consumidor nos contratos de consumo (art. 47);
e)possibilidade
de desconsideração da personalidade jurídica (art. 28).
Tais Princípios, somados às
disposições relativas à defesa do consumidor em juízo (art. 81 e Ss.) e a
disciplina adotada para a defesa dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos fizeram do CDC uma norma moderna e eficiente, com regras
e instrumentos adequados para a defesa do consumidor no mercado de consumo - em
regra inaplicáveis em outras relações jurídicas.
Essa eficiência tem se destacado
com a crescente conscientização de que o CDC não visa a
ruína de nenhum dos atores da relação de consumo. Visa sim assegurar o
desenvolvimento econômico fundado tanto na economia de mercado e na livre
concorrência, como na valorização do trabalho humano e na existência digna da
pessoa humana, conforme os ditames da justiça social estabelecidos na
Constituição Federal. É isso que o tem tornado eficiente.
* analista processual da
Procuradoria Geral da República, advogado, especialista
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7564
Acesso em: 25 nov. 05