® BuscaLegis.ufsc.br
ABUSO DE FRAQUEZA OU DA IGNORÂNCIA DO CONSUMIDOR
Mário FROTA
Presidente da APDC -
Associação Portuguesa de Direito do Consumo
Em caso de lesão dos interesses de qualquer
dos contraentes, o Código Civil previa já no seu artigo 282, sob a epígrafe
“negócios usurários”, a hipótese que segue:
“1. É anulável, por
usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade,
inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrém, obtiver
deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios
excessivos ou injustificados.
2. Fica ressalvado o regime especial
estabelecido nos artigos 559º-A e 1146º”.
E, no artigo 1146, figura a solução do teor
seguinte:
“1. É havido como
usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam
os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como usurária a cláusula
penal que fixar como indemnização devida pela falta
de restituição de empréstimo, relativamente ao tempo de mora, mais do que o
correspondente a 7% ou a 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não
garantia real.
3. Se a taxa de juros estipulada ou o
montante da indemnização exceder o máximo fixado nos
números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja
outra a vontade dos contraentes.
4. O respeito dos limites máximos referidos
neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282º a 284º.”
E, no tocante à usura criminosa, rege o
artigo 284 do Código Civil que cumpre destacar em particular:
“Quando o negócio usurário constituir crime,
o prazo para o exercício do direito de anulação ou modificação não termina
enquanto o crime não prescrever; e, se a responsabilidade criminal se extinguir
por causa diferente da prescrição ou no juízo penal for proferida sentença que
transite em julgado, aquele prazo conta-se da data da extinção da
responsabilidade criminal ou daquela em que a sentença transitar em julgado,
salvo se houver de contar-se a partir de momento posterior, por força do
disposto no nº 1 do artigo 287º.”
O crime de usura, previsto e punível pelo
Código Penal, configura-se do modo seguinte:
“1- Quem, com intenção de alcançar um
benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de
necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou
fraqueza de carácter do devedor, ou relação de
dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob
qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que
for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a
contraprestação é punido com pena de prisão até 2 anos
ou com pena de multa até 240 dias.
2- A tentativa é punível.
3- O procedimento criminal depende de queixa.
4- O agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se:
a) Fizer da usura modo de vida;
b) Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima
exigindo letra ou simulando contrato; ou
c) Provocar conscientemente, por meio da
usura, a ruína patrimonial da vítima.
5- As penas referidas nos números anteriores
são especialmente atenuadas ou o facto deixa de ser
punível se o agente, até ao início da audiência de julgamento em 1ª instância:
a) Renunciar à entrega da vantagem pecuniária
pretendida;
b) Entregar o excesso
pecuniário recebido, acrescido da taxa legal desde o dia do recebimento;
ou
c) Modificar o negócio, de acordo com a outra
parte, em harmonia com as regras da boa fé.”
A Lei dos Contratos Fora de Estabelecimento
(à distância, no domicílio, forçados,...) de 26 de Abril de 2001, porém,
consagra, no seu capítulo VI, um dispositivo que se perfilava já em legislações
alienígenas e que previne e pune o denominado abuso de fraqueza ou de
ignorância.
E a solução a que se provê contradistingue-se da que no direito comparado, em geral,
se contempla.
Fixemo-nos, em primeiro lugar, no que o
artigo 28 do DL 143/2001, de 26 de Abril, se encerra:
“1- É proibida a utilização da prática
comercial em que a falta de resposta de um consumidor a uma oferta ou proposta
que lhe tenha sido dirigida é presunção da sua aceitação, com o fim de promover
a venda a retalho de bens ou a prestação de serviços.
2- É igualmente proibida toda a prática comercial
que se traduza no aproveitamento de uma situação de especial debilidade do
consumidor, inerente à pessoa deste ou pelo agente voluntariamente provocada,
com vista a fazê-lo assumir, sob qualquer forma, vínculos contratuais.
3- Para os efeitos previstos no número
anterior, verifica-se uma situação de especial debilidade do consumidor quando
as circunstâncias de facto mostrem que este, no
momento da celebração do contrato, não se encontrava em condições de apreciar
devidamente o alcance e significado das obrigações assumidas ou de descortinar
ou reagir aos meios utilizados para o convencer a assumi-las.
4- O consumidor não fica vinculado ao
cumprimento de qualquer obrigação decorrente das práticas referidas nos nºs 1 e 2, mesmo que nas ofertas ou propostas se tenha
expressamente indicado que o decurso de um certo prazo sem qualquer reacção implica a sua aceitação.”
A preterição do tipo prevenido no dispositivo
que antecede constitui ilícito de mera ordenação social, tal como
imperativamente prescreve o artigo 32:
Pessoa singular – coima
de €500 a €3700
Sociedade mercantil – coima
de €3500 a €35000.
Se compulsarmos, porém, a legislação
francesa, os pressupostos típicos, que se assemelham aos que no ordenamento
jurídico nacional se perfilam, concluiremos que no
plano das consequências jurídicas são bem mais
gravosos os efeitos.
Didier
FERRIER, in “La Protection des Consommateurs”, Dalloz, 1996, págs. 26 e s.,
refere:
“O profissional
aproveita-se, por vezes, da vulnerabilidade de certos consumidores, em situação
de particular fraqueza, para fazer com que fora dos lugares normais de
comercialização, se vinculem de forma excessiva a compromissos que não estão em
condições de apreciar correctamente.
O crime de abuso de fraqueza (5 anos de prisão e multa de € 9 000), previsto e punido pelo
Código do Consumo – artigo L. 122 nº 8, assenta em três requisitos:
• que
o consumidor possa ser considerado no estado de ignorância ou de fraqueza:
pessoas idosas ou doentes, pessoas em estado de necessidade …
• que
o profissional se haja aproveitado com conhecimento de causa de uma tal
vulnerabilidade para o enganar (dolo) ou para o constranger (coacção)
• que
a operação se conclua fora do estabelecimento: no domicílio, por ocasião de uma
reunião ou de uma excursão organizada pelo empresário, no quadro de uma feira
ou de um salão.
• Que,
enfim, o consumidor tenha sido assim levado a obrigar-se tanto a pronto como a
crédito.
O abuso de fraqueza é também objecto de repressão, mas a título geral, pelo artigo 313,
nº 4 do Código Penal sempre que a vítima tenha “uma particular vulnerabilidade
devida à sua idade, a uma doença, a uma deficiência física ou psíquica ou
esteja grávida, de forma aparente ou declarada, e se encontre obrigada a um acto ou “a uma abstenção que lhe
são gravemente prejudiciais”.”
Na realidade, em França comina-se com pena de
prisão (5 anos) uma tal conduta e multa penal de €
9.000.
Ante tamanhas disparidades e porque a
harmonização, se não mesmo a uniformização se impõe, em homenagem a espaço
comum económico-social em que nos movemos, importaria
que se evoluísse para um quadro jurídico o mesmo no seio da União Europeia para que se não permita que os “pescadores de
águas turvas” triunfem por sobre a candura, a inocência, as debilidades e a
dependência psicológica de quem quer que seja, elegendo os “teatros de
operações” onde a menor gravidade da moldura ou do arsenal punitivo recomende a
agir ... pela relativa
impunidade que pressupostamente tal constitui ou
representa, como sucede entre nós.
Mário FROTA
Presidente da APDC - Associação Portuguesa de
Direito do Consumo -
Retirado de: http://www.mp.go.gov.br