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Uma agência para o crescimento econômico
Claudio Monteiro Considera*
Com
o Plano Real e as reformas econômicas o Brasil deu o passo definitivo para
estruturar uma economia de mercado. Com o fim da inflação e o conseqüente
ajuste de preços relativos, empresas e consumidores passaram a ter um claro
discernimento sobre seus custos de produção e de vida vis a vis seus
respectivos orçamentos. As reformas econômicas, por sua vez, possibilitaram a
abertura da economia e a integração internacional competitiva. As privatizações
reduziram substancialmente a intervenção do Estado na economia e, com raras
exceções, o Governo deixou de fixar preços e de interferir nas decisões de
produção.
Esses são os requisitos básicos para a prevalência de uma economia de mercado
em um ambiente competitivo, que a história do capitalismo demonstrou ser o mais
indicado para o desenvolvimento econômico. Forçadas pela concorrência, as
empresas inovam lançando novos produtos e introduzindo novas tecnologias de produção,
reduzindo custos e preços. Os consumidores usufruem dessas inovações adquirindo
maiores quantidades de bens e serviços, com melhor qualidade e menores preços.
Isso tem o efeito de induzir novos investimentos, aumentando a produção e o
emprego, com maior equidade social e portanto maior bem estar da sociedade. A
isso se chama desenvolvimento econômico.
Em
uma economia de mercado, para que esse ambiente competitivo funcione é
necessário, pelo lado da oferta, que nenhuma empresa ou um pequeno conjunto
delas seja capaz de manipular unilateralmente o mercado, reduzindo quantidades
e aumentando preços. Isso poderia ocorrer caso a parcela de mercado de uma
empresa ou de um pequeno conjunto delas fosse elevada o suficiente e ninguém
fosse capaz de contestar seu poder de mercado ou ainda, caso um pequeno número
de empresas fosse capaz de, em comum acordo e de forma a dividir mercados,
combinar preços e quantidades a serem vendidas.
Pelo
lado da demanda, para que o ambiente competitivo exista é necessário que os
consumidores sejam capazes de se informar o melhor possível sobre preços e
condições de acesso aos bens e serviços. Além disso, é preciso que os contratos
tácitos ou explícitos que organizam esse acesso sejam respeitados.
Para
que essas duas condições sejam alcançadas o Brasil conta com duas leis básicas
que visam proteger o consumidor, quer diretamente (Lei nº 8.078/90), quer
indiretamente por meio da promoção e defesa da concorrência (Lei nº 8.884/94).
Para aplicar essa legislação, o Estado conta com quatro instituições: a
Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, o Departamento
de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico e o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, ambos ligados ao Ministério da Justiça,
órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC. Para
cuidar dos assunto do Consumidor, existe, ainda, no âmbito da Secretaria de
Direito Econômico do Ministério da Justiça, o Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor, que coordena o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC,
integrado pelos órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e
pelas entidades privadas de defesa do consumidor.
A
criação de uma agência única reunindo aquelas instituições de âmbito federal,
cuja proposta está em consulta pública (www.planalto.gov.br), significa um
passo inequívoco do Governo no sentido de agilizar a proteção do consumidor e
de reduzir os custos pecuniários, o tempo de análise dos processos e as
incertezas que o atual sistema traz para as empresas. Representa, sem dúvida, o
cumprimento de um ponto de sua agenda para o crescimento econômico, tendo em
vista os argumentos acima apresentados: a importância da concorrência e da
satisfação do consumidor para uma política econômica que induza à melhoria do
consumo, em termos de quantidade e qualidade, do investimento, do emprego e de
salários competitivos – em resumo, que induza ao crescimento econômico.
Juntamente com a alteração do desenho do SBDC estão também submetidas à
consulta pública alterações na legislação básica de defesa da concorrência e de
proteção ao consumidor. Essas mudanças, aliadas a outras já efetuadas por meio
da Medida Provisória nº 2.055/00, de agosto último (que introduziu o programa
de leniência na esfera da concorrência), reforçam a capacidade de o governo
promover e defender o ambiente competitivo já mencionado.
O
conjunto de mudanças proposto situa o Brasil entre os países mais avançados nas
áreas em questão. A experiência internacional e as participações da Secretaria
de Acompanhamento Econômico nos fóruns de discussão de defesa da concorrência
mostram que as alterações propostas ou já são contempladas nas legislações de
diversos países ou estão sendo perseguidas por muitos outros. Entre as mudanças
mais importantes cumpre destacar:
1. uma instituição independente capaz de zelar por um ambiente competitivo sem
a interferência política, com tempo de análise e custos reduzidos para o
administrado;
2. uma clara distinção entre instrução (com o Diretor-Geral da Agência atuando
como "promotor" da concorrência) e
julgamento, com a preservação de um Tribunal da Concorrência independente;
3. o controle prévio de concentrações, pelo qual a Agência emite seu juízo em
relação às operações antes de sua consumação, acarretando tanto uma maior
colaboração das partes envolvidas para a celeridade da análise quanto a
ampliação das opções para a solução de problemas concorrenciais eventualmente
aventados;
4. a divisão de competências entre a Direção e o Tribunal da Concorrência no
controle de concentrações, o que permitirá a agilização do trâmite dos
processos sem eliminar o sistema de freios e contrapesos. Por esse sistema,
apenas os atos de concentração em que houver riscos efetivos à concorrência
seriam submetidos à análise do Tribunal. Por outro lado, nos casos mais
simples, em que o Diretor-Geral poderá decidir, sempre existe a possibilidade
de exame pelo Tribunal. Cabe observar que submeter à análise do Tribunal todas
as operações notificadas, a maioria das quais nitidamente não prejudiciais à
concorrência, é minar-lhe a possibilidade de ação efetiva, no horizonte de
tempo necessário, em casos de mérito.
5. um critério mais preciso para a notificação dos atos de concentração, pelo
qual serão sujeitas à notificação apenas as operações que possam causar,
efetivamente, impacto na economia brasileira (operações em que qualquer dos
grupos tenha registrado faturamento anual no Brasil, em qualquer dos últimos
três balanços, equivalente a R$ 150.000.000,00), sendo abolido o critério de
notificação baseado no domínio de percentual de parcela de mercado após a
concentração – hoje de 20% – elemento de incerteza para o setor privado quanto
à necessidade ou não de notificação;
6. um sistema de análise de operações de concentração simplificado, pelo qual,
a maioria dos casos será decidida em até 30 dias e o prazo máximo para a
análise, sob pena de aprovação da operação por decurso de prazo, é de 120 dias.
7. um tribunal da concorrência ágil e dedicado exclusivamente aos problemas de
mérito que passa a dirigir, por meio do Conselheiro-Relator a instrução dos
Processos Administrativos;
8. o fortalecimento do combate a condutas anticompetitivas, com ênfase na
repressão a cartéis;
9. uma coordenação nacional da política de proteção ao consumidor que seja
capaz de propor diretrizes gerais aplicáveis nacionalmente e de divulgar, adequadamente,
a legislação pertinente.
A
proposta de agência ora em consulta pública não visa conceder ou retirar poder
de nenhuma instituição anteriormente envolvida na defesa da concorrência e do
consumidor. Mas, sem dúvida dota o Estado brasileiro de uma maior capacidade
para proteger o consumidor ao modernizar o tratamento da questão concorrencial
no País, garantindo à sociedade maior possibilidade de alcançar o ambiente
competitivo exigido para o desenvolvimento econômico.
*Secretário de Acompanhamento Econômico Do
Ministério da Fazenda
Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev-19/Artigos/art_claudiom.htm
acesso em 12.08.05