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O Ministério Público, o Consumidor e a
Saúde Pública
Tycho
Brahe Fernandes
Promotor de Justiça (*)
Desde há muito vem-se
falando na dimensão social do Ministério Público, tendo esta Instituição, pouco
a pouco suprido ou tentado suprir, lacunas deixadas por outras Instituições.
Porém, muito do que foi feito no passado se deve a boa vontade de alguns
Promotores e Procuradores de Justiça que tinham, e têm, uma ótica elástica das
suas atribuições.
Ocorre que com o advento da
Constituição Federal de 1988 o Ministério Público foi alçado
constitucionalmente à condição de defensor "dos interesses sociais e
individuais indisponíveis" (art. 127) passando com isto a ter, de fato e
de direito, sua dimensão social.
Dentre as muitas áreas de atuação
do Ministério Público, que não cabem ser discutidas
agora, tem-se a defesa do consumidor, questão que, segundo dispõe o artigo 1º,
do Código de Defesa do Consumidor (CDC), é "de ordem pública e interesse
social".
Com estes dois potentes
instrumentos, tem o Ministério Público armas para, efetivamente promover a
defesa do consumidor, defesa esta que poderá se dar em diversas áreas.
Quando se fala em defesa do
consumidor, logo vem à mente do interlocutor o defeito em aparelhos adquiridos
no comércio, não havendo uma preocupação quanto à questão do consumo de
produtos alimentícios.
Pois bem, sabe-se que o
fornecedor, entendida a expressão na forma técnica do artigo 3º, do CDC, é
responsável tanto pelos produtos que comercializa quanto pelos serviços que
presta, entrando aí a preocupação do Ministério Público quanto à questão da
saúde pública.
Qualquer produto alimentício
posto no mercado precisa estar adequado a uma série de normas prévias a sua
produção e comercialização e, mesmo após esta entrada no mercado há normas a
serem seguidas.
Por isto, o CDC, em seu artigo
18, par. 6º, estabelece serem impróprios ao consumo os produtos com prazo de
validade vencida (inc. I), deteriorados, alterados, adulterados, avariados,
falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou,
ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação,
distribuição ou apresentação (inc. II) e ainda aqueles que por qualquer motivo,
se revelem inadequados ao fim a que se destinam (inc. III).
Quando caracterizada qualquer uma
das situações acima, e chegando o fato ao conhecimento do Ministério Público,
seus Órgãos agentes tomam, em regra, dois tipos de medidas.
As primeiras, de cunho criminal,
tendentes a responsabilização dos infratores das
normas legais, enquadrando-os, em regra, na Lei 8.137/90, em um dos incisos de
seu artigo 7º que trata dos crimes contra as relações de consumo.
A seguir, o que é mais importante
para esta exposição, toma as medidas civis cabíveis. E aí tem-se
um campo vastíssimo de possibilidades, que vão desde a extremada retirada de
circulação de um determinado produto do mercado, até as mais simples, como a
adequação de pequenos problemas no produto para que o mesmo possa ser
comercializado.
Pode ocorrer que, as medidas
tomadas não sejam suficientes ou, somente chega notícia do ocorrido ao
Ministério Público após sérios problemas ocorridos, o que é a regra, quando
então passa-se a responsabilização civil dos
responsáveis pelo dano ocorrido.
Acerca do assunto dispõe o artigo
12 do CDC que "o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou
estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
decorrentes de projeto, fabricação, (¿), manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos (¿)", ficando claro a responsabilidade
dos mesmos, independentemente de ter ocorrido culpa no fato danoso.
A título de exemplo aponta-se que
o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em sua Coordenadoria de
Defesa do Consumidor, a partir de 1994 até o presente momento já instaurou onze
procedimentos para apurar toxinfecções alimentares
das quais, três foram motivadas por denúncia de
consumidores, três por documentos remetidos pela Vigilância Sanitária e, os
demais, em razão do conhecimento do Promotor através de matérias jornalísticas.
Recebida a denúncia requisita-se
da Secretaria de Estado da Saúde (Vigilância Sanitária e Vigilância Epidemológica) informações que confirmem a ocorrência do
fato, tais como, laudos de análise dos alimentos suspeitos, relatórios de
vistoria do estabelecimento comercial (autos de intimação, infração) , exames clínicos dos manipuladores de alimentos,
inquérito epidemiológico do surto.
Uma vez confirmado o surto, o
responsável pelo fornecimento do produto é notificado para cientificar-se da
ocorrência, expor seus argumentos e apresentar defesa sendo que, em esta tendo
procedência duas ordens de medidas podem ser tomadas.
A primeira, quando há a
conscientização do fornecedor, é obtida através da assinatura de Termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta e, a segunda, o aforamento da competente
ação civil pública.
Em ambos os casos, o que busca o
Ministério Público é a indenização dos gastos que as vítimas efetuaram com
médicos, exames, internações hospitalares e remédios, bem como, e tão ou mais
importante, a adequação do estabelecimento fornecedor do produto, que deu causa
a toxinfecção, às normas vigentes.
Ressalte-se que, dos
procedimentos instaurados pela Coordenadoria, quatro ensejaram ajustamento de
conduta, com o intuito de indenizar todos os prejuízos comprovadamente sofridos
por consumidores que demonstraram ter sido vítimas da toxinfecção
alimentar. O ajustamento de conduta visava também o cumprimento de todas as
determinações exigidas pela Vigilância Sanitária. Três procedimentos foram
encaminhados ao DEIC para a instauração de inquérito policial, um procedimento
foi arquivado visto que o estabelecimento comercial encerrou suas atividades em
razão do surto ocorrido e não foi possível localizar o proprietário. Dois
procedimentos foram considerados improcedentes, pois não ficou constatado a ocorrência de surto de toxinfecção
alimentar. O último, por sua vez, foi arquivado uma vez que a Vigilância
Sanitária demorou a remeter os laudo competentes,
embora por três vezes requisitados e, quando o fez, concluiu que estava tudo
regular no estabelecimento.
Concluindo, entende-se que o
Ministério Público, ao atuar em conjunto com a Vigilância Sanitária e
Vigilância Epidemiológica, poderá contribuir
positivamente para defender os direitos do consumidor lesado, responsabilizar,
civil e criminalmente os responsáveis pelo fato ocorrido e, coibir
indiretamente a incidência de surtos de toxinfecção
alimentar, uma vez que atribuir-se-á ao fato o respeito e a importância que
merece ao serem esgotadas todas as medidas no âmbito administrativo e judicial,
imputando aos infratores as penalidades previstas por lei, cumprindo estes
organismos, suas funções sociais.
(*) Ex-coordenador das Promotorias de Defesa
do Consumidor do Centro das Promotorias da Coletividade do Ministério Público
de Santa Catarina.
Data: 08/11/2004
Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br