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Práticas Abusivas penalizam o
Contribuinte
Paulo Antonio Locatelli
Promotor de Justiça (*)
São conhecidos os abusos
praticados na cobrança de dívidas de consumo. Os artifícios são os mais
diversos e ardilosos, não sendo raros, inclusive, os casos de ameaças,
telefonemas anônimos, cartas fantasiosas. Infelizmente, apesar de o Código de
Defesa do Consumidor conter normas de proteção (preventiva) e de punição, tanto
na área civil como penal, o consumidor ¿ principalmente o de baixa renda ¿ é
exposto a ridículo, submetido a constrangimento ou a ameaça, procederes vedados
pela lei.
Cobrar uma dívida é atividade
diária e legítima, contra a qual o Código não se opõe. Sua objeção diz respeito
aos excessos praticados no ímpeto desenfreado de receber o crédito. O Código
inclusive não chega a proibir a cobrança no local de trabalho, descanso ou
lazer do devedor, desde que não haja interferência a ponto de prejudicar a sua
atividade normal nesses locais. Tenham-se como exemplo cobranças impróprias que
contribuem para a instabilidade matrimonial, acarretam a perda do emprego e
invadem a privacidade individual. Outra atividade abusiva é a de envolver
terceiros alheios à relação consumidor-fornecedor, como os seus familiares,
muitas vezes com o fim único de envergonhar o inadimplente.
Também é vista como reprovável
pelo Código a cobrança de quantia indevida. Nesse caso, o consumidor terá
direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, salvo engano justificável. O Código Civil, no seu art. 1.531, já traz
semelhante garantia para os casos em que houver demanda por dívida já paga, no
todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for
devido, quando então ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o
dobro do que houver cobrado, e, no segundo, o equivalente ao que dele exigir.
Aplica-se esse último dispositivo
às praticas abusivas que estão sendo adotadas por certas prefeituras municipais
na cobrança do IPTU. Não se discute o imposto em si, que deve ser pago a fim de
que todos participem do desenvolvimento da cidade, melhorando a qualidade da educação,
ampliando o atendimento à saúde e viabilizando programas sociais. Ocorre que
algumas administrações, quando da emissão do carnê, noticiam de forma
alarmante, causando certo temor e constrangimento, que foi ajuizado processo de
execução de dívidas referentes ao imposto atrasado, porém, na maioria das
vezes, tal encargo já foi quitado pelo contribuinte. Por não ser relação de
consumo, mas questão tributária, obviamente não se aplica o Código de Defesa do
Consumidor. Incide, neste caso, o disposto no Código Civil, podendo o executado
exigir da Administração Pública, quando dos embargos à execução, a repetição do
indébito, por valor igual ao dobro do que está sendo cobrado.
Saliente-se que o disposto no
art. 26 da Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) não impede a repetição do
indébito na forma já apontada, apesar de dispor que não haverá ônus para as
partes quando, antes da sentença, a inscrição de dívida ativa for cancelada, a
qualquer título, extinguindo-se o feito. O pagamento em dobro da importância
cobrada indevidamente não caracteriza um ônus processual como as custas ou os
honorários advocatícios, mas uma sanção pela má-fé ou culpa pelo equívoco.
Em se tratando da Administração
Pública, podemos afastar a hipótese de má-fé que penso inexistir, levando-se em
conta que o administrador cumpre os princípios basilares previstos na Carta
Magna, principalmente o da moralidade. Contudo, não se pode falar em engano
justificável ou ausência de culpa, uma vez que o setor responsável deve
executar judicialmente os contribuintes inadimplentes, possuindo dados
suficientes para não agir com erro.
Esse equívoco pode causar sérios
transtornos aos contribuintes que foram alertados para possíveis dívidas, seja
de cunho moral ou até mesmo patrimonial, pois muitos chegam a pagar pelo que
não devem e outros se vêem alarmados pela notícia.
Também viola dispositivo de
defesa do consumidor a exigência de que este efetue o ressarcimento das custas
de cobrança de sua obrigação, como as despesas pela emissão de bloquetes ou carnês para pagamento.
Embora não seja relação de
consumo, essa prática é bastante corriqueira por parte de prefeituras,
merecendo reprovação, mesmo que se encontre amparada por lei municipal. A
administração freqüentemente repassa os custos de cobrança dos tributos (taxas
e impostos) aos contribuintes. A questão fica ainda mais alarmante quando se
constata que o valor cobrado pela emissão do carnê, denominado de "taxa de
expediente", embora fixo, varia de 1% a 20% do valor dos tributos devidos.
É certo que existem despesas para as administrações com a confecção dos carnês,
gastos operacionais de manutenção de cadastro e envio pelo correio, culminando
com os custos gerados pela cobrança bancária. Porém, tais importâncias não
podem ser repassadas ao contribuinte.
Assim, seja no âmbito das
relações de consumo ou no relacionamento entre administração pública e
contribuinte, espera-se que, à avareza ou ao descuido, se sobreponha o respeito
ao cidadão, que não pode ser lesado por práticas consideradas
abusivas pela legislação que o protege, incumbindo ao Ministério Público estar
sempre alerta para defendê-lo.
(*) Ex-coordenador das
Promotorias de Defesa do Consumidor do Centro das Promotorias da Coletividade
do Ministério Público de Santa Catarina.
Data: 08/11/2004
Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br