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ADIN 2591, O direito do consumidor
e os bancos Parte 1
.
Celso
Oliveira
Diretor da CMO Consultores Associados
Editor da Revista Direito Bancário Online
Autor das obras: Processo constituinte e
Constituição e Limite constitucional dos juros bancários
.
.
1.
ANTECEDENTES. A Confederação Nacional do Sistema Financeiro que congrega a
Federação Nacional dos Bancos, a Federação Nacional das Empresas Distribuidoras
de Títulos e Valores Mobiliários, a Federação Interestadual das Instituições de
Crédito, Financiamento e Investimentos, e a Federação Nacional das Empresas de
Seguros Privados e Capitalização ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIN 2591
visando primordialmente que sejam desconsiderados os “ serviços
bancários como relações de consumo”.
Pretende a
CONSIF que o contido no parágrafo segundo do artigo terceiro da Lei 8.078/90 que delimita o serviço como “ qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista “ não seja aplicado aos serviços bancários como as
cadernetas de poupança, os depósitos bancários, os contratos de mútuo, os
cartões de crédito, os contratos de seguro, de abertura de crédito.
2.SERVIÇOS
BANCÁRIOS. Devemos partir dos ensinamentos do mestre Carvalho de Mendonça[1]
onde define o banco como sendo uma empresa comercial “cujo objetivo principal consiste na intromissão entre os que
dispõe de capitais e os que precisam obtê-los, isto é, em receber e concentrar
capitais para, sistematicamente, distribuí-los por meio das operações de
crédito.” Fran Martins [2] vai mais além, entendendo que os bancos “ são mais
do que meros intermediários, são mobilizadores comerciais do crédito, mediante
recebimento de capital de terceiros e empréstimo deste capital, em seu próprio
nome, aos que dele necessitarem . Em síntese, o banco é definido como uma
empresa comercial que capta poupança e a distribui sistematicamente através de
operações de crédito. Mais especificamente, o banco se utiliza de recursos de
terceiros, ou próprios, na atividade creditícia de tomar e dar em empréstimo. O
que releva da atividade bancária, para este trabalho, é a sua natureza
comercial”.
E de forma
complementar o mestre Arnaldo Rizzardo[3] retrata que os serviços bancários,
são “a atividade principal dos Bancos se desenvolve nas chamadas operações
bancárias, consistentes em conceder empréstimos, receber valores em depósito,
descontar e redescontar títulos, abrir créditos, enfim, na realização da série
de atos próprios para a consecução de sua finalidade econômica.”
3.RELAÇÃO DE
CONSUMO. Entende-se por Direito do
Consumidor, o agrupamento de normas jurídicas que visam regular as relações
estabelecidas entre a pessoa do consumidor e do fornecedor. Esta relação,
denominada relação jurídica de consumo, é então no ensinamento de Cláudio
Bonatto[4] "o vínculo que se estabelece entre um consumidor, destinatário
final, e entes a ele equiparados, e um fornecedor profissional, decorrente de
um ato de consumo ou como reflexo de um acidente de consumo, a qual sofre a
incidência de norma jurídica específica, com o objetivo de harmonizar as
interações naturalmente desiguais da sociedade moderna de massa".
Na doutrina comparada temos o
estudo do jurista Santiado Rivero Aleman[5] onde: “ El crédito en general
implica la puesta de medios dinerarios a disposición del acreditado para su
restituición con aplazamento, de lo que se desprende la existencia de dos
prestaciones reciprocas (entrega y restituición) y dos prestaciones
conmulativas (el plazo y el interés), notas que son comunes a una diversidad de
negocios jurídicos en los que interviene el plazo como caracteristica y de los
que se puede deducir su generalización bajo el común denominador de
"contratos de crédito", el mutuo, la renta vitalicia, el depósito
irregular, los contratos bancarios de crédito, el descuento y el antecipo o
descubierto. Hablar del consumidor a crédito supone encuadrarlo en el sentido
anteriormente expresado de sujeito que obtiene medios dinerarios para su
devolución a término y, respecto del crédito bancario, através de diversas
modalidades en las que siempre concurre, la contraprestación retributiva del
interés en razón de la profesionalidad de la prestación y del tiempo que haya
de hasta la restituición.”
A partir das
definições, pode-se propor uma classificação tripartida para os atos jurídicos
de consumo - para a qual em muito contribui a experiência vinda da divisão
clássica do direito privado brasileiro e as construções doutrinárias
desenvolvidas no seu âmbito para a tipificação dos atos de comércio -, a
saber: I – Os atos de consumo próprios
ou por essência: são os atos de consumo por excelência, de regra praticados
pelo consumidor nas pontas finais da cadeia de circulação dos produtos e
serviços; II – Os atos de consumo por
acessão ou dependência: são os atos de consumo próprio praticados pelos
fornecedores para a viabilização do seu empreendimento e alavancagem das
atividades da sua agência produtora de consumo, no fluxo circulatório de bens
nos setores primário, secundário e terciário da economia; III- Os atos de consumo por força de lei:
são os atos de consumo objetivos, cujas relações jurídicas são submetidos
mandatoriamente, por força de lei, à disciplina regulatória - direta ou
incidental - do Código de Defesa do Consumidor e seus consectários normativos,
independentemente da qualificação ou funcionalidade dos sujeitos envolvidos na
relação jurídica.
4.BANCO
FORNECEDOR E O USUÁRIO DO SISTEMA BANCÁRIO COMO CONSUMIDOR Por outro lado, ampliando ainda mais o seu
círculo subjetivo de abrangência incidental, o art. 3°., caput, do Código de
Defesa do Consumidor, estabelece que “Fornecedor é toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.”, e, em seguida, no seu §
2°., define que “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo[6], mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária[7],
financeira, de crédito[8] e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista”. De forma
conclusiva temos que o dinheiro é um bem consumível [9].
Por
conseguinte na relação bancária e financeira, surge o consumidor como sendo o
tomador do crédito[10] para utilização própria ou o correntista da instituição
financeira. Maria Antonieta Zanardo Donato[11], tratando da questão, sustenta
que :
"Em se
tratando de consumidor - pessoa física - não haverá de surgir qualquer dúvida.
Vale dizer, ocorrendo uma prestação de serviços bancários, onde figurem, de um
lado, na qualidade de fornecedor um determinado banco comercial e, de outro, na
qualidade de consumidor, uma pessoa física qualquer, que contrate objetivando
uma destinação final, parece-nos evidente que essa relação jurídica se
caracterizará como uma relação de consumo. A inclusão da pessoa física,
enquanto consumidor, é clara, segundo o texto da lei” .
Assim, sob os
ensinamentos do mestre Waldírio Bulgarelli[12] considera como consumidor
"aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir,
estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida,
porém a que se deve dar uma valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer
evitando, quer reparando os danos sofridos".
Em seguida, em
definição ampliativa abstrata do seu universo incidental de regulação, cria e
legitima a figura do consumidor equiparado, dispondo que “Equipara-se a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo” (art. 2°., parágrafo único)[13].
Novamente
retratando o artigo 2º o critério é a destinação final, no artigo 29[14] outro
é o fundamento: exposição das pessoas às práticas de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços, práticas perpetradas por
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, bem como os entes
despersonalizados (artigo 3º).”
O critério do
artigo 29 é mais amplo, razão por que a equiparação, sejam destinatários finais
efetivos ou virtuais, estabelece outra espécie de consumidores [15] e, na jurisprudência: O conceito de consumidor, por vezes, se
amplia, para proteger quem
"equiparado". É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas
comerciais e da proteção contratual, "equiparam-se aos consumidores todas
as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas" .
Segundo a
jurista Cláudia Lima Marques[16]: “apesar das posições contrárias iniciais, e
com apoio na doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram
consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo
espírito do CDC de boa fé [17]obrigatória e equilíbrio contratual”[18]. Assim, sem extreme de dúvidas aplica-se o
Código de Defesa do Consumidor nas operações bancárias. Este aspecto, aliás, foi objeto de
excelente estudo de Antônio Carlos Efing [19] e de anotações de Arnaldo
Rizzardo[20], que estabeleceram sólidas bases na qualificação consumerista da
matéria bancária.
De fato o
Código de Defesa do Consumidor foi
editado para revolucionar as relações vividas na sociedade brasileira, impondo
a partir da sua vigência, o fornecimento de produtos e serviços segundo os
melhores padrões de qualidade, confiabilidade e segurança. Desta forma, não se pode admitir que somente
alguns segmentos da economia nacional fiquem à margem dessa evolução
legislativa, como no caso das instituições bancárias e financeiras. A defesa do consumidor possui respaldo na
Constituição Federal que à elevou a categoria de princípio geral da atividade
econômica (art. 170, inc. V) e garantia individual (art. 5º, inc. XXXII), bem
como o ordenamento jurídico repugna abusividade, seja no plano constitucional,
comercial ou financeiro
5. NORMA DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. O Código de
Defesa do Consumidor, preceitua critérios específicos para o funcionamento dos
contratos e serviços bancários, pois estes devem estar sujeitos às normas de
ordem pública e de interesse social previstas no diploma legal.[21] [22]
E propriamente
foi a expressão utilizada pelo jurista José Geraldo Brito Filomeno[23] ao
comentar o capítulo I do Código de Defesa do Consumidor onde retrata que “
aliás, o Código fala expressamente em atividade de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária”.
De forma mais incisiva ressalta Nelson Nery Junior[24], "as operações bancárias estão
abrangidas pelo regime jurídico do Código de defesa do Consumidor ",
opinião que destoa com o pensamento jurista Ada Pellegrini Grinover[25] , onde
"não há dúvida sobre a natureza jurídica da atividade bancária.”
Destacamos
inicialmente que o Direito do Consumidor Brasileiro consubstancia-se na Lei n.º
8078 de 11 de setembro de 1990, que deu cumprimento ao mandamento
constitucional do artigo 5.º , inciso XXXII da Constituição Federal de
1988[26]. O elevado grau de cumprimento espontâneo do Código em questão, tem
demonstrado sua efetividade, seja pela aceitação de suas leis por parte das
empresas, pela consciência popular desenvolvida e pela criação de inúmeras
associações destinadas a defender os direitos da classe consumidora, seja pelo
próprio Estado que se mobiliza na criação de órgãos públicos para atendimento
individual dos consumidores, e na multiplicação de Juizados de Pequenas Causas
pelo Poder Judiciário.
Assim o Código
de Defesa do Consumidor rege as
principais operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito[27],
pois são relações de consumo (RT 697/173) e
os bancos, como prestadores de serviços estão submetidos às disposições
do Código. A circunstância de o usuário consumidor dispor do bem recebido através da operação bancária,
transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o
descaracteriza como consumidor dos serviços prestados pelo banco .
6. A APLICAÇÃO
DO CÓDIGO DE DEFESA DE CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS. Destarte que no II Congresso Brasileiro do Consumidor incluiu
como sua 9ª conclusão: "O Código de Defesa do Consumidor tem aplicação
imediata aos contratos[28] com eficácia duradoura, conforme o art. 170 da
Constituição Federal e art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil.".
Neste mesmo
sentido, no IV Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor[29], realizado em
Gramado-RS, no Painel sobre Serviços Bancários e Financeiros, foi aprovada, por
maioria, a seguinte conclusão: "As regras dos Capítulos V (Das Práticas
Comerciais) e (Da Proteção Contratual), do Título I, do Código de Defesa do
Consumidor, por força do disposto no art. 29, aplicam-se, sem restrição, às
relações jurídicas profissionais (pessoas físicas ou jurídicas), sempre que, em
concreto, evidenciada a situação de desequilíbrio entre os figurantes (vulnerabilidade
em concreto).
Importante se
faz a apreciação de algumas manifestações no
1 Simpósio Internacional de Direito Bancário organizado pelo Instituto
Brasileiro de Política e Direito
Bancário e Financeiro. Para o Professor de Direito Comercial e Juiz do Segundo
Tribunal de Alçada Cível de São Paulo Manoel de Queiroz Pereira Calças na
palestra Princípios Fundamentais do Ordenamento Bancário Financeiro na União
Européia e na América Latina entende que “Por isso na aplicação do Código de
Defesa do Consumidor, que adota um conceito legal de consumidor, os Juízes tem
enfrentado relevante questão de aplicar ou não, os novos dispositivos legais
aos contratos bancários, quando estes são celebrados com pessoas físicas ou
jurídicas que não se encartam no conceito legal de consumidor, já que exercem
atividades produtivas, valendo-se dos serviços bancários, notadamente dos
empréstimos e financiamentos para o desenvolvimento de atividades empresarial.”
Para o
Professor Escola Superior de Magistratura do Rio Grande do Sul cadeira de
Direito Civil Márcio de Oliveira Puggina na palestra A Responsabilidade Civil
das Instituições Financeiras pela má Concessão de Crédito temos que “ Na legislação infraconstitucional é notável a contribuição que trouxe ao controle
negocial atinente aos serviços bancários o Código de Defesa do Consumidor cujas
normas são de ordem pública nos exatos termos do art. 1 do diploma
consumerista: Art. 1 O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem Pública e
interesse social, nos termos dos arts. 5, inciso XXXII, 170, inciso V, da
Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Muito embora
seja ainda intensa a reação de setores ligados aos Sistema Financeiro a aplicação
do CDC aos contratos bancários, a verdade é que o próprio Sistema, mesmo sem o admitir, vai, paulatinamente
procedendo adaptações de sua prática negocial às exigências da legislação
consumerista. Por isto é que, diante da
interpretação lógica e sistemática do art. 2 e do § 1 do art. 3 do CDC, não
vejo como deixar de incluir o crédito bancário entre as relações por ele
tuteladas.”
Para o
Professor catedrático da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Semy Glanz na
palestra Responsabilidade Civil das
Instituições Financeiras pela Má Concessão de Crédito : “ Os bancos tem
responsabilidade profissional e, como prestadores de serviços, são regidos
pelas regras do Código de Defesa do Consumidor, que consagra a responsabilidade
objetiva, ou seja, sem culpa. Os bancos, ao conceder créditos, devem não só
informar-se e exigir as cabíveis garantias, como informar aos clientes dos
riscos e limites e, se a concessão de crédito pode causar riscos a terceiros,
conforme os empreendimentos dos clientes, devem medir cuidadosamente as
consequências, pois passam a responder não só contratualmente, perante o
cliente, mas também extracontratualmente perante terceiros.”
Para Adalberto
Pasqualotto[30]: "Dentre os
serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao
dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro em si mesmo, não seja objeto de
consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem
de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por
conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em
que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e
cheques Está, pois, em harmonia com o sistema considerar serviços de consumo as
atividades bancárias, financeiras, creditícias e securitárias”.
E ainda Newton
de Lucca [31], alerta para dois pontos relevantes, que não poderíamos deixar,
aqui, de mencionar. O primeiro é que, no que se refere à aplicabilidade do CDC
às relações bancárias, "os Pareceres emitidos em sentido contrário,
conquanto provenientes de respeitabilíssimos juristas, foram encomendados por
famosa entidade de classe do Sistema Bancário, a Federação Brasileira de
Associações de Bancos". Tal é de ser considerado. O outro ponto que merece
destaque é que, segundo o autor, é "necessário lembrar que o dinheiro,
segundo o Código Civil {art. 51}, é considerado como um bem juridicamente
consumível".[32] Neste sentido temos o pensamento do jurista Demócrito Ramos Reinaldo Filho[33] “ As
operações bancárias foram expressamente previstas dentre as atividades
prestadas sob remuneração no mercado de consumo e portanto consideradas como
serviço”.
Destarte a
visão de Ross Cranston[34] onde "As atividades bancárias típicas -
recebimento de depósitos e concessão de empréstimos - obviamente envolvem o
fornecimento de um serviço. O cumprimento de um pagamento a ordem do consumidor
é também um serviço. Igualmente, o são os aconselhamentos financeiros, a
atividade securitária, o gerenciamento de fundos de investimentos e assim por
diante".
A propósito,
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery[35], consignaram, in verbis:
"Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime
jurídico do Código de Defesa do Consumidor . Não só os serviços bancários,
expressamente previsto no Código de Defesa do Consumidor 3º, § 2º, mas qualquer
outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua
atividade como sendo de comércio, por expressa determinação do Código Comercial
em seu Artigo 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio, e o
comerciante é fornecedor conforme prevê o caput do Código de Defesa do
Consumidor no 3º. Por ser comerciante,
o banco é, sempre fornecedor de produtos e serviços."
Não há como
deixar de registrar a manifestação do Dr. Otto Steiner Júnior, que, na condição
de representante da FEBRABAN (entidade associativa dos bancos brasileiros), em
palestra proferida na Escola Superior da Magistratura da AJURIS durante o Curso
de Atualização em Direito Civil para Magistrados, afirmou tratar-se a aplicação
do CDC aos contratos bancários de questão indiscutível.
Assim
temos a visão da jurista Cláudia Lima Marques[36]: "Os contratos
bancários atuais são contratos cativos de longa duração. Observadas as
especialidades dos contratos bancários em questão, sob o signo da continuidade
dos serviços, massificação e catividade dos clientes, da prestabilidade por
terceiros de serviços autorizados ou controlados pelo Estado, do
macro-interesse do verdadeiro objeto contratual, da internacionalidade ou
grande poder econômico dos fornecedores . E acima de tudo, continuidade das
relações tendo em vista a essenciabilidade do crédito na sociedade de consumo
atual, concluiu-se que os modelos tradicionais de contrato (contratos
envolvendo obrigações de dar, imediatos e menos complexos) fornecem poucos
instrumentos para regular estas longíssimas, reiteradas e complexas relações
contratuais, necessitando, seja a intervenção regulamentadora do legislador
através do CDC para a proteção dos mais vulneráveis, seja a intervenção reequilibradora
e sábia do Judiciário nos casos concretos."
Por
conseguinte, o Banco é, sim, fornecedor, seja de serviço, seja de bem, seja de
ambos. Em complemento, temos Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes[37]
concluem que "o CDC, de fato, se aplica aos contratos bancários,
existindo, inclusive, jurisprudência do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul
reconhecendo tal aplicação até para o caso em que sejam firmados por pessoas
jurídicas" .
7. APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ PARA O EQUILÍBRIO CONTRATUAL BANCÁRIO. Devemos expor
ainda que o Código de Defesa do Consumidor introduziu dois princípios
elementares do novo direito dos contratos, os princípios da boa fé e da justiça
contratual. Modernamente, o contrato
não é mais visto como algo estático e individual, mas como algo dinâmico e
social, necessário para o comércio jurídico e satisfação de interesses
legítimos. Com essa nova perspectiva realativiza-se o princípio pacta sunt
servanda e abre-se espaço para a justiça contratual, a tutela da confiança e a
boa fé. O contrato, então, deve ser o instrumento de necessidades individuais e
coletivas, não para a supremacia de um contratante sobre o outro ou para que
esse enriqueça às custas daquele. A expressão alemã Treu und Glauben[38] resume
de forma muito apropriada qual o comportamento que se espera das partes no
contrato.
Destarte que o
princípio da boa-fé exerce função importante no trato dos chamados contratos de
adesão, tal qual é o contrato bancário, pois é justamente neste tipo de ajuste
onde costumam aparecer os maiores abusos, pelo fato de o aderente ora
consumidor não ter o poder de alterar
substancialmente o conteúdo contratual.
A sociedade de
consumo impõe o modo de contratação em massa, que se expressa, principalmente,
em nossos dias, por tais tipos de contratação, nos quais o contratante adere às
cláusulas "em bloco", sem discussão das mesmas justamente pelo fato
do contratante não poder estipular o conteúdo do contrato, é que a boa-fé,
nessa modalidade de contrato, deve ser analisada sob o ângulo objetivo.
Não há como se
analisar a real vontade dos contratantes em um contrato de adesão. Não se pode
saber o que se passa no íntimo deles no momento de contratar. Sobre a boa-fé
objetiva, bem escreveu Cláudia Lima Marques[39]. "Efetivamente, o
princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui
uma dupla função na nova teoria contratual: I) como fonte de novos deveres
anexos; e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo,
dos direitos subjetivos".
A primeira
função do princípio da boa-fé objetiva na nova concepção de contrato diz
respeito aos chamados, pelos alemães, Nebenpflichten (deveres anexos ou
secundários). Os deveres anexos representam aqueles deveres que não estão
expressos no contrato, não são deveres, por assim dizer, que as partes possam
"visualizar". Poder-se-ia dizer que são eles deveres implícitos em um
contrato bancário.
Os deveres
anexos não dizem diretamente com a vontade. Eles estão intimamente ligados com
a boa-fé objetiva, desvinculando-se completamente da análise da volição das
partes. De acordo com Clóvis de Couto e Silva[40] estes deveres "podem
nascer e desenvolver-se independentemente da vontade."
A segunda
função, ou seja, a boa-fé objetiva atuando como limitadora do exercício abusivo
dos direitos subjetivos, é função de extrema valia no âmbito da teoria
contratual moderna, uma vez que, com o desaparecimento cada dia maior da
liberdade de contratar, para a parte débil da relação contratual, a parte
economicamente mais forte como um Banco
exerce abusivamente seu direito subjetivo de contratar, fazendo-o sem
quaisquer limitações (Princípio da autonomia da vontade) e violando regras
estipuladas nos contratos celebrados. É
neste sentido que leciona Luis Renato Ferreira da Silva[41], considerando que
"a regra da boa-fé objetiva implica numa série de efeitos que podem ser
esquematicamente resumidos a) no controle corretivo do Direito estrito, b) no
enriquecimento do conteúdo da relação obrigacional; e c) na negação em face do
postulado pela outra parte. Todos estes efeitos se produzem a partir de
critérios objetivo e não baseados na subjetividade do intérprete e do aplicador
da lei. “
É importante
que se tenha presente a noção de boa-fé dentro de critérios objetivos.
Procurando a boa-fé nas intenções subjetivas dos contratantes, entraríamos
dentro do campo da moral interna destes, local onde estão localizados
sentimentos de difícil medida e constatação por terceiros. Além disso é
incompreensível a mensuração da boa-fé subjetiva dentro de um contrato
bancário, normalmente de adesão, impessoais e aplicados em massa, onde não se
concebe uma instituição financeira com
conflitos morais internos.
Assim, uma
grande inovação do Código de Defesa do Consumidor, talvez a mais importante,
foi sem dúvida alguma, a inserção da regra geral sobre a boa-fé. Assim como o
§242 do BGB alemão, e o art. 1134 do CODE, os arts. 4º, III, e 51, IV, da Lei
8.078/90, são verdadeiras cláusulas gerais sobre a boa-fé, pelas quais o
Direito Brasileiro há muito tempo clamava.
No que tange
ao princípio da boa fé temos também o ensinamento de Renata Mandelbaum onde “ assim, através da aplicação dos
princípios que regem a nova realidade contratual, busca-se a segurança
jurídica, mas não através da liberdade contratual, onde imperava a supremacia
da "palavra dada" (pacta sunt servanda), mas através da tutela da
confiança e da boa fé, banhados pelo princípio da justiça contratual[42].
O mestre
Humberto Theodoro Júnior[43], inclusive, que "nosso Código - referindo-se
ao Código Civil - não contém norma específica sobre o tema, mas a doutrina e a
jurisprudência entendem, à unanimidade, que dito princípio também prevalece,
entre nós, como princípio geral de direito". E também na lavra do professor Clóvis do Couto e Silva[44],
quando referia: “Quando num código não
se abre espaço para um princípio fundamental, como se fez com o da boa-fé, para
que seja enunciado com a extensão que se pretende, ocorre ainda assim a
aplicação por ser o resultado de necessidades éticas essenciais, que se impõe
ainda quando falta disposição legislativa expressa” . Também neste sentido
temos a Professora Olga Maria do Val[45] onde
anota que "Com o advento do Código do Consumidor, o princípio da
boa-fé, de regra de interpretação, de princípio jurídico aplicável como fonte
de direito, subsidiariamente portanto, foi elevado a categoria de norma
jurídica (norma princípio). A partir de agora, é norma posta, de observância
obrigatória, cogente (a teor do art. 1º da Lei 8.078/90)".
Tanto que no
artigo 4º do Código do Consumidor vamos encontrar que "A Política Nacional
de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida bem como a
transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios: III - harmonização dos
interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da
proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores" resultando, em
decorrência desse dispositivo, que a boa-fé "deixa de ser elemento
subjetivo nas relações jurídicas, e passa a ser elemento objetivo, ou seja, de
apuração obrigatória na formação dessas relações jurídicas (a não ser nas
hipóteses de responsabilidade objetiva, sem culpa), de vez que foi erigida (a
boa-fé) à categoria de norma princípio.
Com efeito,
dispõe o inc. IV do art. 51, da Lei 8.078/90, que são nulas de pleno direito as
cláusulas contratuais que sejam incompatíveis com a boa-fé". Ora, tal
condição consagra o princípio da boa-fé[46] como de eficácia plena pois que sem
qualquer efeito - absoluta nulidade - quando as cláusulas contratuais o contrariarem.
A condição
plena desse princípio levou Cláudia Lima Marques[47] a apontar que
"Poderíamos afirmar genericamente que a boa-fé é o princípio máximo
orientador do CDC; neste trabalho, porém, estamos destacando igualmente o
princípio da transparência (art. 4º, caput), o qual não deixa de ser um reflexo
da boa-fé exigida aos agentes contratuais".
No tocante a
aplicação da boa-fé, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar[48] ressalta que "a
inter-relação humana deve pautar-se por um padrão ético de confiança e lealdade,
indispensável para o próprio desenvolvimento normal da convivência social. A
expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente
indissociável da vida de relação, sem o qual ela mesma seria inviável”.
E continua o
Ministro: “Isso significa que as pessoas devem adotar um comportamento leal em
toda a fase prévia à constituição de tais relações (diligencia in contrahendo);
e que devem também comportar-se segundo a boa-fé se projeta a sua vez nas
direções em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e
deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm de
cumprir-se de boa-fé"[49].
Aliás, sobre o
tema, valho-me da opinião do professor Nelson Nery Junior[50] um dos autores do
anteprojeto que deu origem ao CDC, a seguir transcrita: "Muito embora
nosso Código Civil não contenha preceito expresso no sentido de que as relações
jurídicas devam ser realizadas com base na boa-fé, como ocorre no direito
alemão (§ 242 do BGB - Leistung nach Treu und Glauben - "Prestação segundo
a boa-fé"), essa circunstância decorre dos princípios gerais do direito e
a exigência de as partes terem de comportar-se segundo a boa-fé tem sido
proclamada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. O comportamento das partes de acordo com a
boa-fé tem como conseqüência a possibilidade de revisão do contrato celebrado
entre elas, pela incidência da cláusula rebus sic stantibus, a possibilidade de
argüir-se a exceptio doli, a proteção contra as cláusulas abusivas enunciadas no
art. 51 do CDC, entre outras aplicações do princípio. No sistema brasileiro das
relações de consumo houve opção explícita do legislador ao primado da boa-fé.
Com menção
expressa do art. 4º, nº III, do CDC à "boa-fé e equilíbrio nas relações
entre consumidores e fornecedores", como princípio básico das relações de
consumo - além da proibição das cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé
ou a eqüidade (art. 51, nº IV) - o microssistema do direito das relações de
consumo está informado pelo princípio geral da boa-fé, que deve reger toda e
qualquer espécie de relação de consumo, de contrato de consumo." Portanto, a boa-fé na relação de consumo
procura dar equilíbrio ao contrato, afastando a prevalência, nas cláusulas, da
vontade de um em detrimento do outro, restabelecendo a posição de equivalência
entre o fornecedor e o consumidor. Diz respeito à consciência das partes
contratantes, à sua intenção. Visa, por conseqüência, limitar os desvios na
relação contratual de consumo.
8.CONTRATO
BANCÁRIO COMO UM CONTRATO DE ADESÃO[51] E A REGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR[52]. O contrato de adesão[53] , segundo a
pesquisadora belga Françoise Domont-Naert, em tradução da Procuradora de
Justiça do Rio de Janeiro, Dra. Maria Henriqueta A. Fonseca Lobo[54],
"constitui aquele cujo conteúdo foi total ou parcialmente estabelecido de
modo arbitrário e geral anteriormente ao período contratual. Caracteriza-se
pela ausência de negociação individual prévia em vista do acordo das vontades. Apresenta-se,
na maioria das vezes, sob a forma de condições gerais ou individuais
estabelecidas unilateralmente por uma das partes..."
De observar,
segue a autora, "que o contrato de adesão, como tal, não é considerado
abusivo. Ele corresponde a uma estandardização necessária das relações
comerciais na qual a negociação individualizada dos termos do contrato
dificilmente encontra seu lugar.
O abuso não
resulta do fato que o consumidor é obrigado a aderir a este ou aquele texto
pré-impresso, mas, efetivamente, do conteúdo eventual de uma convenção de cuja
redação ele não participou, e que ele não poderá modificar, visto a relação de
forças existentes entre as partes confrontadas, e que provavelmente ele
encontrará uniformizada no setor respectivo. A abusividade de cláusulas,
adianta a autora, cria, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio
significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do
contrato. E há abuso quando o consumidor sofreu um prejuízo desproporcionado
resultante, diretamente, de um desequilíbrio flagrante entre os direitos e os
deveres recíprocos dos parceiros da relação. Daí a qualificação desta lesão em
qualificada, e, uma vez verificada, o contrato fica eivado de vício insanável,
acarretando a nulidade absoluta, eis que constitui culpa in contrahendo o fato
de se comportar para com o contratante de contrária à boa-fé[55]".
Segundo o
ensinamento do jurista J. Oliveira Ascensão , “ Em Portugal[56] usa-se a
terminologia cláusulas contratuais gerais.
Representa a transposição da expressão alemã iallgemeine
GeschŠftsbedingungen e da italiana condizioni generali di contratto, melhoradas
por se falar em cláusulas e não condições Talvez se pudesse ter prosseguido o
melhoramento falando em cláusulas negociais gerais. As cláusulas contratuais
gerais são cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se
limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar. Estão reguladas pelo
Dec.-Lei n. 446/85, de 25 de Outubro, remodelado pelo Dec.-Lei n. 220/95, de 31
de Agosto, na sequência da Directiva n. 93/13/CEE, de 5 de Abril. . É aí que surge a disciplina do que se designa no
Brasil cláusulas contratuais
abusivas.[57]
Na concepção
da jurista Cláudia Lima Marques [58] “aquele cujas cláusulas são
preestabelecidas unilateralmente pelo
parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, , isto
é, sem que o outro parceiro
(consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do
contrato escrito”.
O contrato de
adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja preconstruído por uma
das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos
contratos. Orlando Gomes[59],
inclusive, fazia distinção entre contrato de adesão e contrato por adesão.
Distinção que é feita a partir não do modo
de consentir, que se mostra insuficiente, porque abrangente, mas de outras
peculiaridades, tais como a uniformidade e a abstratividade das cláusulas
preconstituídas unilateralmente. Assim, nos contratos de adesão se incluiriam
aqueles em que o contratante aderente não tem qualquer possibilidade de
rejeitar as cláusulas uniformes estabelecidas previamente.
Ainda
importante o pronunciamento do jurista Carlos Alberto Bittar[60] nos dá uma
clara noção desta proteção contratual: “ A propósito o direito codificado
delimita o alcance dos contratos de adesão e proíbe a inserção de certas
cláusulas, que considera abusivas, declarando-as não escritas, e portanto de
nenhum efeito vinculatório, a saber: as limitativas e as elisivas de
responsabilidade do disponente, as de transferência de responsabilidades a
terceiros, as contemplativas de obrigação iníquas ou abusivas, as de
intervenção de ônus da prova, as de indicação previa de árbitros” .
Conhecido na
doutrina e na jurisprudência[61] [62], o contrato de adesão, de grande
utilização pelos entes financeiros, recebeu, pela primeira vez no Brasil,
tratamento legislativo ao ser identificado no Código de Defesa do Consumidor no
artigo 54.[63]
Portanto, o
contrato de adesão surge como necessidade de o Direito adequar-se às exigências
econômicas e sociais, compatíveis com a modernidade da economia de escala,
produção em série, consumo em massa, pressa do agir dos sujeitos envolvidos nas
transações. Deixada para trás a fase em que os contratantes se reuniam para
discutir cláusula a cláusula até formação definitiva da avença. Ao consenso opõe-se agora a aderência, ao
contrato de comum acordo, o contrato de adesão, ficando as cláusulas ao encargo
unilateral de uma das partes, no caso, o fornecedor a estabelecê-las previamente. Trata-se de método de conclusão de contrato
que subverte o modo normal de formação dos atos negociais, refletindo-se
necessariamente em novos métodos de interpretação dos contratos e de manuseio
de suas cláusulas. Por outro lado, o contrato de adesão não se confunde com as
chamadas cláusulas gerais do contrato, embora com elas traga traços muito
íntimos. Enquanto as cláusulas gerais de contratação constituem conjunto de
regras ou normas, identificadas terminologicamente como regulamentos internos,
estatutos, normas de serviços, servindo de fonte para a realização das avenças,
os contratos de adesão passam a ser a concretização dessas cláusulas
contratuais gerais.
9.CLÁUSULAS
ABUSIVAS CONTIDA NOS CONTRATOS BANCÁRIOS[64]. As regras de proteção do Código
de Proteção ao Consumidor são aplicáveis aos contratos firmados entre as
instituições financeiras e os usuários de seus serviços (art. 3º, § 2º, da Lei
nº 8.078/90), importando o declaração de nulidade ipso jure das cláusulas
abusivas pactuados (art. 51, § 1º) por excesso de onerosidade ao consumidor.
Dentre outros, o CDC sufraga o princípio da inversão do ônus da prova em
benefício do consumidor (artigo 6º, inc. VIII, o art. 51, inc. VI).
Conforme
assevera João Bosco Leopoldino Fonseca[65],
"O controle jurídico das condições contratuais gerais, e mais
especificamente das cláusulas abusivas, tem por finalidade, de um lado, conter
o excessivo poder econômico da empresa e, por outro, proteger a parte
economicamente mais fraca na relação contratual estabelecida nos moldes dos
contratos de massa. Não se pode
restringir esse tipo de controle aos contratos realizados entre fornecedores e
consumidores".
Destarte que
na Espanha foi apresentado pelo Ministério da Justiça o Guia de Las Cláusulas
Abusivas en España, intitulado como Los Derechos Econômicos del Consumidor[66].
Finalmente,
sob a ótica da Resolução 2878 do Banco Central do Brasil, da Portaria 03/2001
da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e sob a égide das
normas do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas de cunho abusivo contida
nos contratos bancários devem ser declaradas nulas de pleno direito. Temos
portanto o artigo 51. IV - estabeleçam
obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa - fé ou a eqüidade.[67]
As cláusulas
abusivas mencionadas no artigo 51 do CDC, são aplicáveis tanto aos contratos de
adesão[68] quanto aos contratos paritários[69] e são sempre consideradas nulas,
prevendo a norma geral de proibição de cláusulas contra a boa-fé. Além do previsto no artigo 51, o CDC, em seu
artigo 6º, institui como um direito do consumidor, a possibilidade de
modificação de cláusulas contratuais no sentido de restabelecer o equilíbrio da
relação entre o consumidor e o fornecedor. Dessa forma, o consumidor poderá
solicitar que o juiz de direito altere o conteúdo negocial de uma cláusula
considerada abusiva. Aqui, o legislador
baseou-se na chamada "redução de eficácia" da doutrina alemã[70],
prevendo a ineficácia de uma cláusula abusiva e não simplesmente sua nulidade
absoluta.
Destarte o importante
pronunciamento do jurista Uruguaio Edgardo Martinez Zimarioff[71] a respeito
das cláusulas abusivas que afetam o consumidor uruguaio: “ Según un estudio
realizado por CIECC y la la Liga Uruguaya de Defensa del Consumidor, se
entiende que nos encontramos frente a una cláusula que puede considerarse, en
principio, abusiva, si crea " un desequilibrio significativo" entre
los derechos y obligaciones del consumidor y los del proveedor y no ha sido
explícitamente negociada entre las partes.
Una típica cláusula abusiva es, a modo de ejemplo, la que se denomina en
el campo del marketing como la de " opción negativa ". “ Es el caso
del contrato que contiene una cláusula que permite al comerciante modificar
unilateralmente las condiciones, incluyendo por ejemplo una cláusula que
permite la renovación anual automática, de no mediar orden en contrario en un
determinado plazo previo. Un caso similar deben recordar muchos tenedores de
tarjetas de crédito, cuando hace pocos meses se encontraron con una cuenta que
no habían contratado, de servicio de auxilio automotriz, sobre la que se
indicaba que si no se deseaba debería notificarse, y que en caso contrario
seguiría siendo facturada”
10. A
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DE CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS NO DIREITO
COMPARADO . A respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos
Contratos Bancários, é importante a visão no direito comparado. Temos os
ensinamentos de Therry Boneau[72]:
“Ce cadre subia nécessairement
les influences du droit de la consommation. En particulier, la prohibition des
clauses abusives, dont la détermination relève, malgré les textes, du pouvoir
du juge, s’applique ou domaine bancaire”.
No Direito Espanhol temos
Fernando Sanches Calero[73] :“ ... la tan bien intencionada como deficiente Ley
26/ 1984, de 19 de julio, de Defensa de los Consumidores y Usuarios, em su
artículo 10, contiene manifestaciones que son aplicables sin duda a los
contratos bancarias”. Finalmente no Direito Argentino temos Juan M. Farina[74]
onde “La tutela del hombre común como cliente de una entidad bancaria surge
como un capítulo especial dentro del derecho de protección al consumidor (en
este sentido ver art. 36 de la ley, 24.240)”.
O tema
envolvendo o Direito do Consumidor já foi amplamente discutindo pelos Países
integrantes do Mercosul[75]. Temos o Protocolo de Cooperação e Assistência
Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, o
chamado Protocolo de Las Leñas. Tal documento visa contribuir, conforme texto
de seu preâmbulo, "para o tratamento eqüitativo dos cidadãos e residentes
permanentes dos Estados partes do Tratado de Assunção e lhes facilitará o livre
acesso à jurisdição nos referidos Estados para a defesa de seus direitos e
interesses". Sendo assim, deseja
estabelecer uma igualdade de condições jurídicas para todos os cidadãos perante
à jurisdição dos Estados-membros do Mercosul, permitindo, que consumidores
paraguaios tenham no Brasil as mesmas facilidades de acesso à justiça que os
próprios brasileiros. É o que estabelece os artigos 3[76] e 4[77] do Protocolo
de Las Leñas.
O Protocolo de
Las Leñas contém 36 artigos que especificam e regulam a adoção de instrumentos
comuns que consolidam a segurança jurídica e têm como finalidade atingir os
objetivos do Tratado de Assunção[78].
No entanto o
tema envolvendo a Defesa do Consumidor no Mercosul é tratado de modo específico
no Protocolo de Santa Maria[79] sobre Jurisdicción Internacional en Materia de
Relaciones de Consumo, firmado no mês de dezembro de 1996. Já em seu preâmbulo verifica-se a
preocupação em regularizar os direitos do consumidor, quando se admite "la
necessidad de dar protección al consumidor y de la importancia de adoptar
reglas comunes sobre jurisdicción internacional en materia de relaciones de
consumos derivadas de contratos entre proveedores de bienes o prestadores de
sevicios y consumidores o usuarios". No artigo 1 do Protocolo de Santa Maria temos : "El presente Protocolo
tiene por objeto determinar la jurisdicción internacional en materia de
relaciones de consumo derivadas de contratos en que uno de los contratantes sea
un consumidor, cuando se trate de: a) venta a plazo de bienes muebles
corporales; b) préstamo a plazo u otra operación de crédito vinculada al
financiamento de la venta de bienes; c) cualquier otro contrato que tenga por
objeto la prestación de un servicio o la provisón de los objetos muebles
corporales." Pretende assim regular as relações estabelecidas entre
consumidores e fornecedores com domicílio em diferentes Estados Partes do
Tratado de Assunção, ou com domicílio num mesmo Estado Parte, desde que a
obrigação derivada da relação de consumo tenha que ser cumprida em outro Estado
Parte (artigo 2).
Importante
ressaltar também que o artigo 4.º do Protocolo de Santa Maria estabelece que as
demandas originárias de controvérsias entre consumidor e fornecedor deverão ser
ajuizadas no domicílio do primeiro, a não ser que este por vontade própria
deseje que a jurisdição internacional seja do Estado de celebração do contrato,
do cumprimento da prestação do serviço ou da entrega dos bens, ou ainda do
domicílio do demandado (artigo 5). Parece portanto, que mais uma vez se
pretendeu amenizar as desigualdades entre consumidor e fornecedor, tendo-se em
vista a freqüente superioridade deste em relação àquele. O que se verifica então, é que o mesmo
Regulamento que já era previsto pela Resolução 126/94 do GMC para a consolidação
de normas comuns de defesa do consumidor, cuja ausência já naquele momento fez
com que se estabelecesse a utilização de normas internas de cada Estado-membro
para a solução de conflitos nas relações de consumo, vem agora condicionar a
aplicação de uma das legislações do Mercosul mais expressivas na defesa desta
classe consumidora.
Destarte ainda
no direito comparado temos a questão
dos seriam os serviços bancários. O
Conselho Nacional do Consumidor Britânico (the National Consumer Council
of the United Kingdom), que descreveu os principais serviços bancários:
“ (a)
Depósitos e poupança, Provisão de uma conta corrente e de talonário de cheques
, Máquinas automáticas para saques, depósitos e pagamentos , Contas de poupança
e recebimento de depósitos e Cartão
magnético da conta-corrente e da conta-poupança
(b) Circulação
de moeda, Cheques, Transferência de créditos , Débitos diretos em
conta-correnta e Concessão de empréstimos via cheque especial.
(c)
Empréstimos , Concessão de crédito em conta-corrente com cheque especial ,
Empréstimos pessoais , Financiamento habitacional e Cartões de crédito
(d) Viagens e
câmbio de moedas , Moeda estrangeira , Travellers' cheques , Transferências e
remessas internacionais de dinheiro.
(e)
Investimento, trust and impostos , Seguros diversos (saúde, vida, residência,
automóvel, incêndio) , Planos de previdência privada , Planejamento fiscal e
Fundo de investimentos.
(f) Serviço
especializado, informações e serviços e Informações específicas sobre mercado
financeiro, acionário, etc…"
11. O BANCO
CENTRAL DO BRASIL E A RESOLUÇÃO
2878/01 Por conseguinte , temos no Código
de Defesa do Consumidor temos que "qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração" já proporciona, de forma clara,
a compreensão de que os entes financeiros
bancos, financeiras, caixas, cooperativas de crédito e também ao amparo
na Resolução 2878/01 do Banco Central do Brasil temos as administradoras de
cartões de crédito estão nos limites da
abrangência pois fornecem, indicando como produtos, serviços mediante
remuneração cobrança de juros, correção
e taxas diversas, dependendo da natureza do crédito pretendido pelo consumidor.
Devemos expor
que no preâmbulo da Resolução 2878 do Conselho Monetário Nacional e do Banco
Central do Brasil temos os
procedimentos a serem observados pela instituições financeiras e demais
instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil na contratação de
operações e na prestação de serviços e ao público em geral..
Em virtude da
previsão da Lei nº 4.595/64 (art. 17 c/c art. 18, §1º) são instituições
financeiras e autorizadas pelo Banco Central do Brasil :os Estabelecimentos
Bancários Oficiais e Privados (latu sensu: Bancos Comerciais, Bancos de
Investimento, Bancos de Desenvolvimento e Bancos Múltiplos com Carteira
Comercial); as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento
('Financeiras'); as Caixas Econômicas; as Cooperativas de Crédito e
Cooperativas que possuem Seção de Crédito.
E também as
Leis nºs 4.380/64 (art. 8º), 9.514/97 (art. 1º), e da Resolução nº 1.980/93
(arts. 1º e 2º), do Conselho Monetário Nacional: os Bancos Múltiplos com
Carteira de Crédito Imobiliário as Sociedades de Crédito Imobiliário; as
Associações de Poupança e Empréstimo; as Companhias de Habitação; as Fundações
Habitacionais; os Institutos de Previdência, exclusivamente com relação à Seção
de Crédito Imobiliário; as Companhias Hipotecárias; as Carteiras Hipotecárias
dos Clubes Militares; os Montepios Estaduais e Municipais, exclusivamente com
relação à Seção de Crédito Imobiliário; as Entidades e Fundações de Previdência
Privada, exclusivamente com relação à Seção de Crédito Imobiliário.
E este o
objetivo contido na Resolução 2878 do Conselho Monetário Nacional e do Banco
Central do Brasil que visa regulamentar os procedimentos bancários, bem como ao
contido na Portaria 03/2001 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da
Justiça que visa coibir as cláusulas abusivas[80] [81] [82] .
12. A VISÃO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR AOS BANCOS. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é
pacífico o entendimento, resultando os agentes financeiros sem qualquer
exceção, oficiais ou particulares, submetidos ao controle das relações de
consumo[83].
SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 391.813 - RS (2001/0070559-2) 21.08.2001
RELATORA :
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE :
BANCO MERIDIONAL DO BRASIL S/A
RECORRIDO :
MADELLEGNO MÓVEIS LTDA E OUTRO
Agravo de
instrumento. Processual civil e bancário. Agravo de instrumento. Impugnação
específica. Instituições financeiras. CDC. Aplicabilidade. Cédula de crédito
industrial. Juros remuneratórios. Limitação. É inepta a petição de agravo de
instrumento, interposto contra decisão denegatória de processamento de recurso
especial, que não impugna, especificamente, os fundamentos da decisão
agravadaOs bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no
artigo 3º, § 2º da Lei n. 8078/90, estão submetidos às disposições do Código de
Defesa do Consumidor. À míngua de fixação pelo Conselho Monetário Nacional,
incide na cédula de crédito industrial a limitação de 12% ao ano prevista no
Decreto nº 22.626/33 .
No que diz
respeito à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições
financeiras, o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta
col. Corte de Justiça, que se assentou nos termos do seguinte precedente:
"CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLÁUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%.
1. Os bancos,
como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, parágrafo
segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A
circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária,
transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o
descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco"
(REsp 57.974/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 29/05/95). III – Arts. 1º e 4º, IX, ambos da Lei nº 4.595/64.
"CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLÁUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%. 1. Os
bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º,
parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do
Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da
operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou
serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados
pelo banco" (REsp 57.974/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 29/05/95). III – Arts. 1º e 4º, IX, ambos da
Lei nº 4.595/64.
No que
concerne à limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano, este Col. Tribunal
firmou-se no sentido de que "ao Conselho Monetário Nacional, segundo o
art. 5º do Decreto-lei n.º 413/69, compete a fixação das taxas de juros
aplicáveis aos títulos de crédito industrial. Omitindo-se o órgão no desempenho
de tal mister, torna-se aplicável a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de
Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa
legal (12% ao ano), afastada a incidência da Súmula n.º 596 do C. STF,
porquanto se dirige à Lei n.º 4.595/64, ultrapassada, no particular, pelo
diploma legal mais moderno e específico, de 1969." IV – Divergência
jurisprudencial. O acórdão recorrido, ao julgar aplicáveis as disposições do
Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, esposou
entendimento firmado neste Col. Tribunal, o que enseja, nesse ponto, o
não-conhecimento do Recurso Especial pela divergência, face ao óbice do
enunciado da Súmula 83 do STJ:
"Não se
conhece o recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.". No tocante à aplicação da
TR, incide, mutatis mutandis, o
enunciado da Súmula 182 do STJ, uma vez que o agravante não impugnou
especificamente a afirmação da decisão agravada de que "insubsistente,
pelas mesmas razões, a admissibilidade do apelo pela alínea "c" do
permissivo constitucional, pois a solução discrepante esbarraria na exegese de cláusula contratual".
Brasília, 01
de agosto de 2001.
MINISTRA Nancy
Andrighi, Relatora
TEMA DEBATIDO
EM RECURSO ESPECIAL 231.825 RS NA QUARTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
.
EMENTA.
CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO. NULIDADE DE CLÁUSULAS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DISCIPLINA LEGAL DIVERSA QUANTO À TAXA DOS JUROS -
Tratando-se de empréstimo tomado por consumidor final, a operação creditícia
realizada pelo banco submete-se às disposições do Código de Defesa do
Consumidor, na qualidade de prestador de serviços especialmente contemplado no
art. 3°, § 2°, do diploma legal.
Diversa é,
porém, a disciplina legal tocante à taxa dos juros remuneratórios, área esta
regida por legislação específica. Segundo assentou o C. Supremo Tribunal
Federal, o Sistema Financeiro Nacional será regulado por lei complementar e,
enquanto não advier esta, observar-se-á a legislação anterior à Constituição de
1988 (ADIN n° 4-DF).- Fundamentação distinta expendida a respeito pelos Srs.
Ministro Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Recurso especial conhecido,
em parte, e provido.
PRONUCIAMENTOS
DOS MINISTROS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS:
MINISTRO
BARROS MONTEIRO: 1. Impugna a
instituição financeira recorrente a aplicação das normas do Código de Defesa do
Consumidor às operações bancárias, especificamente ao presente caso, em que se
cuida de financiamento concedido a adquirentes de bem imóvel mediante garantia
hipotecária. Sustenta o banco que, sendo impertinente à espécie o CDC, hão de
prevalecer as cláusulas livremente estipuladas pelas partes, dentre elas: a) a
que fixa os juros moratórios; b) a que prevê a multa de 10%; c) a que
estabelece autorização para o débito em conta-corrente das prestações mensais.
À exceção da temática relativa aos juros moratórios que será objeto de exame ao
final deste, ao banco recursante desassiste razão em suas objeções concernentes
à incidência do Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos, motivo
pelo qual, sendo este o único fundamento por ele apresentado a respeito,
permanecem os comandos editados pela sentença quanto:
a) à nulidade
da cláusula que prevê autorização irrevogável do mutuário para débito em
conta-corrente das parcelas mensais; b) à redução da multa a 2% (art. 52, § 1°,
da Lei n.° 8.078/90). Isto porque, em
princípio, tratando-se de mutuário que se dirigiu ao estabelecimento bancário a
fim de obter financiamento para aquisição de bem imóvel, na qualidade, pois, de
consumidor final, os bancos ficam submetidos às disposições do Código de Defesa
do Consumidor, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art.
3°, § 2º, do mesmo diploma legal. Esta, por sinal, a jurisprudência
predominante nesta Corte (Resp`s ns. 57.974-0/RS, relator Ministro Ruy Rosado
de Aguiar; e 142.799-RS).
Essa, também,
a opinião da doutrina. Confira-se o espólio de José Geraldo Brito
Filomeno: "Resta evidenciado, por
outro lado, que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras,
quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo, cobrança de
contas de luz, água e outros serviços, ou então expedição de extratos etc),
quer na concessão de mútuos ou financiamentos para a aquisição de bens,
inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços.Aliás, o Código fala
expressamente em atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de previdência privada em
geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde etc.
Para Fábio
Ulhôa Coelho: `considera-se bancário o contrato cuja função econômica se
relaciona com o conceito jurídico de atividade bancária, preceituado no art. 17
da Lei n° 4.595/64. Por atividade bancária, entende-se a coleta, intermediação
em moeda nacional ou estrangeira. Esse conceito abarca uma gama considerável de
operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação
ou administração do crédito. Estabelecendo-se paralelo entre a atividade
bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria-prima do banco e o
produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição
financeira dedica-se a captar recurso junto a clientes (operações passivas)
para emprestá-los a outros clientes.
E, mais
adiante, esclarece que: `O contrato bancário pode ou não se sujeitar ao Código
de Defesa do Consumidor, dependendo da natureza do vínculo obrigacional
subjacente. O mútuo, por exemplo, será mercantil se o mutuário for exercente de
atividade econômica, e os recursos obtidos a partir dele forem empregados na
empresa.
E será mútuo
ao consumidor se o mutuário utilizar-se dos recursos emprestados para
finalidades particulares, como destinatário final. No desenvolvimento das
operações atípicas, isto é. não relacionadas especificamente com o conceito de
atividade bancária, como cobrança de títulos e recebimentos de tarifas e
impostos, o banco age como prestador de serviços não somente para o cliente
credor, mas direcionado a todos que procuram a agência simplesmente para
realizar o pagamento.
Em relação às
operações típicas, como a aceitação de dinheiro em depósito, concessão do
empréstimo bancário, aplicação financeira e outras, o banco presta .serviço a
clientes seus, podendo classificá-los (de acordo com conceitos próprios da
atividade bancária, como o da reciprocidade) para fins de liberar tratamento preferencial
ou atendimento especial a certas categorias de consumidores. "`
Também José
Reinaldo da Lima Lopes acentua que: `É fora de dúvida que os serviços financeiros, bancários e
securitários encontram-se sob as regras do Código de Defesa do Consumidor. Não
só existe disposição expressa na Lei nº
8.078/90 sobre o assunto (art. 3º, § 2º ), como a história da defesa do
consumidor o confirma, quando verificamos que a proteção aos tomadores de
crédito ao consumo foi das primeiras a ser criada.
De outro lado,
nas relações das instituições
financeiras com seus `clientes` podem-se ver duas categorias de agentes.: os
tomadores de empréstimos (mutuários) e os investidores (depositantes) "`
(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor-Comentado pelos Autores do
Anteprojeto. págs. 45/46, 6º ed).
Compartilham
do mesmo pensamento Nelson Nery Júnior e José Cretella Júnior, ambos citados
pelo Prof. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins no
seu "Código do Consumidor Comentado", pág. 40, nota n.º 28. 2ª ed.,
2ª tiragem. Eduardo Gabriel Saad também considera que esse contrato de
empréstimo bancário se submete às normas de proteção ao consumidor (Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor, pág. 107, 4ª ed. - LTr.). Ficam mantidas,
portanto, as disposições da sentença, confirmada pelo V. Acórdão, referentes
aos dois itens supra referidos, atacados pelo recorrente.
MINISTRO RUY
ROSADO DE AGUIAR : Com a devida vênia, acompanho o voto do Ministro Relator
quanto à sua conclusão, mas pelos fundamentos do Sr. Ministro Cesar Asfor
Rocha.
MINISTRO
SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Acompanho os votos precedentes, em suas
conclusões.
MINISTRO CESAR
ASFOR ROCHA Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria, após o que de
logo registro que no tocante à aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
acompanho Sua Excelência, por entender que aquele diploma legal incide sobre
todas as relações e contratos pactuados pelas instituições financeiras e seus
clientes e não apenas na parte relativa à expedição de talonários, fornecimento
de extratos, cobrança de contas, guarda de bens e outros serviços afins. O
próprio Código de Defesa do Consumidor se ocupa em trazer as definições de
consumidor, fornecedor produto e serviço, para efeito de sua incidência nas
relações como de consumo, verbis:
"Art. 2°
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo. Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer
bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito
e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
" A lei é
suficientemente clara ao definir o que sejam consumidores e fornecedores de
produtos e serviços, enquadrando-se perfeitamente nesses conceitos as
instituições financeiras. As relações existentes entre os clientes e o banco
apresentam nítidos contornos de uma relação de consumo, inclusive nos contratos
bancários de financiamento, de forma a se concluir que o Código de Defesa do
Consumidor aplica-se a todos os contratos bancários. Como decorrência, ouso
dissentir, data maxima venia, tão-somente na parte em que o eminente Relator
considerou que as regras genéricas do CDC não se aplicam às taxas dos juros
remuneratórios praticadas pelos bancos, porque regida a sua limitação pela Lei
n.º 4.595/64, de natureza especifica. E o faço com fulcro nos fundamentos a
seguir expostos.
É ponto
pacífico nesta Corte que a limitação das taxas de juros remuneratórios prevista
no Decreto n.° 22.626/33 foi revogada com a edição do artigo 4.°, inciso IX, da
Lei n.o 4.595/64, nas operações realizadas por instituições financeiras,
ressalvadas as hipóteses de legislação especial.
Afirmo que
estariam livres porque, a teor do regramento insculpido no art. 51, IV, do
Código de Defesa do Consumidor, toda cláusula que apresente abusividade,
trazendo iniqüidade em prejuízo ao consumidor, afigura-se nula de pleno
direito.
Desta forma, todas
as vezes em que a contratação dos juros remuneratórios se apresente
excessivamente onerosa, em percentual caracterizadamente abusivo, por
extrapolar dos padrões da conjuntura econômica pátria, à qual devemos estar
atentos, pode e deve ser aplicada a norma protetora do consumidor, com o fito
de coibir-se intoleráveis abusos por parte das instituições financeiras.
Assim, a
estipulação de aludido percentual não pode ser imposta de forma assim tão
desabrida, devendo se estabelecer uma convivência harmônica entre a liberdade
conferida pela Lei n° 4.595/64 e a razoabilidade extraída pelo Código de Defesa
do Consumidor, para impedir a cobrança de taxas abusivas.
Finalmente,
temos a visão uniformizada do nosso Superior Tribunal de Justiça no sentido da
aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários. Vejamos a postura dos Ministros do Superior
Tribunal de Justiça
Ruy Rosado de
Aguiar[84], Edson Vidigal[85], Waldemar
Zveiter[86], Aldir Passarinho[87],
Carlos Alberto Menezes Direito[88],
Barros Monteiro[89] .
13.UNIFORMIZAÇÃO
DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE AS NORMAS DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS BANCÁRIOS. Finalmente acerca da aplicabilidade do Código de Defesa
do Consumidor ás atividades bancárias temos os seguintes enunciados dos nossos
Magistrados : Em primeiro lugar temos a
aplicação aos contratos bancários com a
visão do Magistrado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Des. Milton
Fernandes de Souza [90] em seu voto na Apelação Cível 199900120998.
E sob a mesma
visão temos o pronunciamento do Magistrado Geraldo Domingos Coelho da 11 Vara
Cível de Minas Gerais [91]. E a jurisprudência encontra-se uniformizada com os
seguintes pronuciamentos: [92]
Destacamos o
enunciado do Magistrado Arnaldo
Rizzardo, [93] onde "os instrumentos tradicionais do
crédito são as instituições financeiras. O banco promove a industrialização do
crédito". Destarte o estudo do
Magistrado Paranaense Rafael Augusto Cassetari sobre a aplicação do código de
defesa do consumidor nas atividades bancárias[94] e a visão doutrinária do jurista Raimundo Gomes de Barros na sua
obra Contrato Bancário e o Consumidor. [95]
Nesta trilha
da questão do Código de Defesa do
Consumidor segue a jurisprudência uniformizada do Poder Judiciário do Rio Grande
do Sul com os magistrados Henrique Osvaldo Poeta Roenick[96], Vicente Barroco
de Vasconcellos [97] Paulo de Tarso Vieira Sanseverino [98] Luiz Lúcio Merg [99], Genacéia da Silva
[100], Arnaldo Rizzardo [101], Marco
Aurélio dos Santos Caminha [102], João
Carlos Branco Cardoso [103], Claúdio Antunes Cerqueira[104].
Posteriormente
temos a visão do Tribunal de Alçada do Paraná com os Magistrados Renato Naves
Barcelos [105],Anny Mary Kuss Serrano [106], Eugênio Achille Grandinetti [107]
Noeval de Quadros [108], Eli de Souza [109] ,
Costa Barros [110] , Rafael
Augusto Cassetari[111] , Ruy Cunha Sobrinho[112] e Domingos Ramina[113].
14. CONCLUSÕES
FINAIS
A
implementação econômica, ao longo dos anos, constituiu uma tarefa difícil para
a grande parte dos pequenos empresários e consumidores brasileiros, cujas
conseqüências se fizeram perceber em face do quadro recessivo que se instalou
no País e efetivamente aos abusos cometidos pelas Instituições Financeiras com
o alto custo financeiro, o avanço usuário
das taxas de juros e dos encargos em contratos bancários e comerciais, levando
inclusive uma intervenção do Governo Federal com a Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça e do Banco Central do Brasil.
Como sucedâneo
intermediador da relação de consumo bancária temos o Código de Defesa do
Consumidor, um dos maiores marcos jurídicos do século passado e revolucionou a
maneira de pensar com relação ao consumidor brasileiro , naturalmente mais
fraco, considerando-se principalmente não possuir conhecimento sobre os
meandros dos contratos bancários. Transmitir-lhe tais informações com a
intervenção do nosso Poder Judiciário, perfaz-se a finalidade primordial de
nosso Direito e a Justiça.
O Código de
Defesa do Consumidor não é uma lei excepcional, mas especial,
compatibilizando-se com a nova noção jurídica e, por isso, passível de
aplicação aos contratos bancários em geral, como apresentamos aos termos da
doutrina especializada e da nossa jurisprudência.
Ora preclaro
Julgador, o nosso Código de Defesa do
Consumidor nada mais fez do que ressaltar o que sempre esteve subentendido no
sistema contratual - a boa fé objetiva e a justiça contratual, reflexos no
campo do Direito Contratual dos novos valores do sistema jurídico como um todo
e não ao pacta sunt servanda onde os Bancos se apoiam para fazer valer um
contrato eivado de vicissitudes abusivas. Consequentemente, as disposições do
nosso Código devem ser aplicadas sempre
que frente a frente estiverem contratantes desequilibrados economicamente, ou
em situações em que a vontade de um, em razão da fraqueza econômica do outro,
prevaleça ditando condições contratuais iníquas, como ocorre com as
Instituições Financeiras aos julgados apresentados neste trabalho técnico e
jurídico.
Destarte em
nossas conclusões as palavras do nosso importante Magistrado Albino Jacomel
Guérios em Recurso de Agravo de Instrumento 126.181-2 analisou o sistema de
proteção do consumidor:
“A relação de
consumo requer a presença de um fornecedor ou de um prestador de serviços e de
alguém que receba os produtos ou os serviços como destinatário final, não para
recolocá-los no mercado (artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor).
Mas ao lado do consumidor destinatário final, o artigo 29 do Código de Defesa
do Consumidor equipara ao consumidor outras pessoas, físicas ou jurídicas,
igualmente hipossuficientes, para o fim de protegê-las contra práticas
comerciais previstas pelo mesmo estatuto, como, por exemplo, a atividade
bancária (artigo 3º, parágrafo 2º, do CDC).
Ponderando
esses dois critérios relevantes para o conceito de consumidor e a expressa
referência à atividade bancária, a doutrina e alguns julgados, inclusive do
Superior Tribunal de Justiça, não vacilam em submeter os contratos bancários ao
Código de Defesa do Consumidor. Nesse
sentido: Apesar das posições contrárias
iniciais, e com apoio na doutrina, as operações bancárias no mercado, como um
todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às
normas e ao novo espírito do CDC de boa fé obrigatória e equilíbrio contratual
.
Ainda que ad
argumentandum se diga que as operações bancárias não seriam ontologicamente
destinadas ao consumo, são elas consideradas ex lege como serviços para os
efeitos de sua caracterização como relação de consumo. Haveria, por assim
dizer, uma ficção jurídica conceituando as atividades bancárias como sendo
objeto das relações de consumo[114].
Enquanto no
artigo 2º o critério é a destinação final, no artigo 29 outro é o fundamento:
exposição das pessoas (determináveis ou não) às práticas de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços, práticas perpetradas por
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, bem como os entes
despersonalizados (artigo 3º).
A exposição da
pessoa às práticas referidas não significa que elas sejam destinatárias finais.
Pode-se admitir a situação de destinatário final, mas também de destinatário
virtual, ou possível destinatário final.
O critério do artigo 29 é mais amplo, razão por que a equiparação dos
"expostos", sejam destinatários finais efetivos ou virtuais,
estabelece outra espécie de consumidores (Aclibes Burgarelli, O Consumidor e a
Relação de Consumo, Revista Literária de Direito, maio/junho de 1996, pp. 40 e
seguintes, Editora Jurídica Brasileira Ltda) e, na jurisprudência:
O conceito de
consumidor, por vezes, se amplia, no CDC para proteger quem
"equiparado". É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas
comerciais e da proteção contratual, "equiparam-se aos consumidores todas
as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas" .
Apenas para
arrematar: De fato o Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.078/90) foi editado para revolucionar as relações vividas
na sociedade brasileira, impondo a partir da sua vigência, o fornecimento de
produtos e serviços segundo os melhores padrões de qualidade, confiabilidade e
segurança.
Desta forma,
não se pode admitir que somente alguns segmentos da economia nacional fiquem à
margem dessa evolução legislativa, como no caso das instituições bancárias e
financeiras. A defesa do consumidor possui respaldo na Constituição Federal que
à elevou a categoria de princípio geral da atividade econômica (art. 170, inc.
V) e garantia individual (art. 5º, inc. XXXII), bem como o ordenamento jurídico
repugna qualquer abusividade, seja no plano constitucional, comercial e
trabalhista.
Se nosso
sistema de proteção do consumidor não faz distinção entre o consumidor pessoa
física e jurídica, bem como equipara (tornando-o igual para efeito de aplicação
da lei) a consumidores diversas pessoas expostas às práticas tratadas pelos
Capítulos V e VI, não pode a doutrina e muito menos a jurisprudência (sob pena
de julgar contra legis), deixar de dar a interpretação ou aplicação correta dos
seus dispositivos. Neste sentido, entendemos impertinente o questionamento da
destinação do serviço ou do crédito dado pela empresa consumidora para efeito
de incidência ou não das normas da Lei 8.078/90[115] .
Ao lado desse
há outro argumento. O Código de Defesa do Consumidor introduziu (ou confirmou)
dois princípios elementares do novo direito dos contratos, os (princípios) da
boa fé e da justiça contratual. Modernamente, o contrato não é mais visto como
algo estático e individual, mas como algo dinâmico e social, necessário para o
comércio jurídico e satisfação de interesses legítimos. Com essa nova
perspectiva realativiza-se o princípio pacta sunt servanda e abre-se espaço
para a justiça contratual, a tutela da confiança e a boa fé. O contrato, então,
deve ser o instrumento de necessidades individuais e coletivas, não para a
supremacia de um contratante sobre o outro ou para que esse enriqueça às custas
daquele.
Nesse
sentido: Assim, através da aplicação
dos princípios que regem a nova realidade contratual, busca-se a segurança
jurídica, mas não através da liberdade contratual, onde imperava a supremacia
da "palavra dada" (pacta sunt servanda), mas através da tutela da
confiança e da boa fé, banhados pelo princípio da justiça contratual[116] .
Se essa é a
tendência no momento e se o Código de Defesa do Consumidor contém normas que
relativizam a força obrigatória do contrato, além de não representar o direito
do consumidor um sistema excepcional e sim especial, resta aplicá-lo sempre que
frente a frente estiverem contratantes economicamente desnivelados, não porque
haja propriamente relação de consumo, mas porque todo e qualquer contrato deve
ser celebrado, executado e interpretado segundo aqueles dois princípios
(princípios que tem as suas regras positivadas naquele estatuto).”
Retirado de: http://www.ambito-juridico.com.br/aj/dconsu0045.htm.
Acesso em: 09 jun 05.