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A limitação dos juros remuneratórios após a revogação do §3º do art. 192 da Constituição Federal
Daniela Pitrez Correa de Barros
Os juros remuneratórios,
também chamados compensatórios, têm por fim remunerar o mutuante pelo uso do
capital emprestado. Sua natureza é distinta dos juros moratórios, estes devidos
em caso de inadimplência, com o objetivo de ressarcir o mutuante pela mora no
cumprimento da obrigação.
Inúmeras
ações judiciais são distribuídas, diariamente, com o objetivo de rever os
encargos incidentes sobre débitos bancários, sob o argumento de que a atual
prática dos juros representa uma distorção econômica que merece correção
jurídica. Essa correção, no entanto, não mais virá pela via constitucional, já
que a Emenda nº 40,
de 29 de maio de 2003, revogou o parágrafo 3º do art. 192,
da Constituição Federal.
Diante
disso, cai por terra o argumento expendido em 100% das ações ajuizadas até
então, no sentido de que o dispositivo constitucional teria eficácia plena e
aplicação imediata. Mesmo antes do advento da Emenda nº 40, o Pleno do Supremo
Tribunal Federa já havia afirmado que a disposição detinha eficácia limitada,
não dispensando regulamentação específica (ADIn n° 4-7/DF, julgada em 07 de
março de 1991) e, portanto, inaplicável.
Outrossim,
na esfera infraconstitucional, persistem, a amparar o pleito de limitação dos
juros, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Usura, a Lei da Reforma
Bancária, cumulada com a Súmula 596/STF, e a Lei dos Crimes Contra a Economia
Popular.
O
Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1933, a chamada Lei de Usura, estabeleceu,
em seu art. 1°, que é vedado "estipular em quaisquer contratos taxas de
juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. n. 1.062)". Ou
seja, o decreto proibiu a fixação de taxas de juros superiores a 12% ao ano,
sendo nula qualquer disposição contratual contrária à lei (art. 11).
A
Lei n° 1.521, de 26 de dezembro de 1.951, nominada Lei dos Crimes Contra a
Economia Popular, tipifica o crime de usura, definindo-o como o ato de cobrar
juros extorsivos, superiores à taxa permitida em lei, ou auferir lucro maior do
que 20% do valor da operação. Para tais infrações penais, estipula a Lei pena
de detenção de seis meses a dois anos, além de multa. Com isso, o conceito de
prática usurária não mais se limita à mera cobrança de juros, passando a
assumir caráter de cobrança ilegal do encargo.
Posteriormente,
a Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1.964, chamada Lei de Reforma Bancária,
dispôs competir privativamente ao Conselho Monetário Nacional a limitação das
taxas de juros (art. 4º). Autorizado pelo art. 9° dessa mesma Lei, o Banco
Central do Brasil editou a Resolução n° 389, de 15 de setembro de 1.976,
autorizando os bancos a utilizarem livremente as taxas de mercado.
Decisões
conflitantes entre Tribunais Estaduais instigaram a edição da Súmula 596 pelo
Supremo Tribunal Federal, concluindo que a Lei de Usura não se aplica às
instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, liberando as
instituições financeiras do limite instituído pelo Decreto nº 22.626.
Não
obstante, a delegação da fixação da taxa de juros ao Conselho Monetário
Nacional, operada pela Lei 4.595/64, pode ser questionada com base na
Constituição Federal de 1946, vigente à época, porquanto o § 2°, do seu art.
36, vedava, de modo expresso, a delegação de atribuições entre os Poderes.
Conclui-se,
portanto, que o Conselho Monetário Nacional não dispõe de poderes legislativos
para inovar a ordem jurídica, dispondo, tão-somente, do poder regulamentar
referido no art. 49, inciso V da Constituição Federal atual. Conseqüentemente,
inconstitucional a Súmula n. 596 do STF, prevalecendo a tese da limitação dos
juros.
O
Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, no seu art. 6°, inciso V, declara
o direito básico do consumidor à modificação de cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais, no que se enquadram as taxas de juros
praticadas no mercado financeiro. É vedado, ainda, ao fornecedor de serviços
bancários e creditícios, práticas consideradas abusivas, tais como exigir do
consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39). Além disso, são
consideradas nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações
consideradas abusivas (art. 51).
Em
que pese todo o arsenal de que dispõe o consumidor de crédito, o Superior
Tribunal de Justiça tem-se mostrado inquebrantável, no sentido de manter hígido
o entendimento de que as instituições financeiras não se submetem às
disposições do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura) quanto à taxa de juros, nos
termos da Súmula nº 596. Nesse sentido, os Recursos Especiais nº 258682/RS,
399716/RS e 500011/PR.
A
contrario sensu, o mesmo Pretório admite que a limitação imposta pela Lei
de Usura se aplique em contratos regidos por leis específicas, tais como o
Decreto-lei nº 167/67, Decreto-lei nº 413/69 e pela Lei nº 6.840/80, que regem
os mútuos rural, industrial e comercial, respectivamente. Consoante a
jurisprudência, à falta de regulamentação específica pelo Conselho Monetário
Nacional, não podem as taxas de juros sujeitar-se à vontade unilateral das
instituições de crédito, que buscam precipuamente o lucro. O entendimento visa
a evitar que mútuos de tais naturezas deixem de atingir o fim social a que se
destinam (Recursos Especiais nº 181.313/RS e n.º 181.843/RS). Não se pode
olvidar, no entanto, que tal entendimento se restringe aos chamados créditos incentivados.
O
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, recentemente, tem-se
mostrado sensível, em alguns casos, à situação do devedor, sob o fundamento de
que a livre contratação de juros não é absoluta e, por isso, há que ser examinada
caso a caso. Nesse sentido, as Apelações Cíveis nº 70003948932 e 70007875438.
Disso
se infere que, não obstante revogado o dispositivo constitucional, o
ordenamento jurídico infraconstitucional apresenta, ainda assim, força
suficiente para levar a cabo o ideal da limitação dos juros.
Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6774>. Acesso em 30 de maio de 2005.