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Propostas de inserção de dados em listas telefónicas, anuários, guias, remetidas por correio ou e-mail

 

 

João Alves*

 

 

Diversas empresas e instituições públicas têm recebido via correio e e-mail impressos enviados por sociedades com sede no estrangeiro, que alegadamente publicam em vários formatos (Internet, cd-rom, papel) listas, anuários e guias.

Vejamos um exemplo: No rosto do impresso enviado, sob a epígrafe "Informação básica" encontram-se preenchidos os dados relativos à empresa (distrito, actividade, empresa, telefone e fax) e no verso as cláusulas relativas ao contrato.

Igualmente no rosto do impresso, sob a epígrafe "Importante", consta uma chamada de atenção para o facto de, para que a informação da empresa "...continue a aparecer na Internet como tem acontecido até ao momento...",o impresso deve ser devolvido com brevidade. Se for necessário efectuar modificações (aos dados constantes da "Informação básica") deverá ser preenchido o campo relativo aos "Dados da empresa" (Direcção, C.P/localidade, telefone, fax, e-mail, Web, actividade e pessoa de contacto) e preenchidos os espaços relativos ao NIPC, carimbo/assinatura e data.

No final do texto existente na caixa "Importante" existe um pequeno asterisco que remete para uma coluna de texto, em letra pequena, situada no lado esquerdo do impresso, onde se informa que o custo do serviço é de € 480,00.

Explicado que foi o conteúdo do impresso, onde está então o problema? No impresso, no espaço da "Informação básica", existe sempre um erro (Ex: no distrito, no número de telefone ou no ramo de actividade) para conduzir a que seja corrigido pelo destinatário através do preenchimento do campo relativo aos "Dados da empresa", com indicação do NIPC, carimbo/assinatura e data, considerando-se então celebrado o contrato e consequentemente, devidos os € 480,00.

Nos casos de que tenho tido conhecimento os impressos variam de formato, aspecto gráfico, informações requeridas e fornecidas mas, o modus operandi é semelhante - existe sempre um erro nos elementos relativos ao destinatário, com vista a que este o corrija, obtendo-se desta forma a assinatura no contrato.

Uma primeira abordagem levaria a pensar que a prática comercial utilizada por tais sociedades, com o uso de um erro deliberadamente provocado, com vista a que seja aposta a assinatura no contrato, configuraria uma venda forçada, prática comercial proibida pelo art- 28º nº 2 do DL 143/01 de 26/4, o que poderia conduzir à propositura de uma acção inibitória ao abrigo dos art- 10º nº 1 al. c) e art- 13º al. c) da Lei 24/96 de 31/7, para a qual o Ministério Público tem legitimidade.
No entanto, existe um obstáculo legal, esta construção jurídica apenas está correcta se o destinatário da carta ou e-mail for uma pessoa singular que actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade profissional. Atente-se à definição de consumidor constante do art- 1º nº 3 al. a) do DL 143/01 de 26/4:

a) Consumidor: qualquer pessoa singular que actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade profissional; Esta definição está de acordo com a definição constante do art- 2º nº 1 da Lei 24/96 (Lei de defesa do consumidor) que consagra a noção de consumidor em sentido estrito, "... todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional será uma pessoa humana ou pessoa singular; com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o principio da especialidade de escopo..." (cfr João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, Comentário, Almedina 2003, pág. 44).

Porém, nos casos de que tenho conhecimento o impresso é sempre enviado para pessoas colectivas, o que inviabiliza o recurso a este diploma legal.

A segunda abordagem jurídica reside no regime das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85 de 25/10).
No plano subjectivo, a Directiva 93/13/CEE tutela (art- 1º nº 1) apenas as relações contratuais entre profissionais e consumidores, ao contrário do DL 446/85 que visa proteger todos os que celebram contratos com quem utiliza condições gerais dos contratos, abrangendo relações entre empresários, profissionais liberais, pessoas singulares, colectivas e consumidores e entre uns e outros (art- 17º e 20º do DL 446/85), isto é, contratos de consumo como quaisquer outros contratos.
É de referir a diferença em relação ao âmbito do art- 2º nº 1 da Lei 24/96 "Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios". Assim, está afastada qualquer interpretação lata que inclua comerciantes em situação jurídica diversa da que corresponde à sua situação profissional, sendo esta definição importante para definir o âmbito do art- 60º da Constituição e outros diplomas legais que se referem ao consumidor sem o definirem.
 Importa também referir que este conceito se encontra estabilizado na doutrina e jurisprudência, vide o recente Acórdão do STJ de 11/3/2003, CJ, STJ, 2003, I, pág. 122 - "Não é consumidor sendo-lhe assim inaplicável a lei de defesa do consumidor (Lei 24/96) aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou da sua empresa".
Assente que está a aplicação do regime do DL 446/85 a empresários, importa concluir se o impresso enviado por carta ou e-mail está sujeito a tal regime legal, resposta necessariamente afirmativa porque:
- As cláusulas insertas no impresso que titula o contrato foram previamente elaboradas e são apresentadas já impressas aos potenciais clientes;
- A estes apenas é concedida a possibilidade de aceitar ou não tais cláusulas, estando-lhes vedada a possibilidade de, através de negociação, por qualquer forma alterar o contrato;
- Tais contratos destinam-se a ser utilizados no presente e futuro com clientes na celebração de contratos de edição de listas telefónicas, anuários, guias.

Assim sendo, por falta de comunicação adequada e informação sobre as consequências do preenchimento do campo "Dados da empresa" e assinatura, tem que se considerar excluída do contrato a cláusula onde consta o preço do contrato (art- 5º, 6º e 8º al. a) b) e c) do DL 446/85.

Relativamente à legitimidade do Ministério Público, da análise destes contratos não resulta a existência de cláusulas que violem o disposto nos art- 18º a 22º do DL 446/85 de 25/10, como o controlo abstracto (ou preventivo) de cláusulas contratuais gerais é levado a cabo independentemente da sua inclusão em contratos singulares - trata-se do recurso à acção inibitória em que se pretende que os utilizadores de tais cláusulas sejam condenados a abster-se do seu uso e nos encontramos no âmbito do art- 8º do DL 446/85 (incluído no Capitulo II - Inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares), não tem o MP legitimidade no presente caso para intentar acção inibitória ao abrigo do art- 25º e 26º nº 1 al. c) do DL 446/85.

Uma terceira abordagem jurídica radica no instituto jurídico do dolo, previsto no art- 253 nº 1 do Código Civil:
"Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante."

O dolo conduz ao erro provocado, usar dolo, enganar outrem é contribuir para o erro (Ac. STJ de 11/10/77, BMJ 270-192). Trata-se do instituto jurídico criado e desenvolvido pelo direito romano do dolus malus, na maquinação ou simulação com vista a obter de outrem uma declaração negocial que, de outro modo, não tem lugar.
De acordo com a doutrina e jurisprudência a relevância do dolo depende de três factores (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, 2000, pág. 625 e 626):
1- Que o declarante esteja em erro;
2- Que o erro tenha sido causado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
3- Que o declaratário ou terceiro haja recorrido a qualquer artifício, sugestão ou embuste.

A anulabilidade do negócio surge se for determinante da vontade, não se exige que seja essencial e não se põe a questão do conhecimento já que foi causado pelo declaratário (Menezes Cordeiro, ob. cit, pág. 626).

Uma quarta análise, a nível preventivo, reside nos poderes atribuídos pelo DL 234/99 de 25/6 ao Instituto do Consumidor. Na verdade, face à dimensão dos casos conhecidos, de que a comunicação social tem dado notícia, o presidente do Instituto do Consumidor poderia formular uma recomendação ao prestador de serviços com vista a ser suprimido o risco para os interesses económicos dos consumidores, que consiste em assinarem contratos devido a um erro deliberadamente provocado e, caso tal recomendação não fosse acatada, poderia o presidente emitir aviso adequado ao público (art- 10º nº 1 e 2 do DL 234/99 de 25/6).

Em conclusão: Qual a conduta a adoptar por quem, em erro, assinou o contrato e agora lhe é exigido o pagamento de determinada quantia?

A) Se ainda não decorreu o prazo de 7 dias após a assinatura do contrato (cfr o prazo mencionado no impresso e, relativamente a consumidores os prazos previstos nos art- 9º nº 7 da Lei 24/96 de 31/7 e art- 6º nº 1 do DL 143/01 de 26/4), proceder por carta registada à manifestação de vontade em resolver o contrato.

B) Não proceder ao pagamento de qualquer quantia, argumentando com os fundamentos acima expostos, tudo indica que se trata de um estratagema com vista a que, com cartas a ameaçar com o recurso a Tribunal, alguns incautos paguem a quantia exigida (o que parece confirmar-se já que se desconhece a existência de acções intentadas em Tribunal com vista ao pagamento de quantias derivadas deste tipo de contratos).

C) É possível (embora oneroso e lento) o recurso a Tribunal por via de acção declarativa com vista a reconhecer-se o erro ou a exclusão da cláusula que contém o preço do contrato.

D) Na eventualidade de ser proposta acção declarativa ou executiva contra quem tenha subscrito um contrato deste tipo, por via de contestação ou embargos, com a utilização dos fundamentos acima referidos, não constituirá decerto problema obter a absolvição do pedido.

E) O subscritor do presente artigo tem conhecimento que diversas entidades públicas (escolas, juntas de freguesia) têm sido vítimas desta prática, permitindo-me recordar que o Ministério Público, nos termos previstos na respectiva lei orgânica (Lei 47/86 de 15/10) e legislação avulsa, representa em juízo o Estado, Autarquias Locais e Institutos Públicos, caso seja necessário intentar qualquer acção ou contestar acção.

 

 *Procurador-Adjunto
Procuradoria da República junto das Varas e Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa
Docente do CEJ - Jurisdição Cível II

Retirado de:http://www.verbojuridico.net/doutrina/consumidor/listas.html. Acesso em 15 de Abril de 2005.