Sumário:
1. Causando impacto –
Intuitivamente discriminatória
2. Algumas causas da discriminação
3. Critérios jurídicos para auferir
a discriminação.
4. Mecanismos de controle da
publicidade abusiva
O Código de Defesa do Consumidor
proíbe a publicidade abusiva discriminatória no § 2º do art. 37. É abusiva,
dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza.
Como ensina o Prof. Luiz Antonio
Rizzatto Nunes "o caráter da abusividade não tem necessariamente relação
direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda
que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor"1. Diante
deste comportamento contrário ao disposto no ordenamento jurídico, poderíamos
considerá-lo abusivo e afeto, então, às sanções previstas na lei.
Mas como poderemos chegar a essa
conclusão? Ou seja, chegar a caracterizar determinada publicidade como abusiva,
posto que é discriminatória? Será que, inicialmente, podemos considerá-la
abusiva na forma discriminatória, porque intuitivamente ela causa
"aversão" no público? O que a tornaria discriminatória? Quais os
princípios que porventura ela estaria violando? Haveria possibilidade de traçar
critérios jurídicos para auferir a abusividade de determinada publicidade do
tipo discriminatório?
Começaremos, portanto, a tratar
destes temas.
1. Causando impacto –
Intuitivamente discriminatória
Tomaremos, a título de método,
determinado exemplo que intuitivamente causou um certo espanto nesta estudiosa.
Em 9 de maio de 1999 foi publicada
na Revista da Folha, do jornal Folha de S. Paulo, uma foto de uma pia de lavar
louça, contendo várias panelas e pratos. Logo abaixo, a figura de uma esponja
de limpeza da marca Scotch-Brite, com o seguinte dizer:
"Hoje é o Dia dos Pais.
9 de maio. Dia das Mães.
Homenagem de Scotch-Brite. A
maneira mais limpa de limpar."
Fiz alguns questionamentos no
momento em que vi essa publicidade. Será que ela está querendo sugerir que
somente no Dia das Mães é dia de os pais lavarem a louça? Será que ela está
querendo sugerir que somente a mulher, ou melhor, a mãe, teria competência para
tal atividade, e uma única vez no ano o homem teria a mesma competência,
podendo então executá-la? Ou será que ela está querendo sugerir que a mulher
possui com quase exclusividade o papel social dos deveres domésticos e que o
homem "bacana" poderia, pelo menos por um dia, libertá-la deste,
lavando a louça? O que se quer com tal publicidade?
Com a realidade social da forma
que se apresenta, quando destaca o papel da mulher, com estudos desenvolvidos
por diversos autores sobre a opressão e a violência contra a mulher, com a
formação de instrumentos protetivos em favor da mulher, com a estruturação de
associações para a defesa da mulher, tudo isso nos faz crer que não se trata de
algo colocado a título de simples ilustração.
Não podemos ser ingênuos e pensar
que uma publicidade como essa não serve de instrumento para a manutenção e,
muitas vezes, de formação do inconsciente ou consciente coletivo masculino e
feminino.
O século XX foi chamado de século
da liberação das mulheres, mas mesmo neste observamos coisas assombrosas. O
governo chinês resolveu multar as mulheres que não chegavam virgens ao
matrimônio. Em alguns lugares do mundo pratica-se a castração feminina,
afetando 6.000 mulheres por dia. Na África, pratica-se a mutilação genital em
130 milhões de meninas. As formas mais comuns são as chamadas "cliteridectomia"
– corta-se toda a parte do clitóris junto a uma parte dos lábios menores. Nos
anos 40 e 50 nos Estados Unidos e Reino Unido não faltaram médicos que
aconselhassem a castração para tratar a histeria, o lesbianismo, a masturbação
e outros denominados desvios femininos. Escondia-se um brutal machismo, pois
acreditava-se ser uma forma de prevenção à "inevitável inclinação feminina
para a infidelidade".2
Pode-se destacar outros problemas.
Na cultura muçulmana, pelas leis religiosas, que são acatadas civilmente, a
mulher é proibida de casar-se com um homem que não pertença a essa fé; não pode
realizar atividades assalariadas sem o consentimento do marido; o matrimônio
poligâmico é válido; somente o pai exerce o pátrio poder; a mulher deve
obediência ao esposo e pode ser repudiada discricionariamente.3
Podemos perceber que os dados
estatísticos não favorecem as mulheres. Por exemplo, no mundo há 1.300 milhões
de pobres, dos quais 70% são mulheres; também 70% dos analfabetos são do sexo
feminino; 87% da população urbana russa com salários inferiores a 21 dólares
mensais são mulheres. No mundo, somente 10,5% dos parlamentares são mulheres e,
nos gabinetes ministeriais, em 1995, sua presença era de 6,8%. Conforme alguns
estudos, as mulheres trabalham 15% mais que os homens e em países da África
fazem 70% mais de trabalhos mais pesados.4
A realidade mostra que ainda
vivemos em uma sociedade em que a violência contra mulher é grande. Conforme
demonstra reportagem no jornal Correio Braziliense,5 a mulher ainda sofre
grande violência sexual.
A opressão da mulher é evidenciada
diariamente: desqualificação no mercado de trabalho, uma vez que mesmo
estando no século XXI ela ainda continua tendo proventos menores no exercício
da mesma função, com a jornada tripla de trabalho: casa, filhos e emprego.
Pierre Bourdieu diz que
(...) "dado o fato de que
é o princípio da visão social que constrói a diferença anatômica e que é esta
diferença socialmente construída que se torna o fundamento e a caução
aparentemente natural da visão social que a alicerça, caímos em uma relação
circular que encerra pensamento na evidência de relações de dominação inscritas
ao mesmo tempo na objetividade, sob forma de divisões objetivas, e na
subjetividade, sob forma de esquemas cognitivos que, organizados segundo essas
divisões, organizam a percepção das divisões objetivas"6.
Continua:
(...) "a força da ordem
masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão
androcêntrica impede se enunciar em discurso que visem a legitimá-la. A ordem
social funciona como uma intensa máquina simbólica que tende a ratificar a
dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho,
distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois
sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos, é a estrutura do espaço,
opondo o lugar de assembléia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa,
reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte masculina, com o
salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura
do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo da vida, com momentos de
ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, feminino"7.
Pode-se concluir o quanto
determinada publicidade cria ou frisa a visão social construída que difere o
homem da mulher, fazendo do primeiro dominante e da segunda, dominada. Cria
aspectos formadores, deformadores ou de manutenção das atitudes sociais.
Já inicialmente sabemos que o
intuito do fornecedor, neste caso, é firmar sua marca como a melhor esponja
para limpeza e aumentar, com isso, as suas vendas. Isso é perfeitamente
possível, até porque o sistema econômico é capitalista, sendo permitido
utilizar o instrumento da publicidade para vender.
Mas os dizeres publicitários
impõem à mulher o trabalho doméstico e colocam o homem em uma situação
privilegiada. Retratam a discriminação social já elucidada.
2. Algumas causas da
discriminação
Sem dúvida, a discriminação é um
dos fenômenos mais lamentáveis e vergonhosos que afetam as sociedades de diversas
partes do mundo. Quando se consideram os numerosos direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais e muitos outros setores das relações humanas,
percebe-se a existência de pessoas que são objeto de discriminação não por
terem feito ou deixado de fazer algo, mas devido a fatores em relação aos quais
elas não podem exercer nenhum controle: a cor de sua pele, a raça a que
pertencem, o sexo, a religião, as convicções políticas, a nacionalidade, o
aspecto físico etc.
A palavra discriminar em sua
acepção popular é entendida como estabelecer uma distinção em favor ou contra
uma pessoa ou coisa sobre a base de um grupo, classe ou categoria a que a
pessoa ou coisa pertence, mas também sobre seus próprios méritos.8
Define-se, então, a discriminação
como sendo o trato diferencial dos indivíduos que pertencem a um grupo social
determinado. Ou seja, considera-se um membro de um grupo e supõe-se que ele
seja diferente. Manifesta-se, assim, o que Claudio M. Kiper chama de prejuízo.9
Falar em prejuízo é dizer que se
aplicam às generalizações categóricas dados inadequados, sem atender
suficientemente às diferenças individuais. O prejuízo pode ser considerado,
pois, como o estado mental que dá lugar à prática da discriminação. Ou seja,
trata-se de um juízo de valor fundado subjetivamente e de origem cultural. Não
é algo inerente à ordem natural das coisas ou à natureza humana, mas sim parte
de mitos cuja origem está assentada em uma propaganda interessada em tradições
seculares, ou melhor, na manutenção do status quo.10
A ignorância entre as massas do
povo – tanto a de grupos dominantes - como a de grupos dominados, permite
àquele que propugna a exploração econômica e a dominação triunfar mais
facilmente.
Se um grupo de pessoas sabe pouco
ou nada sobre outro grupo, ou tem a crença errônea ou infundada acerca do
outro, é mais suscetível à exploração.
O prejuízo quase sempre vem
acompanhado de opiniões incorretas ou mal fundadas a respeito de pessoas contra
quem se experimenta. Muitas das falsas opiniões tomam a forma daquilo que os
sociólogos chamam "estereótipos".11
Quando existem estereótipos
julga-se o indivíduo não por suas próprias características, mas sobre a base de
opiniões exageradas e distorcidas a respeito do que se estima serem as
características de seu grupo. Supõe-se falsamente que todos os membros de seu
grupo são semelhantes, passando-se por alto sobre as exceções ou negando sua
existência.12
Podemos concluir, portanto, que
alguns dos efeitos da discriminação seriam o prejuízo e a formação de
estereótipos. Trata-se, portanto, de um problema muito mais político, social,
cultural e econômico, do que biológico, pelo menos quando o enfoque é o
problema da discriminação.
Então, sugerir que no Dia das Mães
os pais lavarão louça, como quer a publicidade, é dar vazão a todo juízo de
valor da dominação masculina, dando continuidade ao estereótipo de que lugar de
mulher é na cozinha.
3. Critérios jurídicos para
auferir a discriminação
O princípio democrático
universalmente proclamado de que todos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos se vê ameaçado cada vez que se praticam a discriminação e as
desigualdades no plano político, econômico, social e cultural, afetando as
relações entre os grupos humanos.
O princípio da igualdade não se vê
afetado quando se efetuam distinções baseadas em alguns tipos de
características pessoais, tais como a capacidade mental ou física, o talento,
os méritos pessoais de cada um, mas pode se ver agredido quando se realizam
sobre fatores nos quais o ser humano não tem controle, como sua raça, o sexo, a
cor etc.13
O Prof. Celso Antonio Pacheco
Fiorillo esclarece que o princípio da igualdade
(...) "é mais do que um
corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas – cujo sentido imediato
consiste na proclamação da idêntica validade cívica de todos os cidadãos,
independentemente de sua inserção econômica, social, cultural e política,
proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social
discriminatórias. O princípio da igualdade é assim não apenas um princípio de
disciplina das relações entre cidadão e o Estado (ou equiparadas) mas também
uma regra do estatuto social dos cidadãos, um princípio de conformação social e
da qualificação da posição de cada cidadão na coletividade."14
E, conclui dizendo:
"Assim, antes de direitos políticos, os
cidadãos possuem igual dignidade social, não podendo prevalecer visões que os
excluam em face de sua inserção política, cultural, social ou mesmo
econômica."15
Há atos que conduzem às
discriminações, às distinções, exclusões, restrições e preferências. Os atos
discriminatórios não são somente os que têm o objeto de discriminar ou produzir
este efeito, mas também os que levam essa intenção e propósito. São tidos como
discriminatórios os atos que anulam totalmente ou prejudicam parcialmente o
gozo e o exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.16
Para aferir os critérios que
indicarão determinada situação como discriminatória, utilizaremos, como base,
os ensinamentos do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello,17 fazendo, sempre que
necessário, adaptações para identificar o tema em análise.
Reza o art. 5º, caput da
Constituição Federal, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
O art. 3º, inciso IV, diz que
constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
O preceito magno da igualdade é
norma que deve nortear todas as ações na realidade social. Não pode ocorrer
nenhuma forma de privilégio ou perseguições em atos que de alguma maneira
afetarão todos os cidadãos. O princípio da igualdade interdita tratamento
desuniforme às pessoas.
Começaremos, primeiramente, a
desconstituir para depois recompor o princípio aristotélico que consiste em
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Quem são os iguais e quem são
os desiguais? O que permite colocar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob
a de desiguais? Qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à
isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados? Que
espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de
situações e de pessoas, sem quebra e agressão ao princípio constitucional da
isonomia?
Determinados elementos ou
traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem
colhidos por determinada publicidade, por exemplo, como raiz de diferenciação,
sob pena de ferir a regra da igualdade.
Então, as pessoas não podem ser
desequiparadas em razão da raça, sexo, convicção religiosa, ou em razão da cor
dos olhos, cor da pele etc.
Deve-se, no entanto, observar
que em determinadas situações poderá haver utilização de qualquer elemento
residente nas coisas, pessoas ou situações, podendo ser escolhido como fator
discriminatório, donde se segue que não é no traço de diferenciação escolhido
que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico.
Por exemplo, na publicidade de
um creme de cabelo X foi escolhido como discrímen o cabelo da mulher negra, uma
vez que o creme fora produzido exclusivamente para seus cabelos. Em outra, o
destaque foi a pele da mulher negra, que deveria passar o creme Y que fora
feito, exclusivamente, para sua pele.
Os exemplos mostram que a
discriminação executada será compatível com a cláusula igualitária quando
existir correlação lógica entre o diferencial acolhido do objeto e a
desigualdade de tratamento em função dele conferida, desde que tal correlação
não seja incompatível com interesses constitucionais.
Assim,
(...) "o próprio ditame
constitucional que embarga a desequiparação por motivo de raça, sexo, trabalho,
credo religioso e convicções políticas, nada mais faz que colocar em evidência
certos traços que não podem, por razões preconceituosas mais comuns em certa
época ou meio, ser tomadas gratuitamente como ratio fundamentadora de
discrímen. O art. 5º, caput, ao exemplificar com as hipóteses referidas, apenas
pretendeu encarecê-las como insuscetíveis de gerarem, só por si, uma
discriminação. Vale dizer: recolheu na realidade social elementos que reputou
serem possíveis fontes de desequiparações odiosas e explicitou a
impossibilidade de virem a ser destarte utilizadas."18
A ordem jurídica pretende firmar a
impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas.
As diferenciações que não podem
ser feitas sem quebra da isonomia se dividem em três questões:
a) a primeira diz com o elemento
tomado como fator de desigualação;
b) a segunda reporta-se à
correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de
discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância
desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional
e destarte juridicizados.19
Deve-se investigar, de um lado,
aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre
verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para
atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade
proclamada. Finalmente, analisar-se-á se a correlação abstrata existente é, em
concreto, afinada com os valores prestigiados no sistema normativo
constitucional.
No exemplo que demos sobre a
publicidade da esponja para limpeza, o critério discriminatório adotado foi o
gênero - masculino, feminino. A correlação entre o discrímen adotado e a
disparidade estabelecida de que é dia de os pais lavarem a louça e não das
mães, posto que se comemora o dia delas, não tem consonância com os valores
absorvidos no sistema constitucional. Portanto, estamos diante de uma publicidade
abusiva de natureza discriminatória.
Em síntese, a publicidade não pode
conceder tratamento vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e
circunstâncias peculiarizadores de uma categoria de indivíduos se não houver
adequação racional entre o elemento diferencial e a situação dispensada aos que
se inserem na categoria diferençada.
Evidente que devemos considerar
que a racionalidade do tratamento diferenciado encontra seus substratos
materiais nos valores plasmados na ordem jurídica, nos critérios materiais de
justiça encontráveis na Constituição e no Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, a publicidade que
estabelece um tratamento diferenciado entre homens e mulheres – dizendo que no
Dia das Mães seria dia de os pais lavarem a louça e, implicitamente, no
restante dos dias seria função das mães lavarem, é dissonante dos valores
constitucionalmente protegidos, configurando a publicidade abusiva de natureza
discriminatória, prevista no Código de Defesa do Consumidor, que é o
instrumento de efetivação da ordem constitucional.
4. Mecanismos de controle da
publicidade abusiva
Não faremos aqui uma análise
acurada de todas as formas de controle da publicidade abusiva, por não ser
objeto do estudo, mas levantaremos alguns mecanismos disponíveis no sistema jurídico
atual.
O Prof. Luiz Antonio Rizzatto Nunes20
mostra-nos que a publicidade abusiva sofre controle administrativo não só de
órgão auto-regulamentador, o CONAR,
como também dos órgãos públicos
que garantem a defesa do consumidor, por força do estabelecido nos arts. 55 a
60 do CDC, que tratam das sanções administrativas, e 9º e seguintes do
regulamento, Decreto n. 2.181, de 20/3/1997, que organiza o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor e estabelece as normas gerais de aplicação das
sanções administrativas, da fiscalização, das práticas infratoras e penalidades
administrativas.
O Código Brasileiro de
Auto-Regulamentação Publicitária – CBDP preleciona em seu art. 20 que nenhum
anúncio pode favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa de discriminação
racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. Não pode também
acentuar, de forma depreciativa, diferenciações sociais decorrentes do maior ou
menor poder aquisitivo dos grupos a que se destina ou que possa atingir.21
Portanto, via de regra, uma das primeiras formas de controle contra publicidade
abusiva de natureza discriminatória será exercida pelo CONAR.
A União, os Estados e Municípios
fiscalizarão e controlarão a publicidade de produtos e serviços, com interesse
na preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do
consumidor.
A fiscalização será exercida em
todo o território nacional pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério
da Justiça - SDE, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor - DPDC, pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor - SNDC, e pelos órgãos conveniados com a Secretaria
e pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor criados pelos Estados,
Distrito Federal e Municípios, em suas respectivas áreas de atuação e
competência.22 As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas,
conforme o caso, às sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza
civil, penal e outras definidas em normas específicas, à multa, proibição de
fabricação do produto, imposição de contrapropaganda etc.
A imposição da contrapropaganda
será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade abusiva,
que correrá sempre às expensas do infrator, e o ônus de provar a veracidade e a
não-abusividade da publicidade caberá a quem a patrocinou.
A contrapropaganda será divulgada
da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo veículo,
local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade
abusiva.
Como preleciona o Prof. Luiz
Antonio Rizzatto Nunes:
(...) "a imposição dessa
penalidade decorre das medidas judiciais à disposição do magistrado para a
proteção dos consumidores, uma vez que é intenção da lei consumerista dar ampla
tutela para a garantia dos direitos dos consumidores..."23 .
Deve-se considerar, como ensina a
Profª. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federigh24, que a contrapropaganda terá
caráter minimizador do efeito nocivo da publicidade abusiva, pois caráter
efetivamente reparatório jamais terá. Mas não é ela supérflua: o mecanismo de
chamar a atenção para o ato nocivo anteriormente praticado já possui o condão
de atrair a atenção do consumidor para o mea culpa obrigatório do
anunciante.
Quanto aos ilícitos penais, o CDC,
em seu art. 67, preleciona que fazer ou promover publicidade que sabe ou
deveria saber ser abusiva incorrerá em pena de detenção de três meses a um ano
e multa.
O Poder Judiciário, quando acionado, poderá
determinar a supressão do anúncio, no todo ou em parte. As normas processuais
do CDC dão amplitude para tanto – arts. 83 e seguintes e ainda o art. 6º,
inciso VI, que garante ao consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Então, o CDC, nos casos de
publicidade abusiva, concede ao consumidor (individual ou coletivo) a
utilização de vários mecanismos de defesa, como pleitear indenização por danos
morais ou materiais, a imposição de multa e contrapropaganda, a suspensão da
publicidade com a pena de execução específica em caso do não cumprimento da
obrigação imposta na sentença.
Ressalte-se a importância das
ações cautelares, com a concessão de liminares, ou as antecipações de tutela,
visando à suspensão imediata da veiculação da publicidade abusiva. Por fim,
ainda fica sujeito, o responsável, ao enquadramento penal.
Na concretização dos mecanismos
previstos pelo CDC contra a publicidade abusiva, é de se registrar a atuação do
Ministério Público e de Associações Civis de Defesa do Consumidor, tanto por
intermédio de meios judiciais (ações coletivas) quanto extrajudiciais, como
sejam, os inquéritos civis, a vigilância dos meios de comunicação, a
mobilização popular.
Portanto, para defender os
direitos e interesses protegidos pelo código, inclusive no que tange à
publicidade abusiva de natureza discriminatória, serão admitidas todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua efetiva e adequada tutela.
BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antonio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo:
Malheiros, 1997.
BOURDIEU, Pierre.
Tradução Maria Helena Kühler, A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1999.
FEDERIGH, Suzana
Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva – incitação à violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira , 1999.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo. O direito de antena em face do direito
ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000.
KIPER, Claudio Marcelo, Derechos de las minorías
ante a discriminación. Buenos Aires: Hammurabi, 1997.
RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao código de defesa do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2000.
Referências
Bibliográficas
1 Comentários ao
código de defesa do consumidor, p. 459.
2 Claudio Marcelo Kiper, Derechos de las minorías
ante a discriminación, p. 298.
3 Ibid., p. 299.
4 Ibid., p. 300.
5 De 24 de
fevereiro de 2001, caderno 3, p. 1-3.
6 Tradução Maria
Helena Kühler, A dominação masculina, p. 20.
7 Ibid., p. 18.
8 Claudio Marcelo
Kiper, ob. cit., p. 33.
9 Ibid., mesma
página.
10 Ibid., mesma
página.
11 Ibid., p. 47.
12 Ibid., mesma
página.
13 Ibid., p. 36.
14 O direito de
antena em face do direito ambiental no Brasil, p. 17.
15 Ibid., mesma
página.
16 Claudio Marcelo
Kiper, ob. cit., p.37.
17 Conteúdo
jurídico do princípio da igualdade.
18 Ibid., p. 17-18.
19 Ibid., p. 21.
20 Comentários ao
código de defesa do consumidor, p. 470.
21 Ibid., p. 409.
22 De acordo com os
dispositivos do Decreto n. 2.181, de 20 de março de 1997.
23 Comentários ao
código de defesa do consumidor, p. 471.
24 Publicidade
abusiva – incitação à violência, p. 119.
Fonte:
http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud9/default.htm. Acesso em 13 de abril de
2005.