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Publicidade Abusiva de Natureza Discriminatória

 

 

Fabiana Curi Uema

 

 

Sumário:

1. Causando impacto – Intuitivamente discriminatória

2. Algumas causas da discriminação

3. Critérios jurídicos para auferir a discriminação.

4. Mecanismos de controle da publicidade abusiva

O Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade abusiva discriminatória no § 2º do art. 37. É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza.

Como ensina o Prof. Luiz Antonio Rizzatto Nunes "o caráter da abusividade não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor"1. Diante deste comportamento contrário ao disposto no ordenamento jurídico, poderíamos considerá-lo abusivo e afeto, então, às sanções previstas na lei.

Mas como poderemos chegar a essa conclusão? Ou seja, chegar a caracterizar determinada publicidade como abusiva, posto que é discriminatória? Será que, inicialmente, podemos considerá-la abusiva na forma discriminatória, porque intuitivamente ela causa "aversão" no público? O que a tornaria discriminatória? Quais os princípios que porventura ela estaria violando? Haveria possibilidade de traçar critérios jurídicos para auferir a abusividade de determinada publicidade do tipo discriminatório?

Começaremos, portanto, a tratar destes temas.

1. Causando impacto – Intuitivamente discriminatória

 

Tomaremos, a título de método, determinado exemplo que intuitivamente causou um certo espanto nesta estudiosa.

Em 9 de maio de 1999 foi publicada na Revista da Folha, do jornal Folha de S. Paulo, uma foto de uma pia de lavar louça, contendo várias panelas e pratos. Logo abaixo, a figura de uma esponja de limpeza da marca Scotch-Brite, com o seguinte dizer:

"Hoje é o Dia dos Pais.

9 de maio. Dia das Mães.

Homenagem de Scotch-Brite. A maneira mais limpa de limpar."

Fiz alguns questionamentos no momento em que vi essa publicidade. Será que ela está querendo sugerir que somente no Dia das Mães é dia de os pais lavarem a louça? Será que ela está querendo sugerir que somente a mulher, ou melhor, a mãe, teria competência para tal atividade, e uma única vez no ano o homem teria a mesma competência, podendo então executá-la? Ou será que ela está querendo sugerir que a mulher possui com quase exclusividade o papel social dos deveres domésticos e que o homem "bacana" poderia, pelo menos por um dia, libertá-la deste, lavando a louça? O que se quer com tal publicidade?

Com a realidade social da forma que se apresenta, quando destaca o papel da mulher, com estudos desenvolvidos por diversos autores sobre a opressão e a violência contra a mulher, com a formação de instrumentos protetivos em favor da mulher, com a estruturação de associações para a defesa da mulher, tudo isso nos faz crer que não se trata de algo colocado a título de simples ilustração.

Não podemos ser ingênuos e pensar que uma publicidade como essa não serve de instrumento para a manutenção e, muitas vezes, de formação do inconsciente ou consciente coletivo masculino e feminino.

O século XX foi chamado de século da liberação das mulheres, mas mesmo neste observamos coisas assombrosas. O governo chinês resolveu multar as mulheres que não chegavam virgens ao matrimônio. Em alguns lugares do mundo pratica-se a castração feminina, afetando 6.000 mulheres por dia. Na África, pratica-se a mutilação genital em 130 milhões de meninas. As formas mais comuns são as chamadas "cliteridectomia" – corta-se toda a parte do clitóris junto a uma parte dos lábios menores. Nos anos 40 e 50 nos Estados Unidos e Reino Unido não faltaram médicos que aconselhassem a castração para tratar a histeria, o lesbianismo, a masturbação e outros denominados desvios femininos. Escondia-se um brutal machismo, pois acreditava-se ser uma forma de prevenção à "inevitável inclinação feminina para a infidelidade".2

Pode-se destacar outros problemas. Na cultura muçulmana, pelas leis religiosas, que são acatadas civilmente, a mulher é proibida de casar-se com um homem que não pertença a essa fé; não pode realizar atividades assalariadas sem o consentimento do marido; o matrimônio poligâmico é válido; somente o pai exerce o pátrio poder; a mulher deve obediência ao esposo e pode ser repudiada discricionariamente.3

Podemos perceber que os dados estatísticos não favorecem as mulheres. Por exemplo, no mundo há 1.300 milhões de pobres, dos quais 70% são mulheres; também 70% dos analfabetos são do sexo feminino; 87% da população urbana russa com salários inferiores a 21 dólares mensais são mulheres. No mundo, somente 10,5% dos parlamentares são mulheres e, nos gabinetes ministeriais, em 1995, sua presença era de 6,8%. Conforme alguns estudos, as mulheres trabalham 15% mais que os homens e em países da África fazem 70% mais de trabalhos mais pesados.4

A realidade mostra que ainda vivemos em uma sociedade em que a violência contra mulher é grande. Conforme demonstra reportagem no jornal Correio Braziliense,5 a mulher ainda sofre grande violência sexual.

A opressão da mulher é evidenciada diariamente: desqualificação no mercado de trabalho, uma vez que mesmo estando no século XXI ela ainda continua tendo proventos menores no exercício da mesma função, com a jornada tripla de trabalho: casa, filhos e emprego.

Pierre Bourdieu diz que

(...) "dado o fato de que é o princípio da visão social que constrói a diferença anatômica e que é esta diferença socialmente construída que se torna o fundamento e a caução aparentemente natural da visão social que a alicerça, caímos em uma relação circular que encerra pensamento na evidência de relações de dominação inscritas ao mesmo tempo na objetividade, sob forma de divisões objetivas, e na subjetividade, sob forma de esquemas cognitivos que, organizados segundo essas divisões, organizam a percepção das divisões objetivas"6.

Continua:

(...) "a força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impede se enunciar em discurso que visem a legitimá-la. A ordem social funciona como uma intensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos, é a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembléia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo da vida, com momentos de ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, feminino"7.

Pode-se concluir o quanto determinada publicidade cria ou frisa a visão social construída que difere o homem da mulher, fazendo do primeiro dominante e da segunda, dominada. Cria aspectos formadores, deformadores ou de manutenção das atitudes sociais.

Já inicialmente sabemos que o intuito do fornecedor, neste caso, é firmar sua marca como a melhor esponja para limpeza e aumentar, com isso, as suas vendas. Isso é perfeitamente possível, até porque o sistema econômico é capitalista, sendo permitido utilizar o instrumento da publicidade para vender.

Mas os dizeres publicitários impõem à mulher o trabalho doméstico e colocam o homem em uma situação privilegiada. Retratam a discriminação social já elucidada.

 

2. Algumas causas da discriminação

 

Sem dúvida, a discriminação é um dos fenômenos mais lamentáveis e vergonhosos que afetam as sociedades de diversas partes do mundo. Quando se consideram os numerosos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e muitos outros setores das relações humanas, percebe-se a existência de pessoas que são objeto de discriminação não por terem feito ou deixado de fazer algo, mas devido a fatores em relação aos quais elas não podem exercer nenhum controle: a cor de sua pele, a raça a que pertencem, o sexo, a religião, as convicções políticas, a nacionalidade, o aspecto físico etc.

A palavra discriminar em sua acepção popular é entendida como estabelecer uma distinção em favor ou contra uma pessoa ou coisa sobre a base de um grupo, classe ou categoria a que a pessoa ou coisa pertence, mas também sobre seus próprios méritos.8

Define-se, então, a discriminação como sendo o trato diferencial dos indivíduos que pertencem a um grupo social determinado. Ou seja, considera-se um membro de um grupo e supõe-se que ele seja diferente. Manifesta-se, assim, o que Claudio M. Kiper chama de prejuízo.9

Falar em prejuízo é dizer que se aplicam às generalizações categóricas dados inadequados, sem atender suficientemente às diferenças individuais. O prejuízo pode ser considerado, pois, como o estado mental que dá lugar à prática da discriminação. Ou seja, trata-se de um juízo de valor fundado subjetivamente e de origem cultural. Não é algo inerente à ordem natural das coisas ou à natureza humana, mas sim parte de mitos cuja origem está assentada em uma propaganda interessada em tradições seculares, ou melhor, na manutenção do status quo.10

A ignorância entre as massas do povo – tanto a de grupos dominantes - como a de grupos dominados, permite àquele que propugna a exploração econômica e a dominação triunfar mais facilmente.

Se um grupo de pessoas sabe pouco ou nada sobre outro grupo, ou tem a crença errônea ou infundada acerca do outro, é mais suscetível à exploração.

O prejuízo quase sempre vem acompanhado de opiniões incorretas ou mal fundadas a respeito de pessoas contra quem se experimenta. Muitas das falsas opiniões tomam a forma daquilo que os sociólogos chamam "estereótipos".11

Quando existem estereótipos julga-se o indivíduo não por suas próprias características, mas sobre a base de opiniões exageradas e distorcidas a respeito do que se estima serem as características de seu grupo. Supõe-se falsamente que todos os membros de seu grupo são semelhantes, passando-se por alto sobre as exceções ou negando sua existência.12

Podemos concluir, portanto, que alguns dos efeitos da discriminação seriam o prejuízo e a formação de estereótipos. Trata-se, portanto, de um problema muito mais político, social, cultural e econômico, do que biológico, pelo menos quando o enfoque é o problema da discriminação.

Então, sugerir que no Dia das Mães os pais lavarão louça, como quer a publicidade, é dar vazão a todo juízo de valor da dominação masculina, dando continuidade ao estereótipo de que lugar de mulher é na cozinha.

 

3. Critérios jurídicos para auferir a discriminação

 

O princípio democrático universalmente proclamado de que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos se vê ameaçado cada vez que se praticam a discriminação e as desigualdades no plano político, econômico, social e cultural, afetando as relações entre os grupos humanos.

O princípio da igualdade não se vê afetado quando se efetuam distinções baseadas em alguns tipos de características pessoais, tais como a capacidade mental ou física, o talento, os méritos pessoais de cada um, mas pode se ver agredido quando se realizam sobre fatores nos quais o ser humano não tem controle, como sua raça, o sexo, a cor etc.13

O Prof. Celso Antonio Pacheco Fiorillo esclarece que o princípio da igualdade

(...) "é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas – cujo sentido imediato consiste na proclamação da idêntica validade cívica de todos os cidadãos, independentemente de sua inserção econômica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social discriminatórias. O princípio da igualdade é assim não apenas um princípio de disciplina das relações entre cidadão e o Estado (ou equiparadas) mas também uma regra do estatuto social dos cidadãos, um princípio de conformação social e da qualificação da posição de cada cidadão na coletividade."14

E, conclui dizendo:

"Assim, antes de direitos políticos, os cidadãos possuem igual dignidade social, não podendo prevalecer visões que os excluam em face de sua inserção política, cultural, social ou mesmo econômica."15

Há atos que conduzem às discriminações, às distinções, exclusões, restrições e preferências. Os atos discriminatórios não são somente os que têm o objeto de discriminar ou produzir este efeito, mas também os que levam essa intenção e propósito. São tidos como discriminatórios os atos que anulam totalmente ou prejudicam parcialmente o gozo e o exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.16

Para aferir os critérios que indicarão determinada situação como discriminatória, utilizaremos, como base, os ensinamentos do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello,17 fazendo, sempre que necessário, adaptações para identificar o tema em análise.

Reza o art. 5º, caput da Constituição Federal, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

O art. 3º, inciso IV, diz que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O preceito magno da igualdade é norma que deve nortear todas as ações na realidade social. Não pode ocorrer nenhuma forma de privilégio ou perseguições em atos que de alguma maneira afetarão todos os cidadãos. O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas.

Começaremos, primeiramente, a desconstituir para depois recompor o princípio aristotélico que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Quem são os iguais e quem são os desiguais? O que permite colocar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a de desiguais? Qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados? Que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão ao princípio constitucional da isonomia?

Determinados elementos ou traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem colhidos por determinada publicidade, por exemplo, como raiz de diferenciação, sob pena de ferir a regra da igualdade.

Então, as pessoas não podem ser desequiparadas em razão da raça, sexo, convicção religiosa, ou em razão da cor dos olhos, cor da pele etc.

Deve-se, no entanto, observar que em determinadas situações poderá haver utilização de qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, podendo ser escolhido como fator discriminatório, donde se segue que não é no traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico.

Por exemplo, na publicidade de um creme de cabelo X foi escolhido como discrímen o cabelo da mulher negra, uma vez que o creme fora produzido exclusivamente para seus cabelos. Em outra, o destaque foi a pele da mulher negra, que deveria passar o creme Y que fora feito, exclusivamente, para sua pele.

Os exemplos mostram que a discriminação executada será compatível com a cláusula igualitária quando existir correlação lógica entre o diferencial acolhido do objeto e a desigualdade de tratamento em função dele conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses constitucionais.

Assim,

(...) "o próprio ditame constitucional que embarga a desequiparação por motivo de raça, sexo, trabalho, credo religioso e convicções políticas, nada mais faz que colocar em evidência certos traços que não podem, por razões preconceituosas mais comuns em certa época ou meio, ser tomadas gratuitamente como ratio fundamentadora de discrímen. O art. 5º, caput, ao exemplificar com as hipóteses referidas, apenas pretendeu encarecê-las como insuscetíveis de gerarem, só por si, uma discriminação. Vale dizer: recolheu na realidade social elementos que reputou serem possíveis fontes de desequiparações odiosas e explicitou a impossibilidade de virem a ser destarte utilizadas."18

A ordem jurídica pretende firmar a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas.

As diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se dividem em três questões:

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.19

Deve-se investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, analisar-se-á se a correlação abstrata existente é, em concreto, afinada com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.

No exemplo que demos sobre a publicidade da esponja para limpeza, o critério discriminatório adotado foi o gênero - masculino, feminino. A correlação entre o discrímen adotado e a disparidade estabelecida de que é dia de os pais lavarem a louça e não das mães, posto que se comemora o dia delas, não tem consonância com os valores absorvidos no sistema constitucional. Portanto, estamos diante de uma publicidade abusiva de natureza discriminatória.

Em síntese, a publicidade não pode conceder tratamento vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadores de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e a situação dispensada aos que se inserem na categoria diferençada.

Evidente que devemos considerar que a racionalidade do tratamento diferenciado encontra seus substratos materiais nos valores plasmados na ordem jurídica, nos critérios materiais de justiça encontráveis na Constituição e no Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, a publicidade que estabelece um tratamento diferenciado entre homens e mulheres – dizendo que no Dia das Mães seria dia de os pais lavarem a louça e, implicitamente, no restante dos dias seria função das mães lavarem, é dissonante dos valores constitucionalmente protegidos, configurando a publicidade abusiva de natureza discriminatória, prevista no Código de Defesa do Consumidor, que é o instrumento de efetivação da ordem constitucional.

4. Mecanismos de controle da publicidade abusiva

Não faremos aqui uma análise acurada de todas as formas de controle da publicidade abusiva, por não ser objeto do estudo, mas levantaremos alguns mecanismos disponíveis no sistema jurídico atual.

O Prof. Luiz Antonio Rizzatto Nunes20 mostra-nos que a publicidade abusiva sofre controle administrativo não só de órgão auto-regulamentador, o CONAR,

como também dos órgãos públicos que garantem a defesa do consumidor, por força do estabelecido nos arts. 55 a 60 do CDC, que tratam das sanções administrativas, e 9º e seguintes do regulamento, Decreto n. 2.181, de 20/3/1997, que organiza o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, da fiscalização, das práticas infratoras e penalidades administrativas.

O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária – CBDP preleciona em seu art. 20 que nenhum anúncio pode favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa de discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. Não pode também acentuar, de forma depreciativa, diferenciações sociais decorrentes do maior ou menor poder aquisitivo dos grupos a que se destina ou que possa atingir.21 Portanto, via de regra, uma das primeiras formas de controle contra publicidade abusiva de natureza discriminatória será exercida pelo CONAR.

A União, os Estados e Municípios fiscalizarão e controlarão a publicidade de produtos e serviços, com interesse na preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor.

A fiscalização será exercida em todo o território nacional pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça - SDE, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, e pelos órgãos conveniados com a Secretaria e pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor criados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, em suas respectivas áreas de atuação e competência.22 As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e outras definidas em normas específicas, à multa, proibição de fabricação do produto, imposição de contrapropaganda etc.

A imposição da contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade abusiva, que correrá sempre às expensas do infrator, e o ônus de provar a veracidade e a não-abusividade da publicidade caberá a quem a patrocinou.

A contrapropaganda será divulgada da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade abusiva.

Como preleciona o Prof. Luiz Antonio Rizzatto Nunes:

(...) "a imposição dessa penalidade decorre das medidas judiciais à disposição do magistrado para a proteção dos consumidores, uma vez que é intenção da lei consumerista dar ampla tutela para a garantia dos direitos dos consumidores..."23 .

Deve-se considerar, como ensina a Profª. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federigh24, que a contrapropaganda terá caráter minimizador do efeito nocivo da publicidade abusiva, pois caráter efetivamente reparatório jamais terá. Mas não é ela supérflua: o mecanismo de chamar a atenção para o ato nocivo anteriormente praticado já possui o condão de atrair a atenção do consumidor para o mea culpa obrigatório do anunciante.

Quanto aos ilícitos penais, o CDC, em seu art. 67, preleciona que fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser abusiva incorrerá em pena de detenção de três meses a um ano e multa.

O Poder Judiciário, quando acionado, poderá determinar a supressão do anúncio, no todo ou em parte. As normas processuais do CDC dão amplitude para tanto – arts. 83 e seguintes e ainda o art. 6º, inciso VI, que garante ao consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Então, o CDC, nos casos de publicidade abusiva, concede ao consumidor (individual ou coletivo) a utilização de vários mecanismos de defesa, como pleitear indenização por danos morais ou materiais, a imposição de multa e contrapropaganda, a suspensão da publicidade com a pena de execução específica em caso do não cumprimento da obrigação imposta na sentença.

Ressalte-se a importância das ações cautelares, com a concessão de liminares, ou as antecipações de tutela, visando à suspensão imediata da veiculação da publicidade abusiva. Por fim, ainda fica sujeito, o responsável, ao enquadramento penal.

Na concretização dos mecanismos previstos pelo CDC contra a publicidade abusiva, é de se registrar a atuação do Ministério Público e de Associações Civis de Defesa do Consumidor, tanto por intermédio de meios judiciais (ações coletivas) quanto extrajudiciais, como sejam, os inquéritos civis, a vigilância dos meios de comunicação, a mobilização popular.

Portanto, para defender os direitos e interesses protegidos pelo código, inclusive no que tange à publicidade abusiva de natureza discriminatória, serão admitidas todas as espécies de ações capazes de propiciar sua efetiva e adequada tutela.

BIBLIOGRAFIA

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1997.

BOURDIEU, Pierre. Tradução Maria Helena Kühler, A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

FEDERIGH, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva – incitação à violência. São Paulo: Juarez de Oliveira , 1999.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Fiorillo. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000.

KIPER, Claudio Marcelo, Derechos de las minorías ante a discriminación. Buenos Aires: Hammurabi, 1997.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000.

Referências Bibliográficas

1 Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 459.

2 Claudio Marcelo Kiper, Derechos de las minorías ante a discriminación, p. 298.

3 Ibid., p. 299.

4 Ibid., p. 300.

5 De 24 de fevereiro de 2001, caderno 3, p. 1-3.

6 Tradução Maria Helena Kühler, A dominação masculina, p. 20.

7 Ibid., p. 18.

8 Claudio Marcelo Kiper, ob. cit., p. 33.

9 Ibid., mesma página.

10 Ibid., mesma página.

11 Ibid., p. 47.

12 Ibid., mesma página.

13 Ibid., p. 36.

14 O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, p. 17.

15 Ibid., mesma página.

16 Claudio Marcelo Kiper, ob. cit., p.37.

17 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.

18 Ibid., p. 17-18.

19 Ibid., p. 21.

20 Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 470.

21 Ibid., p. 409.

22 De acordo com os dispositivos do Decreto n. 2.181, de 20 de março de 1997.

23 Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 471.

24 Publicidade abusiva – incitação à violência, p. 119.

 

Fonte: http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud9/default.htm. Acesso em 13 de abril de 2005.