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Responsabilidade do Fornecedor

 

 

 

 

 

 

Ana Paula Heber C. de Morais e Renata Romolo Brito

 

 

 

 

 

Introdução

 

 

Antecedentes históricos

 

O fenômeno jurídico está sempre inserido em uma perspectiva histórica que possibilita sua compreensão, e o atual Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990) não pode ser entendido senão como um produto de uma situação econômica, política e social complexa, embora tenha chegado com algum atraso.

Antes de sua promulgação, as relações de consumo eram regidas pelo Código Civil –elaborado setenta e quatro anos antes – e que até então regulava as relações privadas entre indivíduos. Como reflexo de sua época, o Código Civil baliza-se em princípios nascidos de concepções jurídicas da Revolução Francesa, qual sejam: a igualdade, o individualismo, o liberalismo econômico, o Estado mínimo, etc.

Por esses princípios todos os homens eram considerados livres e iguais, e em conseqüência, presumiu-se que eram levados a contratar apenas por suas vontades de igual força, sendo qualquer proteção legal de uma das partes um privilégio danoso e contrário ao ordenamento jurídico. O contrato – como manifestação suprema da autonomia da vontade – não poderia ser modificado pelo Poder Judiciário sob pena de ferir o princípio da segurança jurídica.

O individualismo inibiu o fenômeno de associação de grupos, dificultando que as pessoas – não só os consumidores – reclamassem por seus direitos como um conjunto, como uma coletividade.

Pelas regras do liberalismo econômico as manifestações comerciais deveriam ser livremente exercidas, o que exigiu um profundo abstencionismo do Estado, e a necessidade de se deixar os indivíduos arcarem sozinhos com as forças do poder econômico.

Com a revolução do modo de produzir – em outras palavras, com a revolução do fordismo – houve uma massificação do consumo e da comunicação, transformando a sociedade do que era em 1916 para uma sociedade anônima, complexa e desigual.

Anônima porque não mais conhecemos aqueles que produzem os bens que adquirimos, não temos mais o contato necessário para a discussão de um negócio jurídico como a compra e venda. Complexa porque também não conhecemos mais os meios de produção daquele bem. Desigual porque não existe mais igualdade econômica, técnica ou jurídica entre o consumidor e o fornecedor.

O consumo transformou-se de uma atividade voltada a se preencher as necessidades da existência para uma forma de integração social, manipulada através de propagandas veiculadas pelos fornecedores. Transformamo-nos em uma sociedade de consumo.

Com todas essas transformações sociais, o Código Civil mostrou-se falho para resolver os conflitos suscitados das relações de consumo, e seus princípios tornaram-se escudos que protegiam excessivamente os fornecedores, inclusive aqueles de má-fé, deixando todo risco e prejuízo na mão dos consumidores.

Já nos anos 60 e 70 houve manifestações que procuravam proteger os consumidores, e várias correntes doutrinárias criaram teorias em que era possível diminuir-se essa proteção dos fornecedores e lhes imputar a culpa que, no fim, cabia a eles. Somente em 11 de setembro de 1990 foi introduzido em nosso ordenamento jurídico um Código com normas expressas de proteção aos consumidores, reconhecidos com hipossuficientes, e que dirimia os abusos sofridos por eles.

Uma desigualdade jurídica foi criada para compensar a desigualdade factual entre fornecedores e consumidores, e para assim ser realizado, finalmente, o princípio da isonomia assegurado no caput do artigo 5º da Constituição Federal.

 

Breve comparação entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil.

 

As mudanças que o Código de Defesa do Consumidor teve de introduzir em nosso ordenamento foram, principalmente, em virtude das falhas apresentadas pelo Código Civil para regular com justiça as relações de consumo. As injustiças eram flagrantes quando fornecedores não precisavam arcar com suas responsabilidades pelo simples fato de ter-se expirado o prazo de reclamação ou porque as provas, de difícil coleta, não eram conclusivas.

O consumidor, estando em desvantagem econômica e política em relação ao fornecedor, tinha ainda que arcar com prazos exíguos e com o ônus da prova, ficando também em desvantagem jurídica.

O Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo-o como hipossuficiente, proclamou, então, dentre os direitos básicos do consumidor, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (artigo 6º, inciso VI) e ainda a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor (artigo 6º, inciso VIII). Esses direitos básicos do consumidor significaram, essencialmente, a mudança da figura da responsabilidade civil, que de subjetiva (Código Civil) passou a objetiva (Código de Defesa do Consumidor).

A responsabilidade civil subjetiva do Código Civil vem ainda do Direito Romano, e em nosso código atual está positivada no artigo 159, que diz: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Percebe-se, portanto, a necessidade de se reparar o dano causado a outrem, mas somente quando for causado por dolo (ação ou omissão voluntária) ou culpa em stricto sensu (negligência, imprudência e – a doutrina não hesita em acrescentar – imperícia).

O dolo é a consciência e a vontade de se conduzir de certa forma. A culpa em stricto sensu é a inobservância do dever de cuidado objetivo, ou seja, é a ação feita sem diligência exigível que resulta em um dano a outrem. Ambos são de caráter interno do agente, dizem respeito a vontade motivadora de sua conduta. A responsabilidade de reparar o dano, então, está limitada por esses dois requisitos subjetivos, ou adjetivadores da conduta antijurídica, como chama Arystóbulo de Oliveira Freitas .

No caso de grandes empresas, em que a produção é feita de forma anônima, a caracterização destes requisitos é dificílima, sendo impraticável para o autor de uma ação definir quem, com sua conduta, foi o culpado pelo dano causado, e assim, torná-lo responsável pela reparação. Nesses casos, quem passou a arcar com os riscos da produção foi a sociedade, e não o empreendedor que causava o vício. Isso é inaceitável.

A solução começou a surgir em meados do século XVIII, quando os primeiros trabalhos doutrinários tentaram reduzir a importância do dolo e da culpa na conduta humana para fins de responsabilidade civil, com uma tênue introdução da teoria da responsabilidade objetiva. O resultado danoso era imputado ao fornecedor não porque ele agira com um daqueles adjetivadores,  mas porque sua conduta implicava riscos e ele deveria assumi-los. Era a teoria do risco da atividade.

A identidade do autor dessa teoria ainda é discutida, sendo atribuída por alguns a Saleilles e Josserand (final do século XIX), a por outros a Thomaisus y Heineccius (século XVIII). Acreditamos que, por coincidir historicamente com o agravamento dos problemas causados pela Revolução Industrial, momento mais necessário e propício para seu surgimento, a segunda hipótese seja mais correta. Podemos identificar cinco modalidades da teoria do risco: a) a do risco-proveito; b) a do risco profissional; c) a do risco excepcional; d) a do risco criado e e) a do risco integral. A que parece identificar-se mais com nossa realidade social é a teoria do risco criado, definida por Caio Mário  como: aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito a reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas para evitá-lo. Tendo o fornecedor criado um risco com sua atividade, segundo o Código de Defesa do Consumidor, ele se torna responsável, sem necessidade de aferição de culpa.

A tendência à objetivação da responsabilidade foi demonstrada aqui no Brasil já em 1912, com do Decreto 2.681, sobre a responsabilidade nas ferrovias, e em 1966, com o Decreto-lei 32 (Código Brasileiro do Ar). Porém a aceitação da responsabilidade sem culpa foi lenta e gradual durante o século XX, havendo soluções intermediárias, como a figura da culpa presumida.

O próprio Código Civil já prevê, reforçada sua inteligência pela Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, a culpa in eligendo e a culpa in vigilando, ao considerar responsáveis pela reparação civil o patrão, amo ou comitente, por seus empregados serviçais ou prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (artigo 1.521, inciso III), completando que a responsabilidade estabelecia nesse inciso abrange as pessoas jurídicas, que exercerem exploração industrial (artigo 1.522, caput). Apesar de haver uma responsabilização por conduta de terceiro – não havendo nenhuma conduta direta do patrão, amo ou comitente (com dolo ou culpa) que levasse ao fim lesivo – a responsabilidade do empregado, serviçais ou prepostos ainda deveria ser aferida mediante culpa (artigo 1.523), o que não resolvia a questão da prova.

A evolução deste instituto, porém, ao patamar de juris et de jure provou-se o melhor método para a satisfação da vítima de um dano, facilitando seu acesso à justiça. Com a responsabilidade independente de culpa, a vítima deverá provar apenas o resultado lesivo e o nexo causal daquele com a conduta do agente.

Nos casos de relação de consumo, basta ao consumidor provar que sofreu um dano em razão do produto para que o fornecedor, independente de culpa, seja responsável. A única prova que este poderá fazer em contrário será, segundo o Código de Defesa do Consumidor, que não colocou o produto no mercado, que o defeito inexiste ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro (artigo 12º, parágrafo 3º). Essas eximentes são, na verdade, situações em que o nexo causal se demonstra interrompido, sendo impossível imputar o resultado ao fornecedor. Ainda é discutido se as eximentes gerais de responsabilidade (caso fortuito e força maior), não elencadas no Código de Defesa do Consumidor, incidiriam nas relações de consumo.

Com o Código de Defesa do Consumidor os prazos de reclamação foram estendidos (de 10 dias do Código Comercial, por exemplo, para os 30 dias no caso de vício de bem não durável no CDC) e isso, juntamente com a responsabilidade objetiva são os dois mecanismos essenciais para a realização do direito básico do consumidor de reparação pelo dano sofrido.

 

 

 

 

 

Capítulo I – Propedêutica

 

 

Antes de iniciarmos o estudo sobre a responsabilidade dos fornecedores em vista do Código de Defesa do Consumidor, tema deste trabalho, cabe fazer algumas observações acerca de alguns conceitos que serão largamente utilizados aqui.

 

Conceito de Consumidor

 

Ocupando o pólo ativo da relação de consumo, e tendo seus direitos tutelados por lei protecionista, é indiscutível a necessidade de se definir a abrangência do conceito de consumidor. Apesar de não ser comum em nosso ordenamento, este conceito nos é dado pela própria lei. O artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor define, expressamente: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Deste artigo se infere alguns elementos básicos do conceito em pauta. Em primeiro lugar: a aquisição de produto ou serviço, ou seja, é realizada uma compra em que o indivíduo recebe algo – o produto ou o serviço – havendo a entrega do objeto da obrigação de dar ou o execução da obrigação de prestar e sua conseqüente adimplência. Em segundo lugar: a qualidade do indivíduo de ser o destinatário final do produto ou serviço. Ficam excluídos portanto todos aqueles que adquirem um produto ou serviço visando um fim diferente da utilização própria deste, como por exemplo, a compra realizada para futura venda, no caso dos mercadores. Fica definido, assim, o ato de consumir, que está implicitamente inserido em seus termos. Consumir significa gastar ou corroer até à destruição, extinguir; o que pode acontecer de imediato ou lentamente – quando o bem é consumido em seu primeiro uso ou quando sua substância é deteriorada pelo uso contínuo (hipóteses de bem não-durável e durável, previstas no Código Civil).

O artigo usa também o termo utilizar, o que significa que são equiparados aos consumidores todas as pessoas vinculadas – por uma relação de família ou de trabalho, ou por um vínculo jurídico diferente da alienação – ao indivíduo que pessoalmente realizou o negócio jurídico, e que em virtude desse vínculo utiliza o produto ou serviço da relação de consumo. Qualquer pessoa que, mesmo não sendo proprietária da coisa, utilizar o produto ou serviço em caráter final, pratica o ato de consumir e portanto tem seus direitos preservados como consumidor.

Esta acepção da palavra é muito semelhante à noção leiga que se tem dela, a de indivíduo que adquire algo para uso pessoal, cuja conseqüência é a eventual extinção da coisa. Mas a proteção do Código de Defesa do Consumidor não se resume a esse tipo de consumidor – que pode ser chamado de consumidor stricto sensu – isso seria limitar demais a tutela da relação de consumo e por isso falharia no seu dever de proteger o indivíduo em seus direitos básicos. Por isso o parágrafo único do artigo 2º acrescenta: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeterminável, que haja intervindo na relação de consumo.

Assim, um agrupamento de pessoas, como um condomínio ou uma associação, quando adquire ou utiliza produtos e serviços como destinatário final, é também considerado, para os fins de defesa de seus direitos, um consumidor.

O artigo 17º da mesma lei acrescenta: Para efeitos desta Seção (Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço) equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Por esse artigo, qualquer vítima de um dano ocasionado por defeito de um produto ou serviço tem direito a reparação, sendo seu vínculo com o evento danoso – e não com a relação de consumo – o que o eleva a categoria de consumidor.

Por último, também equiparados a consumidores estão todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais previstas no Código de Defesa do Consumidor (artigo 29º, lei 8.078). Portanto, qualquer pessoa exposta às práticas comerciais, como a oferta de produtos, ou pessoas que potencialmente possam ser partes de uma relação de compra e venda, são protegidas pelo código.

 

 

 

Conceito de fornecedor

 

Situando-se no pólo passivo da relação de consumo, o fornecedor também tem sua definição no Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 3º, que diz: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Segundo o citado artigo, todas as pessoas tem possibilidade de se qualificar como fornecedores ou de se adequar às suas características. No que tange à capacidade da pessoa, mesmo que ela não seja capaz – o que bastaria para invalidar um negócio jurídico – na ótica do Código de Defesa do Consumidor os efeitos reais continuam existindo, e por isso se configura a relação de consumo e a figura do fornecedor.

O estrangeiro, mesmo que por aqui de passagem, se desenvolver qualquer uma das atividades acima, será considerado fornecedor.

A pessoa jurídica tanto de direito público como de direito privado, nacional ou estrangeira, pode ser fornecedora. O artigo, ao mencionar os entes despersonalizados, incluiu em seu rol não só entes de direito privado (sociedades de fato, as sociedades irregulares, massas falidas, condomínios, espólios),  como também os de direito público, e o Código de Defesa do Consumidor o faz expressamente no artigo 82, III ao dizer: entidades e órgãos da administração pública (...) ainda que sem personalidade jurídica.

Característico do fornecedor está a atividade com fim econômico, citando o artigo 3º atividades de produzir, montar, construir, transformar, importar, exportar, comercializar e prestar serviços. O artigo 12º do mesmo diploma repete essas atividades e acrescenta outras, como: projetar, fabricar, formular, manipular, apresentar ou condicionar produtos. Portanto, qualquer pessoa participante de qualquer das etapas de produção ou negociação, tendo sua atividade voltada para a relação de consumo, é considerada fornecedor.

 

 

 

 

Conceito de produto e serviço

 

A lei não deixa nenhuma dúvida, definindo produto como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (artigo 3º parágrafo 1º, lei 8.078), e serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e secundária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (artigo 3º parágrafo 2º, lei 8.078).

 

Conceito de vício e fato do produto ou serviço

 

O consumidor tem duas esferas de proteção, dentro do Código de Defesa do Consumidor, em relação à impropriedade do produto ou serviço para o fim usual a ele destinado, que genericamente podem ser entendidas como proteção contra os vícios de qualidade. Os vícios de qualidade são: a) por insegurança (caráter extrínseco), em que o produto ou serviço pode ferir a incolumidade fisico-psíquica do consumidor; e b) por inadequação (caráter intrínseco), ferindo o patrimônio do consumidor, em vista do desempenho não apropriado do produto ou serviço adquirido, frustrando suas expectativas.

Os primeiros são chamados fatos do produto ou do serviço, e a tutela sobre eles está nos artigos 12º a 17º do CDC, os segundos são chamados vícios do produto ou serviço, e estão regulados nos artigos 18º a 25 do CDC.

Segundo o artigo 18º deste diploma, são vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos e serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou que lhes diminuam o valor, e ainda os decorrentes de disparidade do conteúdo com o constante na embalagem, rótulo, oferta ou mensagem publicitária.

Portanto, é vício qualquer problema que impeça o produto de funcionar, que o faça funcionar mal, que lhe diminua o valor, ou ainda que cause disparidade do conteúdo com as informações dadas aos consumidor. Um serviço é viciado sempre que não possua um funcionamento desejado, segundo a média que se poderia esperar dele.

Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. São aparentes quando percebidos na própria utilização normal da coisa, em seu uso ordinário. São ocultos quando, mesmo com o uso regular da coisa, eles ainda não são percebidos, e só vão se tornar conhecidos após um certo prazo.

Segundo o artigo 12º, parágrafo 1º: O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera. Deste modo vemos que o defeito ocorre quando o produto, por um vício intrínseco, pode vir a causar um dano extrínseco, maior do que seu simples não funcionamento. O fato do produto ocorre quando ele, realmente, inflige um dano moral ou pessoal no consumidor, podendo-se falar em acidente de consumo, sendo o indivíduo afetado em seu patrimônio jurídico, seja moral ou material.

Segundo o artigo 14º, § 1º: o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as conseqüências relevantes, como o modo de fornecimento, os riscos e resultados que razoavelmente pode se esperar dele e a época em que foi realizado.

 

Tipos de danos

 

Os danos pode ser individuais, coletivos ou difusos.

Quando o defeito atinge somente a uma pessoa ou a um número reduzido de pessoas, o que significa ao consumidor padrão conceituado no caput do artigo 2º, fala-se em dano individual. É o dano particular, privado, que anteriormente era regulado pelo Código Civil.

Quando o defeito atinge a uma coletividade individualizada, ou seja, um grupo de pessoas com o mesmo interesse, estamos diante de um dano coletivo. Segundo o conceito de consumidor do parágrafo único do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, essa coletividade pode ser indeterminável, mas não indefinida. Enquadram-se também como vítimas do dano coletivo os consumidores definidos no artigo 17º do CDC, que são todas as outras vítimas do evento danoso além do consumidor stricto sensu.

Por último, quando estamos diante de um dano que atinge a um número indefinível de pessoas, pois atinge a todos os consumidores em geral, temos um dano difuso. Utiliza-se aqui o conceito de consumidor visto no artigo 29º do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, todas as pessoas expostas às práticas mercantis.

 

 

 

 

Capítulo II – A Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor

 

 

A teoria adotada pelo Código de Defesa do Consumidor foi a da responsabilidade civil objetiva que não se confunde com a inversão do ônus da prova. O dano e o nexo causal devem ainda ser comprovados pelo consumidor que vai a juízo reclamar indenização. A responsabilização objetiva tem apenas a função de liberar o consumidor da demonstração do elemento subjetivo (dolo ou culpa) na conduta do fornecedor do produto ou do prestador do serviço.

O artigo 6º do CDC, inciso VI, estabelece como um dos direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Tal dispositivo molda as características principais da responsabilidade civil nas relações de consumo. De se perceber, aliás, não haver distinção entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, ambas sujeitas ao mesmo regime e da mesma forma direcionadas.

A teoria da responsabilidade civil objetiva é adotada não só como instrumento de facilitação da defesa do consumidor (considerado hipossuficiente por definição legal), mas também em atenção aos princípios balizadores dos artigos 4º e 6º do CDC.

De um lado, através da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço (artigos 12 a 17 do CDC), busca-se a preservação da incolumidade físico-psíquica do consumidor. Para isso, o CDC estabelece rígidas regras relativas a sua segurança e saúde.

De outro lado, responsabilizando o fornecedor por vício do produto ou serviço (artigos 18 a 25 do CDC) a lei quer proteger a incolumidade econômica do consumidor.

Afinal, produtos e serviços devem atender adequadamente às necessidades dos consumidores em matéria de segurança e qualidade, respeitando sua saúde, dignidade e interesses econômicos. Observa-se, com isso, um dos princípios que regem a Política Nacional das relações de consumo (artigo 4º do CDC): o princípio da garantia de adequação.

O artigo 12 estabelece expressamente que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço se caracteriza “independentemente de culpa”. Tal expressão não foi repetida pelo legislador ao elaborar o artigo 18, que trata dos vícios do produto ou serviço. É em razão disso que alguns autores entendem que o CDC, ao criar duas categorias de responsabilização, buscou objetivar a responsabilidade civil para a primeira (fato) em face de sua importância na relação de consumo, admitindo apenas, ainda que tacitamente, a presunção de culpa para o caso de vício.

Flávio C. Jorge, porém, alerta que o que precisa ser entendido é que a expressão “independentemente de culpa” do artigo 12º é tão somente expletiva, usada unicamente com o intuito de reforçar a natureza da responsabilidade, e não de caracterizá-la.

O Código de Defesa do Consumidor , portanto, evidenciou que houve, de modo geral, o afastamento da responsabilidade subjetiva como vista no artigo 159 do Código Civil. No que tange aos vícios e defeitos dos produtos, não há exceções. Porém, no caso da responsabilidade pelo fornecimento de serviços há a exceção dos profissionais liberais, que serão responsabilizados na medida de sua culpa. Como diz o § 4º do artigo 14º: a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Os profissionais liberais têm, então, a garantia da responsabilidade subjetiva. E essa distinção se faz importantíssima nos casos daqueles profissionais que também fornecem produtos. Nessas hipóteses, quanto ao serviço prestado a responsabilidade é subjetiva, dependendo da prova de sua culpa; pelo produto fornecido, a responsabilidade é objetiva.

Importante, ainda, apontar a responsabilidade pré-contratual do fornecedor, que pode ser aferida do Código de Defesa do Consumidor através do artigo 6º, incisos III e IV, por exemplo. Pelo sistema do Código, são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara e a proteção contra, entre outras coisas, a publicidade enganosa e abusiva.

Portanto, não apenas depois de realmente firmado o contrato entre consumidor e fornecedor é que este se submete à responsabilização e ao dever de indenizar caso desrespeite alguma regra. Afinal, qualquer dano ao consumidor é indenizável, por força do artigo 6º, inciso VI.

Além disso, há também a regra do artigo 30, que estabelece que toda informação ou publicidade suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Devemos, ainda, registrar que a responsabilidade civil no sistema do CDC é objetiva mitigada, já que admite a existência de eximentes de imputação destinadas a trazer um maior equilíbrio à distribuição do risco.

Em suma, a responsabilidade civil nas relações de consumo será sempre objetiva, e em qualquer hipótese de ressarcimento de dano decorrente de relações dessa natureza, o consumidor não necessitará provar a culpa do fornecedor, mas tão somente o nexo causal, a não quer que a própria lei, expressamente, determine de forma contrária, como nos casos de responsabilidade civil dos profissionais liberais.

 

 

 

 

Capítulo III – Responsabilidade pré-contratual

 

 

O fundamento de uma responsabilidade pré-contratual é algo de difícil definição. Não é contratual, pois não há ainda um contrato que em suas cláusulas definirá as obrigações das partes, e também não parece ser extra-contratual, ou aquiliana, já que nesta não há negócios entre as partes, apenas o dever legal de não causar nenhum resultado lesivo a outrem. A responsabilidade contratual advém de um negócio jurídico, e a extra-contratual de um ato ilícito.

Porém, estando os candidatos a contraentes em negociação, eles possuem deveres específicos entre si (deveres de informação, conduta condizente com a boa-fé objetiva), o que não se assemelha a um dever genérico, como o de não causar dano, nem a um dever contratual, explícito. Alguns autores sustentam que além das duas categorias mencionadas, a responsabilidade pré-contratual representaria uma terceira categoria, separada.

Seguindo o ponto de vista de Antônio Junqueira de Azevedo , o contrato é um processo que se estende desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual, e os deveres específicos, como a observância do princípio da boa-fé, permeiam todas essas fases. O descumprimento de um desses deveres, porém, na fase pré-contratual, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, geraria as mesmas conseqüências do inadimplemento de deveres contratuais, qual seja: responsabilidade objetiva, inversão do ônus da prova, etc., todas provindas dos direitos básicos do consumidor.

O artigo 4º, inciso III do CDC proclama que a Política Nacional das Relações de Consumo deve buscar, como princípios, a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico (...) sempre com base na boa-fé e equilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores. Numa tendência atual, o Código de Defesa do Consumidor vem positivar, pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico, o princípio da boa-fé objetiva, mecanismo de limitação da vontade do contraente e balizador de todas as condutas humanas, especialmente em uma negociação.

A boa-fé objetiva, diferente da boa-fé subjetiva – estado de convicção de que se age conforme o Direito –, exige uma conduta externa, demonstrando a lealdade da parte e justificando a confiança de que é depositário.

Na fase pré-contratual, agir segundo a boa-fé objetiva significa dar as informações necessárias à outra parte, não mascarar suas intenções ou realizar negociações fadadas ao fracasso, não revelar dados sigilosos a terceiros, permitir o andamento das negociações sem rupturas intempestivas e imotivadas, etc. Na fase contratual, ainda servirá a boa-fé objetiva para interpretar e completar as cláusulas contratuais e definir os deveres secundários advindos do tratado. E na fase pós-contratual, ela define os deveres post pactum finitum, como o do fornecedor de manter a oferta de peças de reposição, mesmo cessada a produção ou importação do produto (artigo 32º, e seu parágrafo único do CDC).

A cláusula geral de boa-fé, portanto, se encontra em todas as fases do processo de negociação, e especialmente na fase pré-contratual, ela vem definir os seguintes deveres: dever de colaboração e informação (deveres positivos) e de lealdade e sigilo (deveres negativos). A inobservância do princípio da boa-fé nessa fase pode resultar em responsabilidade quando o contrato não é realizado (hipótese de ruptura abusiva), quando o contrato se realiza porém houve descumprimento de um dever específico (havendo quebra de lealdade, por exemplo) e mesmo quando ele se realiza porém é nulo ( hipótese de um dos contraentes ser conhecedor da causa de nulidade, e não cumprir com o dever de informação, por exemplo).

Os deveres específicos pré-contratuais podem ser classificados em quatro: lealdade, colaboração (que se divide em dever de informação e dever de proteção – significando não abusar da outra parte) e não ruptura abusiva das negociações. O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar do tema,  restringe-se ao dever de informação – seções sobre oferta e publicidade – e ao dever de proteção – seção das práticas abusivas.

O dever de informação pode ter três níveis, o mais raso sendo o dever simples de esclarecer, passando pelo o de aconselhar e, quando houver riscos, o de advertir. O grau de intensidade de informação variará de acordo com a etapa do contrato e do seu conteúdo, sendo os três níveis necessários, por exemplo, quando o fornecedor for um profissional liberal (médico ou advogado) ou quando o produto for sofisticado ou de grande periculosidade.

A oferta é um ato unilateral. Porém, segundo o artigo 1.080 do Código Civil que diz que a proposta de contrato obriga o proponente, ela gera uma obrigação, indiscutivelmente. Em vista do Código de Defesa do Consumidor, a oferta  e a informação, suficientemente precisa, obriga o fornecedor e integra o contrato celebrado. É, portanto, uma obrigação pré-contratual, já que o contrato em si não foi ainda realizado, e gera responsabilidade.

Ofertar é o ato de oferecer, informar é oferecer dados acerca de algo, ambos necessários ao fornecedor que pretende vender seu produto ou serviço. Mas evitando que haja falsidade nessa etapa das negociações, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 30º, diz que ela vinculará o contrato, não podendo o fornecedor se retratar do que ofereceu.

A informação pode ser qualquer uma, em relação ao próprio produto ou serviço ou até mesmo sobre cláusulas contratuais, como forma de pagamento, e pode ser veiculada por qualquer meio de comunicação. Mesmo os dados passados oralmente pelo vendedor ao comprador, numa loja, vinculam o contato e até mesmo o fornecedor, que em vista do artigo 34º é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.

O fornecedor ainda tem a obrigação de garantir a oferta de componentes e  peças de reposição enquanto não cessar a produção ou importação, e mesmo por tempo suficiente após o termino destas (artigo 32º, CDC).

A conseqüência jurídica da impossibilidade de retratação do fornecedor é que, feita a oferta suficientemente precisa,  gera para o consumidor um direito de que ele pode ou não se utilizar, e para o fornecedor um dever que deve cumprir, está sujeito a cumprir, sendo, portanto, um direito potestativo. Isso fica bem claro no artigo 35º, que diz que se o fornecedor se recusar a cumprir a oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua escolha, exigir adimplemento forçado da obrigação, nos termos da oferta, poderá aceitar outro produto ou serviço equivalente ou rescindir o contrato, com direito a restituição do valor eventualmente antecipado (com correção monetária) e ainda a indenização por perdas e danos.

Publicidade é tornar algo público, no caso das relações de consumo é tornar público a oferta do produto ou serviço e as informações a seu respeito. Segundo a American Association of Advertising, publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal de promoção tanto de idéias, como bens ou serviços, por um patrocinador identificado. Nessa definição está incluída, além da publicidade propriamente dita, a propaganda (idéias).

A publicidade, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (artigo 36º), deve ser facilmente identificada como tal pelo consumidor, e de forma imediata. Deve ser verdadeira e apoiada por dados fáticos, técnicos e científicos, demonstrando que o dever de informar também se coaduna com o dever de proteção, sendo proibida a publicidade enganosa ou abusiva.

Segundo o parágrafo 1º do artigo 37º do CDC, é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Portanto, é enganosa a publicidade falsa, mesmo que só em parte. A omissão de informações pode configurar publicidade enganosa (quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço, artigo 37º, parágrafo 3º), e se for voluntária, fica configurado o dolo, previsto no Código Civil como um dos vícios do contrato. A informação falsa pode ser a respeito de qualquer aspecto do produto ou serviço, contaminando todo o resto da publicidade, remetendo-a proibida.

No mesmo artigo, parágrafo 2º, é definida a publicidade abusiva, sendo ela dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança.

O abuso é configurado, então, quando a publicidade prevalece-se de fraquezas do consumidor, ou quando excede um limítrofe de moral e bons costumes comuns.

Dentro do dever de proteção, ou de não abusar da outra parte, encontramos os deveres específicos do fornecedor de, por exemplo: a) fornecer, previamente, orçamento descriminando todos os detalhes do serviço, artigo 40º; b) respeitar os limites oficiais no caso de produtos e serviços com controle tabelado de preços, sob pena de restituição da quantia paga ou rescisão contratual sem prejuízo ao consumidor; c) não fazer venda casada (condicionar o fornecimento de produtos ou serviços ao fornecimento de outros produtos e serviços) artigo 39º, inciso I; d) não de recusar atendimento às demandas dos consumidores, artigo 39º, inciso II; e) não enviar produtos e serviços sem prévia solicitação do consumidor, artigo 39º, inciso III; e outras práticas abusivas elencadas nos incisos do artigo 39º.

A seção IV do Código de Defesa do Consumidor – das práticas abusivas – é meramente exemplificativa, sendo o artigo 39º claro ao dizer que é vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas (grifos nossos), seguido das práticas mencionadas

Em vista dos direitos básicos do consumidor proclamados pelo Código de Defesa do Consumidor (um exemplo importante nesse caso é o artigo 6º, incisos III e IV), a responsabilidade pré-contratual do fornecedor, com suas conseqüências materialmente contratuais – como vistas acima –, tornou-se um importante mecanismo para que haja factualmente a realização daqueles princípios.

 

 

 

 

Capítulo IV – Responsabilidade pelo Fato do Produto ou Serviço

 

 

Estabelece o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor:  O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua utilização e riscos.

Necessário, em primeiro lugar, para que se possa entender a responsabilidade nos casos de fato do produto ou serviço, analisar os conceitos utilizados pelo legislador.

Percebe-se que o CDC, fugindo ao sistema tradicional, responsabilizou diretamente tanto o fabricante, como o produtor, o construtor e o importador, com os quais, na maioria das vezes, o consumidor não mantém uma relação direta.

Por fabricante entende-se aquele que é o responsável pelo desenvolvimento e lançamento de produtos manufaturados no mercado. Produtor é o responsável pela colocação no mercado de produtos não industrializados. Importador é aquele que traz ao país produtos estrangeiros, industrializados ou não.

Quanto à inclusão do importador entre os responsáveis, interessante observar que, se não tivesse sido feita, estaria o consumidor muitas vezes obrigado a reclamar seus direitos ao fornecedor estrangeiro. Tal processo poderia se tornar ainda mais prejudicial ao consumidor se, no país de origem, a responsabilidade fosse subjetiva (e não objetiva como é no sistema brasileiro).

A responsabilidade do importador é, portanto, a chamada “presumida” ou “indireta”, por ele não participar do processo produtivo, sendo equiparado pelo CDC ao fabricante no intuito de facilitar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos consumidores.

A responsabilidade dos sujeitos elencados no artigo 12 é solidária, o que quer dizer que a vítima poderá reclamar de qualquer dos coobrigados a indenização em sua totalidade, sendo possível o exercício de direito de regresso por parte de quem arcou com a obrigação integralmente, perante os demais responsáveis (o que se fará na medida de participação de cada um deles na concretização do evento danoso).

Portanto, caso a pessoa acionada judicialmente pelo consumidor não tenha recursos para cumprir a obrigação, a vítima poderá se voltar contra qualquer um dos outros responsáveis solidários. Não poderá, porém, previamente, excluir a responsabilidade de um ou de outro coobrigado do dever de indenizar. A responsabilidade solidária é irrenunciável pelo consumidor lesado.

Quanto ao comerciante, este foi excluído em via principal, já que, nas relações de consumo em massa, não têm nenhum controle maior sobre a segurança e qualidade das mercadorias. Recebe os produtos fechados, embalados, enlatados, e assim os transfere aos consumidores. O comerciante não tem poder para alterar nem controlar técnicas de fabricação e produção.

Mas, de acordo com o artigo 13 do CDC, o comerciante pode ser responsabilizado por via secundária (responsabilidade subsidiária) em 3 casos:

? quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

? quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou

? quando ele não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Merecem destaques os chamados “produtos anônimos” (legumes e verduras adquiridos no supermercado sem identificação da origem), os produtos mal identificados e aqueles produzidos por terceiros mas comercializados com a marca do comerciante.

Lembra José Antonio Zanon  que, se a marca do comércio não é precedida da expressão “distribuído por...” ou “sob encomenda de...”, demonstrando que a pessoa está apenas comercializando aquele produto que não é de sua fabricação, a responsabilidade é de quem o coloca no mercado. Se, entretanto, o comerciante fizer a identificação de que o produto é fabricado por terceiros, não será o responsável direto, respondendo apenas subsidiariamente (caso o fabricante não tenha como responder pela obrigação assumida).

Sérgio Cavalieri Filho  atenta para o fato de que a inclusão do comerciante como responsável subsidiário foi com a intenção de favorecer e reforçar a posição do consumidor, não para enfraquecê-lo; e que tal inclusão não exclui o fornecedor, aumentando e não diminuindo a cadeia de coobrigados. Entende este autor que até mesmo o caso de má-conservação por parte do comerciante não exclui a responsabilidade do fornecedor, já que este não deve ser considerado terceiro em relação ao fabricante (a culpa exclusiva de terceiro é excludente que será explicada no capítulo seguinte).

A idéia talvez mais importante introduzida pelo artigo 12 é a de “defeito”, que, como já se viu, é palavra utilizada pelos leigos como sinônimo de vício. Para reforçar a distinção, se são provocados danos – externos – à saúde ou ao patrimônio do consumidor, estamos diante de um defeito ou fato do produto ou serviço. Ao passo que, se o problema se limita a uma diminuição patrimonial (seja porque não foram correspondidas as legítimas expectativas do consumidor, seja porque o produto não contém o afirmado pelo fornecedor) trata-se de vício. O fato do produto ou do serviço é o famoso “acidente de consumo”.

Há, ainda, quem diferencie fato de mero defeito, como faz Eduardo Arruda Alvim , dizendo que sem dano não há fato do produto, ainda que haja defeito. Na verdade, para que exista o fato do produto, o dano deve ter sido causado por um defeito capaz, aos olhos do CDC, de ensejar a responsabilidade do fornecedor.

Conclui-se daí, então, que fato do produto ou serviço é o acontecimento externo que causa um dano material ou moral ao consumidor, decorrente de um defeito. É a repercussão externa do defeito do produto ou serviço, atingindo a incolumidade físico-psíquica do consumidor e o seu patrimônio.

Portanto, uma das exigências que se faz para a caracterização  do fato do produto ou serviço é a existência de um defeito juridicamente relevante. De acordo com o §1º do artigo 12 do CDC, o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, tais como a sua apresentação, os riscos e o uso que razoavelmente dele se esperam, a época em que foi colocado em circulação, etc.

Percebe-se, então, que o CDC afastou a utopia dos produtos sem riscos ao consumidor, não sendo exigido grau de segurança absoluta. Existem os riscos aceitáveis, desde que normais e previsíveis. Importante ressaltar que os fornecedores, nesses casos, estão obrigados a dar as informações necessárias e adequadas, nos termos do artigo 8º do CDC.

Porém, conforme estabelece o artigo 10º, apenas aqueles produtos considerados de alto grau de nocividade ou periculosidade é que não podem ser colocados no mercado.

Os produtos de periculosidade inerente e de conhecimento do usuário são aqueles dotados de risco intrínseco à sua qualidade ou funcionamento (serras elétricas, agrotóxicos, etc). Já os de periculosidade adquirida são os que, quando destituídos de defeito, não acarretam risco superior àquele esperado, e que em virtude de um defeito torna-se perigoso (um sapato, por exemplo).

Em caso de periculosidade inerente, informações insuficientes sobre os riscos do produto podem gerar danos indenizáveis aos consumidores. Isso porque o conceito de defeito não se restringe ao próprio produto, mas abrange também o tipo de informação divulgada a seu respeito.

Aspecto extremamente relevante é o de que a segurança exigível não deve ser aferida a partir da comparação qualitativa com outro produto (até porque o §2º do artigo 12 estabelece que o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado), nem a nível individual. Ao contrário, deve refletir a expectativa média do público potencialmente alvo daquele produto. Deve-se levar em consideração a concepção coletiva da sociedade de consumo.

Zanon faz interessante observação ao dizer que o produto pode se tornar mais perigoso do que legitimamente se poderia prever, em razão da expectativa criada pelos mais variados meios, tais como a propaganda e a publicidade, o conceito do fabricante no mercado, a imagem que a marca transmite, a aparência do produto, etc.

Já o serviço defeituoso vem definido no §1º do artigo 14 do CDC, como aquele que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, tais como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam, a época em que foi fornecido, etc.

No §2º o CDC faz ressalva no sentido de que o serviço não será tido como defeituoso pelo simples fato da adoção de novas técnicas. Esse parágrafo seria, guardadas as devidas proporções, o correspondente ao §2º do artigo 12, sobre produtos.

Os autores observam que o campo de aplicação do CDC no que se refere ao fato do serviço, ao contrário do que se poderia pensar, é muito vasto, abarcando, na área privada, um grande número de atividades, tais como os serviços prestados pelos estabelecimentos de ensino, hotéis, estacionamentos, cartões de crédito, bancos, seguros, hospitais e clínicas médicas.

Também se aplica na área dos serviços públicos, expressamente submetidos ao CDC pelo seu artigo 22, que assim estabelece: Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. E, em seu parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

O §4º do artigo 14 fala da exceção à responsabilidade objetiva no caso dos profissionais liberais, a que já houve referência. Cabe, porém, acrescentar que o caráter intuitu personae dos profissionais liberais é facilmente aferível, visto que o consumidor procurará aquele profissional de cuja competência possui referências e em quem confia o bastante para com ele contratar. Entretanto, quando esse profissional integra pessoas jurídicas ou presta serviço para elas, não estaremos diante da mesma situação. Neste caso, o responsável será a pessoa jurídica, prevalecendo a responsabilidade objetiva, pois desapareceu o caráter intuitu personae.

Além disso, normalmente ocorrerá a obrigação de meio, quando tudo o que se exige do seu prestador é o emprego de determinado meio, sem olhar o resultado. A obrigação de resultado ocorrerá mais raramente, quando a prestação for destinada unicamente a satisfazer um resultado previamente estabelecido.

No artigo 17 do CDC há o que  se conhece por conceito de consumidor “por equiparação”. O que houve foi que, a partir do final do século XIX, diversos países iniciaram a discussão e alteração de entendimentos jurisprudenciais, no sentido de se reconhecer a necessidade de maior proteção aos direitos do consumidor, bem como àqueles que venham a ser vítimas da circulação dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo. São os chamados “bystanders”.

Por isso foi que o CDC brasileiro ampliou, no artigo 17, o conceito de consumidor, estendendo a proteção a “todas as vítimas do evento”.  Tupinambá do Nascimento, sobre isso, diz que:

 

É preciso esclarecer o sentido da palavra vítima, para determinar, com segurança, quem adquire a condição de credor na obrigação de reparar. Considera-se vítima, em princípio, a pessoa diretamente prejudicada pelo ato ilícito, conforme o princípio da causalidade imediata. O direito de reclamar a indenização não nascem para os que sofreram prejuízo indiretamente ou de modo reflexo. Aqueles a quem o ato ilícito prejudica por esses modos não se investem, pois, na pretensão de indenização. 

 

Por força do artigo 17, portanto, poderão reclamar indenização, num caso de acidente envolvendo transporte coletivo, não só o passageiro que estava dentro do ônibus, mas também o motorista do carro envolvido no acidente, que, evidentemente, com o fornecedor não contratou, mas que é alcançado graças à equiparação feita no artigo examinado.

Do até agora exposto, conclui-se que, para caracterizarmos a ocorrência ou iminência do fato do produto ou serviço, imprescindível a presença de 3 pressupostos básicos:

a) fato ou defeito do produto ou serviço;

b) dano emergente ou iminente (eventus damni);

c) nexo causal entre o defeito e o evento danoso.

Quanto ao dano, não há, no Código de Defesa do Consumidor, qualquer restrição para que haja possibilidade de ressarcimento, aceitando-se, até, cumulação entre dano moral e material. Já o nexo de causalidade é exigido como comprovação de que o dano foi ocasionado por defeito juridicamente relevante, do produto ou do serviço. Resta, portanto, examinar os tipos de defeito possíveis.

Em primeiro lugar estariam os defeitos de fabricação, inerentes à própria falibilidade da produção industrial. São verdadeiramente inexoráveis, inerentes a qualquer espécie de produção em série. Apresentam duas características: previsibilidade, já que sua freqüência pode ser objeto de um prévio cálculo estatístico; e relativa inevitabilidade, porque escapam até ao mais elevado grau de cuidado e de controle de produção. Sua manifestação é limitada, não atingindo todos os consumidores, causando danos a alguns, somente. Tais defeitos são inelimináveis do moderno processo produtivo em virtude de defeitos imprevistos nas máquinas e lapsos ou erros dos agregados.

Há também os defeitos de concepção, que são defeitos de projeto ou de fórmula, na escolha do material ou técnica de fabricação. Apresentam-se como evitáveis e se estendem, normalmente, a toda a linha produtiva. Em face desses defeitos é comum as fábricas fazerem uso do “recall”, como forma de prevenir futura responsabilização.

E, por fim, existem os defeitos de informação, que se caracterizam pela informação inadequada do produto e dos riscos que envolve, podendo ainda haver defeito no acondicionamento após a fase produtiva propriamente dita.

Deve o fornecedor informar, de forma clara e sucinta, as advertências e instruções necessárias para o uso previsível do produto, baseando-se no tipo de usuário a que ele se destina, em linguagem simples, sempre no idioma do consumidor. Deve, inclusive, esclarecer o que fazer e não fazer quanto ao seu emprego, chamando a atenção para o eventual perigo resultante de mau uso.

 

Conclusão

 

A teoria da responsabilidade objetiva foi bem empregada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois, fosse adotada a responsabilidade subjetiva, significaria exigir da vítima uma “prova diabólica”, visto que o acidente, provocado mais pela máquina do que pelo homem, torna-se, até certo ponto, anônimo .

O que se sabe é que sempre existiram danos decorrentes de produtos e serviços defeituosos. Hoje, porém, se dá maior alcance à criação e adaptação de sistemas para reparação de suas conseqüências danosas, se lançados no mercado.

 

 

 

 

Capítulo V – Excludentes da Responsabilidade por Fato do Produto ou Serviço

 

 

Num claro propósito de alcançar uma justa repartição de riscos, correspondentes a um equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor, a lei longe de imputar a este uma responsabilidade absoluta, sem limites, prevê causar de exclusão ou redução de sua responsabilidade.

 

É assim que João Calvão de Souza fala sobre as causas excludentes da responsabilidade do fornecedor, estabelecidas pelo CDC. Tais situações têm a capacidade de isentar o fornecedor do dever de indenizar porque comprometem o nexo causal exigido, mesmo na responsabilidade objetiva. É o que relatam os artigos 12 e 14, ambos em seu §3º.

Artigo 12, §3º: O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I – que não colocou o produto no mercado;

II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Artigo 14, §3º: O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Passemos, então, à análise de cada uma das excludentes elencadas na lei.

 

Não colocação do produto no mercado

 

Existe uma verdadeira presunção legal de que, se o produto foi introduzido no mercado, o foi por determinação do fornecedor, cabendo a ele elidir essa presunção. Deve comprovar que, muito embora o produto esteja no mercado, não foi ele quem o introduziu, voluntariamente. Por exemplo, o caso do produto falsificado ou que, ainda em fase de testes, é subtraído por alguém e colocado no mercado.

Desde que, porém, o fornecedor tenha colocado o produto no mercado para comercialização (ainda que simplesmente para teste ou oferecendo o produto como amostra grátis) não poderá alegar a excludente. Para tanto, é necessário que a colocação no mercado não se tenha dado por ato voluntário e consciente.

Também não cabe a invocação da excludente se a introdução foi por preposto ou mesmo representante autônomo, pois, de acordo com o artigo 34 do CDC, o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.

O CDC se absteve de definir em que momento o produto deve ser considerado como introduzido no mercado. Mas há, na doutrina, entendimento de que será a partir do momento em que o produto é remetido ao distribuidor, ainda que a título experimental, de propaganda ou de teste.

Enfim, se o fornecedor não coloca o produto no mercado, isso significa que ele não produziu o ato gerador da obrigação de indenizar os consumidores, utentes ou “bystanders”.

Importante anotar que, embora essa excludente esteja expressa na lei apenas para o caso de fato do produto, nada há que impeça o fornecedor do serviço de provar que efetivamente não o prestou, afastando, assim, sua responsabilidade.

 

Inexistência do defeito

 

Se o produto ou serviço não é defeituoso (e o ônus dessa prova é do fornecedor) não existirá relação de causalidade entre o dano e a atividade do fornecedor. O dano terá decorrido de outra causa, inimputável ao fabricante do produto ou ao prestador do serviço.

A inexistência do defeito, no entendimento de Eduardo Arruda Alvim, constitui-se em fato extintivo do direito do autor. E, como no caso de todo e qualquer fato dessa natureza, sua prova cabe ao réu (artigo 333, II, do Código de Processo Civil). Ressalte-se, ainda, que a mera plausibilidade da inexistência do defeito não é suficiente para a caracterização da excludente, competindo ao fornecedor, efetivamente, provar sua ausência.

Lembre-se sempre que o defeito do produto ou serviço causador dos danos é pressuposto, elemento constitutivo da responsabilidade do fornecedor. Se não há defeito no produto ou no serviço, não há antijuridicidade a ser atribuída ao fornecedor e não se pode dizer que o dano causado ao consumidor deriva do produto ou serviço.

 

Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro

 

Ocorre culpa exclusiva da vítima quando sua conduta aparece como causa direta e determinante do evento, não sendo possível apontar qualquer defeito no produto ou no serviço, capazes de determinar a ocorrência do dano.

Assim defende Viviane Coêlho de Séllos, afirmando que nesse caso não há defeito juridicamente relevante. Atenta a autora para o fato de que, havendo concorrência entre o defeito e a culpa do lesado, esta deixa de ser exclusiva e não retira a responsabilidade, quando muito servindo de minorante, como ocorre em algumas legislações européias.

Eduardo Arruda Alvim explica que, se há culpa exclusiva do consumidor, é irrelevante que haja ou não defeito. O defeito, existindo, não pode ter contribuído para a ocorrência do fato do produto ou serviço, sob pena de se descaracterizar a excludente.

Mas a conduta da vítima que proporciona exclusão da responsabilidade deve ser aquela considerada culposa (negligente, imprudente, imperita), o que será apurado através da produção de provas.

O “terceiro” a que a lei se refere é alguém sem qualquer vínculo com o fornecedor, completamente estranho à cadeia  de consumo. Não será o comerciante, visto que escolhido pelo fornecedor para fazer a distribuição de seus produtos. Também não será o preposto ou representante autônomo por força do artigo 34º, já analisado.

A conduta exclusiva do terceiro faz desaparecer o nexo causal, erigindo-se em causa superveniente que, por si só, produz o resultado. Como no caso da enfermeira (= terceiro) que por descuido ou intencionalmente aplica medicamento errado ou em dose excessiva no paciente.

Na hipótese de culpa exclusiva da vítima, faz-se uma ressalva: pode acontecer situação de emergência, caracterizando-se, assim, estado de necessidade que justificará a utilização do produto pela vítima, mesmo que ela esteja ciente do defeito do produto e do perigo que dele deriva. Subsiste, em tais circunstâncias, a responsabilidade do fornecedor.

Há autores que entendem ser exaustivo o rol das excludentes da responsabilidade do fornecedor, utilizando-se da expressão numerus clausus para indicar que nenhuma interpretação extensiva pode ser realizada. Mas a doutrina não é unânime nesse sentido, existindo situações que causam divergência de opiniões.

Entre elas estão: culpa concorrente, caso fortuito e força maior e o risco de desenvolvimento.

 

Culpa concorrente

 

Culpa concorrente é a participação da vítima na produção do resultado. No direito comum, tem capacidade de atenuar a responsabilidade civil. Confrontam-se os graus de culpa e a reparação é feita na medida proporcional da culpa do agente. É a solução por equidade. O montante não indenizado deve ser suportado pela vítima, em conseqüência de sua parcela de culpa.

A presença da concorrência de culpa nas relações de consumo divide a doutrina entre os que não a consideram excludentes de responsabilidade e aqueles outros que defendem que o tratamento nessa área seja o mesmo dado no direito comum.

Tupinambá do Nascimento é dos que pregam esta última solução, julgando correto que o consumidor ofendido, que concorreu para a efetivação do dano, deve (por princípio de justiça e equidade) arcar com sua própria culpa e em sua exata medida.

O mesmo prega Eduardo Arruda Alvim, dizendo que deve haver partilhamento dos prejuízos causados, ainda que a culpa concorrente não esteja elencada no CDC entre as excludentes (mesmo porque, excludente propriamente dita não o é).

Diferente é o entendimento de Arystóbulo de Oliveira Freitas, que defende a aplicação da responsabilidade objetiva no caso de culpa concorrente. Isso porque, nas relações de consumo, a participação do fornecedor (na existência de um defeito que concorre para o dano), ainda que mínima, justifica sua responsabilização integral, sem qualquer redução na reparação indenizatória.

Importante a observação feita por Sérgio Cavalieri Filho, no sentido de que se, embora culposo, o fato da vítima é inócuo para a produção do resultado, não pode ele atuar como minorante da responsabilidade do fornecedor. A culpa do consumidor perde toda sua expressão desde que fique demonstrado que sem o defeito do produto ou serviço, não teria ocorrido o dano.

Como no caso do motorista que, por descuido, bate com o carro num poste. A colisão em si não lhe acarreta nenhum dano, mas os estilhaços do pára-brisa afetam sua visão, vindo a cegá-lo. Se for comprovado que o pára-brisas apresentava defeito juridicamente relevante, o dever de indenizar será exclusivo do fabricante.

 

Caso Fortuito e Força Maior

 

O caso fortuito (equiparado ao acontecimento natural, somente relacionado com a força da natureza, imprevisível e inevitável) e a força maior (em cuja definição se encerra a intervenção da atividade humana) sempre foram admitidos como causas de exclusão da responsabilidade no direito comum, uma vez que retiram do agente o poder de influir sobre a prática do ato antijurídico, intervindo diretamente no requisito do nexo de causalidade.

Segundo uma parcela da doutrina, o fato de não haver previsão legal para essas eximentes no CDC não impede que sejam adotadas, pois a lei civil – que as inseriu em nosso ordenamento – parece não ter sido afastada pela lei especial de proteção ao consumidor. Eduardo Arruda Alvim diz, inclusive, que o consumidor não pode, nesses casos, ser obrigado a sofrer o dano sem poder responsabilizar o fornecedor.

Compartilhando com este posicionamento, Tupinambá do Nascimento afirma não haver exoneração do fornecedor quando de caso fortuito ou força maior, já que a responsabilização se dá pelo risco, sendo essencialmente objetiva.

A razão, contudo, parece estar com Sérgio Cavalieri Filho, que faz distinção entre 2 tipos de caso fortuito. Existe, primeiramente, o fortuito interno, fato imprevisível e, por isso, inevitável, ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço. Esse tipo não excluiria a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço.

Sempre que o defeito ocorre antes da introdução do produto no mercado ou durante a prestação do serviço, não importa investigar o motivo que determinou o defeito. O fornecedor é sempre responsável pelas suas conseqüências, mesmo que decorrente de fato imprevisível e inevitável.

O segundo tipo de caso fortuito é o externo, aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Este sim seria excludente da responsabilidade do fornecedor, sob pena de lhe impor responsabilização fundada no risco integral (defendido por Tupinambá do Nascimento), do qual o CDC sequer cogitou.

Portanto, após o ingresso do produto em circulação, não se pode falar em defeitos de criação, produção ou informação, que são sempre anteriores à inserção do produto no mercado de consumo.

 

Risco de desenvolvimento

 

É o risco que não pode ser cientificamente conhecido no momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto após um certo tempo de uso. É, na opinião de alguns, espécie de defeito juridicamente irrelevante, insuscetível de gerar a responsabilização do fornecedor. Afinal, o defeito deve ser aferido tendo como base o momento em que o produto foi introduzido no mercado. E, como se vê, o risco de desenvolvimento é defeito que, na época apreciável, era desconhecido e imprevisível, em razão do estado da ciência e da técnica.

Há quem defenda, porém, a equiparação do risco de desenvolvimento ao defeito de concepção (só que desconhecido) ou ao fortuito interno. Na primeira hipótese, alega-se que, apesar de ser um caso particular, tal risco encaixa-se no gênero maior (defeito de concepção), ainda que não constatável no momento da distribuição. Segundo esse entendimento, não se pode admitir que o risco de desenvolvimento seja confundido com a inexistência de defeito.

Na segunda hipótese, defende-se a idéia de que esse risco é integrante da atividade do fornecedor, não podendo excluir sua responsabilidade.

Na opinião de Arystóbulo de Oliveira Freitas, a inclusão do risco de desenvolvimento como excludente, antes de não se coadunar com a sistemática do CDC, contraria os princípios norteadores da proteção e defesa dos direitos do consumidor, notadamente da ampla reparação dos danos a ele causados.

Têm-se sustentado que responsabilizar o fornecedor pelos riscos de desenvolvimento pode se transformar em algo insuportável para o setor produtivo da sociedade, a ponto de inviabilizar a pesquisa e o progresso científico-tecnológico, frustrando o lançamento de produtos novos.

Por outro lado, têm-se reconhecido que seria extremamente injusto financiar o progresso às custas do consumidor individual. Até porque, para enfrentar essa nova realidade, o setor produtivo tem como se valer de mecanismos de preços e seguros. O consumidor não.

E as discussões a respeito continuam sendo travadas. 

 

 

 

 

Capítulo VI – Responsabilidade por vício do produto ou serviço

 

 

O artigo 18º dispõe que a responsabilidade é solidária entre os fornecedores pelos vícios do produto, o que significa que o comerciante, diferente do que ocorre com o fato, inclui-se entre os principais obrigados à reparação do problema. A solidariedade dá maior segurança ao consumidor de que haverá a reparação, pois mesmo se esta for parcialmente feita por um dos fornecedores, os outros não estarão liberados da obrigação. 

O comerciante é incluído no rol dos principais responsáveis porque o bem jurídico tutelado nesses artigos é o patrimônio do consumidor, no que diz respeito à aquisição do bem, o que hierarquicamente é menos importante que a incolumidade física, psíquica e material do mesmo. Além disso, como o vício é de caráter intrínseco ao bem – diz respeito ao seu funcionamento ou adequação ao fim destinado – é de se esperar que o comerciante pelo menos garanta sua inexistência.

A origem da figura do vício vem ainda do Direito Romano, e no Código Civil está conceituada nos artigos 1.101 a 1.106, como vício redibitório. No Direito Romano o vício que era objeto de interesse jurídico era o vício oculto (de difícil verificação mesmo com o uso ordinário da coisa), e dele advinham dois tipos de ação (ambas chamadas de bonae fidei): redhibitória (resolução do contrato com devolução integral dos valores pagos) e quanti minoris (abatimento do preço). De forma quase idêntica o Direito Comum atual regula esse instituto, prevendo resolução de contrato por vícios ocultos da coisa (artigo 1.101) ou abatimento no preço (artigo 1.105).

O vício redibitório, porém, como a responsabilidade subjetiva, não satisfazia os problemas das relações de consumo por ser de pequena aplicação, tamanho são seus requisitos: existência de um contrato cumutativo ou de uma doação gravada com encargo, existência de vício nocivo à utilização da coisa ou que lhe diminua o valor, caráter oculto do vício, que tem de ser de natureza grave, existência do vício no momento de realização do contrato, possibilidade de exclusão de responsabilidade por cláusula contratual, prazos para reclamações exíguos, etc.

O Código de Defesa do Consumidor reverteu esse quadro ao instituir que, entre outras providências:

? O vínculo contratual entre fornecedor e consumidor é desnecessário. Por isso todos os envolvidos na cadeia de produção do produto podem ser acionados, mesmo sem haver ligação direta entre eles e o consumidor (artigo 18º);

? Os prazos para reclamar são mais extensos (artigo 26º);

? A reclamação do consumidor frente ao fornecedor obsta a decadência (artigo 26º parágrafo 2º);

? A gravidade do vício não é mais requisito para gerar direitos, todos os vícios são alcançados pela nova lei, como os vícios de quantidade (artigo 18º, parágrafo 6º e artigo 19º);

? Os vícios na prestação de serviços estão incluídos na tutela do Código de Defesa do Consumidor, o que não acontecia anteriormente (artigo 20º e seguintes);

? A durabilidade do produto também deve ser garantida pelo fornecedor, pois não há mais a necessidade do vício ser oculto (artigo 18º);

? A cláusula de exoneração ou limitação da responsabilidade do fornecedor, em caso de desconhecimento do vício, é expressamente vedada, e nula de todo direito se for acrescentada no contrato (artigo 25º).

O vício de um produto, então, ocorre quando características de qualidade o tornem impróprio ou inadequado para o consumo (artigo 18º), e o próprio Código de Defesa do Consumidor exemplifica os casos em que isso acontece (a qualidade é, portanto, algo objetivamente considerado, e não subjetiva), no parágrafo 6º do mesmo artigo (vícios de qualidade), que dispõe: são impróprios para o uso e consumo: I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Também é considerado vício quando alguma característica diminua o valor do produto, tal como discrepâncias entre suas indicações – constantes nos recipientes, embalagens, rotulagem ou mensagens publicitárias – e o seu conteúdo (artigo 18º caput).

E por último, é vício de quantidade sempre que o conteúdo líquido for inferior às indicações do recipiente, da embalagem, rótulo ou mensagem publicitária (artigo 19º, caput).

Quando a natureza do vício estiver entre as duas primeiras citadas, o fornecedor será obrigado a saná-lo no prazo máximo de 30 dias após a reclamação, sob pena de, se não o fizer, estar sujeito às seguintes exigências do consumidor, segundo a escolha deste e de caráter alternativo (artigo 18º,parágrafo 1º): a) substituição do produto por outro da mesma espécie, sem vícios; b) restituição imediata do valor pago, com correção monetária, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; e c) abatimento proporcional do preço. Se a substituição das partes viciadas for prejudicial à segurança que o produto oferece, ou lhe diminuir o valor, o prazo de 30 dias não precisa ser aguardado pelo consumidor, que passará direito para a escolha das alternativas (artigo 18º, parágrafo 3º).

Caso a substituição do produto por outro igual tenha se tornado impossível, o consumidor terá direito a receber outro produto diverso, com complementação ou restituição do valor pago, ou ainda optar pelas outras duas alternativas (artigo 18º, parágrafo 4º).

Como coloca o parágrafo 2º do artigo em estudo, o prazo de 30 dias referido acima pode ser ampliado ou reduzido por acordo das partes, mas não poderá ser maior de 180 dias nem menor de 7 dias. Nos contratos de adesão, em que as cláusulas são estipuladas pelo fornecedor, sem espaço para negociação, a cláusula sobre esse prazo deverá ser convencionada à parte, para que haja participação real do consumidor.

Se o produto for oferecido in natura, o principal responsável será o fornecedor imediato, a menos que seu produtor seja claramente identificado (artigo 18º, parágrafo 5º)

No caso de vício de quantidade, aplica-se o disposto no artigo 19º, ou seja, o consumidor terá direito a: a) abatimento proporcional no preço; b) complementação do peso ou medida; c) substituição do produto por outro similar sem vícios (se isso for impossível, dá-se o mesmo tratamento do parágrafo 4º do artigo 18º); e d) restituição da quantia paga, com correção monetária. O fornecedor imediato será o responsável sempre que seus instrumentos de medida utilizados para a pesagem estiverem fora dos padrões oficiais.

Quanto à questão de serviços, os vícios apresentados por eles são os mesmos definidos para os produtos, salvo eventuais incompatibilidades, e são regulados pelos artigos 20º a 25º do Código de Defesa do Consumidor. Quando o serviço for inadequado o consumidor terá o direito de exigir, à sua escolha (artigo 19º): I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II – a restituição imediata da quantia paga monetariamente atualizada, sem prejuízos de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço.

Se o consumidor perdeu a confiança no fornecedor de serviço, por este não ter demonstrado que suas habilidades são suficientes para cumprir a obrigação, a reexecução do serviço pode ser confiada a terceiros, e será feito por conta e risco do fornecedor (artigo 20º, parágrafo 1º).

Os serviços de reparação de produtos contêm, implicitamente, a obrigação de dar componentes de reposição originais adequados e novos, de acordo com as especificações técnicas do fabricante, salvo autorização do consumidor (artigo 21º).

Os órgãos públicos, ou as pessoas jurídicas a eles ligadas, caracterizadas como fornecedores, têm a obrigação de fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos (artigo 22º). Aos descumprimentos deste artigo cabem todas as sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, inclusive indenizações por perdas e danos.

Em se tratando de vícios de qualidade, tanto para produtos quanto para serviços, a ignorância do fornecedor não o exime da responsabilidade (artigo 23º) e a garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor (artigo 24º). Por último, a obrigação de indenizar não pode ser mitigada ou exonerada por nenhuma cláusula contratual. (artigo 25º).

O fornecedor tem a obrigação de garantir a idoneidade do produto ou serviço que oferece, e se por ventura ela não ocorre, é ele, e não o consumidor, quem tem de sofrer as conseqüências. Muitos estudiosos não hesitam em afirmar que em casos de vícios não há que se falar em prejuízo do fornecedor, já que existem seguradoras para esses acontecimentos, e que o valor pago para garantir a segurança e qualidade do produto é repassado em seu preço, sendo os consumidores em geral, em última análise, quem paga por tudo.

Como nesta seção não há nenhuma referência expressa sobre a responsabilidade independente de culpa, como ocorre na seção que trata dos fatos do produto e do serviço, parte da doutrina afirma que para a reparação de vícios seria necessária a aferição de culpa (responsabilidade subjetiva do Código Civil). Porém essa interpretação não se coaduna com os princípios gerais balizadores do Código de Defesa do Consumidor, que tutela os interesses do consumidor de forma quase extremada para que, juridicamente, ele possa tornar-se um adversário com igual força do fornecedor.

Além de ser um direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos – o que implica a responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil – (artigo 6, inciso VIII), faz parte da Política Nacional das Relações de Consumo e é um dos princípios da ação governamental a garantia  dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (artigo 4º, inciso II, alínea d).

A responsabilidade dos fornecedores quanto a vícios dos produtos e serviços deve ser imputada independentemente de culpa, mesmo ausente essa expressão na determinada seção, pela interpretação homogênea do Código de Defesa do Consumidor e de suas finalidades, que não pode subsistir senão como um todo.

 

 

 

 

Capítulo VII – A desconsideração da personalidade jurídica

 

 

O Código de Defesa dos Consumidores, ao responsabilizar os fornecedores, trata de uma co-autoria presumida, de forma absoluta, pela lei. Em razão disso, pode vir a responder pelo dano causado ao consumidor até mesmo quem não teve uma ação ou omissão diretamente vinculada ao evento, ou cuja participação tenha sido mínima.

Deve-se entender que, àquele que sofreu o dano não interessa a simples possibilidade de vir a ser indenizado. O essencial é a existência de um sistema de defesa que lhe garanta não apenas uma potencialidade, mas uma certeza de ver seu prejuízo devidamente ressarcido. A lesão sofrida, que é diminuição moral ou patrimonial, deve ser efetivamente reparada.

É nesse sentido que se compreende, entre outras tendência modernas, a da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, surgida nos Estados Unidos no começo do século XX, com a doutrina do  disregard of legal entity, mais tarde desenvolvida na Alemanha com o nome de durchgriff.

Ela vem, de certa forma, modificar o que estabelece o artigo 20 do nosso Código Civil, que determina que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros. Segundo a teoria tradicional, aquilo que é débito da pessoa jurídica não é débito dos membros que a compõem. Tanto quanto o que é débito da pessoa física não é débito da pessoa jurídica de que aquela participa.

A nova teoria tem por base dois fundamentos principais: em primeiro lugar, o de que a separação entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõem é mera ficção legal; e em segundo lugar, o de que esta ficção legal deve se manter enquanto a pessoa jurídica cumprir suas finalidades, não sendo justificável sua manutenção quando a empresa venha a fugir de seus fins, agindo irregularmente e, às vezes, até com o objetivo de acobertar fraudes e prejuízos a terceiras pessoas.

Ao contrário do que se pode pensar à primeira análise, a teoria não significou a aniquilação da personalidade da pessoa jurídica, que continua existindo, sim. A diferença está na admissão, em determinados casos e para fins específicos, de sua desconsideração. Isso tudo para que seja possível estender sua responsabilidade ao patrimônio dos seus sócios.

No Brasil, tal doutrina foi introduzida no Código de Defesa do Consumidor no intuito de se evitar que a falência da pessoa jurídica devedora, ou a insolvência do devedor fornecedor, ou a extinção da própria pessoa jurídica por encerramento ou inatividade, venham a impossibilitar a efetiva reparação dos danos sofridos pelos consumidores.

Por um objetivo maior, que é a real garantia do consumidor, ocorre uma espécie de transferência da responsabilidade pela indenização para outras pessoas, sem que isto queira significar causa exonerativa para a pessoa jurídica desconsiderada.

A desconsideração da personalidade jurídica deve ser examinada sob três aspectos: o da causalidade (quais as razões ou motivos que permitem ao juiz a utilização dessa regra excepcional), o da transferência (quem passa a ser o responsável pela obrigação de ressarcir) e o da necessidade desta transferência (oportunidade de se operar tal transferência).

São três também as categorias de causas que podem levar a desconsideração: 

1. abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato, ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, quando com prejuízo do consumidor;

2. má administração societária que resulte na falência da pessoa jurídica, no estado de sua insolvência, em seu encerramento ou inatividade;

3. a do §5º do artigo 28 do CDC: sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Em princípio, induvidoso que o novo responsável pelo ressarcimento seja aquele que foi mau administrador, provocando as situações de falência, estado de insolvência, encerramento, inatividade ou liquidação extrajudicial da pessoa jurídica, ou que provocou, de qualquer forma, um obstáculo ao ressarcimento. Ou aquele que abusou do direito, excedeu-se no poder, praticou o ato ilícito, infringiu norma expressa de lei ou violou os estatutos ou o contrato social.

Por fim, o critério de oportunidade possibilitador da transferência é o fato de a pessoa jurídica como legitimada passiva significar impedimento, dificuldade, à realização do direito do consumidor. Tal inocorrendo, a transferência da responsabilidade, com a configuração de outro legitimado passivo, não tem nenhum apoio na lei.

 

 

 

 

Conclusão

 

 

Como constatado, o Código Civil – diante das revoluções dos últimos séculos – não era mais adequado à nova realidade social, caracterizada, no que diz respeito às relações de consumo, pelo distanciamento entre o consumidor e os fornecedores. A massificação do consumo intensificou a desigualdade factual entre os sujeitos da relação consumeirista, tornando ainda mais evidente a necessidade da elaboração de uma lei especial, que protegesse o pólo mais fraco – o consumidor.

Para isso foi criado o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990) que, por suas normas, estabelece uma desigualdade jurídica, no intuito de compensar o consumidor pela sua hipossuficiência, finalmente reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Tal atitude se coloca em consonância com o Direito moderno, que procura criar regras calcadas na realidade vivida pelo grupo social, ao invés de dar status legal a igualdades fictícias. É o mesmo que ocorre no Direito Trabalhista.

Visando a efetividade dessa proteção (pois não se pode admitir que ela esteja inserida no diploma legal sem que traga conseqüências práticas), o Código de Defesa do Consumidor concede certos instrumentos ao consumidor, como a inversão do ônus da prova e, principalmente, a adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva.

Era imprescindível que fosse afastada a teoria da responsabilidade civil subjetiva, que gerava uma enorme insegurança para o consumidor, pois este só seria ressarcido quando pudesse fazer prova da culpa do fornecedor. Prova esta, na maioria das vezes, impossível ou de dificílima obtenção.

A doutrina, como expôs nosso trabalho, ainda se divide, e sempre se dividirá, sobre questões decorrentes da aplicação da responsabilidade objetiva. Mas no que se refere à conquista que ela significou para os consumidores a opinião é praticamente unânime no sentido de reconhecer sua necessidade e sua importância.

Afinal, na luta entre consumidores e fornecedores, a adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva representa o que a pedra e a funda representaram na batalha entre Davi e Golias.

 

 

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Retirado de:< http://www.geocities.com/osmarlopes/ResponsaFornece.html>. Acesso em 12 de Abril de 2005.