Buscalegis.ccj.ufsc.br
PRESCRIÇÃO E
DECADÊNCIA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Hermógenes de Freitas
Leitão Neto
Rodrigo do Amaral
Barboza
I. INTRODUÇÃO.
O Código de Defesa do Consumidor
(Lei n. 8078/90) foi um marco no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que
reconheceu como classe autônoma todas as pessoas envolvidas em uma relação de
consumo, tanto pessoas físicas como jurídicas . Seu alcance é amplo, pois sua
vigência começa com o nascimento e perdura até a morte do indivíduo, pois ele
se envolve em sucessivas atividades, ora consumindo, ora fornecendo um produto
ou serviço.
A idéia de tutelar juridicamente as relações de consumo surgiu,
com a concepção utilizada hoje, nos
Estados Unidos da América, resultante da amplidão de seu mercado interno e os
sucessivos abusos cometidos pelos fornecedores . A legislação consumerista
americana é o norte do CDC pátrio, posto que inova em inúmeros dispositivos legais,
como a inversão do ônus da prova (o fornecedor tem sempre que provar o alegado
pelo consumidor), preceito resultante de tradicional doutrina processualista
italiana, pregada por Carnelutti, em
que os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente, na
medida de sua desigualdade . O CDC presume a inferioridade do consumidor
perante o fornecedor, logo cabe ao mais forte fazer prova diante do mais fraco
.
Muitas outras inovações foram
introduzidas com este estatuto legal, mas seu maior trunfo foi, sem dúvida, a
regulamentação do mercado consumidor, outrora regido pelo Código Civil de 1017,
flagrantemente ultrapassado com relação a esta matéria, e que dava ensejo a
abusos, como a venda de produtos sem garantia, o não reconhecimento de vícios
de produto ou serviço, a inexistência do direito de arrependimento do comprador
.
Além de dispor de fartos
dispositivos legais, regulando a relação consumerista, a Lei n. 8078/90 também
previu a criação das procuradorias do consumidor, de esfera administrativa, sob
responsabilidade dos municípios, com o escopo de tornar os direitos outorgados
pela supracitada lei facilmente acessíveis a população, sem o formalismo
característico do Poder Judiciário, de trâmite rápido, solucionando as lides,
desde que baseadas e pertinentes no CDC, sem a burocracia empregada nos
tribunais .
O Brasil, sempre pioneiro no ramo
jurídico, é um dos poucos países no mundo a possuir uma legislação
consumerista, o único na América do Sul, revelando o avançado estágio do
ordenamento jurídico pátrio .
Diante do exposto, este modesto
trabalho abordará os institutos da prescrição e decadência, tendo em vista o
emprego à eles imbuídos pela legislação consumerista, uma vez que ela inovou,
em relação ao tradicional emprego no Código Civil .
II. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO
CÓDIGO CIVIL.
O instituto da prescrição remonta
à época de Roma, em que a palavra praescriptio era utilizada, na lição de
Washington de Barros Monteiro, como “ meio de defesa, atribuído ao possuidor
contra terceiros, colocada na fórmula expedida pelo pretor antes da
demonstratio : por ela se concitava o magistrado a não examinar o mérito da
lide, caso o réu tivesse ad usucapionen durante certo tempo “ .
A Lei das Doze Tábuas
disciplinava o instituto, então nos primórdios, sendo que o Justiniano o
alterou, aproximando-o a sua utilização atual, o fracionando em aquisitivo e
extintivo . No intervalo histórico que seguiu, em pouco foi alterado o
instituto, vindo ele se difundir aos outros ramos de Direito, como o Penal, o Comercial, o Tributário, o Cambiário,
o do Consumidor, entre outros .
No Código Civil figuram duas
modalidades: a prescrição extintiva e a aquisitória, também denominada
usucapião . No CDC, apenas a primeira modalidade é tratada, logo a prescrição
aquisitória não será mais abordada neste trabalho .
Segundo Clóvis, prescrição é :
A perda da ação atribuída a um
direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela,
durante determinado espaço de tempo .
Pressupõe ela a inércia do
titular, que não se utiliza da ação existente para defesa de seu direito, no
prazo marcado em lei . Ela atinge diretamente a ação, fazendo desaparecer o
direito por ela tutelado . Pode ser ela suspensa (arts. 168 a 171/CC) ou
interrompida (arts. 172 a 176) . Se diferenciam pelo fato que com a suspensão o
lapso temporal percorrido não se perde por ocasião de incidente processual e,
retomando o processo seu curso, serão considerados para efeitos prescricionais
. Já na interrupção, o lapso de tempo transcorrido se perde, é inutilizado para
fins prescricionais .
Quanto aos prazos, as ações pessoais prescrevem em 20 anos . As
reais em 10 anos, entre presentes e, entre ausentes, em 15 anos, contados da
data em que poderiam ter sido propostas (art. 177/CC) . No artigo seguinte
figuram exceções ao artigo 177/CC, ao qual remeto o leitor .
A decadência, também chamada
caducidade ou prazo extintitivo, guarda certas semelhanças com o instituto da
prescrição, posto que em ambas a situação jurídica ganha plena estabilidade,
não mais estando sujeitas a qualquer tipo de contestação, tendo em vista uma
relação jurídica ocorrida alhures .
Entretanto, muitas são as
diferenças, logo, a confusão criada por leigos, ao empregarem para a mesma
situação os dois termos é incabível no direito . Na decadência, perde o autor o
direito e, consequentemente, a ação. Além disso, o direito é outorgado para ser
exercido dentro de determinado prazo, tendo como conseqüência do não exercício
sua extinção . E sua principal característica é a fatalidade, a
insuscetibilidade de interrupção,
terminando no dia preestabelecido, valendo a máxima latina dormientibus non
socurrit jus (o direito não socorre aquele que dorme), os prazos decadenciais
são fatais. Ao contrário da prescrição, que se origina somente de lei, a
decadência também pode resultar do contrato e testamento .
Destarte as definições aqui
apresentadas, é mister salientar que o emprego à elas atribuído pelo Código de
Defesa do Consumidor difere do Código Civil, merecendo estudo pormenorizado, a
seguir apresentado .
III. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .
Com
o advento do CDC, o Direto do Consumidor no Brasil deixou de ser apenas uma
disciplina para adquirir status de ramo da Ciência Jurídica, passando a Ter
institutos próprios e princípios peculiares, estabelecendo um novo tratamento
para uma expressiva gama das relações jurídicas, ditas consumeristas .
Ante
esse quadro, muitos dos dispositivos de direito comum perderam sua eficácia, no
que tange as relações de consumo e outros tantos sofreram sensível modificação
. Com os institutos da prescrição e decadência não foi diferente .
A
despeito da possível pertinência das considerações que a doutrina tradicional
faz quanto a esses dois institutos, no campo do Direito do Consumidor a eles
são atribuídas funções distintas daqueles encontradas no Direito Civil, senão
vejamos .
Em
primeiro lugar, não se pode dizer que, nos termos do CDC, prazo prescricional é
o que pode ser interrompido ou suspenso, assim como decadência é o que não
admite qualquer processo interruptivo ou suspensivo . Na Lei nº 8078/90, artigo
26 §2º, é expressamente previsto duas causas suspensivas da decadência, quais
sejam, a reclamação formulada pelo consumidor até a resposta negativa do
fornecedor, e a instauração de inquérito civil, pelo Ministério Público, até
seu encerramento .
Ademais,
utilizar como critério para distinguir a prescrição da decadência a
possibilidade ou não de as serem suspensas ou interrompidas, na lição de Caio
Mário da Silva Pereira, é “evidente inversão da relação de causa e efeito, pois
explica as razões determinantes de tal distinção concentrando suas
investigações no plano do resultado, não no plano causal “ . Aliás, essas
ponderações do ilustre professor põe em questão a doutrina tradicional, mesmo
em relação ao Direito Civil . De qualquer forma, como não é esse o objeto do
estudo, não dispensaremos maiores considerações a esse respeito .
Em
segundo lugar, sustentar que a prescrição atinge a ação e a decadência o
direito é pôr demais simplista, embora ponto pacífico na doutrina clássica, uma
vez que não distingue cada instituto em sua essência, sendo pôr isso critério
em franco desuso na doutrina contemporânea (exceções são dos profs. Washington
de Barros Monteiro e Miguel Maria de Serpa Lopes) .
Destarte,
razão parece assistir a Zelmo Denari . Para ele, “tanto a prescrição quanto a
decadência expressam o perecimento de direitos subjetivos, devido à inatividade
de seu titular ; entretanto, enquanto o primeiro significa a extinção de
direito em vias de se constituir, o segundo é a extinção de direito já
plenamente constituído” .
Em
última análise, pois, ambos institutos traduzem a perda de direito pelo decurso
do tempo .
Posto
isso, é mister disciplinar a natureza jurídica dos prazos existentes no CDC,
quanto a seu gênero (prescrição ou decadência).
Segundo
tradição no Direito pátrio, o legislador deve sempre fazer uso do vocábulo
prescrição quando quiser se referir à extinção de direitos subjetivos,
relegando à doutrina e à jurisprudência a tarefa de estabelecer critérios
distintivos entre a prescrição e a decadência .
Quando
da elaboração do CDC, entretanto, o legislador se precipitou, ao tentar às
distinguir, incidindo em erro . Acertou, a nosso ver, ao classificar de
decadenciais os prazos regulados pelo artigo 26, mas errou ao classificar de
prescricionais os regulados pelo artigo 27, pois este também é decadencial, já
que tratam da extinção de direitos ainda não plenamente constituídos . De
qualquer forma, em razão do princípio nomina non mutant substantiam rei , não importa que o texto legal fale em
prescrição, é de decadência que fala o artigo .
Diante
do exposto, conclui-se que para os fins do CDC só há prazos prescrionais .
Enquanto o artigo 26 disciplina os casos de responsabilidade pôr vício de
serviço ou produto e o artigo 27 o faz em caso de responsabilidade pôr danos
causados ao consumidor .
O
artigo 26 cuida do direito de reclamar por vícios que tornem os produtos ou
serviços impróprios ou inadequados . Sendo o produto ou serviço não durável,
esse direito se extingue em 30 dias ;
sendo durável, em 90 dias .
São
produtos não-duráveis os alimentos e as peças de vestuário e são duráveis os
eletrodomésticos e os veículos automotores, entre outros . São serviços
não-duráveis a lavagem de automóveis e a dedetização de ambientes ; são
duráveis as obras de construção civil e os
de reparos mecânicos .
Há
oportunidades em que a natureza do fornecimento é duvidosa . Nessas hipóteses, conforme lição de Fábio Ulhoa
Coelho, “deve-se respeitar o fornecimento durável, como meio de assegurar
amplamente a tutela dos interesses dos consumidores . A legislação consumerista
surgiu justamente devido à necessidade
de proteger o consumidor, e tal necessidade deve sempre ser considerada no
momento da interpretação “ . Assim, em caso de dúvida, é a interpretação mais
favorável ao consumidor que, em princípio, deve ser acolhida .
O prazo de entrega, seja de 30
dias, seja de 90 dias, começa a fluir a partir da entrega do produto ou do
término da execução do serviço se o vício for aparente e, se for oculto, a
partir do momento que ficar constatado o defeito .
Vício
aparente é o de fácil constatação, perceptível por qualquer pessoa, sem a
necessidade de um exame mais acurado . É, por exemplo, o prazo de validade
vencido de um alimento ou, ainda, a
adulteração grosseira de algum produto farmacêutico . Já vício oculto é
o de difícil constatação, que não se visualiza de pronto . É, por exemplo, o
defeito no sistema eletrônico de um aparelho .
Cabe
ressaltar ainda que o fornecedor só pode ser responsabilizado pelo vício oculto
se este se manifestar durante a fase de conservação do produto . Logo, se ele
se exteriorizar na fase de degradação do produto, ou seja, após o término da
garantia contratual, o consumidor não poderá reclamar a substituição do
produto, a restituição da quantia paga ou a redução proporcional do preço ajustado
(artigo 18) . Esse entendimento, defendido por Zelmo Denari, não é baseado em
preceito legal, mas sim no bom senso e em um elementar critério de justiça .
O
artigo 26, §2º, prevê ainda duas causas obstativas da decadência: a reclamação
comprovadamente formulada pelo consumidor até a resposta negativa, transmitida
de modo inequívoco do fornecedor, e a instauração de inquérito civil, a cargo
do Ministério Público, até seu encerramento .
Embora
o CDC não especifique qual a sua natureza, ela é de fácil constatação . Como
elas paralisam o curso decadencial durante um lapso de tempo, com previsão de
termo final, só podem ser suspensivas .
Assim, exaurido o intervalo suspensivo, a decadência retoma seu curso,
sem que o prazo anteriormente transcorrido seja desconsiderado .
O
artigo 27 disciplina a decadência nos casos de danos causados por defeitos dos
produtos ou serviços . Como aqui o direito de reclamar decorre de um dano
causado pelo defeito e não do defeito per si, pouco importa a distinção dos produtos
ou serviços em duráveis ou não-duráveis. Em ambos os casos o prazo é de cinco
anos .
O
termo inicial da contagem do prazo é a data do conhecimento do dano e de sua
autoria . A inclusão do requisito autoria é pertinente pois há hipóteses em que
a pessoa lesada, ciente do dano, não sabe à quem atribuir a responsabilidade
pelo evento .
Por
fim, vale lembrar que, embora não conste no texto legal, a doutrina e a
jurisprudência entendem que as causas obstativas da decadência nas ações que
envolvam responsabilidade por vício também são aplicáveis, por analogia, às
ações que envolvam responsabilidade por dano . Portanto, a reclamação formulada
pelo consumidor perante o fornecedor, bem como a instauração de inquérito civil
pelo Ministério Público, previstas no artigo 26 §2º, suspendem a decadência
também na hipótese regulada pelo artigo 27 .
IV. BIBLIOGRAFIA
Constituição
da República Federativa do Brasil . São Paulo: Saraiva, 1999 .
THEODORO Jr. , Humberto . Curso
de Direito Processual Civil . Rio de Janeiro:
Forense, 2000 .
PEREIRA, Caio Mário da Silva .
Instituições de Direito Civil . Rio de Janeiro:
Forense, 2000 .
MONTEIRO, Washington de Barros .
Curso de Direito Civil . São Paulo: Editora
Saraiva, 1998 .
LOPES, Miguel Maria da Serpa .
Curso de Direito Civil . Rio de Janeiro: Freitas Bastos
Editores, 1995 .
COELHO, Fábio Ulhoa . Curso de
Direito Comercial . São Paulo: Editora Saraiva, 2000 .
DENARI, Zelmo . Código de Defesa
do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto . Rio de janeiro: Forense, 2000 .
BEVILACQUA, Clóvis . Tratado de
Direito Civil . Rio de Janeiro: Forense, 1952 .
Código Civil.
Código de defesa do Consumidor.
Retirado de:< http://www.geocities.com/osmarlopes/prescricaoDeca.html>.
Acesso em 12 de Abril de 2005.