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O
Código de Defesa do Consumidor e os serviços públicos:
a
defesa dos usuários de serviço público
Rodrigo Alves da Silva
mestrando em Direito Bancário pela Universidade
Estadual Paulista
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1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da
Constituição Federal de 1988. É, na verdade, exceção ao princípio de que ao
legislativo incumbe editar atos que obriguem. A medida provisória não é lei, é
ato que tem "força de lei". Explica Michel TEMER: "a medida
provisória não é lei, pois esta ‘é ato nascido no Poder Legislativo que se
submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar
originariamente a ordem jurídica, ou seja, criam direitos e deveres. Notem a
primeira afirmação: é ato nascido no Poder Legislativo, capaz de criar direitos
e obrigações. À medida provisória também cria direitos e obrigações, também
obriga, porque o constituinte permitiu exceção ao princípio doutrinário segundo
o qual legislar incumbe ao Legislativo" (1).
Embora a Medida Provisória não seja lei, tem "força de lei,
emanando de uma única pessoa e não se constituindo fruto da representação
popular (conforme estabelecida no art. 1º, parágrafo único, da Constituição
Federal).
Tem-se salientado que a Medida Provisória pouco difere do Decreto-lei
prevista na Constituição anterior. E com um agravante: o Decreto-lei somente
poderia versar sobre matérias determinadas: segurança nacional, criação de
cargos públicos, inclusive fixação de vencimentos, finanças públicas e normas
tributárias. Para as medidas provisórias não há essa limitação. Podem versar,
portanto, sobre todos os temas que possam ser objeto de lei, a exceção:
a)matérias entregues a lei complementar;
b)matérias que não podem ser objeto de delegação legislativa;
c)a legislação em matéria penal;
d)a legislação em matéria tributária.
No primeiro caso porque não tem sentido autorizar medida provisória e
porque o constituinte exigiu quorum especial – maioria absoluta – para sua
aprovação.
No segundo caso porque a Constituição determinou a indelegabilidade,
fixando, portanto, a idéia de que só o Legislativo pode dispor acerca daqueles
temas.
Na terceira hipótese porque a Constituição determina,
principiologicamente, a impossibilidade da definição de crime ou pena sem
prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Nem teria sentido que a Medida
Provisória determinasse prisão temporária, por exemplo, se é de sua natureza a
transitoriedade.
Na última hipótese, extrai-se do art. 150, I, da Constituição Federal,
que a única possibilidade de sacar recursos no patrimônio individual
(propriedade) se dá por via de lei formal.
Impende mencionar que a medida provisória paralisa a eficácia da lei que
versava a mesma matéria. Se a Medida Provisória for aprovada opera a revogação.
Se, entretanto, a Medida Provisória for rejeitada, restaura a eficácia da norma
anterior. Isto porque, com a rejeição, o Legislativo expediu ato volitivo
consistente em repudiar o conteúdo daquela Medida Provisória, tornando
subsistente a anterior vontade manifestada de que resultou a lei antes editada
(2).
A medida provisória tem a particularidade de nascer como diploma
legislativo pela tão-só manifestação do Chefe do Executivo.
A discussão é posterior. Já em vigor, produzindo efeitos, é submetida ao
Congresso Nacional, o qual deverá apreciá-la ou rejeitá-la no prazo de 30
(trinta) dias a contar de sua publicação.
Se o Congresso Nacional estiver em recesso, deverá ser convocado
extraordinariamente no prazo de cinco dias para o exame da Medida Provisória.
A aprovação há de ser expressa, no prazo aludido, convertendo a medida
provisória em lei. A não apreciação importa em rejeição. Rejeitada, o Congresso
Nacional deve regulamentar as relações jurídicas que dela decorram. E o
instrumento para essa regulamentação, consoante TEMER, é a Lei. "Não há,
como pensarmos, outra forma de corporificar a regulamentação (3)".
Não há sanção, visto não existir projeto. O diploma já nasce enformado.
Outrossim, não se cogita da promulgação. Trata-se, apenas, de
publicação, ato que, na verdade, dá nascimento à medida provisória, porque
veicula a vontade do Presidente da República. E a conversão da medida em lei
também dispensa a sanção.
As medidas provisórias sempre suscitam controvérsias, seja pelo seu uso
desregrado pelo Presidente da República, seja pelos absurdos e
inconstitucionalidades que vêm no seu bojo. Analisar-se-ão no presente trabalho
a Medida Provisória n.º 2.148-1, de 22/05/2001, a qual foi revogada pela Medida
Provisória n.º 2.152-1, de 01/06/2001.
Em verdade, a segunda apenas dá nova roupagem à primeira, a qual revogou
em seu art. 25, os artigos 12, 14, 22 e 42 do Código de Defesa do consumidor,
afrontando, sobremaneira, os artigos 5º, XXXII, art. 170, V, da Constituição
Federal. (4)
Far-se-á, primeiramente, análise da questão da proteção do consumidor
que utiliza de serviços públicos, passando, posteriormente, a análise das
mencionadas Medidas Provisórias.
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2. OS USUÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS
O vocábulo usuário origina-se do latim usuariu, sendo que aplicado no
direito administrativo em sentido estrito define o beneficiário do instituto
"serviço público".
Assim, pode-se entender que usuário vem a ser todo aquele que goza de
uma atividade que por uma parte é colocada a sua disposição, como parte
integrante do corpo social que constituiu o Estado, entendido como instrumento
de proteção e fortalecimento dos valores transcendentes da pessoa humana. Dito
de outra forma, o usuário e aquele que goza do serviço pelo legítimo título de
ser parte do corpo social desde a titularidade pública, ou seja, são todos aqueles
que desfrutam ou gozam efetivamente de um serviço público prestado diretamente
ou indiretamente pelo Estado.
Quanto à natureza jurídica da situação dos usuários, a doutrina não é
unânime, porém, adotar-se-á a tese da natureza jurídico-pública, pois apesar de
haver nos serviços públicos uma regulamentação que recairá sobre determinado
serviço, permitindo algumas vezes a autonomia da vontade entre as partes e
possibilidade de aplicar norma de Direito privado, estas nunca poderão
contrariar as condições do serviço, haja vista que a Administração Pública pode
a qualquer momento modificá-las levando em consideração o interesse público.
O conteúdo da situação jurídica do usuário deriva de leis e
regulamentos, que devem estabelecer os direitos e deveres dos usuários, sem
prejuízo da eventual existência de um contrato.
Em relação aos serviços públicos prestados por concessão, a doutrina se
divide entre aqueles que consideram a relação entre os usuários e as empresas
concessionárias de natureza contratual privada; e, aqueles que sustentam ser
esta uma relação de natureza jurídico-administrativa, tese esta que parece ser
mais adequada com a idéia desenvolvida neste trabalho. Procurando um consenso
entre as partes, há aqueles que sugerem uma solução intermediária, entendendo
que a relação entre usuários e concessionários é fundamentalmente
regulamentária e minimamente contratual, dada a existência de um regime
jurídico-administrativo que regula o funcionamento do serviço e que vincula a
ambos. Porém, isso não implica necessariamente que entre ambos os sujeitos
exista uma relação jurídico-administrativa. Parte do pressuposto de que para
existir uma relação desse tipo, a Administração há de intervir de alguma forma.
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3. AGÊNCIAS REGULADORAS
3.1. Evolução histórica
As origens das agências reguladoras, remontam do direito anglo-saxão,
anterior ao estabelecimento das primeiras "public utility", quando o
governo britânico e as colônias americanas regularam certos preços e serviços. As
atividades reguladas raramente eram monopólio, porém, proviam ao público um
serviço ou produto de grande importância.
Mas foi somente em 1820 que o Congresso Americano outorgou à cidade de
Washington o direito de regular o preço do pão, do serviço de limpeza de
chaminé e de amarras nos cais. A cidade de Rhode Island em 1839 criou uma
comissão reguladora, no que foi seguida por New Hampshire (1844) e Connecticut
(1853). Tais comissões tinham caráter acessório e de investigação dos fatos,
com jurisdição limitada às indústrias de construção de estradas de ferro,
implementando os níveis de segurança, porém, sem controle sobre as tarifas.
As primeiras agências reguladoras
estaduais se estabeleceram logo após ter começado o movimento Granger. Do
período que vai de 1871 a 1874, Illinois, Iowa, Minnesota e Wisconsin,
estabeleceram comissões com autoridade de fixar tarifas máximas, para prevenir
discriminações e evitar a união entre empresas concorrentes nas estradas de
ferro. No final de 1887, as leis Granger foram derrogadas, exceto em Illinois,
porém, as comissões já haviam estabelecido padrões que foram seguidos por
outros estados.
A partir de 1907, nas cidades de New York e Wisconsin, foram criadas as
primeiras comissões - semelhantes às que existem atualmente. Em 1920, já se
encontravam em funcionamento agências reguladoras em trinta e dois Estados. Na
implementação dos serviços de eletricidade, telefonia e outros serviços
públicos, foi concedida a estas agências jurisdição sobre tais atividades. As
comissões reguladoras de estradas de ferro foram transformadas em organismos
conhecidos como comissões reguladoras de empresa de serviço público ou
comissões de serviços públicos ("public service commissions").
No âmbito federal, foi criada em 1877 a primeira agência deste tipo,
Interstate Commerce Commision - ICC. Sendo que nos anos trinta, o governo
federal havia criado outras três comissões encarregadas de regular os serviços
e tarifas de transporte e outros serviços, são elas: Federal Power Commission -
FPC, com jurisdição sobre as instalações hidroelétricas em complexos
hidráulicos navegáveis e sobre o transporte interestadual de eletricidade e gás
natural; Federal Communications Commission - FCC, criada para regular os
serviços telefônicos e telegráficos interestatais e internacionais; Civil
Aeronautics Board CAB, com jurisdição sobre a aviação civil.
Após estudar o nascimento e a evolução
dos entes nos Estados Unidos, conclui-se que estes aparecem ligados à proteção
dos direitos particulares em face dos abusos das empresas privadas que atendiam
serviços vitais para a sociedade. Visavam obter uma administração técnica
independente e apartada das influências políticas. O arquétipo destas comissões
foi a "Reserva Federal" em matéria de regulamentação monetária e
bancária, sendo usado de modelo para o controle dos serviços públicos. Os
procedimentos das agências estão embasados na publicidade, na contradição e na
objetividade dos atos.
Assim, devido às transformações pelas quais passam o Estado na
atualidade, diversos países buscaram inspiração na experiência norte-americana,
passando a adotar a figura dos entes reguladores.
O Brasil seguiu o mesmo caminho, incluindo no texto constitucional a
criação de um órgão regulador (art. 21, XI), e na Lei das Concessões e
Permissões de Serviços Públicos (art. 30, § único), com funções fiscalizadoras,
controladoras e regulamentadoras.
3.2. As agências reguladoras no Brasil
Devido às transformações do Estado brasileiro a partir dos anos noventa,
quando este inicia a transferência ao setor privado de determinados serviços
que antes eram prestados por empresas estatais, surge a necessidade de
regulamentar essas atividades para proteger devidamente os interesses da
sociedade. Surge assim a idéia de criar os órgãos reguladores, que deram origem
às Agencias reguladoras.
A idéia da criação das agências reguladoras é prevista sob a forma de
órgão regulador no art. 21, XI da CF/88 e, no art. 3º, § único da Lei das
Concessões, que prevê sua criação através de leis. No Brasil, as leis nº
9.427/96, 9.472/96 e 9.478/97 criaram a ANEEL (Agência Nacional de Energia
Elétrica), a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e a ANP (Agência
Nacional de Petróleo).
Quanto à eficiência dessas agências no Brasil como órgãos fiscalizadores
e reguladores, percebe-se que até agora não estão atuando de forma efetiva,
deixando muito a desejar quanto ao desenvolvimento das suas funções. Em
pesquisa realizada pela Datafolha entre os dias dez e onze de agosto nos
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Recife, sobre as
privatizações, foi constatada a insatisfação dos consumidores e a incompetência
das agências reguladoras de fiscalizar e controlar os serviços privatizados. Pode-se
observar, que as agências reguladoras estão aguardando que as forças do mercado
e a competição regulem a prestação de tais serviços, mas esta história já se
conhece e se sabe qual será o final.
3.3. Natureza e regime jurídico
São as Agências reguladoras integrantes da Administração Federal
Indireta, submetidas a regime autárquico especial, com a função de
regulamentar, controlar e fiscalizar um serviço público especifico para o qual
foi criada, para assegurar a continuidade e regularidade desses serviços,
garantindo a existência de um mercado competitivo na prestação dos mesmos. Isso
significa que as agências reguladoras têm natureza de direito público e regime
jurídico autárquico especial devido a privilégios e garantias específicas que a
lei lhes outorga para a consecução de seus fins.
Assim, as agências, enquanto instrumento governamental, possibilitarão a
criação de normas para regulamentar e fiscalizar o modo de prestação dos
serviços concedidos, para que o investidor privado obtenha o devido lucro em
seu negócio e os usuários o serviço adequado.
3.4. Fins e objetivos
De modo geral, as Agências reguladoras visam, entre outros fins a
proteção dos usuários, o livre acesso do usuário ao serviço (que deverá ser
atualizado, eficiente, adequado, continuo Lei da Concessões, art. 6°, §1°) e
sua não discriminação; a possibilidade de livre escolha do fornecedor; e
tarifas módicas, mas sempre respeitando o equilíbrio econômico-financeiro do
contrato. E, para cada serviço concedido será exigida uma lei que regule as
relações envolvendo poder concedente - concessionário - usuário.
Dentro dos vários objetivos consagrados pela política governamental, é a
proteção dos usuários uma das mais importantes, devendo-se conciliar a regra da
continuidade, da modicidade das tarifas, não esquecendo da necessária qualidade
e eficiência dos serviços.
3.5. Instrumento de criação das agências reguladoras e sua competência
A criação dessas agências será pelo legislador (nem poderia ser
diferente), por lei especifica (obedecendo ao principio constitucional do art.
5º, II - a legalidade), com competência para supervisionar o atendimento dos
objetivos elencados nas normas reguladoras e nas diretrizes especificas
inseridas individualmente em cada contrato de concessão, ou seja, competência
limitada por lei, tais como: atendimento direto ao usuário; política tarifária;
o respeito e o cumprimento das normas legais, regulamentares e contratuais;
solução de controvérsias; e, poder - dever de intervir na concessão, aplicando
as penalidades legais e contratuais.
É preciso completar que o instrumento de criação das Agências
reguladoras são as leis que lhes atribui competência especifica. Assim, foram
criadas até agora três delas, que são: Agência Nacional de Energia Elétrica -
ANEEL, instituída pela Lei n°. 9.427/96; Agência Nacional de Telecomunicações -
ANATEL, instituída pela Lei n°. 9.472/97; e Agência Nacional de Petróleo -ANP,
instituída pela Lei n°. 9.748/97. Dessas três, somente as duas primeiras podem
ser consideradas agências reguladoras, pois disciplinam atividades de serviço
público prestados através da iniciativa privada, enquanto que a última pode ser
dita agência executiva, pois regulamenta uma atividade industrial monopolizada
pela União.
3.6. Características
As Agências reguladoras têm como características: personalidade jurídica
própria; funcionamento na órbita de algum ministério; ser um órgão colegiado
com estabilidade funcional; seus membros devem possuir capacidade técnica e
jurídica, responsabilidades funcionais, serem independentes e autônomos; e
possuir autonomia financeira.
3.7. Associações dos usuários
Para que a proteção dos usuários seja viável pelas Agências Reguladoras,
entende-se que deve fazer parte delas representantes dos usuários, que formaram
associações de usuários para intervir perante os organismos de controle sempre
que: estiver em pauta os direitos dos usuários; afetar uma pluralidade de
usuários e os interesses forem homogêneos; houver modificação tarifária;
alterações de programas e obras estabelecidas pela concessão; aplicação de
sanção ao concessionário; e, houver investigações em denúncias envolvendo os
membros das agências. Por isso, deve haver uma ampla participação dos usuários
nessas agências, haja vista que somente estes podem saber o que melhor poderá
ser feito no controle e melhoria dos serviços públicos, visto serem eles os
maiores beneficiados.
Essas associações atuarão na defesa coletiva dos interesses relacionados
quanto à prestação dos serviços públicos. Sendo assim, é dever indeclinável do
Estado possibilitar todas as condições para a criação e viabilidade dessas
associações de usuários, haja vista que estes se encontram em desvantagens
perante as empresas concessionárias de serviços públicos, principalmente quanto
à capacidade econômica e de lobby. Porém, não deve a sociedade esperar
passivamente que os órgãos oficiais viabilizem tais associações, pois é de
conhecimento de todos a inércia dos poderes públicos quando se trata de
interesses da sociedade. Assim, resta à sociedade organizar-se para o exercício
efetivo da cidadania, utilizando o imprescindível e legítimo direito do poder
de pressão.
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4. ASPECTOS CONCEITUAIS
4.1. Conceito de Consumidor
A legislação brasileira de proteção e defesa do consumidor (CDC), em seu
art. 2o, caput, dispõe de forma clara, que "consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final".
A clareza do conceito de consumidor em nossa legislação não é verificada
em diversos países, como coloca José Geraldo Britto FILOMENO (5). A obscuridade
do conceito de consumidor e as distintas formas de abordagem no direito
positivo de outros países, instala polêmica em torno do tema, inexistindo uma
definição pacífica no plano internacional.
Assim sendo, uma vez que o CDC trouxe conceito claro de consumidor,
entendemos que "não se pode pretender submetê-lo às teorias jurídicas
informadoras de sistema alienígena, teorias essas ora textualmente recebidas
pelo legislador, ora textualmente afastadas em prol de elaboração de um sistema
próprio e inovador; assim, as especulações doutrinárias oriundas de outros
sistemas somente conservam seu valor enquanto não há conceito legal
suficientemente preciso, dando que, presente o conceito encartado em lei, a
opção política do legislador se sobrepõe às construções da doutrina" (6).
Resta claro que "a primeira entidade que a lei reconhece como
consumidor é a pessoa física, o homem, Pedro, Maria, Antonia". Ainda,
"são também consumidores as entidades constituídas por complexo de homens
ou de bens para a consecução de determinados objetivos" (7).
4.1.1. Consumidor destinatário final
O conceito de consumidor, segundo alguns autores, estaria limitado pela
destinação da fruição, que deveria ser final (8), bem como há cogitações no
sentido de que o termo "utiliza", constante no art. 2o do CDC, se
refere somente a serviços e termo "adquire" somente a produtos.
No que atine à destinação final, utilizada pelo caput do art. 2o do CDC,
indaga Cláudia Lima MARQUES: "Certamente, ser destinatário final é retirar
o bem de mercado (ato objetivo), mas e se o sujeito adquire o bem para
utilizá-lo em sua profissão, adquire como profissional (elemento subjetivo),
com fim de lucro, também deve ser considerado destinatário final? (9).
Responde a citada autora: "Destinatário final é aquele destinatário
fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo,
segundo esta interpretação biológica não basta ser destinatário fático do
produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou
residência, é necessário ser destinatário final econômico, do bem, não
adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem será
novamente um instrumento de produção" (10).
José CRETELLA JR esclarece ainda que "o destinatário final adquire,
em princípio, o bem para si, e não com o intuito de aliená-lo. Pode,
entretanto, mudar de idéia: adquire e aliena. Se alguém adquire produto para
doá-lo, o donatário, e não o adquirente inicial, é que se inclui no rol dos
destinatários finais". Já para a identificação deste, em se tratando de
adquirente de serviço é quem o usufrua: "Se o serviço é repassado para
outrem, este é o destinatário final, no momento em que o utiliza" (11).
4.1.2. Consumidor intermediário exposto a práticas abusivas
Quanto à discussão do enquadramento do "consumidor
intermediário" – aquele que adquire o produto para a venda – convém
lembrar que é suficiente, em determinadas circunstâncias, a mera exposição
destes às situações previstas pelo Código do Consumidor para as hipóteses dos
Capítulos V e VI, ao Título I, referente as práticas comerciais e contratuais
ilícitas, e também para as vítimas de eventos lesivos enquadráveis no Capítulo
IV, Seção II, ou seja, o fato do produto.
O CDC, com alguma freqüência, utiliza-se da técnica de equiparação,
visando estender suas regras a outras situações jurídicas (neste sentido,
tem-se o art. 2o, parágrafo único, o art. 17 e, sobretudo, o art. 19). "A
técnica adotada pelo CDC objetiva justamente abrigar, com maior ou menor
amplitude, relações jurídicas que, não fora ela, teriam dificuldades de
especial tutela. Em outros termos, alarga-se o campo de aplicação do
Código".
4.1.3. A figura do equiparado a consumidor
Ainda, o CDC, em seu art. 29, equipara ao conceito de consumidor, para
fins do capítulo relativo às práticas comerciais e à proteção contratual,
"todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele
previstas", isto é, considera consumidor qualquer pessoa exposta às
práticas comerciais que dizem respeito à oferta, publicidade, práticas
abusivas, cobranças de dívidas, banco de dados e cadastro de consumidor
previstas pelo CDC (art. 30 e 41), bem como a proteção contratual quanto às
cláusulas abusivas e contratos de adesão (arts. 46 a 54).
Assenta José Geraldo Britto FILOMENO "que o consumidor, abstraídas
todas as conotações de ordem filosófica, tão somente econômica, psicológica ou
sociológica, e concentrando-se basicamente na acepção jurídica, vem a ser
qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo
final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem
como a prestação de serviços. Além disso, há que se equiparar o consumidor à
coletividade que potencialmente esteja sujeita ou propensa à referida
contratação. Caso contrário deixar-se-ia à própria sorte, por exemplo, o
público alvo de companhias publicitárias enganosas ou abusivas, ou então
sujeito ao consumo de produtos ou serviços perigosos ou nocivos à sua saúde ou
segurança" (12).
O retro citado autor constata que não há como fugir-se, todavia, à
definição de consumidor como um dos partícipes das relações de consumo,
"nada mais do que relações jurídicas por excelência, mas que devem ser
obtemperadas precisamente pela situação de manifesta inferioridade frente ao
fornecedor de bens e serviços. Conclui-se, pois, que toda relação de consumo:
1)envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente
de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um
serviço ou produtos (produtor/fornecedor);
2)tal destina-se à satisfação de uma necessidade privada de consumidor;
3)o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de
bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são definidas, arrisca-se a
submeter-se ao poder e condições dos produtos daqueles mesmos bens e
serviços" (13).
Impende-se esclarecer que a terminologia
empregada pelo CDC, no sentido de "equiparar–se" a consumidor todas
as pessoas expostas às práticas previstas, não quer dizer que exista qualquer
diferença de ordem prática entre consumidores "equiparados" por força
do art. 29 e os outros consumidores conceituados por outros dispositivos do
CDC.
4.2. Conceito de fornecedor
O CDC, em seu art. 3º, definiu "fornecedor é toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,
construção transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produto ou prestação de serviços".
Assim, são considerados fornecedores todos aqueles que propiciem a
oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às
necessidade dos consumidores. Tem-se por conseguinte, que "fornecedor é
qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante
desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no
mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação
mercantil ou civil de forma habitual" (14).
Fala ainda o art. 3º do CDC que o fornecedor pode ser público ou
privado, entendendo-se no primeiro caso o próprio Poder Público, por si ou
então por suas empresas públicas que desenvolvem atividades de produção, ou
ainda as concessionárias de serviços públicos, sobrelevando-se salientar nesse
aspecto que um dos direitos dos consumidores expressamente consagrados pelo
art. 6º, em seu inciso X, é a adequada e eficaz prestação de serviços públicos
em geral.
O mesmo dispositivo abrange ainda tantos os fornecedores nacionais como os
estrangeiros, "os quais exportem produtos ou serviços para o País, arcando
com a responsabilidade por eventuais danos ou reparos por eventuais danos ou
reparos o importador, que posteriormente poderá regredir contra os fornecedores
exportadores" (15).
Elenca o CDC, entre as pessoas que podem ser fornecedores, os
"entes despersonalizados", que "diferenciam-se das outras formas
de grupos organizados com o objetivo comum, fundamentalmente em virtude da
ausência formal de elemento essencial para que se possam considerar pessoa
jurídica, a affectio societatis, ou seja, a intenção expressa de manter vínculo
associativo. Encontram-se entre a família, as heranças jacentes e vacantes, o
espólio e o condomínio (...). Sinteticamente, pode-se dizer que fornecedor é
todo ente que provisione o mercado de consumo de produtos ou serviços"
(16).
Se as "atividades", termo constante na conceituação de
consumidor do art. 3º do CDC, consistem na "prática reiterada de atos
negociais, de modo organizado e unificado, por um mesmo sujeito, visando uma
finalidade econômica unitária e permanente", utilizando-se nesse sentido
Luis Gastão Paes de Barros LEÃES do conceito de "atividade negocial"
(17).
O CDC elenca como "atividades" desempenhadas pelo fornecedor,
a "produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou de prestação de
serviços", ou, em síntese, "a condição de fornecedor está intimamente
ligada à atividade de cada um e, desde que coloquem aqueles produtos e serviços
efetivamente no mercado, nasce daí, ipso facto, eventual responsabilidade por
danos causados aos destinatários, ou seja, pelo fato do produto" (18).
4.3. Conceitos de produto e serviço
O conceito de produto elencado pelo
§ 1º, do art. 3º, do CDC – "produto é qualquer bem, móvel ou imóvel,
material ou imaterial" – é muito amplo, posto que "bens móveis ou
imóveis, materiais ou imateriais" são duas grandes classificações de bens,
sendo produto, para efeitos do CDC, qualquer objeto de relação de consumo. Assenta
James MARINS: "Em que pese a discussão sobre a qualidade corpórea ou
incorpórea que teriam determinados bens, que se entenda como válido ou não
critérios como o da tangebilidade, o fato é que o CDC considera-os todos
suscetíveis de serem objeto de relação de consumo e, portanto, adstrito ao
regime protetivo legal. Incluem-se, portanto, entre os bens subsumíveis ao § 1º
deste art. 3º, a eletrecidade e o gás (butano ou propano), por exemplo,
fornecidos por empresas públicas ou privadas" (19).
José Geraldo Brito FILOMENO, ao comentar o conceito de produto, entende
que seria melhor "falar-se em bens e não em produtos, porquanto o primeiro
termo retro-referido é muito mais abrangente e, aliás, mais técnico, tanto do
ponto de vista jurídico como do ponto de vista da economia política. E tal
aspecto fica ainda mais flagrante quando se tem em conta que no caso se há que
tratar de bens como efetivo objeto das relações de consumo, ou seja, como
aquele que está entre (do latim inter essere) os sujeitos da dita relação de
consumo" (20).
No que concerne ao conceito de serviços, o § 2º do art. 3º do CDC dispõe
que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito
ou securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".
José CRETELA JR esclarece que serviço é a ação de servir; todavia,
"a conceituação de serviço não se exaure neste aspecto singular (...) o
serviço pode ser gratuito ou remunerado, só interessando esse último para
efeito da relação de consumo, desde que a atividade penetre no mercado, com
esse atributo de onerosidade" (21).
Logicamente o CDC, ao referir-se à remuneração, não quer abranger
somente a remuneração direta, isto é, o pagamento diretamente efetuado pelo
consumidor ao fornecedor. Compreende também a remuneração indireta, ou seja, o
benefício comercial indireto advindo de prestação de serviços aparentemente
gratuitos assim como a remuneração embutida em outros custos. Assim ocorre o
serviço, hipoteticamente gratuito, como o oferecimento a título de demonstração
ou promoção (22).
4.4. A previsão da continuidade dos serviços públicos essenciais no CDC
Tema de relevante discussão é o que trata o Código do Consumidor, no
art.22, sobre a continuidade dos serviços públicos quando essenciais. A Lei das
Concessões, no art. 6°, § 3°, considera que não se caracteriza como
descontinuidade do serviço a sua interrupção em ocorrendo situações de
emergência ou após aviso prévio, (I) se motivadas por razões de ordem técnica
ou de segurança das instalações e (II) por inadimplemento do usuário,
considerado o interesse da coletividade.
No primeiro caso se está diante da obrigação de manter o adequado e
eficiente funcionamento do serviço. Ocorrendo qualquer falha neste serviço em
razão de ordem técnica ou de segurança, caberá verificar se realmente ocorreu a
falha conforme previsto. Caso contrário, devem ser apuradas as
responsabilidades, aplicando-se as sanções previstas no Código do Consumidor. (23)
Quanto ao inadimplemento do
usuário, existem várias posições, levando assim a um estudo mais detalhado
sobre o tema.
Em primeiro lugar, merece destacar sobre o que trata o art. 6°, § 3° da
Lei 8.987/95 e o art. 22, parte final do Código do Consumidor. No primeiro caso
o artigo refere à continuidade dos serviços públicos, não especificando os
serviços públicos essenciais, enquanto que no segundo, trata da continuidade
dos serviços públicos essenciais.
Cabe, em seguida, explicar que a continuidade é um dos princípios que
permeiam os serviços públicos. Significa que a prestação do serviço deve ser de
forma a satisfazer a necessidade coletiva, pressupondo que o serviço tenha sido
iniciado, mas não poderá ser interrompido, ou seja, a partir do momento que o
serviço público é colocado à disposição do usuário, através de um contrato
tácito ou não, surge o direito à continuidade da prestação do serviço
instalado, não podendo o Estado, por si, ou através de seus agentes ou
concessionários, fugir da obrigação-dever contraída, que é a de zelar pelo
interesse público que, por ora, é a ininterruptibilidade daquela prestação.
Quanto aos serviços essenciais, pode-se dizer que são aqueles de vital
importância para a sociedade, pois afetam diretamente a saúde, a liberdade ou a
vida da população, tendo em vista a natureza dos interesses a cuja satisfação a
prestação se endereça. Há aqueles serviços que pela sua própria natureza são
ditos essenciais, são os serviços de segurança nacional, segurança pública e os
judiciários. Esses não são serviços de consumo, haja vista que não são
remunerados. Somente o Estado poderá prestá-los diretamente. São portanto,
indelegáveis.
Mas há outros serviços que o legislador previamente considera
essenciais. Estes se encontram na Lei n° 7.783 - Lei de Greve, que define no
art. 10 os serviços ou atividades essenciais e regulamenta o atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade. Por ser genérica, nem todas atividades
definidas como essenciais são serviços públicos. Portanto, é nela que se deve
procurar o conceito de serviços públicos essenciais à luz do Código do
Consumidor. Assim, identifica-se no citado diploma legal como serviços públicos
essenciais que podem ser prestados diretamente ou indiretamente, ou através de
concessão, entre outros, os serviços de tratamento e abastecimento de água;
produção e distribuição de energia elétrica, gás, combustíveis, transporte
coletivo e telecomunicações. Todos esses serviços que foram relacionados são
prestados mediante remuneração e, portanto, enquadram-se ao art. 22 do Código
do Consumidor, atendendo ao requisito da continuidade.
Porém, de modo particular, considerando no conceito de essencial a
"vital importância, por afetarem diretamente a saúde, liberdade ou vida da
população", alguns serviços podem ser mais essenciais que outros, como por
exemplo, a água, a energia elétrica e o telefone. Nessas situações deve-se
verificar caso a caso, isto é, o fato em concreto, para então aplicar a regra
da continuidade dos serviços no inadimplemento dos usuários.
Ou seja, os serviços públicos essenciais não poderão ser suspensos ou
interrompidos no caso de inadimplemento em determinadas situações, tais como:
fornecimento de água em algumas residências depois de verificado o aspecto
social, hospitais públicos e bombeiros; fornecimento de energia elétrica para
iluminação pública, presídios, hospitais públicos, e escolas públicas;
telefones para efetivo do corpo de bombeiros, hospitais públicos e delegacias. Cabendo
às prestadoras desses serviços procurarem a via judicial para cobrá-los pedindo
inclusive tutela antecipatória para proteger obrigação de fazer ou não fazer
(art. 84, CDC).
Porém, há opiniões contrárias, entendendo que o corte no fornecimento de
um serviço público pelo inadimplemento das obrigações do usuário é plenamente
lícito. Sustenta-se tal posição exclusivamente com o art. 6°., § 3° da Lei
8.987/95. Argumenta-se que o art. 22 do CDC serve de garantia para a coletividade
cujos serviços qualificados como essenciais não serão ofertados à comunidade
administrativa. É uma obrigação legal de que o Poder Público não poderá se
eximir da oferta dos serviços. Outros apontam que, do confronto entre as duas
normas, prevalecerá o entendimento que a concessionária, no caso de
inadimplemento não poderá interromper o serviço quando não houver o interesse
da coletividade, quer dizer em uma residência o fornecimento poderá ser
interrompido, pois não há interesse da coletividade a ser considerado; porém em
escolas, hospitais, delegacias de polícia, quartéis de bombeiros, havendo o
inadimplemento, por parte da Administração Pública, não poderá ser interrompida
a prestação do serviço de água, energia elétrica e telefone, pois nesses casos
deverá ser levado em consideração o interesse da coletividade.
Certos autores defendem a tese da suspensão do serviço essencial pela
mora do usuário no pagamento da conta relativa à prestação do serviço já
efetuada porém, alertam que a lei exige a notificação do consumidor, por
escrito, com antecedência mínima de quinze dias justificando os motivos da
suspensão e informando os meios de que dispõe para evitar essa suspensão bem
como a retomada do serviço.
Em vista de tratar-se de uma matéria nova, somente agora os tribunais
começaram a se manifestar, entendendo nos casos analisados que os serviços
públicos essenciais não podem ser interrompidos no caso de inadimplemento.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça, em maio de 1999, rejeitou o
Recurso Especial n.20.1112/SC, impetrado pela CASAN - Companhia Catarinense de
Água contra um pescador, que alegou que o fornecimento de água constitui
serviço remunerado por tarifa, e que deve ser permitida sue interrupção no caso
de inadimplemento do usuário por decisão unânime. O Superior Tribunal de
Justiça entendeu que o fornecimento de água, por se tratar de serviço público
fundamental, essencial e vital ao ser humano, não pode ser suspenso pelo atraso
no pagamento das respectivas tarifas, aplicando integralmente o art. 22 do CDC.
Entendeu ainda o Superior Tribunal de Justiça, que o corte no fornecimento de
água expõe o usuário ao ridículo e ao constrangimento, casos previstos no CDC. Deveria
a CASAN ajuizar ação de cobrança para receber seus créditos, pois, não poderia
fazer justiça privada em vista do império da lei, e os litígios serem compostos
pelo Poder Judiciário.
Em outra decisão, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar o
Mandado de Segurança nº 804.196, entendeu que não pode a concessionária de
energia elétrica suspender o seu fornecimento a prédio municipal, alegando
atraso nos pagamentos respectivos. Considerou que a paralisação do trabalho de
repartição pública por falta de energia elétrica fere o princípio da
continuidade do serviço público.
O Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar Ap. Cível n. 236.975-l, de
06.06.95 entendeu que fornecimento de energia elétrica a Município é serviço
essencial, portanto, contínuo, não sendo admissível o corte por inadimplemento.
Na Ap. Cível n. 230.197-1, de 17.08.95 entendeu a 6ª Câmara Civil que o
fornecimento de água de repartição pública não deve ser cortado por falta de
pagamento, porém, neste caso usou como fundamento o caráter da obrigatoriedade
do seu fornecimento em decorrência do pagamento de taxa.
Esses são alguns julgados envolvendo a continuidade dos serviços
públicos essenciais no caso de inadimplemento, que a justiça começa a decidir. Pelos
poucos exemplos que existem, ainda não é possível firmar o entendimento dos
tribunais, porém, acredita-se que irá prevalecer o bom senso e o sentido de
justiça.
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5. A LEI DE DEFESA DOS USUÁRIOS DE SERVIÇOS
PÚBLICOS
A modificação do Estado, abandonando a função de provedor e assumindo a
de fiscalizador e regulamentador, passou para a iniciativa privada a prestação
de alguns serviços, exigindo que fosse vista com acuidade as relações
envolvendo os usuários e os prestadores desses serviços, visto ser aquele
figura central das relações que o envolvem. Neste estudo foi reconhecida a
vulnerabilidade dos usuários.
O serviço público existe para satisfazer as necessidades da
coletividade, visando sempre o interesse público. Portanto, no momento em que a
Administração Pública deixa de prestá-los diretamente, transferindo essa função
para empresas privadas, mais do que nunca faz-se necessária a criação de mecanismos
protetivos para a defesa dos usuários desses serviços, resguardando os
princípios constitucionais que regem a prestação dos serviços públicos. O
serviço continua a ser público, as normas que se destinam a disciplinar as
relações entre usuário e prestador de serviços são de ordem pública, portanto,
inderrogáveis. Nessa nova concepção quanto à prestação dos serviços públicos, a
participação dos usuários deverá ser muito mais efetiva, exercendo a cidadania
participativa, exigindo do Poder Público cumprimento das suas funções.
Assim,
em vista dessas transformações ocorridas, o Congresso Nacional promulgou a
Emenda Constitucional nº 19, no dia 04 de julho de 1998, trazendo várias
modificações referentes à Administração Pública, entre elas, instituiu o
principio da eficiência e a exigência da elaboração de lei de defesa do usuário
de serviço público no prazo de 120 dias da data da promulgação desta Emenda.
Seguindo orientação da Emenda, o extinto Ministério da Reforma
Administrativa - MARE, encarregou uma comissão de juristas para elaborar o
anteprojeto disciplinado sobre a participação e defesa do usuário dos serviços
públicos.
O citado anteprojeto encontra-se atualmente em tramitação no Congresso
Nacional e, entre as várias disposições tratadas, far-se-á referência somente a
algumas.
A lei visa à regulamentação da participação dos usuários no
planejamento, execução e fiscalização dos serviços.
Estabelece a participação das pessoas de direito público e de direito
privado para assegurar os meios necessários ao exercício da participação dos
usuários, e os meios através dos quais será exercida essa participação. Além
disso, admite a possibilidade do exercício dessa participação através de
entidades de usuários constituídas há mais de dois anos.
Disciplina quais são os Direitos e Deveres dos Usuários e a aplicação
subsidiária do Código do Consumidor, especialmente quanto aos direitos básicos
do consumidor, da proteção ao consumidor e reparação dos danos, da
responsabilidade do fornecedor de serviços, das práticas comerciais e cláusulas
contratuais abusivas. Prevendo que a responsabilidade dos prestadores de
serviços públicos é objetiva.
O anteprojeto prevê ainda a criação do Conselho Nacional de Serviço
Público, um órgão apenas consultivo, com a finalidade de formular e fiscalizar
as políticas gerais e setoriais de prestação dos serviços públicos.
Prevê também a criação da Ouvidoria de Defesa do Usuário de Serviço
Público, subordinada ao Conselho Nacional de Serviço Público, sendo que o
ouvidor será nomeado pelo Presidente da República, após argüição e aprovação
pelo Senado Federal.
Ao analisar o anteprojeto verifica-se que não trouxe grandes novidades,
mas inserido nos seus dispositivos há previsões contidas no Código do
Consumidor, na Lei das Concessões, a Lei de Defesa dos Usuários do Serviço
Público do Estado de São Paulo nº 10.294 de 20 de março de 1999, bem como nas
leis que criaram as agências reguladoras de energia elétrica, de telecomunicações
e de petróleo.
No que se refere ao Conselho Nacional de Serviço Público, poderiam ter
ampliadas as funções deste, independente do Poder Executivo, não sendo apenas
um órgão consultivo.
Quanto à Ouvidoria, esta será um órgão político e subordinado ao Poder
Executivo, haja vista que competirá ao Presidente da República a nomeação do
Ouvidor, tal qual ocorre atualmente nas agências reguladoras, o que de certa
forma já limita a atuação do Ouvidor.
Assim, diante da realidade dos serviços públicos privatizados no Brasil,
a sociedade não consegue ser otimista. O povo brasileiro não acredita que mais
uma lei possa realmente melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados
por concessionários privados. Propõe os formadores de opinião e os operadores
do direito, a efetiva participação dos usuários e a atuação das agencias
reguladoras de forma objetiva, sem paternalismo e sem proteção política, pois a
sociedade não deseja, que por incúria do Poder Público, materialize-se em um
futuro muito próximo a profecia que Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Plínio
Branco e tantos outros fizeram na década de 40, quando afirmavam que a
regulamentação e a fiscalização dos serviços concedidos no Brasil era apenas
burocrática, restando tão somente a encampação ou a declaração de caducidade.
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6. AS MPs Nº 2.148-1, DE 22/05/2001 E Nº
2.152-2, DE 01/06/2001
6.1. O estado da questão
O Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 2.147, publicada no
Diário Oficial do dia 16.05.2001, criou a chamada Câmara da Gestão da Crise de
energia Elétrica (GCE), cuja atribuição primária é implementar medidas de
natureza emergencial para compatibilizar as demandas e a oferta de energia
elétrica, de forma a evitar interrupções imprevistas de eletricidade. Em outros
dizeres, o referido órgão nasceu com a incumbência de elaborar um plano para
conter o consumo de energia elétrica no Brasil, criando para isso várias
resoluções dentre as quais, a de número 4, publicada em 22 de maio de 2001, que
dispõe sobre os regimes especiais de tarifação, limites do uso e do
fornecimento de energia elétrica e medidas de redução do seu consumo, resolução
esta encampada pela reedição da Medida Provisória, a qual recebeu nº 2.148, de
22 de maio de 2001. (24)
Apresentou como justificativa ao malfadado racionamento, a ocorrência de
poucas chuvas nos últimos meses, fazendo com que os reservatórios das
hidrelétricas diminuíssem os seus volumes de tal forma que a geração de energia
será insuficiente para atender a demanda por vir.
Entretanto, esqueceu-se de participar a todos que nos últimos anos, esse
mesmo governo, paradoxalmente, arrecadou a título dos mais variados tributos,
cifras astronômicas e, mesmo assim, o povo encontra-se órfão de educação,
saúde, segurança pública e, agora, também de energia elétrica!
6.2. A continuidade dos serviços públicos essenciais
Encontra-se na Constituição Federal, mais precisamente no capítulo
referente aos direitos sociais, vê-se que o art. 9º, § 1º, assegura o direito
de greve aos trabalhadores, desde que sejam respeitados os serviços ou
atividades essenciais, reservando-se à lei sua definição.
Posteriormente, a Lei 7.783/89 veio ao mundo jurídico e em um de seus
artigos contemplou a aludida definição:
"Art. 10. – são considerados serviços ou atividades essenciais:
I-tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia
elétrica, gás e combustíveis. (...)".
Nota-se claramente que a produção e a distribuição de energia elétrica é
um serviço de natureza essencial, cuja prestação deve ser contínua, continuidade
está assegurada pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor.
Nos termos do artigo 3º do CDC, as pessoas jurídicas de Direito Público,
centralizadas ou descentralizadas podem figurar no pólo ativo da relação de
consumo, como fornecedores de serviços. Por via de conseqüência, não se
furtarão de ocupar o pólo passivo da correspondente relação de
responsabilidade.
O art. 22 faz remissão às empresas – rectius empresas públicas –
concessionárias de serviços públicos, entes administrativos com personalidade
de Direito Privado, mas por extensão é aplicável às sociedades de economia
mista, fundações e autarquias, posto que não nominadas, sempre que prestarem
serviços públicos.
É sempre complexo investigar a natureza do serviço público, o traço da
essencialidade. "Com efeito, cotejados, em seu aspecto multifacetário, os
serviços de comunicação telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água,
coleta de esgoto ou de lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de
essencionalidade, que se exacerba justamente quando estão em causa de serviços
difusos (ut universi) relativos à segurança, saúde e educação. Parece-nos,
portanto, mais razoável sustentar a imanência desse requisito em todos os
serviços prestados pelo Poder Público" (25).
Diante do exposto no art. 22 do CDC, há de se concluir que todos os
serviços prestados pelo poder público ou por ele concedido ou permitido, tem
forçosamente natureza essencial e por essa causa, não podem sofrer
interrupções, sob pena de causar graves danos aos consumidores, que por sua vez
possuem o direito de os terem assegurados e até os virem a ser futuramente
indenizados em casos de danos.
Tratando-se de serviços prestados sob o regime de remuneração tarifária
ou tributária, incorrendo mora ou inadimplemento, não há como lhe negar,
principalmente a título coercitivo e punitivo, o seu desfrute. (26) É o que
pretende o governo ao prever que os consumidores serão punidos com o corte da
energia por três dias, e se reincidentes, até seis dias, caso não venham a
economizar 20% (vinte por cento) do seu atual consumo.
Essa conduta está em desacordo com os princípios democráticos, além de
violar expressamente o artigo ora comentado. Afronta a continuidade e a
adequação dos serviços indispensáveis, suprimindo o direito básico da eficaz
prestação dos serviços públicos em geral (art. 6º, X, CDC).
A correta prestação de serviços públicos em geral, como direito básico
do consumidor, vem reafirmada em diversos artigos do Código.
Dessa forma, os serviços públicos estão plenamente sujeitos às normas do
Código do Consumidor implicando que, não sendo adequada e eficaz a prestação
destes serviços, responde a Administração Pública nos termos da lei protetiva
do consumidor.
Na Medida Provisória nº 2.152-2, de 01 de junho de 2001, pelo seu art.
26, "não se aplicam as leis nºs. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e
9,427, de 26 de dezembro de 1996, no que conflitem com esta Medida Provisória e
com as decisões da GCE."
Ora ambas Medidas Provisórias (a de nº 2.148-1, de 22/05/2001, bem como
a 2.152-2, de 01/06/2001) ferem, não só a Constituição Federal, como também
dispositivos da legislação federal ordinária.
É nítida o intento do chefe do Executivo ao vedar a aplicação da Lei nº
8.987/95, o qual em seu artigo 6º zela pelo serviço público adequado e eficaz.
Assim reza o artigo mencionado: "Serviço adequado é o que satisfaz as
condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas". Com a
edição da Medida provisória de 01 de junho de 2001 (M.P., nº 2.152-2), todos
princípios que obrigam a prestação de serviços públicos adequados, eficientes e
seguros (essenciais e contínuos) foram observados. (27)
Outra questão a ser suscitada como arbitrária consiste em privar a
necessidade de figurarem a União e a ANEEL como litisconsortes passivos,
alterando, com isso, a competência para as eventuais ações, desaforando-as à
Justiça Federal, justiça esta que na maioria dos estados da Federação só possui
seções judiciárias nas capitais e que apresenta, na atualidade, um quadro de
carência profissional, em face dos baixos salários e a um número de ações
exacerbadas advindas do próprio governo, tal como as referentes ao INSS, aos
planos econômicos, aos impostos, a correção do FGTS, etc.
6.3. Os danos no fornecimento de serviços
O artigo 14, do CDC, disciplina a responsabilidade por danos aos
consumidores em razão da prestação de serviços defeituosos, em exata harmonia
com o art. 12 do mencionado diploma legal.
Leciona Zelmo DENARI (28) que a responsabilidade se aperfeiçoa mediante
o concurso de três pressupostos:
a)defeito do serviço;
b)evento danoso; e
c)relação de causalidade entre o defeito do serviço e o dano.
Ainda destaca, dentre os acidentes de consumo mais freqüentes, o defeito
nos serviços de comunicação e transmissão de energia elétrica.
Vê-se, pelo caput do art. 14, que a responsabilidade do fornecedor de
serviços prescinde a extensão da culpa, acolhendo, juntamente com todo o
microssistema do CDC, os postulados da responsabilidade objetiva.
Esta responsabilidade estende-se, conforme o art. 22 do CDC, aos órgãos
públicos, vale dizer, aos entes administrativos centralizados ou
descentralizados. Além da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, estão
envolvidas as respectivas autarquias, fundações, sociedades de economia mista,
empresas públicas, inclusive as concessionárias ou permissionárias de serviços
públicos.
Repise-se: todas essas entidades são obrigadas a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Por todo o exposto, o ente público não se furtará a reparar os danos
causados aos consumidores, quando incorrerem:
a)paralisação dos serviços de transporte coletivo;
b)suspensão dos serviços de comunicação;
c)interrupção do fornecimento de água à população; ou
d)corte no fornecimento de água à população.
Como se nota a intenção na Medida Provisória nº 2.148-1, de 22/05/2001,
foi, dentre outros objetivos, afastar o disposto nos artigos 12 e 14 do CDC,
visando a se furtar de reparar os danos causados aos consumidores pelo
malfadado racionamento.
Ainda, está consignado que, caso o consumidor não venha a economizar
alcançando a meta prevista, terá a sua energia cortada após 48 horas da sua
notificação.
Essa determinação além de violar disposição expressa no CDC, pois
colocarão os consumidores em situações vexatórias, o que é expressamente vedado
pelo seu artigo 42, aplicado aqui de forma analógica, os submeterão ao
despreparo dos funcionários das fornecedoras de energia elétrica, que sequer
estão prontas para atender o contido nas normas governamentais.
A Medida Provisória nº 2.152-2, de 01.06.2001, em seus arts. 25 e 26,
vela a inconstitucionalidade da Medida anterior, vale dizer, exclui a
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e outras leis ordinárias
federais, permitindo a aplicação das disposições do Código Civil e do Código de
Processo Civil. Assim em seu art. 26, especifica qual legislação é aplicável,
excluindo dentre estas, a Lei 8.078/90.
Os artigos 31 da atual Medida Provisória, o qual revogou a anterior
(M.P. nº 2.148-1, de 22/05/2001), apenas deu nova roupagem à
inconstitucionalidade contida em ambas medidas.
6.4. Das inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 2.148-1, de
22./05/2001 e Resolução nº 04, da GCE
O artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal determina que o Estado
deve promover a defesa do consumidor, na forma da lei. Todavia, a supra citada
Medida Provisória, em seu artigo 25, nega vigência ao dispositivo
constitucional, (art. 5º, inc. XXXII) ao impedir a qualquer cidadão que invoque
a tutela jurisdicional do Estado, pugnando pela observância da lei protetiva do
consumidor, que em outra gênese na Lei Maior da Nação e colocada à disposição
da sociedade para dirimir as questões relativas à prestação de serviços de
energia elétrica.
Ainda, o dispositivo constitucional é, sem qualquer dúvida, considerado
cláusula pétrea, hospedado que se encontra no Capítulo concernente às garantias
individuais. Vale examinar, ainda, a regra contida no artigo 60, § 4º, inciso
IV, da CF, que é taxativo ao afirmar que "nem mesmo por meio de emenda à
Constituição Federal os Direitos Individuais e Coletivos disciplinados no
artigo 5º podem ser alterados".
Conforme já exposto, o CDC foi editado com base nas normas
constitucionais retro expostas que encerram, além de determinações princípios
que permeiam nossa Constituição Federal.
O inciso XXXVI, do art. 5º, da CF, foi igualmente desrespeitado, uma vez
que a Medida Provisória desconsiderar, fez tabula rasa da relação contratual
existente entre os consumidores e as empresas distribuidoras de energia
elétrica, com o que desrespeitou o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
De modo igual, a Medida Provisória 2.148-1, ao impor
"sobretaxa" (multa disfarçada), adotando critério unilateral,
lastreado e média de consumo de três meses do ano de 2.000, além de ameaças de
cortes de energia, sobre agredir o princípio da isonomia, vulnera o princípio
do contraditório e da ampla defesa, posto que sequer viabiliza aos
consumidores, o sacrossanto direito de se valerem de um princípio de direito
natural: sustentar as ilegalidades da pena aplicada.
O art. 170, inciso V, da Constituição Federal, eleva a defesa do
consumidor ao patamar de princípio da ordem econômica. Esta, por sua vez,
encontra-se fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
objetivando assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça
Social, observados dentre outros princípios, o da livre concorrência e da
defesa do consumidor.
Esses pontos foram afastados, acarretando a grave situação retratada,
com o recrudescimento da questão social, posto que atingirá frontalmente a
relevante questão de criação de novos pólos de emprego, atividade essencial
prevista no VIII do art. 170, da CF, a qual será indubitavelmente sacrificada.
No mais, verifica-se infração ao artigo 175, parágrafo único, incisos I
e IV, da Constituição Federal, que incumbe ao Poder Público diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, observando sempre o procedimento licitatório,
a prestação de serviços públicos, mas jamais com afronta ao direito dos
usuários (inciso II), a uma justa política tarifária (inciso III) e a obrigação
de manter serviço adequado.
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7. CONCLUSÃO
Após seis anos de governo, uma reeleição, uma série de metas de
crescimento, empréstimos contraídos, inúmeras privatizações de setores
estratégicos, tais como o da telefonia fixa e móvel e o do setor energético,
seria de se esperar que os governantes e seus auxiliares tivessem conhecimento
da maioria dos problemas sociais e, sobretudo, infra-estruturais que o país
possui. É indesculpável no estágio do atual mandato, a clara falha de previsão
e de pronta mobilização em relação à provável escassez de energia elétrica que
aflige nosso país. Não se trata, ainda, de questionamentos ao melindroso plano
de racionamento de energia, engendrado pela Câmara de Gestão da Crise de
Energia elétrica, a GCE. O que está em pauta é a responsabilidade do governo
Fernando Henrique Cardoso diante da completa estagnação de investimentos, não
apenas no setor de geração e distribuição de energia elétrica, mas em outros,
como por exemplo de saneamento básico. Como foi possível implementar um plano
de crescimento e expansão econômica intitulado "Avança Brasil", sem
uma efetiva preocupação com este setor, não se restringindo a apenas criar uma
agência regulamentadora e transferir para a iniciativa privada o ônus de
investir em sua ampliação? É fato notório que o empresário, diferentemente do
administrador público, antes de tudo, organiza a exploração de sua atividade
econômica com o fim exclusivo de auferir lucro. Como esperar, portanto, que
tais indivíduos deixem de lado estes objetivos para se dedicarem, de forma
imediata e comprometida, à ampliação do parque gerador existente, suprindo a
crescente e previsível demanda do setor?
Infelizmente, somos forçados a levantar três hipóteses para o fracasso
atual: ou o governo FHC é ingênuo o suficiente para acreditar que compromissos
registrados em contratos de cessão de serviços públicos essenciais serão
cumpridos por seus signatários (fato, aliás, que em nenhum lugar do mundo
realmente acontece); ou agiu conscientemente, mas em erro evidente, preferindo
dedicar-se ao saneamento do mercado de investimentos e suporte a instituições
financeiras sob intervenção, relegando a último plano as questões
infraestruturais; ou, por fim, deixou-se influenciar por interesses financeiros
escusos e não relevantes, pelo contrário, prejudiciais ao país. De qualquer
forma, não há dúvidas de que o caos energético e a ameaça do
"apagão", sem prejuízo da ineficiência das anteriores administrações,
são o reflexo indiscutível da irresponsabilidade administrativa que perdura no
atual governo.
Não bastasse a, já irremediável, crise interna instalada especificamente
no setor energético, a comunidade jurídica assiste estupefata as recentes
medidas e decisões da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica,
transformadas posteriormente pelo Presidente da República em Medida Provisória.
A criação das quotas de consumo e da "sobretaxa" (que não passa de
uma pena pecuniária), por si só, já são objeto de questionável legalidade,
quiçá constitucionalidade. A "gota d’água", por assim dizer, veio com
a reedição da MP nº 2148 (agora 2148-1), que prevê, clara e expressamente no
seu art. 25, a revogação temporária dos artigos 12, 14, 22 e 42 do Código de
Defesa do Consumidor. Diz a MP: "art. 25. Não se aplica a Lei nº 8.078, de
11 de setembro de 1990, em especial os seus arts. 12, 14, 22 e 42, às situações
decorrentes ou à execução do disposto nesta Medida Provisória e das normas e
decisões da GCE".
O Código de Defesa do Consumidor, certamente, está entre os diplomas
legais mais modernos do mundo em matéria de respeito aos direitos individuais e
coletivos. É fruto não só de profundas discussões e estudos de conceituados e
renomados juristas, mas também de décadas de batalhas jurídicas voltadas para a
fixação dos direitos de consumidores, bem como dos deveres de fornecedores. Além
disso, é a concretização da previsão constitucional do art. 5º, inciso XXXII:
"O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".
Portanto, percebe-se que o legislador constituinte, com o respaldo do poder
constituinte originário, elevou a defesa dos direitos do consumidor ao status
de direito fundamental protegido pela Constituição, sendo dever do Estado a sua
promoção e não a sua dilaceração como propõe a MP. Por estar presente entre os
direitos e garantias individuais, não se permite nem ao menos discutir a
possibilidade de se modificar este comando constitucional, nem por Emenda
Constitucional, haja vista o § 4º do art. 60 da CF/88, que o prevê entre as
cláusulas pétreas já citadas, quiçá indiretamente como está se procedendo via
Medida Provisória.
Os arts. 12, 14, 22 e 42 do Código de Defesa do Consumidor que foram
suspensos pela Medida Provisória, quando a matéria tratar de assuntos relativos
às relações jurídicas originárias entre o consumidor e o fornecedor de serviços
de energia elétrica, tratam respectivamente: a) do dever de indenizar o dano
causado por acidentes de consumo; b) da responsabilidade objetiva do fornecedor
de serviços que causem dano aos consumidores por defeitos relativos à
prestação, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição; c) da obrigação de serviços públicos adequados, eficientes, seguros e,
quanto aos essenciais, contínuos; e, por fim, d) da não exposição do consumidor
ao ridículo pela cobrança de débitos, e a sua não submissão a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça.
Enfim, diante de tantos atos impensados e medidas descabidas, conclui-se
que, ou o governo federal está pessimamente assessorado, jurídica e
administrativamente, ou não tem noção nenhuma dos reflexos que tais atos
produzirão na questão da própria segurança do ordenamento jurídico existente.
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NOTAS
01. Michel TEMER, Elementos de
Direito Constitucional, p.151.
02. Michel TEMER, Elementos de
Direito Constitucional, p.153.
03. Michel TEMER, Elementos de
Direito Constitucional, p.153.
04. Assim se manifesta José Afonso
da SILVA: Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental é
suprema do Estado brasileiro (...) O princípio da supremacia requer que todas
as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da
Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não
satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo coma constituição. Exige mais,
pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim
a determina também constitui conduta inconstitucional (Curso de Direito
Constitucional Positivo).
05. Código brasileiro de defesa do
consumidor, p. 25.
06. Conforme James MARINS,
Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p.64.
07. José CRETELLA JR. et all.,
Comentários ao código do consumidor, p. 07.
08. Neste sentido: Cláudia Lima
MARQUES, Contratos no código de defesa do consumidor, p.141-153, José CRETELLA
JR et all, Comentários ao código do consumidor, p.07.
09. Contratos no código de defesa
do consumidor, p.142.
10. Contratos no código de defesa
do consumidor, p.142.
11. Comentários ao código do
consumidor, p. 08.
12. Manual de direitos do
consumidor, p.27.
13. José Geraldo Britto FILOMENO,
Manual de direitos do consumidor, p.27-28.
14. José Geraldo Brito FILOMENO,
Código brasileiro de defesa do consumidor, p. 40.
15. José Geraldo Brito FILOMENO,
Código brasileiro de defesa do consumidor, p. 40.
16. James MARINS et al, Código do
consumidor comentado, p. 17-18.
17. Luis Gastão P. Barros LEÃES, A
responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, p. 13-14.
18. José Geraldo Brito FILOMENO,
Código brasileiro de defesa do consumidor, p. 40-41.
19. Código do consumidor
comentado, p. 79-80.
20. Código brasileiro de defesa do
consumidor, p. 35.
21. Comentários ao Código do
consumidor, p.
22. Esta é posição de James
MARINS, A responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p. 82-83.
23. Cabe lembrar aqui o ocorrido
em fevereiro e março de 1999, referente a dois problemas que atingiram os serviços
de energia elétrica. O primeiro ocorreu em 19 de fevereiro, chamado de
"apagão", foi o desligamento automático de duas das quatro linhas de
transmissão da energia gerada na Hidrelétrica de Itaipu para as Regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste, provocando entre 12 horas e 12h3O, interrupções
parciais do fornecimento de eletricidade em várias localidades dos Estados de
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul
e do Distrito Federal. Os apagões, que tiveram uma duração média de 40 minutos,
causaram vários transtornos, com pessoas presas em elevadores, semáforos
desligados e até a interrupção da programação de emissoras de rádios e TVs. O
segundo foi o blecaute que ocorreu no dia 11 de março, atingindo Estados das
regiões Sul e Sudeste e Mato Grosso do Sul, que ficaram sem energia a partir
das 22h1O em razão de uma falha na linha de transmissão em Itaipu. Oito Estados
foram afetados pelo major blecaute já ocorrido no pais. São Paulo, Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais
e Mato Grosso do Sul ficaram com regiões sem energia por volta das 22h1O.
Apesar das empresas prestadoras desses serviços furtarem-se às
responsabilidades´ devem responder pelos danos que causaram aos consumidores.
Em 16 de maio de 1999, também ocorreu um outro blecaute que deixou parte da
região Centro-Oeste sem energia elétrica por cerca de uma hora. O apagão
começou às 1 8hO5 e afetou o Distrito Federal, Goiás e parte de Mato Grosso.
24. Em 01 de junho de 2001, a
Medida Provisória nº 2.148-1 foi revogada pela Medida Provisória nº 2.152-2, a
qual em seu art. 25 dispôs: "Às relações decorrentes desta Medida
Provisória entre as pessoas jurídicas ou consumidores não residenciais e
concessionárias aplicam-se as disposições do Código Civil e do Código de
Processo Civil."
25. Essa é a lição de Zelmo
DENARI, Código Brasileiro de defesa do Consumidor, p.190.
26. Assim leciona Zelmo DENARI:
"A nosso aviso, essa exigência do art. 22 não pode ser subentendida: ‘os
serviços essenciais devem ser contínuos no sentido de que não podem deixar de
ser ofertados a todos os usuários, vale dizer, prestado no interesse
coletivo" (Código Brasileiro de defesa do Consumidor, p.191).
27. Assim leciona Celso Antônio Bandeira de MELLO: "...
aquele a quem for negado o serviço adequado (art. 7, I) ou que sofrer a
interrupção pode, judicialmente, exigir em seu favor o cumprimento da obrigação
do concessionário inadimplente, exercitando um direito subjetivo
próprio..." (Curso de Direito Administrativo, p.533).
28. Código Brasileiro de defesa do
Consumidor, p.170.
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Retirado
de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3830.
Acesso em: 07 abr. 05.