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A defesa do consumidor, a relação
contratual bancária e o empresário finaceiro
Élcio Trujillo
Juiz
de Direito/SP; Mestre em Direito; Professor-Assistente junto a UNESP -
Universidade Estadual Paulista
SUMÁRIO:1. Introdução - 2. Valores e
princípios: 2.1. O Estado e a Constituição Federal; 2.2. Conceituação; 2.3.
Aplicabilidade - 3. Princípio da transparência: 3.1. Relações de consumo; 3.2. Disposições
contratuais - 4. Princípio da boa-fé - 5. Princípio da eqüidade - 6. Princípio
da isonomia - 7. Da autonomia da vontade: 7.1. Concepção do Estado e a
autonomia da vontade; 7.2. A autonomia da vontade e as relações contratuais -
8. Do contrato de consumo: 8.1. Considerações; 8.2. Do contrato de adesão:
8.2.1. Conceituação; 8.2.2. Vantagens e desvantagens - 9. Das cláusulas
abusivas: 9.1. Limite de consideração; 9.2. Das cláusulas abusivas nos
contratos bancários - 10. Sujeitos contratuais: 10.1. Fornecedor; 10.2. Consumidor
- 11. Considerações finais - 12. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O sistema creditício bancário ocupa,
em tempos atuais, ponto de destaque no sistema econômico, pois sua função não é
apenas atender as necessidades de crédito das pessoas mas também dar segurança
e fomentar o próprio desenvolvimento da nação, trazendo modelo de sustentação
para a economia.
Daí o interesse público que cerca a
matéria diante de tal tipo de relação, tornando claro que a matéria é de
interesse geral diante, repetindo, área de abrangência e suas conseqüências
diretas e indiretas.
O legislador constituinte de 1988,
ao desenhar novo modelo para o Estado brasileiro - o do bem estar social -
cuidou, em parte, de traçar diretrizes visando assegurar, em todas as relações
e, principalmente, nas de consumo, a observância da equivalência entre as
partes contratantes no sentido de fomentar o equilíbrio, o tratamento
isonômico, tudo no sentido de afastar a preponderância de interesses de uma
parte sobre a outra com os resultados diversos daquele que deve,
obrigatoriamente, surgir onde as partes mantém aproximado nível de igualdade na
troca de direitos e obrigações.
Na relação bancária, que embora
realizada na maioria das vezes, entre particulares, há a evidência, manifesto
interesse público diante, repetindo, dimensão do próprio interesse que cerca a
matéria, ou seja, a distribuição de crédito, fomentando o desenvolvimento das
atividades e é, justamente neste setor, - o do crédito bancário - onde o
cidadão se encontra mais desprotegido e em razão do desenvolvimento do setor
bancário, devidamente estruturado e planificado com a moderna técnica de atuar,
inclusive, informatizado, impondo, nessa relação, a vontade preponderante do
banqueiro ou dos entes bancários em sacrifício do tomador do crédito que, em
geral, sempre necessitando de valores para utilização, nem sempre, nos limites,
tem condições de impor ou exigir igualdade no tratamento.
Falece, nessas condições o
tratamento igualitário que, na relação contratual, deve existir resultando, em
tempos atuais, ausente inclusive a participação de um dos pólos interessados -
o tomador - na elaboração da peça contratual que, em regra, vem pronta e
impressa, bastando a aceitação ou anuência do tomador do crédito, aderindo às
cláusulas ali postas sem qualquer possibilidade de discussão referente aos seus
limites e conseqüências.
Esse contratante ou tomador,
conforme qualificados, surge como a parte fraca no relacionamento contratual
bancário, motivando, portanto, possibilidade de atuação abusiva do fornecedor
do crédito.
Ao que se observa, embora vivamos
sob uma Constituição que visa o bem estar social, com todos os seus valores e
princípios, certo é, entretanto, contrariando essa própria linha de
desenvolvimento, que os entes bancários atuam, em referência, como se a
concepção fosse do Estado Liberal onde, efetivamente, o Estado não interferia
na relação entre os particulares prevalecendo o contrato como lei entre as
partes.
Tal divergência decorre, conforme já
apontamos, em razão da força demonstrada por uma parte - os entes bancários
geradores de crédito - e a fraqueza da outra - os tomadores de crédito - que,
pela circunstância da necessidade, se apresentam de forma isolada e sem
qualquer outra garantia em relação aos eventuais desmandos do contratante.
Ao par desse conflito decorrente da
figura do Estado ideal pretendido pelo legislador constituinte e o de fato,
surgido na operação do dia-a-dia, temos que a nossa sociedade, como quase todas
as outras e, principalmente as localizadas no chamado "mundo
ocidental", é de consumo onde todo o sistema econômico-social é direcionado
e baseado na aquisição e consumo de bens e serviços, o crédito aparece como
fator primordial para a satisfação dessas vontades, surgindo elevada procura
com proporcional aumento da oferta, mesmo porque, nessa realidade consumerista,
é chance de lucro. E este é fator, na concepção liberal, do próprio
desenvolvimento da empresa e interesse do empresário.
No Estado do bem estar social não se
inviabiliza ou afasta o lucro mas procura-se dar outra forma, ou seja, o lucro
acompanhado do atendimento social com a partilha do próprio produto. Demonstra,
nessa condição, a necessidade do exercício do capitalismo regrado, sem exageros
ou maiores abusos, respeitando-se o direito de todas as partes visando alcançar
um equilíbrio nas relações e a suportabilidade das próprias obrigações.
É a própria sustentação do
desenvolvimento, embora para alguns surja como intervenção desmedida e sem
critérios, importunando e dificultando o exercício de atividade que não guarda
- aqui novamente a concepção pura do liberalismo - qualquer relação com o
Estado, sendo exclusiva das partes diretamente envolvidas - o pacta sunt
servanda - força obrigatória do contrato.
Observa-se, também, que o acesso ao
crédito resulta convertido em algo essencial para o próprio consumo. Decorre
que o crédito, antes reservado ao consumo de algumas classes - as denominadas
elites - popularizou-se e tornou-se, em conseqüência, um produto para as
massas.
Antes, quando era destinado para
alguns, a contratação, de menor volume, era realizada em condições mais
próximas de igualdade no tocante a imposição das cláusulas. Em contrário, ao
surgir a massificação e o correspondente crescimento dos consumidores do
crédito, os entes bancários financeiros cuidaram de simplificar o atendimento,
impondo condições, ou seja, trazendo o contrato pronto, sem qualquer
possibilidade de discussão sobre as cláusulas, cumprindo ao tomador apenas a
anuência, assumindo todos os riscos e conseqüências.
Essa chamada massificação do consumo
de crédito teve, conforme já apontamos, crescimento quantitativo e qualitativo.
No primeiro, visando a sociedade consumidora o bem estar, motivou o crescimento
da procura do crédito para a compra de diversos bens e, geralmente, com o
comprometimento de recursos futuros diante dos preços elevados dos objetos
desejados. No segundo, em razão da venda a prazo, sistema tradicional de
financiamento do consumo e que era, geralmente, proporcionado pela própria
vendedora, ter sido cooptada pelos entes bancários que motivaram a criação de
diversas linhas de atendimento e fornecimento ou operações de crédito: crédito
pessoal, cartão de crédito.
O crédito motiva o próprio consumo e
já alguns chegam a sustentar que estamos em plena transformação da sociedade de
consumo em sociedade de crédito.
Portanto, o crédito de consumo
resulta convertido numa peça indispensável para um sistema que busca uma ótima
combinação entre a satisfação das necessidades de consumo e a sobrevivência do
próprio modelo econômico (capitalismo).
As conseqüências em relação ao
consumidor resultam enormes, inclusive, diante da constante oferta, em perda da
racionalidade na negociação hipotecando seu próprio futuro.
Conforme sentimos, não se trata da
intervenção do Estado de forma pura e simples no sentido de inviabilizar a
relação entre as partes, mas sim, de operar condições motivadoras do respeito e
consideração contratual, tornando equivalentes as posições das partes
envolvidas no negócio dentro do limite do princípio da igualdade ou, como muitos,
da isonomia.
E para isso há, efetivamente, a
necessidade da edição de regras básicas que irão regular as relações de
consumo. Sendo o crédito ora tratado, produto e serviço dependendo do momento e
da condição, caracterizada a relação de consumo e, por conseqüência, incidente
a regra de controle a que estarão sujeitos todos aqueles que se envolverem em
tais limites.
Considerando que a atividade
financeira é desenvolvida pelos agentes financeiros - aqui abrangendo os
bancos, as financeiras e entes congêneres - temos que a relação surgida nesse
campo abrange a área comercial e empresarial mesmo porque, repetindo, os
agentes resultam como empresários do setor financeiro.
Representam, consequentemente, um
dos pólos da relação contratual fazendo surgir aspectos empresariais-obrigacionais-financeiros
que se submetem, em nível de execução, às claras regras do controle da
legislação consumerista.
Daí o apontamento da relação
contratual bancária dentro do aspecto empresarial mesmo porque, em tempos
atuais, qualquer empreendimento, atividade, atendimento, sempre traz, em base
anterior, o orçamento e o conseqüente crédito, na maioria das vezes, fornecido
em empréstimos, financiamentos, etc.
Assim, sempre haverá um agente
financeiro agindo nos limites de todas as atividades empresariais, direta ou
indiretamente mesmo porque, em alguns casos, na derivação empresarial,
determinado setor age, dentro de mesmo grupo, com atividade financeira própria,
dispensando, inclusive, a relação com terceiros e, assim, o financiamento das atividades,
dos produtos, dos serviços.
Esse aspecto empresarial do crédito
financeiro é que trataremos na presente monografia e nesse limite a incidência
do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição que sedimentou o
desenvolvimento da própria atividade de equilíbrio nessa relação empresarial
dentro do aspecto financeiro.
Caso de análise dos contratos, seus
limites, cláusulas vigentes e abusivas, prevalência de regras básicas na
análise e o enfoque do próprio ônus da prova na relação que surge de iniciativa
do fornecedor do crédito.
Mesmo porque a atividade empresarial
se apresenta, em tempos atuais, não mais com a figura já apontada por ocasião
da referência ao Estado Liberal onde o fim primordial era o lucro e sim, no
Estado de Bem Estar Social, em paralelo ao lucro, também num resultado coletivo
de satisfação mútua, surgindo reflexos no âmbito da própria atividade e também
no Estado que age, estimulando ou desestimulando comportamentos e visando um
bem comum, fazendo uso, em algumas vezes, no aspecto tributário financeiro, da
extra-fiscalidade.
2. VALORES E PRINCÍPIOS
2.1. O Estado e a Constituição
Federal
Apontando na matéria antecedente o
interesse público existente na relação empresarial bancária ou financeira que
motivou, inclusive, a denominada constitucionalização da matéria ao ser
inserida na Carta de 1988, cumpre apontar a questão de valores e princípios que
fomentam a própria transformação.
Os valores jurídicos resultam em
idéias inteiramente abstratas, supra constitucionais, que informam todo o
ordenamento jurídico e que jamais se traduzem em linguagem normativa. Por
exemplo, a justiça e a segurança ou paz jurídica são as idéias básicas do
direito. Daí a indicação de que os valores resultam em informação, em base para
análise dos pressupostos do direito.
Diante do caráter dos valores, sua
tradução em princípios e regras concretas do direito, sofrerão variações ao
longo do tempo, dependendo das etapas da própria vida jurídica.
O que é justo? A resposta, em termos
de valores, dependerá da época.
Já o princípio representa o primeiro
estágio de concretização dos valores jurídicos a que se vinculam. A justiça e a
segurança antes mencionadas, começam a adquirir concretitude normativa e ganham
expressão escrita. Comportam os princípios, todavia, ainda algum grau de
abstração e indeterminação.
Tais referências resultam no sentido
de apontar a característica da atividade dependendo da época. No já referido
Estado Liberal havia, na atividade empresarial, a compreensão de que o Estado
não deveria interferir na relação entre o empresário e o consumidor porque
nenhuma relação guardava o comportamento com os interesses da Administração
Pública.
Cumpria ao Estado cuidar das áreas
que lhe eram próprias: segurança, relações exteriores, defesa interna,
segurança externa, etc... Entretanto, com as alterações ao longo do tempo,
valores daquela época hoje são aplicados de forma diversa e no limite da
própria concepção do novo Estado, o do Bem Estar Social, onde se justifica a
intervenção sempre que o interesse público exigir e, portanto, participa a
Administração Pública de todas as atividades bastando, repetindo, a indicação
do requisito mencionado: o interesse público podendo, inclusive, sacrificar
direitos.
Nessa concepção é que afirmamos em
tópico anterior, a ocorrência da publicização do direito pois o empresário
também tem sua participação no resultado do atendimento ao bem estar social.
2.2. Conceituação
E tem essa participação como
obrigação pois, alterado o tempo de aplicação dos valores, princípios imperando
em sentido diverso e dentro de concepção diferente do modelo do Estado onde os
interesses da Nação é que devem prevalecer, não visa mais apenas o lucro mas
também um resultado comum decorrente do exercício da própria atividade.
Princípio - do latim principium,
principii - encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de
fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer.
Trata de "proposições diretoras
de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior desta ciência deve
estar subordinado."
Nelson Nery, com a costumeira
acuidade, sustenta que "É sabido que se considera ciência aquele ramo de
estudos que é informado por princípios. Estes, portanto, é que dão natureza de
ciência a determinada matéria."
Dworkin relaciona que
"Princípios são pautas genéricas, não aplicáveis à maneira de 'tudo' ou
'nada', que estabelecem verdadeiros programas de ação para o legislador e o
intérprete."
Marcelo Abelha Rodrigues salienta
que "Os princípios nada mais são que normas orientadoras de um sistema
jurídico, de forma que tanto podem estar nelas embutidos, ou expressamente
previstos. Em outras palavras, as normas de um sistema devem traduzir, sempre,
seja direta ou indiretamente os princípios que norteiam aquele sistema."
Celso Antonio Bandeira de Mello
anota que "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das
diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico
positivo."
Ainda segundo Abelha Rodrigues,
"Desta forma, está revelada a gigantesca importância de um princípio num
sistema jurídico, de maneira que, insofismaticamente, podemos concluir que ao
se ferir uma norma, indiretamente estar-se-á ferindo um princípio daquele
sistema, que na sua essência estava embutido."
E prossegue referindo-se a Celso
Antonio Bandeira de Mello: "violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de seus comandos. É a mais
grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, ao ofendê-lo, abatem-se
as vigas que o sustêm e alui-se a toda estrutura neles esforçada".
Carrazza aponta que "princípio
jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande
generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e,
por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das
normas jurídicas que com ele se conectam".
2.3. Aplicabilidade
Considerando a importância da
observância dos princípios para dar a exata compreensão da própria norma
aplicada em toda a sua extensão, importante lembrar, de outra parte, com
referência a lei de proteção do consumidor, que ao declarar direitos para o
pólo consumidor, impõe ela obrigações para o figurante do outro, ou seja, o
fornecedor qualquer seja sua área de atuação ou mesmo exploração.
Tomasetti Jr., em interessante
trabalho, salienta que a Constituição de 1988 traça, de outra parte, como um
dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, a solidariedade
social (CF, art. 1º, caput, e art. 3º, nº 1), sendo que essa condição não surge
compatível com o denominado princípio da autonomia privada (CC, art. 81) sempre
que esta propicie o "arbítrio" (CC, art. 115, 2ª parte) de um dos
contratantes em conseqüente onerosidade abusiva para a contraparte.
Complementa ainda "Se o
empresário individual ou a sociedade empresária, no desempenho da livre
iniciativa que implica a liberdade de contrato (CF, art. 1º, nº IV, 2ª parte, e
art. 170, caput), exorbita de sua função social, comete abuso que a lei civil
genericamente trata como ilícito (CC, Art. 160, nº I, 2ª parte, a contrario
sensu, combinados com a 1ª parte do nº II ao art. 145). Nos arts. 116,
parágrafo único, e 154 da Lei 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades por
ações, há menções explícitas à função social das companhias.
Essas normas aplicam-se também às
sociedades por quotas de responsabilidade limitada (Dec. 3.708/19, art. 18).
As sociedades empresárias e os
empresários individuais predisponentes das cláusulas contratuais à semelhança
das perqueridas nesta oportunidade só exercerão constitucionalmente a livre
iniciativa econômica pelo intermédio de expedientes contratuais uniformizados
quando se ajustarem ao princípio da solidariedade (CF, art. 1º, nº IV; art. 3º,
nº I) e ao princípio de respeito ao consumidor (170, nº V), ambos em
convergência com o princípio da função social da propriedade dos bens de
produção (art. 5º, inciso XXIII, ex argumento).
(...)
Se a Constituição explicitamente
alicerçou princípios de direito, à sua luz terão de ser apreciadas as normas
constantes das leis infraconstitucionais. Todas as regras incompatíveis com os
princípios constitucionais devem considerar-se implicitamente revogadas, total
ou parcialmente. Da mesma forma, todos os negócios jurídicos, ou cláusulas
deles, que contrariem aqueles princípios devem ser já considerados ilícitos,
com as conseqüências de direito comum ordenadas à nulidade superveniente, ou à
oportuna ineficacização daqueles negócios e cláusulas.
Ressalvado o princípio do respeito
aos direitos adquiridos, declarado no nº XXXVI ao art. 5º da própria
Constituição, resta lembrar que este mesmo princípio, nos casos a decidir,
deverá ser aplicado mediante valorações concretizadoras que o harmonizem sistematicamente
com a disposição do inc. XXXII ao mesmo art. 5º, e com o princípio do
mencionado nº V ao art. 170 daquela lei maior.
A questão de observância aos
princípios nos limites da relação com o consumidor do produto ou do serviço é
questão, importante realçar, fixada pelo legislador constituinte de 1988 e no
sentido de proporcionar igualdade efetiva na relação decorrente. Segundo o
dispositivo ora transcrito, ausente qualquer exclusão no tocante a participação
no campo econômico, cumprindo o atendimento, entre várias condições, dos
princípios gerais que atuam na defesa do consumidor não se havendo, por
conseqüência, falar na inaplicabilidade quando se tratar de ente financeiro ou
econômico pois o dispositivo já referido surge bastante explícito ao comandar
fiel observância das regras que, embora prestigiando a livre iniciativa
determinam o enquadramento, no tema tratado, nos limites do interesse público
e, sabidamente, o interesse coletivo de consumo resulta como manifestamente
público.
Daí a questão essencial que se impõe
da realização da atividade empresarial financeira atendendo as regras básicas
da relação contratual consumerista.
Não se deve analisar o princípio de
forma isolada e sem levar-se em conta o mundo jurídico onde inserido, cumprindo
ao intérprete a visão do conjunto e a contar daí tendo por base todos os
valores constitutivos que, assim, influenciarão o desenvolvimento do direito no
tempo e no espaço de atendimento e aproveitamento.
Jesús Gonzáles Perez sustenta que
"os princípios jurídicos constituem a base do Ordenamento Jurídico, a
parte permanente e eterna do Direito e, também, o fator cambiante e mutável que
determina a evolução jurídica; são as idéias fundamentais e informadoras da
organização jurídica da Nação".
Diante tal dimensão, temos que o
legislador de 1988, tratando dos princípios fundamentais, apontando no artigo
1º o modelo do Estado fixou que "A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)".
Ao tratar dos objetivos fundamentais
indicou no artigo 3º, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
(I); o desenvolvimento nacional (II); a erradicação da pobreza e a
marginalização bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (III),
além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (IV).
Cuidando no título II, dos Direitos
e Garantias Individuais, cuidou no Capítulo I - Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos, de assentar no artigo 5º que "todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...);
XXXII - o Estado promoverá, na forma
da lei, a defesa do consumidor;
(...)".
Por conseqüência, pelas disposições
constitucionais apontadas e que surgem logo no início da Carta, se observa que
os princípios imperam no tocante a satisfação da igualdade entre todos, sem
qualquer distinção e, no campo econômico, a previsão de resguardar os direitos
das partes consideradas na relação, como as de menor potencial de defesa - o
consumidor - concluindo-se, em decorrência, que diante tais condições, o
legislador considerou o empresário como o pólo, na relação de comércio, como
mais forte e em condições de fazer preponderar sua vontade sobre aquele elo
mais fraco, repetindo, o consumidor.
Aqui, portanto, a primeira condição
de interpretação sobre diferença - o empresário com maior força na relação e o
consumidor com menor potencial de segurança - impondo-se, no caso, para o
encontro do equilíbrio, o recurso da lei exigindo condições de atendimento e
obrigações a parte mais sólida e forte.
Em primeira vista, a condição
surpreende dando a entender que há equívoco de parte do legislador constituinte
ao apontar, dentro do capítulo que prega o tratamento igual, a desigualdade
como fator de segurança na relação de consumo.
Entretanto, cuida-se apenas de
explicitar o princípio da igualdade ou da isonomia para o qual todos devem
receber igual tratamento, sem qualquer distinção, resultando iguais onde se
igualarem e desigual onde se desigualarem, tudo no sentido de fomentar na
prática, o efetivo equilíbrio consagrado pelo artigo 5º da Constituição.
Numa leitura direta, sem qualquer
outra preocupação, teremos a igualdade formal e que, em realidade, não provoca
o efetivo equilíbrio, condição que vai surgir quando, em lugar da simples
formalidade, aplica-se, na prática, essa vontade do legislador, tornando
desiguais os desiguais no limite da desigualdade e, nessa desigualdade de
tratamento, chegando-se a igualdade ou ponto de equilíbrio.
No caso, em análise, conforme já
apontado, se o Estado recebeu a incumbência de, no interesse público, cuidar da
defesa do consumidor, certo é que o legislador reconheceu a necessidade de
equipar a parte mais fraca contra aquela mais forte, para sustentação do
equilíbrio, surgindo aqui o empresário como a parte mais forte.
E quais princípios resultam
essenciais no contrato bancário e financeiro e que, obrigatoriamente, sob pena
de invalidade, deverão ser observados pelo fornecedor ou prestador do serviço?
Diversos se apresentam e que, em
conjunto, fortalecem a posição do contratante consumidor, elevando-a a posição
de igualdade perante o contratante fornecedor.
Não se trata, como sustentam algumas
correntes que adotam ainda valores do Estado Liberal e não do atual estágio -
Estado do Bem Estar Social - com a prevalência do interesse público sobre o
particular, de enfraquecer o pólo fornecedor e, portanto, ferindo dispositivo
constitucional que consagra a livre iniciativa. A questão é diversa, isto é, o
Estado fomenta a livre iniciativa mas, ao mesmo tempo, constatando que esta
proporciona fortalecimento desigual, procura sustentar melhor amplitude na
declaração dos direitos daquele, presumivelmente, mais fraco na relação
contratual e diante próprias condições da utilização do produto e serviço.
Assim, nenhuma contradição existe na
posição adotada pelo legislador constituinte de 1988 que cuidou apenas,
seguindo tendência de todas as legislações modernas, tornar concreta a base do
próprio negócio, ou seja, a efetiva igualdade entre partes e nos limites já
mencionados da isonomia corrente ou seja, dar tratamento igual aos iguais na
medida em que se igualam e desigual na medida e na proporção do desenvolvimento
dessa própria desigualdade.
E, sabidamente, a livre iniciativa
consagrada no artigo 170 da Constituição Federal se compatibiliza com a própria
defesa do consumidor, sendo fator preponderante do próprio Estado de Direito,
ou seja, a busca da igualdade nas relações, principalmente, as obrigacionais.
Por sinal, o artigo 4º do Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), apontando que
"A política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento
das necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios: (...)" é, concretamente, uma norma princípio que
elenca ainda outros que deverão ser observados para a efetiva condição de
equilíbrio na relação de consumo.
Olga Maria do Val, tratando de
analisar a questão posta no artigo 4º, refere que "Na verdade, a palavra
'princípios' utilizada pelo legislador não possui aquele significado
exclusivamente jurídico de princípio como norma, ou, ainda, de princípios
gerais do Direito, e sim de parâmetros que devem ser seguidos para alcançar a
realização da Política Nacional. Assim, nem tudo o que o legislador definiu
como 'princípio' é princípio. Por isso, entendemos que a verificação dos
princípios que estão presentes no art. 4º deve ser feita levando-se em conta os
princípios do sistema jurídico já definidos anteriormente pela doutrina.
Os 'princípios gerais de direito'
são aqueles que sempre serviram de base à elaboração das normas positivas. Têm
a sua origem no Direito Natural, são universais e sempre existiram, pois fazem
parte da própria história dos seres humanos. Assim é que o Código de Defesa do
Consumidor, segundo a autora mencionada, "deu força de norma a alguns
desses 'princípios gerais de direito' - o da boa-fé e o da eqüidade - assim
como deu especificidade própria ao princípio da isonomia, ao tornar o
consumidor igual ao fornecedor perante a lei".
3. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
3.1. Relações de Consumo
Nota-se que esse princípio vem de
forma implícita no artigo 4º já mencionado. Busca uma relação mais próxima e
adequada entre o fornecedor e o consumidor, visando, pelo próprio conteúdo,
sinceridade no negócio entre ambos os contratantes. Visa permitir um olhar
direto no tocante a verdadeira intenção de cada um e no sentido de que, de
forma pura - no sentido de pleno conhecimento de condições - se instaure a
plena satisfação no atendimento dos fins objetivados na contratação: o
fornecimento e o recebimento do produto ou serviço.
Cláudia Lima Marques aponta que
"transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser
vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas
relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é,
na fase negocial dos contratos de consumo".
Complementa, inclusive, que "O
CDC regulará, assim, inicialmente aquelas manifestações do fornecedor tentando
atrair o consumidor para a relação contratual, tentando motivá-lo a adquirir
seus produtos e usar os serviços que oferece. Regula, portanto, o Código a
oferta feita pelo fornecedor, incluindo aqui também a publicidade veiculada por
ele. O fim dessas normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade
destas manifestações, criando uma nova noção de 'oferta contratual' (...).
Transparência é clareza, é
informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis porque
institui o CDC um novo e amplo dever para o fornecedor, o dever de informar ao
consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também
sobre o conteúdo do contrato".
Esse princípio, por conseqüência,
impõe ao fornecedor o dever da efetiva e direta informação sobre todas as
condições do negócio a ser realizado, abrangendo tanto a oferta como o texto do
próprio compromisso quando escrito ou a divulgação ampla das condições quando,
em decorrência do pequeno negócio, for verbal.
Tanto que o artigo 30 do Código de
Defesa do Consumidor consagra que toda oferta deve ser clara e correta sobre
todo o produto ou serviço, sob pena de responsabilização do fornecedor -
responder pela falta (art. 20) ou ainda, cumprir a oferta feita (art. 35). Deve,
portanto, o fornecedor estar atento para essas transformações no tocante a
responsabilização diante vinculação com as condições apresentadas ou
divulgadas, mesmo porque, inclusive a publicidade traz essa condição, alterando
a prática comercial, resguardando o direito do consumidor, colocando-o na
condição de parceiro no negócio e não mais, como anteriormente, dependendo do
negócio.
3.2. Disposições Contratuais
Assim é que o contrato deverá ser
elaborado e redigido de forma clara e tudo no sentido de proporcionar ao
consumidor o amplo, pleno e prévio conhecimento de todas as condições
reguladoras da vinculação e sob pena, conforme art. 46, do Código de Defesa do
Consumidor, de não obrigar o consumidor.
Portanto, segundo Agathe E. Schimidt
da Silva, "Se o fornecedor descumprir seu dever de dar oportunidade ao
consumidor de tomar conhecimento do conteúdo do contrato, sua sanção será ver
desconsiderada a manifestação de vontade do consumidor, a aceitação, mesmo que o
contrato já esteja assinado. O contrato de consumo é como se inexistente, por
força do artigo 46, embora a oferta, por força do art. 30, continue a obrigar o
fornecedor".
Retirado de: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=123.
Acesso em 29 mar. 05.