Marcus Vinicius Fernandes Andrade Silva
Como afirma o Professor Nelson Nery Júnior, o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, estabeleceria sua
auto-suficiência apenas com seus sete primeiros artigos. Os artigos 1º ao 7º do
CDC por si estabelecem toda à conduta a ser adotada dentro das relações de
consumo, ou seja, normas gerais a serem aplicadas em toda extensão dos demais
artigos do código, seria uma vinculação a estes iniciais artigos.
Concentrado-se na área dos contratos consumerista deve-se sempre priorizar
ideais como a norma geral da Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato.
Porém, é de extrema relevância que fique destacado que a proteção contratual do
CDC, não objetiva apenas favorecer o consumidor, e sim equilibrar a relação.
Tendo como pressuposto tratar desigualmente os desiguais. É muito comum ouvir
que o CDC é excessivamente protecionista, que contraria o desenvolvimento do
mercado e permitindo abuso de consumidores que se protegem pregando o CDC.
Este discurso de excesso protecionismo é tendencioso e desprovido de
veracidade. O código nunca permitiu abuso de nenhuma das partes, e sim como
prega o artigo 4º, inciso III procura a harmonização dos interesses dos
participantes das relações com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se fundam a ordem
econômica(2) .
A citar como exemplo, foi muito feliz a Professora Suzana Pimenta Catta Preta
em sua explanação para o Curso de Especialização de Direito das Relações de
Consumo da PUC - SP, ao afirmar que diferente de outras leis como Código Civil,
Código Processual Civil, o Código de Defesa do Consumidor, diante de eventual
lide contratual, este procura equilibrar a relação; visa o mimetismo do
contrato; não anula o contrato, procura a preservação deste e ainda procura a
execução daquilo que foi acordado de boa-fé pelas partes, ou seja, diferente de
outras leis que poderiam forçar a anulação do contrato por alguma desavença
revertendo toda situação em perdas e danos.
Ora, o que se torna mas interessante para um fornecedor, cumprir o acordado ou
ter de indenizar a outra parte? Então se conclui que este discurso de que o CDC
é extremamente protetivo é baseado em “achismos”, sem nenhuma fundamentação
lógico-jurídico, ou seja, proposições eivadas de inveracidade.
A premissa maior do estudo dos contratos na relação de consumo indubitavelmente
é o quesito da “informação”. Uma informação, clara, precisa, prévia e devida
acerca de um produto ou serviço dificilmente irá transforma-se numa demanda
jurídica. Em relação a contratos o artigo 46 do CDC, faz praticamente uma
explicação do inciso III do artigo 6º do CDC (direito básico) para aplicação
nos contratos.
Especificando-se na seção das “Cláusulas Abusivas”, do artigo 51 do CDC, o qual
afirma que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços(3) ,
salientável frisar que o legislador não definiu o que são cláusulas abusivas e
ainda ele expôs um elenco que não é exaustivo e sim exemplificativo. Razão de
na redação do caput escrever “entre outras”. Importante ainda lembrar
que neste rol temos cláusulas gerais e cláusulas específicas, como muito bem
frisado pelo Professor Marcelo Sodré, o qual participou da comissão de
elaboração da Lei 8.078/90, onde este afirma que determinadas cláusulas foram
feitas especificamente para certas empresas diante vossas indevidas práticas em
desfavor do consumidor.
Motivo de grande discussão e opiniões diversas é a questão da nulidade de pleno
direito destas cláusulas. Para adentrarmos nesta discussão salienta-se lembrar
que o CDC é uma Norma de Ordem Pública, a qual tem como sustentação a
Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º, XXXII, 170 e 48 das
Disposições Transitórias.
Consciente do que seja uma norma cogente, a qual permite ao juiz independente
de provocação da parte, anular aquela cláusula que entender nula de pleno
direito por contrariar regras, princípios e normas do CDC ou vai prevalecer a
vontade do consumidor, assegurado ao que prega o § 1º do artigo 84, num suposto
não cumprimento pelo fornecedor de algo acordado, o qual é motivado diante de
uma cláusula nula de pleno direito?
Apesar de inúmeras divergências é entendido que o que vai prevalecer é o poder
do juiz, baseando-se simplesmente em fundamentos, como a busca da harmonização
e equilíbrio dos interesses das partes; a norma é de ordem pública, sendo seu
poder imperativo; e ainda o parágrafo único do artigo 2035 das Disposições
Transitórias no Código Civil de 2002, que é Regra Geral, diante o CDC que é Lei
Especial, dando aquela lei o aparato para situações conflitantes como esta, a
qual afirma: “Art. 2035(...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se
contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este
Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
O inciso a ser discutido, inciso XI, refletiu e reflete a preocupação do
legislador diante de algumas práticas rotineiras que é o cancelamento
unilateral do contrato, seja através de cláusula no contrato ou até mesmo ato
unilateral do fornecedor. Esta situação é prevista no CDC, sendo este taxativo
quanto à nulidade desta conduta. Este tipo de conduta é tido como autoritária,
é o caso dos fornecedores de serviços essenciais como de energia elétrica, que
ao invés de utilizarem os meios legais para cobrança de dívidas, como a
execução, arbitrariamente interrompem o fornecimento muito das vezes sem dar o
mínimo de satisfação ao consumidor,ou seja, o aviso prévio.
Já o inciso XII do artigo 51 CDC, trata da cláusula ao ato por parte do
fornecedor, que de forma unilateralmente imponha ao consumidor o encargo total
de custos de superveniente cobrança a este. É importante que fique claro que a
nulidade não consiste na cobrança em si das custa com a cobrança, à nulidade é
a imposição unilateral deste encargo ao consumidor, sem que igual direito lhe
seja conferido caso o fornecedor não cumpra com sua obrigação, ou seja, a
conduta condenável é a imposição unilateral e arbitrária, como ocorre no inciso
anterior.
Novamente é importante ressaltar que o fito do CDC é harmonia e equilíbrio das
partes. No caso dos incisos XI e XII do artigo 51 CDC estes tornam nulas tais
condutas se tais forem impostas de forma unilateral, o micro sistema do CDC é
harmônico em seus artigos então, como já comentado o artigo 51 do CDC obedece
às regras gerais como a do inciso III do artigo 4º do CDC. O Professor Nelson
Nery Jr. em sua obra CDC comentado pelos autores do anteprojeto, p. 531, bem
como o Professor Arruda Alvim, em artigo publicado para Revista de Direito do
Consumidor nº 20, p. 63, coadunam com o entendimento que se tais imposições dos
incisos, ora comentados, forem estipulados de forma bilateral, estes deixam de
ser abusivas, conseqüentemente nulas de pleno direito.
Com todo respeito aos professores, é concordado em parte com tal entendimento,
pois é importante que mesmo que tal estipulação for dada bilateralmente, há
fatores a serem considerados como a forma que se deu como uma informação
“qualificada” como prever o inciso III do artigo 6º aliado ao artigo 46 do CDC,
este mais específico para contratos e ainda apesar de ser informada se o
consumidor ao pactuar com o fornecedor estava em sã consciência, ou seja, num
estado tido como normal, sem qualquer fator ou influência naquele momento que
comprometam sua racionalidade, como muito bem defendido pelo ilustre Professor
Ronaldo Porto Macedo Jr., a questão da “Racionalidade Limitada” do consumidor.