® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Henrique Pinheiro, advogado.
Com as grandes viradas no quadro econômico do
nosso país o consumidor mais abastado procura sempre que possível manter sua
despensa abastecida, pois nunca se sabe quando aquele produto imprescindível em
sua casa sofrerá um grande aumento de preço ou mesmo sairá do mercado.
INTRODUÇÃO
Com o aumento constante de preço nos produtos
de consumo mais importante os consumidores procuram sempre aproveitar promoções
feitas pelas grandes redes de supermercados. Algumas vezes produtos são
anunciados com descontos de até 25%, como é o caso do leite desnatado.
Uma caixa de leite desnatado que custa em média
R$ 1,59 chega a ser vendida por R$ 1,20. As ofertas muitas veiculadas pela
mídia televisiva atraem o consumidor até os supermercados em horários
exaustivos, somente sendo justificada essa locomoção até o mesmo pelo preço
atraente, onde os mais afortunados procuram fazer estoque para um mês ou dois.
Quase sempre essa tentativa de fazer um pequeno
estoque torna-se uma frustração, pois ao dirigir-se ao caixa com o carrinho
pesado, cheio de tantas caixas de leite ou o que quer que seja o consumidor
recebe o aviso de que aquele produto está limitado, e cada cliente só poderá
levar um número “x” de caixas, litros, etc...
O pior de tudo é que se o cliente resolver
questionar seus direitos eles mantêm-se firmes na posição de limitar a venda do
produto, porém se o consumidor resolve acatar o absurdo e fazer como eles
desejam, nada o impede de após pagar e levar até o carro suas compras voltar e
comprar mais daquele produto limitado.
As alegações são as mais ridículas possíveis,
chegando inclusive a acusar os pequenos lojistas do bairro a tentarem travar
com eles uma concorrência desleal.
Da disposição do CDC sobre a limitação de
produtos
Tomando por base o art. 39º do Código de Defesa
do Consumidor e o art. 7º, VI e art. 12, III da Lei 8137/90 verificamos uma
irregularidade praticada pelos estabelecimentos comerciais, onde não enxergamos
qualquer motivo para tal prática, já que entendemos como real motivo da
existência dos estabelecimentos comerciais a venda de mercadorias àquele que
queira comprá-las.
O artigo 39 do CDC trata das vedações aos
fornecedores de produtos e serviços, deixando claro, dentre outras, a vedação
expressa de limitar a venda de produtos a uma quantidade mínima quando se
possui item suficiente em estoque para suprir a demanda.
Proíbe ainda o fornecedor a recusar vender bens
a quem quer que seja, desde que o comprador deseje faze-lo mediante pronto
pagamento, e como sabemos, os supermercados não vendem parceladamente.
“Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos
ou serviços:
(...)
II - recusar atendimento às demandas dos
consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de
conformidade com os usos e costumes;
(...)
IX- recusar a venda de bens ou a prestação de
serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto
pagamento, ressalvados os casos de interdição regulados em leis especiais;
(...)”
Em algumas épocas as grandes redes de mercantis
fazem preços promocionais para alguns itens disponíveis em seu estoque,
atraindo mais clientes do que o normal, pois muitos aguardam essas promoções
para repor seu estoque particular de mantimentos.
O que acontece é que apesar de veicular suas
ofertas por todos os meios de mídia disponíveis, não cumprem com a mesma,
quando sabemos que a oferta vincula o fornecedor após a aceitação do
consumidor, e entendemos como aceitação o deslocamento de sua residência até o
estabelecimento comercial com fins de obter o bem anunciado com os benefícios
daquela oferta.
Para sua surpresa ao chegar ao estabelecimento
o consumidor se dirige até o setor de seu interesse, pega a quantidade de
produtos que deseja e vai até o caixa, só então vindo a ser advertido que
aquele determinado produto é vendido em quantidade limitada.
DA LEI 8.137/90
A lei 8137/90 por sua vez prevê algumas
modalidades de crimes contra o consumidor, e dentre estes o art. 7º, VI trata
da recusa de venda de produtos ao consumidor e da retenção para fins de
especulação.
“Art. 7º Constitui crime contra as relações de
consumo:
(...)
VI – Sonegar insumos ou bens, recusando-se a
vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas ou
retê-las para o fim de especulação:
(...)”
O referido dispositivo legal prevê pena de
detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos ou multa para quem incorrer nesta
prática, em caso de grandes estabelecimentos podendo responder pelo mesmo mais
de uma pessoa, desde que estejam diretamente responsáveis pelo fato.
Entendemos que quando a lei fala em comprar o
produto “nas condições publicamente ofertadas” essas condições devem ainda
estar amparadas pelo nosso ordenamento jurídico. Não podemos imaginar uma
situação onde o lojista ofereça um produto à venda parcelado em três vezes no
cheque mas só venda para quem tem conta corrente aberta há mais de seis ou três
meses, pois isso constituiria em proteção à ilegalidade.
Em caso de produtos de ou serviços essências à
vida ou à saúde a pena pode ser agravada de 1/3 (um terço) até a metade. Entendemos
que no caso apresentado, ou seja, limitação de venda de leite, a pena deve ser
agravada sim, pois o leite é um produto de primeira necessidade, sendo um dos
três únicos alimentos que contêm todas as proteínas essenciais.
DA ILEGALIDADE
Analisando os dispositivos anteriormente
citados, e ainda se valendo do princípio da boa-fé objetiva que deve estar
presente em todas as negociações entre consumidor e fornecedor entendemos ser
completamente defeso ao fornecedor de produtos e serviços sonegar a venda de
produtos ou prestação de serviço.
O mais gravoso é que na propaganda que
apresenta a oferta ao público-consumidor não se fala em limitação da
quantidade, até porque estariam constituindo prova contra si próprios, mas não
custava aos grandes supermercados um pouco de bom senso, pois muitos
consumidores saem de suas casas, algumas vezes cansados, justamente para
aproveitar as promoções.
As desculpas para essa prática são as piores
possíveis. A primeira delas diz respeito ao CDC, pois segundo alguns lojistas o
CDC não os obriga a ser atacadista...Com essa ficamos até sem argumentação. Então
vender algumas caixas de leite a um particular significa venda no atacado? Mesmo
não dando um desconto maior, e sabendo que aquele produto não se destina à
revenda?
Outra argumentação que parte dos lojistas é a
de que próximo aos grandes estabelecimentos sempre existe alguns mercadinhos,
que se aproveitando da oferta, compram em grande quantidade para fazer
concorrência desleal depois que termina o estoque do hipermercado. Então um
grande supermercado comprar um estoque superior, muitas vezes, do que todo o
estoque de todos os mercadinhos daquele bairro juntos não representa uma
concorrência desleal?
E se realmente interessa ao dono do mercadinho
comprar aquele produto, o mesmo poderá fazê-lo sem qualquer problema, basta para
isso se sujeitar às exigências do grande mercantil. No momento da compra não se
apresenta qualquer documento. Então digamos que todo cliente só possa adquirir
dez litros de leite, nada impede que o mesmo cliente depois de efetuada a
compra volte para buscar mais dez litros, ou ainda que traga toda a família.
É difícil imaginar um consumidor se prestando a
esse papel, pois o mesmo muitas vezes tomado pela revolta nem sequer lembra de
passar por tamanho papelão, mas um comerciante, que vislumbrando a chance de
lucro, lembre dessa possibilidade, certamente passará o dia inteiro,
acompanhado da família e de funcionários, carregando litros de leite.
Nossa concepção sobre tal arbitrariedade
praticada pelos estabelecimentos comerciais é a de que o consumidor que leva
uma quantidade elevada de produtos estará adquirindo esses por um preço abaixo
do normal, e ficará com provisões durante um bom tempo, provavelmente até que
se faça outra promoção. Dessa forma o consumidor com uma condição um pouco
melhor para adquirir bens em quantidade estará sempre comprando com preços mais
accessíveis, ou seja, fará com que o preço promocional para ele dure por mais
tempo.
Apesar de os supermercados alegarem que toda
essa proibição é para proteger os interesses de todos os consumidores, não há
como justificar esse argumento, uma vez que podemos comprar quantos itens
quisermos, desde que estejamos dispostos a passar pelo caixa mais de uma vez.
Acreditamos que não se protege os direitos do
consumidor proibindo o mesmo de consumir, pois entendemos que esse é o primeiro
direito de qualquer consumidor, sendo o direito que assim o caracteriza, não é
possível falarmos em proteção aos direitos do consumidor que o proíba de
exercer o consumo.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição (1988), Constituição da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
______. Código de Defesa do Consumidor. Organização
dos textos, notas remissivas e índices por Anne Joyce Angher. 4 ed. São Paulo:
Rideel, 2003.
______. Código Penal Brasileiro. Organização
dos textos, notas remissivas e índices por Antônio Luiz de Toledo Pinto e
Márcia Cristina Vaz. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
COSTA JR., Paulo José. Crimes Contra o
Consumidor. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de
Direitos do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Atlas S/A, 2001.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 27
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
SERRANO, Yolanda Alves Pinto. Código de Defesa
do Consumidor Interpretado. São Paulo: Saraiva, 2003.
Retirado de: http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/14/47/1447/.
Acesso em: 11/03/05.