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A lei antitruste , oMinistério Público e a defesa do consumidor

 

Rosana Grinberg

Procuradora de Justiça

 

 

 

 

 

Ministério Público está escrevendo uma página memorável na defesa dos interesses sociais. Compete a ele o encargo específico de velar perante o Poder Judiciário, pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. Ocupa uma posição de proeminência na condução da Ação Civil Pública:

 

l. é o único autorizado a promover o inquérito civil, com poderes de notificação e requisição;

 

2. está sempre presente, seja como autor seja como fiscal da lei ou assistente litisconsorcial, com autonomia em relação à parte principal;

 

3. como advogado da sociedade, é o órgão destinado por lei a receber representação de terceiros;

 

não está vinculado aos objetivos de ninguém;

 

pode se opor à ação proposta por terceiros, pode assumir a titularidade da ação, em caso de abandono ou desistência e pode promover a execução.

 

Tudo isto e mais a função de ombudsman, transformaram o Ministério Público em um poderoso aliado e elo de ligação entre a sociedade civil e o Poder Judiciário, contra os desmandos perpetrados pelos aparelhos do Estado aos direitos constitucionalmente resguardados. Cabe-lhe promover a segurança, o bem estar, a legalidade e a justiça na coletividade.

 

É o guardião dos interesses difusos e coletivos e o Governo, a cada dia que passa, lhe dá mais responsabilidade, a exemplo da recente entrada em vigor da Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994- Lei Antitruste, cujo objetivo é prevenir e reprimir, de forma eficiente, as infrações contra a ordem econômica, como tais compreendidos "independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II- dominar mercado relevante de bens ou serviços; III- aumentar arbitrariamente os lucros e IV- exercer de forma abusiva posição dominante"( art. 20 ).

 

Como bem disse o Procurador de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, Luiz Daniel Pereira Cintra, o exame da legislação referida revela, de modo inequívoco, a disposição do legislador de fortalecer a atuação no âmbito administrativo, para tanto transformando o CADE em autarquia federal, deferindo-lhe "competência para como órgão judicante, decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades respectivas ( art. 7°, inc.II ), constituindo a sua decisão título executivo extrajudicial, passível portanto de execução direta ( art. 60 )".

 

As punições às infrações nele cometidas são rigorosas, devendo o CADE ser intimado nos processos judiciais, para querendo, intervir como assistente e prescreve no art. 12, caput e parágrafo único, que o Ministério Público Federal oficiará nos processos sujeitos a apreciação do CADE, podendo a requerimento dele, promover a execução de seus julgados ou adotar outras medidas judiciais.

 

Qual o papel dos Ministérios Públicos Estaduais na coibição dos desvios cometidos em relação à ordem econômica? O Dr.Luiz Daniel Pereira Cintra, ao discorrer sobre a questão, partindo da presunção de que diante do dispositivo acima mencionado, seria razoável a conclusão de que nenhuma participação teriam os Ministérios Públicos Estaduais neste processo, esclareceu que , não havendo dispositivo que determine de modo específico a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento dos crimes contra a ordem econômica, cabe a intervenção dos Ministérios Públicos Estaduais, na esfera civil, onde a competência é definida em função do art. 93, incisos I e II do CDC e no art. 2° da Lei n° 7.347/85 - Lei das Ações Civis Públicas. Excluindo a atuação dos Ministérios Públicos Estaduais nas decisões e julgamentos levados a efeito na órbita administrativa.

 

Embora concordando com alguns aspectos da exposição do digno representante do Ministério Público de São Paulo , parece-me esqueceu o ilustre colega paulista que a atuação dos Ministérios Públicos Estaduais nas infrações contra a ordem econômica, decorre da própria Lei Antitruste. De fato, ao estabelecer a Lei n° 8.884/94, no seu art. 29, que "os prejudicados por si ou pelos legitimados do art. 82 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente de processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação" e sendo o Ministério Público o primeiro legitimado do art. 82, não resta dúvida que a sua legitimação para atuar no processamento e julgamento dos crimes contra a ordem econômica decorre da própria Lei.

 

Por esta mesma razão, ouso discordar do eminente Procurador de Justiça, que entende que a colaboração do Parquet Estadual, no que concerne à órbita administrativa só se estabelece, quando, tomando conhecimento da prática de fatos que em tal sentido possam ser relevantes, "cuidará ele de encaminhar às autoridades administrativas representação devidamente instruída, a fim de que as medidas pertinentes venham a ser por elas adotadas". Além do disposto no art. 29, ao acrescentar ao art. 39 da Lei n° 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, dois incisos, o primeiro estabelecendo que constitui prática abusiva, vedada ao fornecedor de produtos ou serviços, "recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquirí-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais" e o segundo, lecionando constituir prática abusiva "elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços" ( art. 87 das Disposições Finais e Transitórias da Lei Antitruste ) ( o art. 21, parágrafo único da Lei n° 8.884/94 define o que se deve entender por falta de justa causa ou aumento injustificado de preços ou preços excessivos ), ficou claro que a atuação dos Ministérios Públicos Estaduais, na órbita administrativa, ocorrerá de maneira ampla e irrestrita, na forma da Lei n° 8.078/90 - CDC e da Lei n° 7.347/85 - LACP, ou seja, tomando conhecimento de infração contra a ordem econômica, nos termos previstos na Lei Antitruste, com os acréscimos feitos ao CDC, a LACP e a Lei n° 8.137/90, poderá notificar o infrator , pessoa física ou jurídica, requisitar informações, diligências, a instauração de inquérito policial e instaurar o inquérito civil, se não tiver elementos suficientes, para, de imediato, promover a Ação Civil Pública.

 

Exemplo recente foi a atuação das Promotorias dos Crimes Contra a Administração Pública e Economia Popular e da Defesa do Consumidor, com relação ao aumento injustificado dos preços de serviços de transportes, quando requisitaram inúmeras diligências e notificaram os responsáveis, antes da propositura da competente Ação Civil Pública.

 

Apenas, no que diz respeito a execução judicial das decisões e julgados do CADE, à primeira vista, entendo que, de regra, estará a cargo da Procuradoria da própria autarquia ( art. 10, inc. II ) ou do Ministério Público federal ( art. 12, parágrafo único ), não sendo caso de intervenção dos Ministérios Públicos Estaduais.

 

Reforçam o acima exposto o art. 27, quando estabelece que na aplicação das penas estabelecidas na Lei, será levado em consideração, entre outros, o grau de lesão ou o perigo de lesão aos consumidores e o art. 50, que disciplina que as decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, promovendo-se , de imediato, sua execução e comunicando-se, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais cabíveis no âmbito de suas atribuições, não especificando se se trata de Ministério Público Federal ou Estadual.

 

Esclareça-se, ainda, por oportuno, que com o acréscimo introduzido no CDC, do inciso X, a discussão em torno da abrangência das questões relativas a preços de produtos e serviços pelo CDC, não tem mais sentido.

 

Já na órbita penal, a atuação do Ministério Público é incontestável, toda vez que ocorrer crime contra a ordem econômica, irrelevante qualquer discussão sobre a competência, já que não há regra específica na lei, chamando atenção para o fato de que o legislador deu nova redação ao inciso VII do art. 4° da Lei n° 8.137/90, definindo como criminosa a conduta daquele que eleva sem justa causa os preços de bens ou serviços, valendo-se não mais de monopólio natural ou de fato, como antes estava previsto, mas agora de posição dominante no mercado ( presumida como sendo da ordem de trinta por cento, conforme estabelecido no parágrafo 3° do art. 20 da Lei Antitruste )( art. 85 das Disposições Finais e Transitórias ) .

 

Saliente-se a alteração introduzida pela lei sob comento, ao art. 312 do Código Penal, permitindo que a prisão preventiva possa ser decretada também como garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

 

 

 

Finalmente, no que se refere às implicações civis das práticas que se revelarem contrárias à ordem econômica, a Lei n° 8.884/90 acrescentou o inciso V, ao art. 1° da Lei n° 7.347/85, portanto, regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados por infração da ordem econômica ( art. 85 da Lei Antitruste ).

 

A respeito, escreveu o mesmo Luiz Daniel Pereira Cintra:

 

" Tenha-se em conta, desde logo, que de tais práticas resultam, via de regra, prejuízos aos consumidores. Considere-se, na sequência, que cabe assim, contra elas, a formulação de pretensão judicial destinada à reparação dos prejuízos por elas já causados, bem assim a evitar consequências futuras.

 

As considerações postas bastam para o exame da natureza dos interesses tuteláveis nos casos aludidos.

 

Relativamente à última das hipóteses, inarredável que o pedido de cessação da prática vedada, tutela adequada no caso, visa a proteger interesse transindividual e indivisível, haja vista que, uma vez acolhida pretensão nesse sentido, protegidos restarão, de modo incindível, os interesses de todos aqueles que poderiam ser atingidos pela prática proibida, circunstância a evidenciar a sua natureza coletiva, em sentido amplo. Soma em favor desse entendimento o disposto no parágrafo único do art. 1° da lei em análise, que dispõe que a coletividade é a titular dos bens jurídicos por ela protegidos.

 

No que tange à postulação indenizatória, vale lembrar que os efeitos lesivos da atuação contrária à ordem econômica repercutirão, via de regra, em numero considerável de pessoas. Disso resulta que, além de terem os danos dela decorrentes origem comum alcançados por eles restarão pessoas inidentificadas e quiçá inidentificáveis de sorte a impossibilitar a reunião delas no polo ativo de uma mesma ação.

 

Tanto numa como noutra hipótese adequada se apresenta a defesa coletiva consoante prescreve o parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor para cujo fim está legitimado o Ministério Público (grifou-se).

 

A ação civil pública é assim, o instrumento para efetivar os novos direitos sociais das crianças, velhos, mulheres, trabalhadores, deficientes, índios, consumidores, meio ambiente, acrescidos hoje, da ordem econômica. Por meio dela, questões de interesse social, antes desprezados, são levadas à apreciação do Poder Judiciário, resolvendo, em parte o tormentoso problema do acesso à Justiça.

 

Concordo com o ilustre colega, quanto ao fato de que na órbita civil, nada há que desloque para a Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento de ações nesse sentido. A competência para o processamento e julgamento das ações que tenham por fim a prevenção ou a reparação de danos a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos consumidores, oriundos de práticas contrárias à ordem econômica, cabe aos Ministérios Públicos Estaduais, inclusive tomando iniciativa quanto ao seu ajuizamento. Dispensável, portanto, a intimação do CADE para intervir como assistente, nos termos do art. 89 da Lei Antitruste. Discordo, contudo, data vênia, quando leciona que, com relação às possíveis implicações civis das práticas contrárias à ordem econômica, a competência é definida no que se refere aos interesses dos consumidores, pelo art. 2° da Lei n° 7.347/85 e pelo art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Entendo que, em sede de Ação Civil Pública, o que determina a competência é o tipo de ação proposta. Entendo que a competência tratada pelo art. 93 do Código de Defesa do Consumidor diz respeito exclusivamente às ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos. Se ação for difusa ou coletiva, a competência será determinada sempre pelo local do dano, nos termos previstos no art. 2° da Lei n° 7.347/85, mesmo que o dano seja de âmbito nacional ou regional. Salientando-se que se a ação coletiva for proposta para responsabilizar civilmente o fornecedor de produtos ou serviços, a competência será a do domicílio do autor, logo , do domicílio do consumidor. Nos demais casos, como o de competência concorrente, aplicam-se as regras do Código de Processo Civil.

 

Portanto, indispensável, extreme de dúvida, a atuação do parquet estadual para a efetiva implementação da nova Lei Antitruste. E aqui, não é demais ressalvar e repetir, como em outras ocasiões, por oportuno, que é fundamental que o Poder Judiciário passe a ter uma nova postura e sensibilidade para a grave tarefa que lhe dá a nova ordem jurídica, desprendendo-se dos preconceitos do individualismo jurídico, para assumir as responsabilidades que a Justiça social lhe impõe. E a ressalva é necessária porque o MP depende do Poder Judiciário, para a efetivação da defesa desses novos interesses.

 

Retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=776&. Acesso em: 10/03/05.