BUSCALEGIS.ccj.ufsc.br

 

 

 

O novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90).

Paulo Sérgio Feuz

 

 

O novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002), em vigor desde 11 de janeiro de 2003, já causa indefinições na comunidade jurídica, especialmente quanto à sua aplicação em face de outros subsistemas de direito, como o das Relações de Consumo, de Direito Ambiental, Direito Administrativo, Direito Comercial, e outros ramos autônomos.

 

O novo Código Civil é, em tese, mais antigo que muitas leis brasileiras em vigor, não podendo, e nem devendo, interferir em subsistemas próprios, considerando que a origem destes busca fundamento em princípios e regras da Constituição Federal.

 

Rizzatto Nunes leciona, a propósito do sistema do CDC, que "...a partir de 11 de março de 1991, com a entrada em vigor da lei consumerista, não se cogita mais em pensar as relações de consumo (as existentes entre fornecedores e consumidores) como reguladas por outra lei".1

 

Uma nova lei só revoga a anterior de forma tácita - quando há incompatibilidade entre a lei nova e a antiga - ou expressamente, quando a nova lei, pela vontade do legislador, assim o deseje e declare, caso contrário estaríamos violando o princípio da hierarquia das normas, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 1º, da Constituição Federal.

 

O novo Código Civil , não aborda em nenhum momento as relações consumeristas amparadas pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), protegidas pela Constituição Federal nos artigos 5º, XXXII e 170, V. Lembramos ainda que o CDC constitui um sistema próprio de direito, e sua validade somente seria alterada se os artigos mencionados fossem suprimidos da Constituição, hipótese improvável, pois situam-se no grupo das cláusulas pétreas.

 

 

A interpretação sistemática de uma nova lei, pela comunidade jurídica, somente buscará apoio na legislação civil quando, por exclusão, não encontrar critério para solução do conflito na legislação especial.

 

É fácil a percepção do alegado, quando buscamos no novo Código Civil o exemplo da prestação de serviço:

 

"Artigo 593 : A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se á pelas disposições deste Capítulo".

 

É a utilização do critério de especialidade - lex specialis derrogat legi generali - para a solução de eventual antinomia, que visa consideração acerca da matéria abordada.

 

Maria Helena Diniz, invocando a inteligência de Norberto Bobbio, afirma que "a superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho de justiça, da legalidade à igualdade...".2

 

Verifica-se, então, que o novo Código Civil respeita a legislação especial, não podendo nela interferir, ou alterar sua aplicabilidade, na hipótese de conflito.

 

É importante abordarmos este assunto, considerando-se que a legislação civil - norma geral - não enfoca as desigualdades, enquanto a consumerista reconhece a vulnerabilidade e a hipossuificiência de uma das partes; na primeira vigora a autonomia da vontade, a responsabilidade subjetiva com a valoração do dolo ou da culpa e, a Segunda, reconhece a possibilidade de alteração contratual quando a mesma for abusiva, permite a inversão do ônus da prova e estabelece a responsabilidade objetiva, sem o exame da culpabilidade, entre outras diferenças.

 

Logo, o novo Código Civil, não tem por função exterminar leis especiais, coabitando com outras normas em vigor, em função de subsistemas próprios e independentes, sujeitos aos parâmetros normativos constitucionais, como é o caso do sistema do Código de Defesa do consumidor, "...verdadeira lei de função social, como um microssistema orientador introduzido pelo legislador par alcançar um objetivo: uma nova harmonia, lealdade e transparência nas relações de consumo"3, pois, se assim não fosse, estaríamos agredindo o próprio Estado Democrático de Direito.

 

 

1 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º a 54). - São Paulo: Saraiva, 2000, p. 70.

2 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 12ª ed. atual. - São Paulo: Sraiva, 2000, p. 472.

3 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev. atual. e ampl..- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 245.

 

 

 

 

Retirado de: http://www.gentevidaeconsumo.org.br/dir_consumidor/paulo_feuz/novo_cod_civil.htm. Acesso em: 25 nov. 2004.