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A INTERNET, O DIREITO DO CONSUMIDOR E A EMPRESA NO BRASIL
Advogado
Membro da
Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP
Membro da Internet
Society – Seção Brasil
Especialista
em Direito Empresarial pela PUC/SP
Especialista
em Direito do Mercado de Capitais pela Faculdade de Direito da USP
Estudante de
Relações Internacionais na Universidade de Harvard
Cambridge, MA
– Estados Unidos
04.10.2003
1 INTRODUÇÃO
Doze anos depois da publicação do Código de Proteção e Defesa
do
Consumidor (Lei 8.078/90), embora possamos vislumbrar
ótimos trabalhos na doutrina brasileira sobre Direito do Consumidor e Internet,
observa-se ainda que muitos estudos feitos neste estimulante campo do Direito
apresentam a empresa como um ente secundário e que deve tão somente seguir as
regras lá contidas.
Assim, este breve estudo procura ressaltar a figura da
empresa, que é, para os efeitos da lei consumerista, o fornecedor. Para tanto,
o presente artigo focará tão somente os aspectos estritamente necessários para
que o empresário possa prestar serviços de qualidade por meio da Internet sem,
contudo, sofrer lesões ou prejuízos que com um pouco de cautela e prevenção
poderiam ser evitados.
A INTERNET E O DIREITO DO CONSUMIDOR
Os efeitos da Internet na economia mundial e especialmente
no Brasil ainda são imprevisíveis, mas o fato é que ela é uma realidade cada
vez mais presente na vida dos consumidores brasileiros e dispensa maiores comentários
acerca da crescente importância sobre a sua participação no mercado de consumo.
As transações eletrônicas no Brasil já movimentam bilhões de reais1, sejam transações empresa - empresa (business
to business) ou transações empresa - consumidor (business to consumer).
Não há uma legislação geral sobre Internet no Brasil,
especialmente sobre assinatura digital, que poderia de fato resolver a questão
da prova e conceder segurança efetiva ao comércio virtual. Existem algumas legislações
esparsas oriundas do governo federal, mas que servem tão somente para dar
legitimidade às transações online efetuadas entre os órgãos
governamentais e entre o cidadão brasileiro e o governo.
2 Há algumas iniciativas tramitando no Congresso Nacional
que poderão dar mais segurança para o empresário brasileiro. Entre as
iniciativas destacamos:
1) Projeto de Lei no. 1483/1999 proposto pelo Deputado Dr.
Hélcio de
Oliveira Santos, do PDT/SP, que tratam da fatura eletrônica
e da assinatura digital nas transações comerciais eletrônicas;
2) Anteprojeto de lei proposto pela Ordem dos Advogados do
Brasil –
Seção São Paulo, que dispõe sobre o comércio eletrônico, a
validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital, dando outras
providências, tais como o âmbito de aplicação das normas de defesa e proteção
do consumidor. O seu artigo 13 inclusive é claro ao mencionar que as normas de
defesa e proteção do consumidor são aplicáveis ao comércio eletrônico.
3) Projeto de Lei no. 672/99 proposto pelo senador Lúcio
Alcântara
(PSDB-CE), que regulamenta o comércio eletrônico. Este
projeto teve como fundamento a
“Lei Modelo da Uncitral2” (lei elaborada pela Comissão da ONU para o Direito Comercial Internacional).
Embora não exista legislação específica sobre assinatura
digital ou uma lei genérica sobre Internet, entendo que a legislação atual,
notadamente o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código de Defesa do
Consumidor, apresentam regras que podem e devem ser aplicadas ao comércio
eletrônico, a fim de que o empresário não fique à espera de uma futura
legislação para que possa se resguardar contra fraudadores e falsos consumidores.
3 O Código Civil, por exemplo, estabelece em seu artigo
107 que a validade de uma declaração de vontade não dependerá de forma especial
(podendo ser até verbal), senão quando a lei expressamente a exigir - artigo
104. Este artigo por sua vez estabelece que a validade do ato jurídico requer
agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Assim, em
tese, as declarações unilaterais de vontade, inclusive verbais, poderão
vincular o proponente.
No que tange às relações de consumo, basta que sejam
identificados o consumidor e o fornecedor nos dois pólos da transação eletrônica
para que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicado. Para tanto, aplicam-se
as definições contidas nos artigos 2º; 3º e 29 do Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/90).
Serão equiparados aos consumidores todos aqueles expostos
às práticas lá previstas. O artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor é claro
neste aspecto.
Assim, as normas relativas às ofertas, à publicidade e aos
contratos poderão ser invocadas para tutelar qualquer contratação feita por
meio da Internet.
Para complementar, vou ressaltar alguns pontos que merecem
a atenção do empresário ao fornecer produtos e serviços por meio da Internet:
1) Validade. O Código Civil estabelece que a validade do
ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa
em lei. Assim, a empresa deve certificar-se de que está contratando com pessoa
física capaz ou com o representante legal da pessoa jurídica que se encontra do
outro lado do negócio.
A realização de cadastros prévios à operação e o uso de
senhas, que não se confundem com a assinatura digital serão úteis. Antes de
finalizar a transação por exemplo é importante que um representante da empresa
ligue para a casa do consumidor a fim de se certificar de que de fato aquela
pessoa exsiste e fez o pedido objeto do negócio.
Embora simples, este ato pode evitar que muitos fraudadores
passem por terceiros, prejudicando não só a empresa, mas também aquele cidadão
que teve a sua identidade literalmente furtada.
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2) Tempo, local e lei aplicável à contratação. As ofertas
deverão delimitar um tempo para aceitação e o território onde elas são válidas,
visto que estrangeiros também poderão acessar o website da empresa. Os
contratos nestes casos deverão estabelecer a lei aplicável e o foro de eleição
para que não haja dúvidas desta natureza.
Vejamos, a título de ilustração, as observações emanadas
da prestigiada banca de Advocacia de São Paulo Levy & Salomão:
“Não há dúvida de que a proteção das relações de
consumo é matéria de ordem pública em nosso país, uma vez que a própria Constituição
Federal (artigo 5º, XXXII) atribui ao Estado o dever de promover a defesa do
consumidor. É certo também que o conceito de fornecedor de bens ou serviços
contido no artigo 2º do
CDC abrange tanto as pessoas nacionais quanto as estrangeiras. Todavia, submeter
ao CDC ofertas de contratação regidas pela lei estrangeira significaria reconhecer
validade extraterritorial à lei brasileira. De acordo com o artigo 1º da LICC, a lei brasileira vigora em
todo o país, mas a sua obrigatoriedade nos Estados estrangeiros depende de que
estes expressamente a admitam – hipótese que não se vislumbra no caso do
CDC3.”
3) Artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. É o
chamado direito de arrependimento por parte do consumidor. Cabe ressaltar que o
artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor é igualmente aplicável no comércio
realizado por meio da Internet.
Entendo que o consumidor estaria fora do estabelecimento
comercial, tal como conhecemos hoje. Além disso, o consumidor não teria o
contato visual com o produto fornecido, mesmo pela Internet enganos poderão
surgir visto que o bem não se apresenta materialmente para o consumidor.
Portanto, cientes devem ficar os empresários de que o
consumidor tem um prazo de 7 (sete) dias a contar do ato do recebimento do
produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento
comercial ou por meio da Internet.
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4) Segurança e Provas. Aqui está a pedra de toque do
comércio eletrônico. Como todas as contratações são feitas sem a presença das
partes e os documentos não são impressos, as contratações se apresentam
vulneráveis sob este ponto de vista. “A aceitação da validade jurídica de
documentos eletrônicos por tribunais ainda é incipiente, sendo normalmente
exigida a apresentação de documentos escritos, assinados e originais. A
tendência mundial é utilizar a criptografia e a assinatura eletrônica como
meios para garantir a proveniência e a segurança das informações e documentos
em forma digital. Mas, para tanto, é necessário haver uma legislação para
regular a validade dos documentos digitais como meio de prova de atos e fatos
jurídicos4.”
Enquanto não existir uma legislação adequada, os e-mails
trocados entre as partes durante a negociação deverão ser impressos e ficar
armazenados por pelo menos 5 (cinco) anos5
para que possam servir de indícios de prova.
5) Responsabilidades dos Provedores. Na minha opinião os
provedores de acesso à Internet não respondem solidariamente com os
fornecedores dos produtos e serviços, pois não são responsáveis pelo conteúdo
das informações transmitidas, visto que são meros intermediários. O consumidor
acessa diretamente o fornecedor ao contratar via Internet. Todavia, ao permitir
a disponibilização de informações, bens ou serviços inequivocamente ilícitos
ele – fornecedor - poderá responder.
6 CONCLUSÃO
Concluo que o Código de Defesa do Consumidor pode ser
utilizado nas contratações efetuadas por meio da Internet. Portanto, as
questões concernentes às relações de consumo não apresentam dúvidas quanto à
lei aplicável.
Os problemas surgem em questões relativas aos meios de
prova e de pagamento, pois pela própria estrutura da Internet, estas questões
não são solucionadas de forma simples e imediata, pois não há contato visual e
nem a existência de documentos originais assinados para comprovar a
manifestação da vontade. Embora existam os permissivos contidos no Código
Civil, acima elencados, atualmente as provas são feitas em sua grande maioria
por meio de documentos escritos, o que não se vislumbra nas contratações
ocorridas por meio da Internet.
Diante do grau de desconfiança dos empresários e dos
consumidores em decorrência da falta de uma legislação eficaz que trate da assinatura
digital, mister se faz o surgimento de uma lei que forneça um arcabouço mínimo
de regras que regulem as transações sob o ponto de vista da prova e da forma de
pagamento para que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não fique
refém de determinadas lacunas jurídicas, tal como a Medida Provisória 2.200-2
de 24.08.01 que criou a infra-estrutura de chaves públicas no Brasil, norma
centralizadora, burocrática e que, a meu ver, não possibilitará o avanço da assinatura
digital no Brasil.
Portanto, enquanto não existir uma legislação específica e
de fato eficaz, tratando da assinatura digital por exemplo, o comércio
eletrônico não se desenvolverá com a velocidade e a segurança que tanto
fornecedores e consumidores almejam.
7 BIBLIOGRAFIA
ASPECTOS jurídicos do comércio eletrônico. Relatório
Jurídico – Levy & Salomão, São Paulo, jan./fev. 2000.
FRANCO, Vera Helena de Mello. O executivo e o novo código
de defesa do consumidor. São Paulo: Maltese, 1991.
INTERNET aspectos legais – O Comércio eletrônico no Brasil.
Pinheiro Neto – Advogados. São Paulo, 26.11.1999.
JUNQUEIRA, Miriam. Contratos Eletrônicos. Rio de Janeiro:
Maud, 1997.
LUCCA,
Newton de. O Código de defesa do consumidor. Aspectos práticos –
perguntas e respostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, números 17;18 e 19.
Retirado de: http://www.cbeji.com.br/br/novidades/artigos/index.asp