® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A
ADIN dos bancos e o Código do Consumidor
Osny
Claro de Oliveira Junior
juiz de Direito em Porto Velho (RO)
--------------------------------------------------------------------------------
Não chega a causar surpresa o advento da "ADIN dos bancos",
que objetiva afastar a aplicabilidade do CDC da atividade bancária.
Há muito as instituições financeiras tentam escapar do raio de
abrangência do Código do Consumidor, tal como o gato foge da água fria.
Com a vigência do CDC os bancos, antes sempre no ataque e postados no
polo ativo das ações de execução, cobrança, busca e apreensão e outras medidas
judiciais coativas, vêem-se cada vez mais sob a incômoda situação de réus, e
assim questionados por meio de ações cautelares e ordinárias revisionais quanto
a vários aspectos jurídicos que informam os negócios bancários com o grande
público consumidor, notadamente àqueles que dizem com a utilização de fórmulas
contratuais abusivas e meios de cobrança administrativa sumariamente
constrangedores e lesivos ao consumidor ( cadastros de restrição ao crédito)
Embora o artigo 3°, § 2°, da Lei 8.078/90 seja claro e expresso ao
incluir as atividades de natureza bancária, financeira, e de crédito entre
aquelas abrangidas pelas suas disposições, os bancos, num primeiro momento,
tentaram sustentar a tese de que os contratos bancários e demais serviços
prestados não estariam sob a regulação do código consumerista, alegando que
concessão de crédito não caracteriza relação de consumo, como se, simplesmente,
o que está escrito no CDC não fosse o que está escrito no CDC.
Dado que inclusive por fundamentos lógicos a proposição "A é
A" ainda vigora, a tese foi amplamente vencida, prevalecendo o
entendimento dos preponderantemente majoritário dos juízes de primeiro grau e
Tribunais o exato comando da lei, no sentido de que os bancos prestam serviços
abrangidos pelo CDC.
Vencidos nesta primeira investida, buscam agora uma nova tese para
tentar escapar do âmbito de abrangência do CDC, alegando que o Código do
Consumidor não pode regular o funcionamento do sistema financeiro nacional, o
que poderia dar-se apenas por meio de lei complementar, ainda não editada, de
modo que os negócios bancários firmados com o público não estariam sob a
proteção do CDC.
A comunidade jurídica e os cidadãos, de modo geral, receberam com
perplexidade a investida dos bancos, e com razão, pois a tentativa de tão
engenhosa manobra jurídica traz em seu bojo alguns aspectos interessantes, e
que bem evidenciam o modo de atuar das instituições financeiras no curso dos
processos judiciais.
O CDC está assentado fundamentalmente em três princípios : da boa-fé
objetiva, do equilíbrio entre fornecedores e consumidores e da possibilidade de
revisão da relação contratual estabelecida.
Como pode então causar tanto pavor uma lei que apenas impõe o dever da
boa-fé ? Será que os bancos querem liberdade legal para agir deliberadamente
com má-fé objetiva ao contratar com o consumidor ? Não posso acreditar que seja
assim.
O equilíbrio exigido entre as partes
contratantes, por outro lado, não quer significar ausência de onerosidade para
o destinatário tomador do crédito, mas apenas o afastamento da eventual
onerosidade excessiva caracterizada pelo altíssimo "spread" praticado,
ainda mais exacerbado pelo anatocismo.
A possibilidade de revisão judicial dos contratos bancários, por sua
vez, expressa apenas e tão somente o sagrado direito de buscar o Poder
Judiciário para evitar ou afastar uma lesão, e tão sagrado é este direito que
os bancos dele se valem para propor a prodigiosa ADIN. Mas quando o consumidor
propõe uma ação revisional de contrato, está somente buscando fugir ao
pagamento da dívida e, "dar o calote" e, suprema ousadia, atentando
contra o sistema financeiro nacional.
Não tem fundamento também alegar que o CDC envereda pela regulação do
sistema financeiro, e nisto estaria a sua aventada inconstitucionalidade.
O CDC regula as relações de consumo do balcão de atendimento para a rua,
incluindo-se como balcão, para todos os efeitos, os "caixas
eletrônicos" fora das agências, em nada se imiscuindo no funcionamento dos
bancos do balcão para dentro, e muito menos interferindo no sistema financeiro
nacional. Aliás, tivesse o CDC essa força legal de ingerência que se lhe tenta
emprestar, digamos assim, ingenuamente, há muito o "spread" bancário
estaria reduzido a níveis financeira e moralmente aceitáveis.
Para regular o funcionamento interno dos bancos – no que diz com os
aspectos administrativos das instituições financeiras e com as suas
inter-relações no sistema financeiro – o Banco Central emite normas condensadas
no "Manual de Normas e Instruções" e outros repositórios normativos,
em nada se confundindo com as normas do CDC. Ou alguém já viu o CDC dispor como
deve ser elaborado um "DOC", uma guia de depósito em conta corrente,
ou um termo de sustação de cheques ?
Se num primeiro momento tentou-se acobertar e anular uma evidência
expressamente prevista no CDC, agora tenta-se evidenciar o que nele não está
contido.
Cabem ainda duas indagações : se os bancos entendem que não se lhes
aplicam as disposições do CDC, como podem utilizar-se dos cadastros de
restrição ao crédito para constranger consumidores, e que têm fundamento legal
justamente no Código do Consumidor ? Se não querem sujeitar-se à lei no que
lhes é desvantajoso, não podem dela servir-se apenas no que lhes é favorável.
Assim, procedente a ADIN, não mais poderão as instituições financeiras
utilizar a Serasa ou o SPC como cadastros de restrição ao crédito dos
consumidores de crédito bancário. Ou virá uma medida provisória dispondo que,
especificamente para este efeito, o Código do Consumidor aplica-se, sim, aos
bancos?
Disponível
em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2751>. Acesso em: 10
nov. 2004.