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Porta Giratória Bancária - Constrangimento - Prática
Abusiva - Código de Defesa do Consumidor
Plínio Lacerda Martins
promotor de Justiça em Juiz de
Fora (MG), professor de Direito do Consumidor da FGV e UGF, mestre em
direito
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1. A PORTA GIRATÓRIA E O
CONSTRANGIMENTO AO CONSUMIDOR
Com o advento da lei 8.078/90, foi assegurado ao
consumidor como direito básico a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais.
As agências bancárias via de regra possuem um mecanismo
de segurança, que a cada dia expõe o consumidor a uma condição vexatória. É a
denominada porta giratória bancária, no qual o consumidor é submetido a
constrangimento em público, sendo obrigado a curva-se perante um agente ou
funcionário, que desconfia da aparência ou da raça do consumidor, obrigando
este a exibir os seus pertences pessoais, sob pena de não permitir a entrada na
agência bancária.
O fato curioso é que este mecanismo de segurança não
inibe ou mesmo evita os inúmeros roubos nos estabelecimentos bancários,
demonstrando assim a ineficiência do sistema.
A jurisprudência tem firmado o entendimento no sentido
de condenar os bancos a indenizar por procedimentos vexatórios, sem prejuízo
dos danos patrimoniais.
Traz-se a colação o caso da consumidora Ivonete Maria
de Aguiar, que propôs Ação de Reclamação no Juizado Especial Cível na Comarca
da Capital do Rio de Janeiro, contra o banco que limitou o seu acesso a agência
bancária, através da conduta do agente da segurança. Relata a consumidora que
ficou retida na "porta giratória de segurança bancária, que travou
inúmeras vezes, mesmo depois da Reclamante ter tirado de sua bolsa diversos
pertences, inclusive objetos íntimos e pessoais, ocasionando um enorme
constrangimento"(1)
No mesmo sentido o Juízo da 13ª Vara Cível da Comarca
da Capital de São Paulo, condenou o banco pelo constrangimento que ocasionou no
consumidor, traduzindo o r. decisum in verbis:
"Essa conduta dos
vigilantes, a partir do travamento da porta, realça a falta de diligência com
que agiram e passou a ser coativa por não se ignorar que conduta diversa do
cliente, ali retido, e passaria aos olhos deles, ainda como suspeita e com
direito e reações não esperadas".
Conclui a r. sentença :
"logo, indiscutível que
impuseram ao autor situação vexatória, em efetivo constrangimento, ferindo-o em
valores de personalidade. Esta publicidade posta aos olhos do circunstantes,
naturalmente fere a alma, mostra-se dolorosa e prosta qualquer pessoa em face
da impotência de contornar a situação".(2)
Necessário se faz reconhecer que o serviço ofertado ao
consumidor possui vício de qualidade, na medida que expõe o consumidor a
situação de vexame, constrangendo em razão da prática abusiva.
Prescreve o art.
6, VII do codex citado:
"Art. 6º - São direitos
básicos do consumidor:
Omissis...
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
Verifica-se assim, que o Código do Consumidor garantiu
como direito básico do consumidor não só a reparação por danos morais e
patrimoniais mas, também, o a efetiva prevenção do dano.
Em igual sentido prescreve o art. 20, § 2º do codex
citado o que é serviço impróprio, destacando a norma consumerista:
Art. 20 - O fornecedor de serviços responde pelos
vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o
valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes
da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir,
alternativamente e à sua escolha:
Omissis- ...
§ 2º - São impróprios os serviços que se mostrem
inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles
que não atendam às normas regulamentares de prestabilidade.
É cediço que as práticas abusivas constantes no CDC.
não são numerus clausus, consistindo num elenco exemplificativo de prática
comercias abusivas, devendo o intérprete verificar o desequilíbrio, a manifesta
vantagem excessiva e a ofensa a boa-fé (3) como fonte para a declaração da
abusividade, sendo indispensável cotejar com a teoria da lesão(4) buscando
assim a decretação da abusividade na relação de consumo.
Verificamos que
no caso da porta giratória, o consumidor possui um significativo desequilíbrio,
pois não pode afrontar o agente de segurança da porta giratória que inclusive
encontra-se armado. Por outro lado há manifesta vantagem para o banco que sob o
argumento de proteção ao patrimônio do correntista, infama a imagem do
consumidor, provocando constrangimento em público.
O banco deve possui mecanismo eficaz de segurança que
não exponha o consumidor a acanhamento, buscando assim a qualidade do serviço.
Acrescente-se ainda, que o consumidor possui a boa-fé
objetiva, quem deverá fazer a prova de que o consumidor está de má-fé é o
fornecedor. E por fim, ocorrido o constrangimento para o consumidor, restou
demonstrado o dano moral, sem prejuízo do dano patrimonial.
O art. 39 do CDC. estabelece:
Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou
serviços:
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social,
para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente
excessiva;
Destarte, constranger o consumidor através da porta
giratória é prática abusiva.
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2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO
FORNECEDOR DO SERVIÇO BANCÁRIO.
É notório que no âmbito da relação de consumo, vigora a
responsabilidade civil objetiva, prevista expressamente no Código de Defesa do
Consumidor envolvendo o fornecimento de produtos/serviços.
Na forma que dispõe a norma consumerista, o fornecedor
é responsável pelo fato(art. 12/14 do CDC) e pelo vício do produto ou
serviço(art.18/20 do CDC.), envolvendo um acidente de consumo por defeito ou
mesmo por vício de qualidade/quantidade. Destarte, o fornecedor responde pelos
danos causados aos consumidores de forma objetiva, excluindo a lei os casos de
atribuição de responsabilidade subjetiva(tais como a do profissional
liberal-art.14 § 4º, da sociedades coligadas, art.28, § 4º,..)
Como conseqüência da adoção da responsabilidade civil
objetiva do fornecedor, decorre o dever de indenizar, assegurado na hipótese de
obrigação de fazer a tutela específica, na forma do art. 84 do CDC.
Registre-se, que em matéria de responsabilidade civil
por dano provocado ao consumidor numa relação de consumo, o fornecedor responde
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos ou vícios decorrentes do produto/serviço, sendo
necessário a prova do dano e do nexo causal.
Por fim, vale consignar que o fornecedor do serviço
bancário responde solidariamente pelos atos de seus prepostos conforme estabelece
o art. 34 do CDC.:
Art. 34 - O fornecedor do produto ou serviço é
solidariamente responsável pelos atos de seus propostos ou representantes
autônomos.
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3.O DIREITO DO CONSUMIDOR DE NÃO
SOFRER CONSTRANGIMENTO
A constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º,
assegura ao cidadão direitos iguais, sem distinção de qualquer natureza,
possuindo o fornecedor do serviço bancário a obrigação de respeito e urbanidade
`a todos os cidadãos, garantindo ainda o art. 3, IV da CF. o dever de promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Consequentemente, se o fornecedor bancário pratica o
constrangimento do consumidor, deve o mesmo ser responsabilizado pelo ilícito
praticado, respondendo pelos atos de seus agentes/prepostos pelo dano moral em
razão do dano irreparável ao consumidor que "mostra-se dolorosa e prosta
qualquer pessoa em face da impotência de contornar a situação" (5).
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4. CONCLUSÃO
Restou demonstrado que a porta giratória bancária causa
uma lesão ao consumidor, na medida que expõe o mesmo a situação vexatória sob a
alegação da necessidade da segurança bancária.
Não se concebe que os excessos praticados pelos
prepostos do Banco sejam justificáveis em prol da segurança bancária, isto em
pleno século 21.
A Constituição
Federal assegura ao cidadão o direito a dignidade humana, defendendo o bem
estar e garantindo o direito a vida
Desarrazoado submeter o consumidor a vexame sob o
argumento da necessidade da segurança bancária. Não se justifica mais a
utilização meios arcaicos e "métodos de revistas", sendo certo que os
Bancos devem investir em busca de equipamentos modernos, adequados para a
segurança dos consumidores e não minimizar a imagem do consumidor.(6)
É patente a discriminação que o consumidor sofre,
submetido perante o vigilante que dá o comando para o ingresso na agência
bancária.
Traduz nesse sentido prática abusiva o fato de submeter
o consumidor a procedimento vexatório, em razão do travamento da porta
giratória ou mesmo o fato de despir-se perante o agente de segurança bancária,
retirando pertences pessoais, chaves, etc., que não representam obstáculo para
o ingresso na agência bancária.
Acrescente-se que o consumidor possui a boa-fé, possuindo
honestidade, devendo ser tratado com respeito e urbanidade, critérios fixados
ex vi legis, não podendo ser considerado como "suspeito".
Arrimado a este fato verifica-se a falta de diligência
do preposto do banco, que restringe e discrimina o cidadão/consumidor,
incidindo no dever de indenizar, já que sua conduta não exime da
responsabilidade objetiva do dever de não só indenizar, mas também na obrigação
de não praticar o constrangimento da parte hipossuficiente.
Não se questiona a ação preventiva de segurança,
necessária em razão dos inúmeros roubos ocorridos em agências bancárias.
Todavia não se pode sacrificar o direito a dignidade em decorrência da falta de
qualidade ou mesmo de competência dos bancos ou seus prepostos que tratam o
consumidor com total descaso, antecipando uma imagem de marginal ao consumidor.
Tendo em vista que o CDC., no art. 6, IV assegura como
direito básico a proteção contra métodos comerciais coercitivos bem como práticas
abusivas impostas no fornecimento do serviço, garantindo a efetiva prevenção e
reparação de danos patrimoniais e morais(art. 6, VI do CDC) e, que o art. 39,
IV proíbe ao fornecedor de serviços prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social,
para impingir-lhe seus produtos ou serviços, não podendo exigir do consumidor
vantagem manifestamente excessiva(art. 39, V); torna-se necessário o
reconhecimento de que a porta giratória bancária constitui prática abusiva
submetendo o consumidor a vexame injustificável, devendo ser extinto o referido
mecanismo de segurança, por ser vedado ao fornecedor praticar o constrangimento
do consumidor.
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NOTAS
1. Ação proposta por Ivonete Maria de Aguiar em face do
Banco Real no II Juizado Especial Cível da Comarca da Capital do Rio de
Janeiro, com sentença transitada em julgado condenando o Banco a pagar danos
morais a Reclamante.Proc. n. 17113-3/99
2. Ação proposta por Jorge Luiz de Souza Lima em face
do Banco do Brasil no Juízo da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital de São
Paulo, (proc. nº 2657/97)condenando o banco a pagar 150 salários mínimos de
indenização por dano moral.
3. artigo 3º, 1 da CEE. Estabelece que "Uma
cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é
considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um
desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e
obrigações das partes do contrato." trad. do 17º Enc. Nacional de Defesa
do Consumidor realizado em Belo Horizonte-MG.
Com fundamento na boa-fé objetiva, é possível analisar
e identificar a abusividade de uma prática comercial, bastando adequar a
conduta questionada, com a conduta de um homem probo, honesto. Será que no fato
superveniente ocorrido ao homem com honestidade, este agiria da mesma forma ?
Esta pergunta traduz a objetividade do princípio da boa-fé do Código do
Consumidor.
4. Sobre o tema, adverte Capanema: "Atualmente, no
caso de pendências judiciais, os contratos poderão ser reavaliados se
obedecerem a três requisitos: acontecendo um fato superveniente, um acontecimento
imprevisível(dentro dos padrões normais do cotidiano) ou quando for constatada
que uma das partes está sendo lesada. Os casos de lesão começaram a ser
considerados recentemente, graças às novas leis reguladoras do consumo ‘Quando
for constatada a lesão, a ação tem de ser julgada independentemente de ter
ocorrido algo imprevisível’ Palestra proferida pelo Prof. Silvio Capanema, sob
o tema: "Renegociação dos Contratos Extrajudiciais" publicado na
Tribuna do Advogado, Ano XXVII, junho. Rio de Janeiro, Órgão Divulgador da
OAB/RJ, nº 360, p. 5.
5. sentença proferida nos autos da ação nº 2657.
op.cit.
6. A lei 7.102 de 20 de junho de 1983, atualizada pelas
leis 8.863 de 29 de março de 1994 e 9.017 de 30 de março de 1995, mencionam à
respeito do sistema de segurança bancária, sendo regulamentado pelos Decretos
89.056 de 24 de abril de 1983 e 1.592 de 10 de agosto de 1995.
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2051. Acesso em: 05 nov. 2004.