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São ilegais os serviços prestados através das linhas 0900
e seus assemelhados
Amilton Plácido da Rosa
promotor de Justiça no
Mato Grosso do Sul, titular da Promotoria de Justiça do Consumidor de Campo
Grande (MS)
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O serviço de telefonia é um serviço público essencial,
que visa, precipuamente, promover o bem-estar da coletividade, sendo este o
serviço que o consumidor contrata com as concessionárias respectivas,
conhecidas como TELES (Telems, Telemat, Telesp, Telerg, Telemig, Teleceará,
Telebahia, etc.).
Já os serviços prestados através das linhas 0900, 900,
145 e ligações internacionais de sexo e outras - que, aliás, não se enquadram
na definição legal de serviços e muito menos de serviço público, e que, na
realidade, em muitos casos, chegam a ser um desserviço - não são sequer
solicitados pelo consumidor. Em verdade, são impostos arbitrariamente pelas
concessionárias, que são as que contratam com as empresas de serviços
adicionais e impõem aos consumidores as obrigações geradas por essas avenças.
A atitude das concessionárias de serviços telefônicos, no
sentido de impor ao consumidor o dever de honrar contratos feito por elas com
terceiro, não encontra abrigo no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que
somente a lei, a vontade das partes e os atos ilícitos constituem fontes de
obrigação, sendo que, em relação de consumo, a vontade das partes deve coincidir
com a vontade da lei, sob pena de não ter validade alguma.
Insta frisar que mesmo que o consumidor quisesse ele não
teria como não aceitar o serviço, sendo obrigado então a arcar com
responsabilidade gerada por contrato que ele não firmou ou a arcar com os
custos do bloqueio do serviço oferecido a sua revelia.
Para perceber claramente a anomalia e ilegalidade
cometidas pela Telems e as demais teles do país, basta imaginar, por exemplo, a
situação em que, de uma hora para outra, todas as empresas provedoras de TV a
Cabo resolvessem instalar, sem solicitação alguma, na casa de todos os
consumidores o serviço respectivo, de forma que aqueles que não quisessem fazer
uso de tal serviço devessem comprar um aparelho especial e contratar um técnico
particular para bloquear o serviço não solicitado.
É exatamente isso que fazem as referidas concessionárias.
Implantam elas os serviços inespecíficos sem a devida solicitação e autorização
do consumidor, para obrigá-lo, posteriormente, a efetuar gastos para poder se
livrar daquilo que não solicitou.
A Norma n.º 05/79, aprovada pela Portaria 663/79, do
Ministério das Telecomunicações, em seu item 5.3, exige que o consumidor faça
solicitação por escrito para a utilização dos serviços prestados pelas Teles e
o inciso III do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor proíbe ao
fornecedor de produtos ou serviços enviar ou entregar ao consumidor, sem
solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço, sendo certo
que o parágrafo único deste mesmo artigo 39 equipara os serviços prestados e os
produtos remetidos ou entregues nessa condição à amostra grátis e desobriga o
consumidor de qualquer pagamento.
Como o consumidor não participou da avença, ele não tem
conhecimento algum do contrato, nem prévio nem posterior, o que fere de morte
também o artigo 46 da mesma lei protetiva, que dispõe que "Os contratos
que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes
for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os
respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de
seu sentido e alcance."
Vê-se, assim, que o direito básico do consumidor à
informação adequada sobre os produtos e serviços em toda sua extensão, seja
qualidade, quantidade, características, composição, preço e riscos que
apresentam, como exigidos pelo artigo 6º, inciso III, do Codecon, são
sumariamente desrespeitados pelos representantes legais das prestadoras de
serviços telefônicos, que assaltam o bolso do consumidor a plena luz do dia.
Percebe-se, facilmente, que pelo previsto no referido
inciso III do artigo 6º da lei protetiva, o consumidor tem direito a ser
informado sobre todas as características do serviço em aquisição, sabendo exatamente
o que dele pode esperar. Por este motivo é que a energia, o gás e a água
fornecidos devem possuir relógios que informem as quantias exatas aos
consumidores, possibilitando-lhes a tomada de medidas preventivas, com o
propósito de reduzir ou aumentar suas despesas. No caso em apreço, aliás como
todo o sistema de telefonia, não há registro sistemático das ligações
originárias de um prefixo e, como tal, torna-se impossível ao usuário conhecer
previamente o que está consumindo ou estão consumindo em seu nome.
Por outro lado, ao inserir terceiros e serviços estranhos
à avença, as concessionárias alteram, unilateral, o contrato original, o que é
vedado pelo Artigo 51, inciso XIII, do CDC.
Muitas vezes, o responsável pela linha é obrigado a pagar
gasto exorbitantes em razão de ligações feitas por terceiro, sem conhecimento
prévio dele, em sua maioria os usuários são crianças, adolescentes, leigos,
idosos ou incapazes, que, geralmente, não têm a exata noção dos custos elevados
desses serviços e são os principais alvos desse tipo de desserviço, postos, sem
qualquer critério, a sua disposição.
Outro dia, este articulista recebeu um e-mail através do
qual um pai desesperado pedia auxílio no sentido de saber como proceder para se
livrar de uma conta de R$ 6.000,00, gerada por uso indevido desses serviços
inespecíficos por parte de seu filho menor.
Fatos como esses são comuns no dia-a-dia das pessoas, com
prejuízos de toda ordem.
Essa forma de proceder constitui-se em uma prática
abusiva, pois, por vezes, se aproveitam da deficiência de julgamento e
experiência da criança e adolescente, o que é vedado pelo CDC, que em seu
artigo 39, inciso IV, proíbe ao fornecedor "prevalecer-se da fraqueza ou
ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou
condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços".
Além do mais, o oferecimento de certos serviços, como o
tele-sexo, disc-erótico, dentre outros, ofendem também o Estatuto da Criança e
do Adolescente, Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, posto que colocam em
risco formação da personalidade da criança e do adolescente, por proporcionarem
conversações eróticas de fácil acesso sem o mínimo critério e com o
desconhecimento total dos pais.
Paga também o usuário pelo que os empregados das empresas
terceirizadas fazem de seu terminal telefônico, quando, sob o pretextos de
fazer consertos e testes, passam horas a fio em conversa de tele-sexo e outros
desserviços que por aí existem. Basta, para isso, plugarem-se nas linhas
telefônicas de qualquer consumidor, através das caixas de distribuição
existentes pela cidade.
Paga, finalmente, o consumidor contratante pelas ligações
cruzadas, fruto igualmente da deficiência do serviço posto a seu dispor,
deficiência esta conhecida como MANOBRA PAR.
Apenas com o intuito de esclarecer. A manobra par é uma
falha no sistema de captação na origem das chamadas que ocasionam a
transferência de ligações de uma linha qualquer para outra, acarretando a
cobrança indevida e causando transtornos ao consumidor, principalmente quando
se trata de ligações para esses serviços atípicos, posto que deles sempre
resultam altíssimas contas.
Há que se questionar a natureza legal dos serviços
conhecido por disque-tarô, dentre outros assemelhado, por explorar a
credulidade pública e, assim, tipificar a contravenção prevista no artigo 27
(1) do Decreto-lei 3.688, de 03/10/1941, conhecido como Lei de Contravenções
Penais.
O disparate maior reside no fato da cobrança, pela
execução do serviço não contratado, ser vinculada ao consumo mensal,
chegando-se ao absurdo de penalizar o consumidor com a suspensão do
fornecimento dos serviços telefônicos quando o consumidor não pode pagar os
exorbitantes valores abusivos cobrados pelos serviços não solicitados, sendo
certo que, muitas vezes, ocorre até a perda do direito de uso da linha, ficando
o consumidor, neste caso, sem seu terminal telefônico.
É para evitar abusos como estes que o artigo 39, I, do
Código de Defesa do Consumidor proíbe que se "condicione o fornecimento de
produtos ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como,
sem justa causa, a limites quantitativos".
No caso em análise, ou o consumidor aceita o desserviço
colocado a sua disposição e paga todos os valores que em sua fatura forem
lançados ou ele não terá direito ao uso do serviço contratado e seu telefone é
bloqueado.
Ora, se os serviços adicionais são contratados pelas
Teles com os respectivos provedores, em avença estranha ao consumidor; se os
serviços fornecidos sem solicitação prévia são tidos como amostra grátis; se se
feriu o direito básico à informação; se a prática de alguns serviços são
contravencionais; se algumas prática são abusivas, por se aproveitar da
deficiência e inexperiência das crianças e adolescentes e se quem usou o
serviços especial não foi responsável pela linha telefônica - a cobrança do
consumidor, nestas condições, é indevida, em razão do que se aplica ao caso o
parágrafo único do artigo 42 do CDC que dá ao consumidor o direito de reaver -
em dobro, devidamente corrigido e acrescida dos juros legais - as quantias
indevidamente pagas.
As ligações para os serviços tratados nesse trabalho não
contribuem de nenhuma forma para incutir conceitos de cidadania ou difundir
conceitos educacionais aos usuários. Pelo contrário, incentivam a existência de
grupos clandestinos, que, agindo à socapa, depauperam orçamentos de
trabalhadores e pequenos empresários e congestionam canais de ligação com
outras cidades e outros países. Buscam eles, indeclinavelmente, o lucro fácil,
com a quase sempre utilização de instituições filantrópicas que recebem ínfimos
valores, enquanto que eles auferem somas extraordinárias com os desserviços
impostos ao consumidor desavisado.
Diante destas aberrações, além da propositura da ação
civil pública, o membro do Ministério Público pode e deve orientar o consumidor
lesado a tomar as medidas judiciais cabíveis, para requerer que a
concessionária respectiva: a) faça o bloqueio gratuito dos serviços adicionais
(obrigação de fazer); b) desbloqueie o serviço contratado por falta de
pagamento das contas de 0900 e outros (obrigação de fazer); c) abstenha-se de
emitir qualquer fatura de cobrança de serviço não solicitado (obrigação de não
fazer); d) receba os valores referentes aos serviços de telefonia,
independentemente do pagamento dos valores referentes aos serviços
inespecíficos (obrigação de fazer ou ação de consignação em pagamento); e)
desmembre a cobrança dos serviços 900, 145, 0900 e TELESEXO da conta de consumo
de ligações telefônicas; f) abstenha-se de interromper os serviços efetivamente
contratados, por falta de pagamento dos serviços não contratados (obrigação de
não fazer); e g) devolva em dobro, devidamente corrigido e acrescido dos juros
legais, tudo o que já foi cobrado e pago indevidamente (repetição de indébito),
tudo , sob pena de multa diária, a ser fixada pelo magistrado.
Em caso de ser o consumidor de
outra unidade da federação que não a de Mato Grosso do Sul, posto que aqui já
foi proposta a competente ação civil pública respectiva, orientar também o
usuário a representar ao Ministério Público da cidade dele ou da Capital do
Estado para a tomada das medidas necessárias, com o fim de defender,
coletivamente, os demais consumidores lesados. É este um ato de cidadania,
tendente a tornarem efetivos não só os princípios cristãos do amor ao próximo e
da solidariedade humana, mas também o disposto no artigo 3.º da Constituição
Federal, que prevê como objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da
pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais; e a promoção
do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
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NOTAS
"Artigo 27 - Explorar a
credulidade pública mediante sortilégios, predição do futuro, explicação de
sonho, ou práticas congêneres: Pena - prisão simples, de 1 (um) a 6 (seis)
meses, e multa."
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=739. Acesso em: 04 nov. 2004.