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Karla Karênina Andrade
Carlos Cavalcante
acadêmica de Direito na Universidade Federal do Ceará
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"Sem dúvidas, há contratos e
contratos e estamos longe da realidade desta unidade de tipo contratual que
supõe o Direito. Será necessário, cedo ou tarde, que o Direito se incline
diante das nuanças e divergências que as relações sociais fizeram surgir. Há
supostos contratos que tem do contrato apenas o nome, e cuja construção
jurídica esta por fazer; para os quais em todo caso, as regras de interpretação
judicial deveriam se submeter, sem dúvidas, a importantes modificações;
poderiam ser chamados, na ausência de termo melhor, de contratos de adesão, nos
quais a predominância exclusiva de uma única vontade, agindo como vontade
individual, que dita sua lei não mais a um indivíduo mas a uma coletividade
indeterminada, obrigando antecipada e unilateralmente, admitindo-se apenas a
adesão daqueles que desejarem aceitar a lei do contrato".
trecho de Raymond Saleilles em De
la déclaration de volonté, Paris, 1901
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Sumário:1.Introdução;
2. Cláusulas abusivas, 2.1.A Competência da Secretaria de Direito
Econômico,2.2.Da Aplicação das Portarias da SDE aos Contratos Utilizados no
Âmbito do Sistema Financeiro Nacional, 2.3.O Controle das Cláusulas
abusivas,2.4.Efeitos nos contratos, 2.5.Contratos de Adesão, 2.6.A recepção do
princípio da predominância da ordem pública pelo CDC como meio de afastamento
das cláusulas abusivas nos contratos de adesão; 3. A cobrança extrajudicial de
honorários advocatícios como cláusula abusiva; 4. Conclusão; 5.Referências
Bibliograficas; 6. Anexo- Sentença proferida em sede de ação de rescisão
contratual; 7.Notas.
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1.Introdução
As relações contratuais em curso
na atualidade, mormente as relações de consumo, são fortemente influenciadas
pela economia de mercado, reflexo do processo de globalização no qual se insere
toda a sociedade contemporânea; como o Direito não é subsistema normativo ético
isolado dos demais, recebe essas influências que o tornam apto a regular as
novas relações que emergem do desenvolvimento da sociedade; nesse quadro, vê-se
que economia é uma das maiores influenciadoras no desenvolvimento jurídico.
O aumento das relações entre
fornecedores e consumidores advindo da nova economia de mercado tornou
perceptível uma situação, não vislumbrada até então, de desequilíbrio entre as
partes contratantes, o que acabou por franquear o questionamento de institutos
outrora inabaláveis, como o pacta sunt servanda, a qual atualmente se admitem
restrições; há juristas, como Nelson Nery Junior, que entendem não existir
mais, em um contexto atual de nosso direito, o instituto da pacta sunt servanda
"stricto sensu" não existe mais. Em se reconhecendo a vulnerabilidade
do consumidor no mercado de massa, fez-se indispensável a criação de aparatos
jurídicos capazes de repor equilíbrio entre os pólos contratuais, embora fosse
para isso preciso afrontar o posicionamento tradicional dos mestres civilistas
a respeito da força obrigatória dos contratos:
"O princípio da força
obrigatória no contrato contém ínsita uma idéia que reflete o máximo de
subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada em
conformidade com a lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda,
que não comporta retratação, é tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem
o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de
mudar o curso de seus efeitos."(Caio Mário da Silva Pereira) (1)
"Essa força obrigatória
atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança do comércio
jurídico. Praticamente, o princípio da intangibilidade do conteúdo dos
contratos significa a impossibilidade de revisão pelo juiz."(Orlando
Gomes) (2)
Com a crescente evolução de uma
sociedade que prima pelo consumismo, surgiram os chamados contratos de adesão,
largamente utilizados para a aquisição ou utilização de bens, destacando-se os
de alienação fiduciária e o arrendamento mercantil, popularmente difundido como
leasing. Trata-se de um contrato estandardizado, que dispensa a prévia
discussão das bases do negócio instrumento, e onde vem sendo a praxe a inserção
de cláusula abusiva onde se elege o foro do estipulante em detrimento do foro
do domicílio do consumidor, de forma que, ao atrasar qualquer das prestações
avençadas é o consumidor surpreendido com ação judicial promovida pelo
estipulante no foro deste, o que significa uma verdadeira negação de acesso à
justiça.
Antes do Código de Defesa do
Consumidor, as cláusulas abusivas eram disciplinadas de maneira esparsa no
direito positivo pátrio; o Poder Judiciário recorria às regras gerais contidas
nos arts. 4.º e 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil para suprir essa
lacuna: decidindo de acordo com a analogia, valendo-se do direito comparado e
atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum. O art. 85 do mesmo
diploma legal era também aplicado (Art. 85 - nas declarações de vondade se
atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem). Outros
diplomas legislativos também tratavam do assunto, tais como o Decreto n.
24.038/1934, o Decreto-Lei n. 857/1969, o Decreto n. 59.195/1966 e outros. Há
apenas dois artigos no Código Civil brasileiro que proíbem o uso das cláusulas
leoninas (3): o art. 115 e o art. 1.372.
Com o advento do CDC (4) foram
trazidos avanços ao tratamento da proteção contratual do consumidor, tais como:
os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores
se não lhes foi dada a possibilidade de tomar conhecimento prévio de seu
conteúdo ou se os respectivos instrumentos foram redigidos de modo a dificultar
a compreensão de seu sentido e alcance; é possível a inversão do ônus da prova
em favor do consumidor; como regra básica, no caso de dúvida as cláusulas
contratuais gerais devem ser interpretadas em favor do aderente; dentro do
período de reflexão de sete dias, pode o aderente exercer o direito de
arrependimento, no caso de o contrato de consumo ter sido concluído fora do estabelecimento
comercial, tendo direito à devolução imediata das quantias que eventualmente
pagou, corrigidas monetariamente pelos índices oficiais; há penalização se o
termo de garantia não for adequadamente preenchido e entregue ao consumidor;
todo produto ou serviço deve ser obrigatoriamente acompanhado do manual de
instalação e instrução sobre sua adequada utilização, redigido em português, em
linguagem clara e acessível; apresenta, em seu artigo 51, uma lista
exemplificativa das chamadas cláusulas abusivas, que são aquelas cláusulas
contratuais não negociadas individualmente e que, frente as exigências da
boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante entre os
direitos e obrigações das partes. A previsão de cláusulas abusivas pelo CDC,
portanto, não é exaustiva, sendo o Secretário Nacional de Direito Econômico
autorizado, pelo art. 58 do Decreto nº2.181/97 (regula o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor), autorizado a editar anualmente um rol exemplificativo do
que são tidas por cláusulas abusivas
É objetivo do estudo ora encetado
a análise da posição doutrinária e jurisprudencial no que concerne às cláusulas
abusivas, e sua conseqüente declaração de nulidade, assim como as implicações
decorrentes, posto que, como se pode depreender da observância dos fatos acima
expostos, é inegável a importância da devida compreensão acerca do que sejam
cláusulas abusivas, e do tratamento dado pela doutrina e jurisprudência a este
assunto.
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2.Cláusulas
Abusivas
Dispõe o artigo 51 do Código de
Defesa do Consumidor:
"Art.51º "São nulas de
pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que:
(...)
IV – estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;.".
Cláusulas abusivas, no conceito de
Nelson Nery Junior:
"são aquelas notoriamente
desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São
sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas,
vexatórias ou, ainda, excessivas...". (5)
Segundo Hélio Zagheto Gama:
"As cláusulas abusivas são
aquelas que, inseridas num contrato, possam contaminar o necessário equilíbrio
ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem
desfavoreçam". (6)
Assim, há que se entender
cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem obrigações iníquas,
acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios da
boa-fé e da eqüidade.
Conforme disposto no artigo supramencionado,
tais cláusulas são nulas de pleno direito, e não operam efeitos, sendo que a
nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva não invalida o contrato,
exceto quando sua ausência acarretar ônus excessivo a qualquer das partes;
assim, somente a cláusula abusiva é nula: as demais cláusulas permanecem
válidas, e subsiste o contrato, desde que se averigúe o justo equilíbrio entre
as partes.
"Assim, a mais abalizada
doutrina e atual jurisprudência, com os olhos postos no presente, têm decidido
em casos tais que, cláusulas como essa do instrumento havido entre as partes
ostentam-se indisfarçavelmente ineficazes e sequer possível o seu
aproveitamento". (STJ – AG Nº 170.699 –MG (97/0088907-6) (Anexo II)
"Conflito de Competência.
Competência Territorial. Foro de Eleição. Cláusula Abusiva O juiz do foro
escolhido em contrato de adesão pode declarar de ofício a nulidade da cláusula
e declinar da sua competência para o juízo do foro do domicílio do réu.
Prevalência da norma de ordem pública que define o consumidor como
hipossuficiente e garante sua defesa em juízo". (STJ, Processo N°: 21540,
Órgão: Segunda Seção, Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ-24/08/1998)
"Competência. Código de
Defesa do Consumidor. Cláusula de eleição de foro. Contrato de adesão. Cláusula
de eleição de foro, em contrato de adesão, de que resulta dificuldade para a
defesa do réu. Tratando-se de ação derivada de relação de consumo, em que deve
ser facilitada a defesa do direito do consumidor (Art. 6º, VIII, do Código de
Defesa do Consumidor), impende considerar como absoluta a competência do foro
do domicílio do réu, não se exigindo, pois, exceção de incompetência. Conflito
conhecido." ( S.T.J. - 2ª Seção - j. em 13.05.1998, DJU de 16.11.98 )
O CDC apresenta dois momentos distintos de proteção contratual ao
consumidor: no primeiro momento, compreendido até a efetiva formação do vínculo
contratual (fase pré-contratual), cria novos direitos para o consumidor e
deveres para o fornecedor; no momento posterior, são criadas normas proibindo
expressamente as cláusulas abusivas nesses contratos, garantindo, assim, uma
proteção a posteriori do consumidor, através de um efetivo controle judicial do
conteúdo dos contratos.
Conforme anteriormente exposto, a
previsão de cláusulas abusivas pelo CDC não exaure as hipóteses com o elenco
ali exposto; compete ao Secretário Nacional de Direito Econômico editar
anualmente um rol exemplificativo de cláusulas abusivas.
2.1.A Competência da Secretaria de
Direito Econômico
A Secretaria de Direito Econômico
(SDE) foi criada pelo Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997 e atua por meio
de seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), sendo órgão do
Ministério da Justiça, que integra o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Compete à SDE, através do DPDC, a
coordenação geral da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor,
conforme especificado no artigo 3o do Decreto 2.181/97. O DPDC deverá, dentre
outras atividades, prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus
direitos, fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas no CDC e
solicitar a instauração de inquérito para apuração de delito contra o
consumidor.
O artigo 56 do Decreto 2.181/97 estabelece que, a fim de
orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a SDE divulgará,
anualmente, elenco complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas,
em caráter exemplificativo, aplicando-se o disposto no inciso IV do artigo 22
do Decreto 2.181/97. São atos de natureza administrativa, que não têm força de
lei, mas servem de roteiro para os operadores do Direito (advogados,
promotores, Juízes) e de advertência, para os comerciantes.
Assim, as portarias publicadas
pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, elencando as
cláusulas abusivas, são editadas em cumprimento ao disposto no citado artigo 56
do Decreto 2.181/97, cabendo aplicação de multa ao fornecedor de produtos ou
serviços que, direta ou indiretamente, inserir, fizer circular ou utilizar-se
de cláusula abusiva, qualquer que seja a modalidade do contrato de consumo.
2.2.Da Aplicação das Portarias da
SDE aos Contratos Utilizados no Âmbito do Sistema Financeiro Nacional
Ante o exposto, se pode concluir
que a SDE tem competência e legitimidade para orientar o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor e uma das formas por que se realiza esta orientação é a
divulgação anual de cláusulas contratuais consideradas abusivas, em complemento
à listagem constante do artigo 51 do CDC.
Contudo, há instituições
financeiras que pretendem questionar a validade/aplicação das portarias da SDE;
duas alegações possíveis de serem articuladas por tais instituições seriam:
questionar o conteúdo das portarias editadas pela SDE, alegando que
determinadas cláusulas tidas como abusivas pela SDE, na realidade não o são;
e/ou alegar que o CDC, e conseqüentemente as portarias da SDE, não se aplicam a
determinados tipos de contratos utilizados no Sistema Financeiro Nacional (caso
em concreto), uma vez que a figura do cliente da instituição financeira não
pode ser equiparada à figura do consumidor, pois o cliente não é destinatário
final dos serviços e/ou produtos oferecidos.
Não obstante as penalidades
administrativas que a SDE ou qualquer outro órgão integrante do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor possam vir a aplicar, as instituições
financeiras não podem ser impedidas de recorrer ao Poder Judiciário para
solucionar os conflitos gerados em razão da aplicação ou não de regras
referentes às relações de consumo.
Sendo caracterizada a relação como
de consumo ou demonstrada, de forma inequívoca, a existência de cláusulas
obscuras ou abusivas, ou ainda configurada a excessiva onerosidade das
obrigações assumidas livremente pelos clientes, não há que se discutir a não
aplicação do CDC aos contratos bancários, e, por conseguinte, a anulação dos
referidos contratos ou das cláusulas abusivas contidas no bojo destes.
2.3.Meios de Controle das
Cláusulas abusivas
O fundamento jurídico em que
sedimenta a doutrina brasileira o posicionamento acerca das cláusulas abusivas
é o abuso de direito, contemplado pelo direito brasileiro de forma genérica,
ainda que indiretamente, quando não considerou como ilícito o uso regular de um
direito (Código Civil, art. 160, I, segunda parte). Do cotejo desta disposição,
se pode depreender que o abuso estaria incluído, pelo uso anormal do direito,
na classe dos atos ilícitos, pré-excluindo-se a contrariedade (Pontes de
Miranda). As cláusulas abusivas seriam, portanto, uma especialização do fenômeno
do abuso.Destarte, se pode concluir que o fundamento do repúdio às cláusulas
abusivas assenta no princípio da boa fé. O princípio da boa fé pode encontrar
amparo legal inserindo-se como conceito indeterminado numa cláusula geral, ou
vigorar como um princípio subjacente ao ordenamento jurídico, aflorando
casuisticamente na construção do caso concreto. Nesta feição é que o princípio
da boa fé se faz largamente presente no sistema brasileiro. Tanto que está
presente no rol das cláusulas abusivas, uma cláusula geral que autoriza o
repúdio das disposições que "... sejam incompatíveis com a boa-fé e
equidade". Segundo Arruda Alvim, o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor é explícito a respeito da boa fé, como regra cardeal (arts. 4º., caput, e III; art.
51,IV).
A proteção contra
cláusulas abusivas é direito básico, à luz do disposto no art. 6º, IV do CDC:
"Art.6º São direitos básicos
do consumidor:
(...)
IV – a proteção contra a
publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem
como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de
produtos e serviços;"(grifo que não consta do original)
A lei fala em nulidade de pleno
direito; o sistema de invalidade no direito civil comum é dúplice: os autores
tratam das nulidades absolutas e das relativas, cuja diferença seria o grau de
intensidade do defeito que macula o ato. Pontes de Miranda discorda dessa
terminologia, dizendo ainda que Código Civil versa a figura da nulidade e da
anulabilidade; aquela é sempre ipso jure, sem necessidade de ação judicial,
enquanto esta depende sempre da manifestação judicial. O fato de ter o CDC
estabelecido a nulidade de pleno direito das cláusulas, estabelecendo que o vício
é meramente parcial, gera discussões acerca da natureza deste vício, se de
nulidade absoluta, ou relativa ou anulabilidade.
Cumpre destacar por oportuno a
questão da decretação judicial de nulidade da cláusula abusiva não suscitadas
pelas partes, e a inovação trazida ao tratamento desta questão pelo CDC.
Veja-se o RESP nº 90.162-RS, que teve como relator o eminente Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, cujo voto é a seguir transcrito, in verbis:
"Esta Eg. 4ª Turma tem
reiteradamente decidido, com ressalva de meu posicionamento, sobre a
inaplicabilidade das regras do Codecon às relações de consumo celebrados antes
de sua vigência. Sem o comando dessa nova diretriz, prevalece a norma geral do
artigo do Código de Processo Civil, que veda ao juiz conhecer de questões a
cujo respeito a lei exige (exigia) a iniciativa da parte".
É patente a diferença de
tratamento por esta turma do STJ, antes e depois da vigência do CDC; para os
contratos formulado anteriormente ao CDC, era aplicado a inteligência dos
artigos 128 e 460 do CPC, a seguir transcritos:
"Art. 128. O juiz decidirá a
lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões,
não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte".
"Art. 460. É defeso ao juiz
proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como
condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi
demandado".
Sobre o princípio da congruência
e o princípio da adstrição do juiz, ensina Moacyr Amaral Santos:
"A sentença deverá ser a
resposta jurisdicional ao pedido do autor, nos limites em que este o formulou.
Afastando-se desses limites, a sentença decide extra ou ultra petita". (7)
Conforme esse entendimento, o juiz não pode declarar
nulidade de cláusulas ex officio, independentemente de provocação das partes,
não podendo a sentença extrapolar os limites da litiscontestatio. A causa deve
ser julgada como proposta e contestada, para não ocorrer julgamento extra
petita, violando os dispostos nos arts. 128 e 460 do CPC. Neste sentido:
"Código de Defesa do
Consumidor. Proteção Contratual. Destinatário. Cláusulas abusivas. Objetivando
a desconstituição de cláusulas, em homenagem ao princípio da congruência, deve
a sentença ater-se ao pedido" (TARGS – APC Nº 193051216- 7ª Câm. Cív. –
Relator Juiz Antonio Janyr Dall’Agnol Junior)
"Conflito de competência.
Competência territorial. Foro de eleição. Clausula abusiva. Segundo a
orientação predominante na 2a. seção, a incompetência em razão do lugar, por
ser de natureza relativa, deve ser suscitada pelo reu (sumula 033), ainda
quando se trata de foro de eleição estabelecido em clausula de contrato de
adesão. ressalva da posição do relator. conflito conhecido e declarada a
competencia do juizo suscitado.(STJ. Processo n°16253. Órgão: Segunda Seção.
Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar. DJ, 29/10/1996)
Contudo, a maior parte da doutrina
diverge dessa orientação, admitindo assim a decretação ex officio, quando
observado o vício. Constatada a cláusula abusiva, impõe-se ao juiz a sua
decretação, independentemente de provocação das partes, posto que é decretável
de ofício, dado o seu cunho de ordem pública.
Assim também manifestou sua posição Nelson Nery Jr,
durante o Congresso Paranaense de Direito Processual Civil, realizado no hotel
Bourbon em Curitiba. O juiz constrói, ele revê as cláusulas, criando uma nova
realidade, participando, sendo sujeito ativo, adequando o contrato. Ele sugere
uma nova hipótese de classificação de sentença, chamada de "Sentença
Determinativa", onde o magistrado não somente muda um estado, mas é também
sujeito ativo, integrando e construindo as cláusulas no contrato de modo que se
possa dar execução ao mesmo, criando uma nova relação. Para ele, as cláusulas
consideradas absolutamente nulas, devem ser declaradas nulas, assim que o vício
é detectado, não sendo isto defeso ao juiz. Há inúmeros exemplos de
jurisprudência que convergem com esta doutrina:
"Assim, a mais abalizada
doutrina e atual jurisprudência, com os olhos postos no presente, têm decidido
em casos tais que, cláusulas como essa do instrumento havido entre as partes
ostentam-se indisfarçavelmente ineficazes e sequer possível o seu
aproveitamento". (STJ – AG Nº 170.699 –MG (97/0088907-6)
Resta inconteste que coaduna com a
busca de equilíbrio na relação contratual a admissibilidade da intervenção
judicial na base do contrato, com o fim maior de não se permitir a execução da
onerosidade constatada em seu bojo, e que é na mais das vezes resultado direto
da fragilidade econômica do consumidor, que concorda com todos os termos do
contrato que lhe é apresentado, sem que tenha havido oportunidade de discussão
do mesmo.
2.4.Efeitos nos contratos
A definição de cláusulas abusivas,
e os efeitos dela decorrentes, são aplicáveis tanto aos contratos de adesão
quanto aos contratos paritários e são sempre consideradas nulas, prevendo a
norma geral a proibição de cláusulas contra a boa-fé. A teor do disposto no
parágrafo 2º do multicitado artigo 51 do CDC, a nulidade de qualquer cláusula
considerada abusiva não invalida o contrato, exceto quando sua ausência, apesar
dos esforços de integração, acarretar ônus excessivo a qualquer das partes; o
CDC adotou o princípio da conservação dos contratos ao determinar que somente a
cláusula abusiva é nula, permanecendo válidas as demais cláusulas contratuais,
subsistindo o contrato, desde que se averigúe o justo equilíbrio entre as
partes.
Além do previsto no artigo 51, o
CDC, em seu artigo 6º, institui como um direito do consumidor a possibilidade
de modificação de cláusulas contratuais no sentido de restabelecer o equilíbrio
da relação com o fornecedor. Destarte, o consumidor poderá solicitar ao juiz de
direito que altere o conteúdo negocial de uma cláusula considerada abusiva.
Aqui, o legislador baseou-se na chamada "redução de eficácia" da
doutrina alemã, prevendo a ineficácia de uma cláusula abusiva e não
simplesmente sua nulidade absoluta.
2.5.Contratos de Adesão
Os contratos de adesão surgem como
forma de proporcionar maior uniformidade, rapidez, eficiência e dinamismo às
relações de consumo, e sua importância em parte deriva da constatação que os
contratos de consumo guardam intrínseca relação com a economia; o consumo
depende do desenrolar da economia de mercado, e vice versa, tendo em vista que
os contratos são instrumentos de circulação de riquezas.
Assim, os contratos de adesão
podem ser tidos como uma necessidade do mundo globalizado, não obstante existam
antes do processo de globalização, mormente na Itália. Entretanto, como
anteriormente salientado, o contrato de adesão, por suprimir a prévia discussão
do conteúdo entre fornecedor e consumidor, traz, via de regra, cláusulas
abusivas, nas quais apenas uma das partes, isto é, aquele que está propondo a
aderência a toda a proposta, sai beneficiado em relação ao aderente. Uma das
mais comuns cláusulas abusivas em contratos de adesão é a de eleição do foro do
estipulante em detrimento do foro do domicílio do consumidor.
Define-se o contrato de adesão
como o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos da relação
sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas
antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o
conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas. (8)
Segundo Orlando Gomes:
"O contrato de adesão
caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja preconstruído por uma das
partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos
contratos". (9)
Em sua formação, esse tipo de
contrato apresenta-se como a adesão alternativa de uma das partes ao esquema
contratual traçado pela outra, inexistindo as negociações preliminares e
modificação de cláusulas, próprias dos contratos paritários. Caracteriza-se por
ser um negócio jurídico bilateral, formado pelo concurso de vontades (embora
restrito). Segundo Ana Maria Zauhy Garms, "As grandes instituições utilizam-se
dos contratos de adesão para praticarem abusos contra os consumidores, isto por
que neste tipo de contrato não há oportunidade de negociações, e devido à
necessidade de adquirir o bem ou o serviço o indivíduo acaba por aceitar as
condições que lhe são impostas, e que na maioria das vezes não são esclarecidas
ou informadas pelo funcionário da instituição responsável pela realização do
contrato". (10)
Os contratos de adesão são
unilaterais, o que gera grande desigualdade nas relações de consumo entre as
partes contratantes.
O Código do Consumidor em seu art.
54 definiu o contrato de adesão:
"Art. 54 – Contrato de Adesão
é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que
o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."
Nos contratos de adesão, uma das
cláusulas mais comuns é a de eleição do foro do estipulante em detrimento do
foro do domicílio do consumidor; conforme exposto, e segundo corrente dominante
na doutrina, deve o juiz reconhecer de ofício a nulidade da cláusula abusiva, e
conseqüente afastamento desta, assim como declinar da competência para o juízo
do domicílio do réu, in casu, o consumidor. Essa decisão não conflita com a
Súmula 33 do STJ, porque a nulidade da cláusula faz desaparecer a razão pela
qual a ação foi proposta no juízo que se dá por incompetente, enquanto que a
exigência de que a parte suscite a incompetência do foro está inviabilizada
pelas mesmas circunstância que levaram ao reconhecimento da abusividade da
eleição do foro.
O Código de Processo Civil e as
normas de organização judiciária dos Estados estipulam as diretrizes básicas
para a definição dos limites da competência a serem observadas na prestação
jurisdicional, como imperativo de ordem pública. Dispõe o art. 86 do aludido
diploma legal:
"As causas cíveis serão
processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos
jurisdicionais, nos limites de sua competência, ressalvadas às partes a
faculdade de instituírem juízo arbitral".
À luz desse dispositivo, as partes
não podem escolher livremente o foro onde querem propor a ação, visto que devem
submeter-se aos mandamentos insertos no Código de Processo Civil e nas leis de
organização judiciária dos Estados. A única hipótese em que a ação pode ser
proposta em qualquer foro do Brasil está estandardizada no artigo 94, § 3º
"in fine" do CPC:
"Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a
ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora
do Brasil, a ação será proposta em qualquer o foro".(grifo que não consta
do original)
Isto posto, a propositura da ação
no foro do domicílio do estipulante ou em qualquer outro que não seja a do
domicílio do consumidor, torna o juízo absolutamente incompetente ante à
flagrante violação ao "princípio do juiz natural", contido no comando
do artigo 5º, LIII, da Constituição Federal:
"Ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente".
Cumpre salientar a lição do
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Maria Helena Diniz:
"Violar um princípio é muito
mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica
ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema
de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra
todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumácia irremissível
a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra". (In NORMA
CONSTITUCIONAL E SEUS EFEITOS, pág. 116, 1989, Saraiva - São Paulo).
Assim, em se tratando de ação que
tenha por objeto contrato de adesão, que se destaca pela superioridade da
vontade do estipulante e reduzido âmbito de escolha do aderente, a validade da cláusula
de foro de eleição deve ser de logo examinada, para que não sirva de invencível
acesso à justiça. Ao receber a petição inicial ao juiz cumpre examinar a
validade e eficácia de tal cláusula e impedir que, através de seu cumprimento,
esteja sendo sobremaneira dificultada a defesa do réu, especialmente quando há
possibilidade de deferimento de medida liminar.
Nesse sentido:
"Foro Regional e Declaração
ex officio de incompetência. Ainda que se reconheça que na divisão do foro de
São Paulo em diversos Juízos há forte componente territorial que marca a
delimitação da competência de cada um entre si, em determinada área da cidade,
não se pode afirmar tratar-se o caso de competência territorial relativa. A
divisão da competência estabelecida por lei de organização judiciária, dentro
da cidade de São Paulo, confere a cada um parcela de competência funcional
dentro do foro de São Paulo, ganhando por isso contornos de competência
absoluta, declinável ex officio (TJSP, Câm. Esp., Ccomp 24495-0, rel. Des. Nigro Conceição, j. 265.10.1995, v.u.)"
"COMPETÊNCIA - Foro de
Eleição - Consórcio - Contrato de Adesão _ Prevalecimento do Código de Defesa
do Consumidor para que o devedor tenha acesso aos órgãos judiciários e
facilitação de sua defesa - Artigo 6º, incisos VII e VIII da Lei nº 8.078/90 -
Hipótese que não se trata de declinação de ofício de incompetência relativa,
mas sim de reconhecimento de normas de ordem pública a exigir a remessa dos
autos à Comarca do domicílio do consumidor. m vista todo o exposto, emerge dos
autos ser completamente incompetente o Juízo "a quo" e, por essa
razão, nula de pleno direito a decisão objurgada, a teor do estabelecido no
art. 113, combinado com o art. 122, ambos do Código de Processo Civil vigente.
A decisão objurgada, sem sombra de qualquer dúvida tem cunho decisório,
porquanto, determinou e ocasionou a apreensão do veículo pertencente a
agravante e, à luz do que fora exposto, é nula de pleno direito por Ter sido
editada por Juízo agora tido como absolutamente incompetente, o que impõe sua
revogação".(Embargos de declaração nº 98.000181-3. Embargante: Suy Mey
C.M. Gonçalves. Embargado: Banco Fiat S/A, 1ª
Câmara Cível. Rel. Marcos Antônio Souto Maior. Decisão unânime. Julgado em 23
de abril de 1998)
"CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA.
DECLINAÇÃO. "EX OFFICIO". CONTRATO DE ADESÃO. ADMISSIBILIDADE.
Inaplicabilidade da súmula 33/STJ. Abusividade da cláusula de eleição de foro,
prejudicial à defesa do consumidor. Com o devido respeito àqueles que se filiam
a outro entendimento, a propositura da demanda perante foro diverso do
domicílio do consorciado dificulta seu acesso à Justiça, quando não o
impossibilita, não obstante esse direito seja garantido constitucionalmente
(CF/88, art. 5º, XXXV), o que configura a abusividade da cláusula e a sua
nulidade de pleno direito, à luz do CDC (Lei nº 8078/90). É essa a posição que
vem prevalecendo na melhor jurisprudência. (TJSP, Ag. de Inst. 32959-4, Itú,
Rel. Juiz Cesar, Julg. em 30/10/96).
"CONSÓRCIO. CONTRATO DE
ADESÃO. COMPETÊNCIA. Direito do consumidor em ser demandado em seu domicílio.
Competência absoluta. Lei 8.078/90 (CDC), art. 6º, VIII".. (TJSP, Ag de
Inst. 29240, Linbs, Rel.: Des. Júlio Vidal, Julg. em 30/10/96).
Também no mesmo sentido o voto do
magistrado Antônio Carlos Marcato, em Agravo de Instrumento nº 477.406-2, da 79
Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:
"A cláusula eletiva de foro,
estabelecida em contrato de adesão, pela parte economicamente mais forte,
revela-se abusiva se e quando impuser, ao contratante mais fraco sérios (e por
vezes insuperáveis) óbices ao pleno acesso à jurisdição e à sua defesa no
processo, assim afrontando as correspondentes garantias constitucionais; e essa
afronta, abstraídos outros aspectos processuais (de menor ou nenhuma
importância em confronto com ditas garantias), seria suficiente, por si só,
para justificar a pronta remessa dos autos ao foro do domicílio da parte
hipossuficiente, na medida em que a existência e o exercício da técnica
processual têm por objetivo, atender, precipuamente aos desígnos
constitucionais e não, à evidência, impor ônus e gravames indevidos a um dos
sujeitos processuais. No entanto, é justa e razoável a conclusão de que o reconhecimento
e a proclamação afronta a preceitos constitucionais demandam exame, caso a
caso, das circunstâncias que envolvem o contrato, não sendo lícita, nem
jurídica, a pura e simples generalização de que toda e qualquer cláusula
eletiva do foro seja, mormente quando não impõe ao réu maiores dificuldades
para o pleno, exercício de seu direito de resposta, nem estabelece obrigação
que possa ser considerada iníqua ou abusiva, colocando-o em desvantagem
exagerada."
Os princípios constitucionais do juiz
natural, de acesso à justiça, da ampla defesa e da supremacia do interesse
público hão de ser preservados e aplicados em todas as situações processuais,
ainda quando está a decidir sobre a competência de foro. Daí porque, em se
tratando de foro de eleição favorável ao estipulante de contrato de adesão,
quando desde logo evidenciado que o demandando terá extrema dificuldade para
exercitar sua defesa, e assim caracterizada a abusividade da cláusula, incumbe
ao juiz impedir que ela tenha eficácia, declinando da sua competência para o
foro de domicilio do réu. É caso de nulidade de pleno direito, decretável de
ofício.
A eleição de foro é tão somente a
mais comum dentre as cláusulas abusivas comumente contidas nos contratos de
adesão; todas elas, sejam quais forem, podem ser questionadas, uma vez que se
amoldem ao disposto no art. 51 do CDC. Assim, "No que tange aos contratos
de adesão o Código de Defesa do Consumidor é bem claro ao especificar que todos
os contratos devem ser revistos quando tornarem-se excessivamente onerosos, e
ainda, que as cláusulas abusivas devem ser desconsideradas pelo
consumidor". (11)
Por fim, cumpre salientar que nem
toda regulamentação contratual pré-formulada pode ser entendida como abusiva,
cabendo ao julgador verificar a abusividade ou não das cláusulas
pré-elaboradas. As cláusulas negociadas destes contratos deverão subordinar-se
à interpretação comum dos contratos. (12)
2.6.A recepção do princípio da
predominância da ordem pública pelo CDC como meio de afastamento das cláusulas
abusivas nos contratos de adesão
Os princípios do juiz natural, da
supremacia da ordem pública e da magnitude da defesa do consumidor, conforme
exposto no presente estudo, são amplamente aplicados aos contratos de adesão,
derrogando as cláusulas abusivas, por força dos dispositivos pertinentes à
espécie contidos no CDC, pelo que pode e deve o juiz declarar de ofício sua
competência para processar as ações de busca e apreensão, reintegração de posse
decorrente de contrato de leasing, ou outra qualquer, quando a propositura da
ação no foro de eleição, na sede da empresa estipulante, dificultará
sobremaneira a defesa do réu em juízo; o juiz deve ainda de ofício reconhecer a
nulidade de cláusula abusiva, tal como a que elege, em contrato de adesão, o
foro do domicílio do estipulante, quando o seu cumprimento significar verdadeira
negação de acesso à justiça.
A decisão judicial que reconhece a
nulidade de cláusula abusiva e declara a incompetência de ofício, não ofende a
Súmula 33 do STJ, porque a nulidade da cláusula faz desaparecer a razão pela
qual a ação foi proposta no juízo que se dá por incompetente, enquanto a
exigência de que a parte suscite a incompetência do foro está inviabilizada
pelas mesmas circunstâncias que levaram ao reconhecimento da abusividade da
eleição de foro.
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3.A
cobrança extrajudicial de honorários advocatícios como cláusula abusiva
A questão ora analisada concerne à
cobrança de honorários advocatícios por escritórios de advocacia do consumidor,
em razão de débitos em atraso com o fornecedor, sob o argumento de que o
escritório que faz a cobrança só recebe o pagamento se houver o acréscimo dos
encargos (juros de mora e multa) além de honorários advocatícios, que variam de
10 a 20% do valor devido.
O cerne da questão é a quem cabe
arcar com o pagamento dos honorários devidos ao advogado; se o consumidor ou o
fornecedor contratante. De início cumpre observar que o consumidor não celebrou
nenhum contrato com o escritório de advocacia, pelo que resta óbvio que quem
deve pagar os honorários é o fornecedor, que, entretanto, ao recorrer aos
préstimos do advogado, deixa de aceitar receber a parcela vencida, a qual deve
então ser paga diretamente ao advogado contratado.
O artigo 22 do Estatuto da
Advocacia (lei 8.906/94) dispõe que há três possibilidades de cobrança dos
honorários advocatícios: "quando há convenção entre as partes,
arbitramento judicial ou sucumbência" Vê-se que nenhuma destas hipóteses
legitima a cobrança de honorários da parte que não contratou, como é o caso do
consumidor, o que corrobora a tese da abusividade da cobrança. E caso haja o
consumidor assinado contrato que contenha cláusula prevendo que, em caso de
inadimplemento, deverá ele, consumidor, arcar com o pagamento dos honorários
advocatícios, cumpre perguntar se seria cabível aplicar-se o art. 22 do
Estatuto da advocacia (convenção entre as partes).
Ora, se nos reportarmos à
definição de cláusula abusiva, ver-se-á que o caso em tela enseja a aplicação
da Teoria da Abusividade na Relação de Consumo em prol do consumidor,
objetivando declarar a nulidade absoluta da cláusula. Arcar com os honorários
de advogado para agir contrário aos seus próprios direitos/interesses é,
indubitavelmente, um ônus imputado ao consumidor em desvantagem exagerada. Além
disso, estatui o art. 51, XII do CDC que é nula a cláusula contratual que
"obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação,
sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor". O STJ já
pronunciou a respeito da nulidade de cláusula contratual no caso da denominada
cláusula mandato, que autoriza a emissão de título cambial por procurador,
prescrevendo a Súmula nº 60 do STJ: "É nula a obrigação cambial assumida por
procurador do mutuário vinculado ao mutuante no exclusivo interesse
deste".
A Secretaria de Direito Econômico
do Ministério da Justiça editou a Portaria nº4/98 que tipificou como abusiva a
cláusula contratual que obriga o consumidor ao pagamento de honorários
advocatícios, sem ajuizamento de ação; esta Portaria adita ao elenco do art. 51
da lei 8.078/90 e do art. 22 do Decreto 2.181/97, outras cláusulas abusivas,
prescrevendo como nula de pleno direito a cláusula contratual que obriguem o
consumidor ao pagamento de honorários advocatícios sem que haja ajuizamento de
ação correspondente. (item 9 da Portaria nº 4/98).
O
Despacho nº 132 do Secretário de Direito Econômico, de 12/05/98 (13), expressou
nota explicativa a respeito dos motivos da edição da Portaria nº 04 de
13.03.98, em conformidade com a decisão unânime extraída da 19ª Reunião do
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, realizada em Brasília, esclarecendo
em relação ao item 9, acima transcrito que "O consumidor não está obrigado
ao pagamento de honorários ao advogado do fornecedor. Os serviços jurídicos
contratados diretamente entre o advogado e o consumidor não se enquadram neste
item".
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4.Conclusão
Do presente estudo se pôde com
propriedade depreender que atualmente é grande, por vezes maciça, a presença
dos contratos de adesão nas relações de consumo, pelo que passou o Direito do
Consumidor a ser um dos principais elementos de afirmação da cidadania, ditando
o tom do regime jurídico e legal das condições gerais dos contratos. Em virtude
da importância conferida assim às relações de consumo, cumpre ao Estado tutelar
a parte hipossuficiente da relação contratual, tutela esta que é feita no plano
administrativo, com a instituição de órgãos próprios estatais; legislativo, por
meio de leis específicas de proteção; e judicial, com a fixação de
jurisprudência.
Da preocupação do Estado com os
problemas da defesa do consumidor advieram grandes mudanças na elaboração dos
contratos, assim como a compreensão e percepção desse instituo pelos juristas;
já não se aplica mais indistintamente o pacta sunt servanda, o que denota o
reflexo no âmbito jurídico do processo de evolução por que passou a economia; a
crise do liberalismo refletiu no declínio do individualismo característico
daquela realidade sócio-econômico.
Assim, dentro da proteção
contratual estabelecida com o advento do Código de Defesa do Consumidor, as
cláusulas abusivas merecem um tratamento metodológico como tentativa de conter
tais procedimentos, diante da configuração contratual.
É objetivo do Código de Defesa do
Consumidor assegurar ao consumidor igualdade em face do fornecedor; como bem
pontifica Ana Maria Zauhy Garms (14): "A proteção do consumidor surge pela
determinação de se cumprir a igualdade contratual, independentemente da posição
ou condição de cada parte envolvida". É o tratar de forma desigual as
partes no momento em que elas se desigualam, e igualmente quando se igualam, ou
seja, tratar de forma desigual os desiguais a fim de que se tornem iguais.
--------------------------------------------------------------------------------
5.
Referências bibliográficas
ALVIM, Arruda. Cláusulas Abusivas
e seu Controle no Direito Brasileiro, Revista de Direito do Consumidor nº 20,
fls. (24/70)
DINIZ, Maria Helena. Curso de
Direito Civil Brasileiro- V. 3- Teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 12 Ed., 1997
GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de
Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001
GARMS, Ana Maria Zauhy. Cláusulas
Abusivas nos Contratos de Adesão à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Retirado de www.jus.com.br/doutrina/clabusi.htm em 20.nov.2001
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de
Janeiro: Forense, 16. Ed., 1995.
GRINBERG, Rosana. A questão das
cláusulas abusivas nos planos de saúde. Retirado de
www.infojus.com.br/area7/rosana2.htm em 24.nov.2001
MARTINS, Plínio Lacerda. Cobrança
extrajudicial de honorários advocatícios: cláusula abusiva. Código do
Consumidor. In:
Jus Navigandi, n. 49. Retirado de
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=788 em 24.nov.2001
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado.São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997
PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura.
Cláusulas abusivas nos contratos de adesão. In: Jus Navigandi, n. 47. Retirado de http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=708
em 24.nov.2001
PEREIRA, Caio Mário da Silva,
Instituições de Direito Civil, V. III,. Rio de Janeiro: Forense, 2a. Ed., 1966
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil-
v.3 – Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. São Paulo:
Saraiva, 26a ed.,1999
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários
ao Código de Processo Civil, Vol. IV
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6.
Anexo
Sentença proferida em sede de ação
de rescisão contratual
Processo nº0119539789
8ª Vara Cível - 2º Juizado
Comarca de Porto Alegre
Autores: Luís Fernando Klippert
Ré: Goettert - Engenharia e
Construções Ltda.
Vistos, etc.
Luís Fernando Klippert e S/M.
Michelline Oliveira Klippert ingressaram com ação de rescisão contratual contra
Goettert - Engenharia e Construções Ltda., narrando que, no dia 03.0795, foram
convidados, pelo telefone, para comparecerem no dia seguinte, às 21h, na Rua
Luzitana nº597, tendo em vista um projeto turístico. Lá comparecendo,
participaram de um coquetel e tiveram conhecimento de um projeto de construção
com vendas de cotas para serem utilizadas em condomínio por diversos
proprietários. Foi informado que o preço estava em promoção e que o contrato
deveria ser assinado naquela mesma noite. Assim, seduzidos pelo
"marketing" da requerida, firmaram o contrato. Ao retornarem para
casa, analisando melhor o negócio, verificaram divergências entre o que foi
dito na ocasião e o que constava no contrato. Não havia, por exemplo, a
possibilidade de ser feita a cumulação de semanas não aproveitadas em um ano
para o ano seguinte. Retornaram no dia seguinte, para rescindir o contrato,
ocasião em que foram informados de que, para tanto, deveriam pagar multa no
valor de 35% do valor do imóvel. Os autores não concordaram e enviaram
correspondência, manifestando o interesse em desfazer a avença. Pretendem os
requerentes a rescisão do contrato, invocando normas do Código de Defesa do
Consumidor, sendo condenada a ré no pagamento dos encargos de sucumbência.
Contesta a ré. Sustenta ter agido
corretamente, prestando todas as informações a respeito do empreendimento, o
qual foi analisado pelos requerentes. O art. 49 do CDC não se aplica, pois o
contrato não foi firmado fora do estabelecimento comercial. É possível
rescindir o contrato, uma vez paga a multa estipulada, que corresponde ao
ressarcimento de despesas. Aduz que o contrato deve ser respeitado, eis que
firmado de forma livre pelos autores, sendo que a requerente é advogada. Requer
a condenação dos autores no pagamento das despesas relacionadas com o contrato,
bem como as parcelas vencidas.
Os autores responderam.
Realizada audiência, foram ouvidas
as partes e testemunhas, proferindo-se os debates orais.
Relatados, decido.
Versam os presentes autos a
respeito de uma forma totalmente abusiva, desrespeitosa e inaceitável de
comércio, impondo-se a firme atuação dos órgãos encarregados de defender o
consumidor, para coibir tais práticas.
O comércio não pode estar baseado
no aliciamento, na preparação de armadilhas, ou arapucas, a fim de atrair o
consumidor e, aproveitando-se de menor reflexão, fechar um negócio que não era
de interesse do comprador.
Preocuparam-se os autores em
demonstrar que o contrato e o regulamento para uso do empreendimento turístico
estava em desacordo com o que havia sido dito na exposição da ré.
Não ficou demonstrada esta alegação dos requerentes, até
porque seria muito difícil, as únicas pessoas presentes na ocasião eram os
autores e funcionários da ré.
Tenho, no entanto, como
absolutamente irrelevante eventual divergência entre o que foi tratado
inicialmente e o contrato firmado.
O fundamental é que toda a atuação
da ré é inaceitável. Conforme restou perfeitamente esclarecido pelos documentos
e testemunhas ouvidas, o aliciamento do consumidor começa com uma pretensa
entrevista, ou pesquisa, ou qualquer outra forma de obter os dados pessoais e
informações quanto ao patrimônio do comprador em potencial. É do conhecimento
de todos que existem equipes de "recepcionistas" atacando as pessoas
em lugares públicos, restaurantes, etc.
Identificado um cliente em
potencial, vem o convite para o coquetel, no qual o consumidor será convencido
a comprar tal empreendimento.
Conforme relataram as pessoas
ouvidas, o cliente fica totalmente incapacitado de refletir sobre o que está
comprando. Do início ao fim da exposição o casal é acompanhado de pessoa
encarregada de afogar os incautos em informações excelentes sobre o
empreendimento, existindo todo um cenário montado, com apresentação de filme,
maquete, apartamento decorado. Ao fim de duas horas de aranzel monocórdio sobre
as maravilhas do prédio, que nem existe, os clientes são encaminhados para as
mesas dos vendedores, onde lhes é dito que, naquela noite, existe uma promoção
"imperdível". Conforme ficou claro pela prova colhida, a ré faz os
tais coquetéis todas as noites, com as mesmas "promoções". Ao cliente
não é permitido levar o contrato para casa, para ler e refletir, nem é
apresentado o regulamento, antes de ser assinado o contrato.
As irregularidades são tantas que
o contrato não tem como subsistir.
Primeiro, é de referir o
procedimento já aludido, de aliciar clientes sem que estes tenham pleno
conhecimento da finalidade para a qual estão fornecendo os seus dados. Além
disto, o convite para um coquetel configura nova forma de seduzir o comprador
por via indireta, sub-reptícia, que, acreditando que vai para uma festa,
termina enredado em uma enfadonha reunião comercial.
Por outro lado, sabe-se que os
vendedores ou recepcionistas, em tais empreendimentos, são cuidadosamente
treinado para falar continuamente e não deixar qualquer dúvida no espírito do
cliente, apresentando solução para todas as eventuais objeções. À exposição
oral soma-se o cenário cuidadosamente montado, e também os salgadinhos e
bebidas servidos aos participantes. Não é difícil perceber que, com todos os
sentidos ocupados em transmitir ao cérebro informações novas, a necessidade de
processar todas essas informações acaba reduzindo a capacidade de raciocinar,
avaliar criticamente o que está sendo dito.
O que parece um inocente coquetel,
portanto, acaba tendo várias funções, primeiro, para servir de atrativo para o
cliente, depois, para ajudar a distrair e criar um vínculo, um débito do
convidado; como a ré fez questão de lembrar, teve gastos com o coquetel
oferecido aos autores.
Ademais, a explanação de duas
horas apresenta-se como um exagero com o visível intuito de cansar os clientes
e vencer suas últimas resistências. Muitas superproduções de Hollywood
fracassam por não conseguirem manter a atenção do público por duas horas.
Ao final deste bombardeio
arrasador, o cliente é encaminhado ao vendedor, quando é instado a fechar o
negócio, utilizando a empresa ré de dois artifícios. Primeiro, uma mentira, que
o preço está em promoção "só naquela noite". Segundo, o desrespeito
de impedir o cliente de levar o contrato para ler na sua casa. Fica evidenciado
que todo o esquema está montado para induzir as pessoas a efetuarem o negócio
sem a devida reflexão, daí ser "norma" da empresa que o contrato seja
assinadona mesma noite.
Ora, o contrato está impresso em
letras minúsculas, que causa dificuldade para qualquer pessoa de visão normal
ler na totalidade. Agora imagina-se ao fim de um dia de trabalho, depois de
duas horas de agradável explanação, tendo mais um vendedor à frente,
convencendo sobre o insuperável empreendimento. Não creio que algum comprador pare
para ler uma por uma das cláusulas. Por outro lado, duvido firmemente que,
mesmo lendo o contrato, ao fim de toda a maratona, o comprador consiga atentar
para o sentido de cada cláusula, fazer uma avaliação crítica e decidir pela
aceitação da mesma.
Tem-se, portanto, todo um esquema montado para induzir o
comprador a fazer um negócio que pode até não ser ruim, pode até ser bom o
empreendimento oferecido pela ré. Não se discute este aspecto. Acontece que,
independentemente das maravilhas de determinado produto ou serviço, não se
admite a coação, por leve que seja, na obtenção da vontade do consumidor.
Discorreu eruditamente a ré a
respeito dos contratos e da coação, sustentando a inexistência desta no
presente caso. Na verdade, a coação existiu. Não na forma de violência, de
ameaça. Mas de forma sutil, velada, a coação"moderna", preparada por
profissionais de marketing com aprofundados conhecimentos de psicologia,
sociologia, etc., aliados às técnicas de vendas. Resulta em um aparato de
procedimentos mercadológicos que impõe sérias dúvidas a respeito da vontade
livre e espontânea do consumidor, ao efetuar a compra. No caso em tela, não há
dúvida quanto à falta de capacidade, ou a capacidade reduzida, para decidir,
por parte do comprador, tendo em vista tudo o que já foi referido. O negócio
teria sido livremente estabelecido, se os autores tivessem levado o contrato
para casa e, após algum tempo, devolvido assinado. Mas isto a ré não aceita que
seus clientes façam.
Se o que foi referido não
bastasse, a cláusula que estabelece a multa de 35% é totalmente nula, pois não
está redigida em destaque, facilitando a sua compreensão, como determina o art.
54, § 4º, do Código do Consumidor. Aliás, o contrato é um amontoado de ilegalidades,
como a cláusula 4ª, § 5º, que estabelece mandato cambial em favor da vendedora,
e também a cláusula 12ª, que "elege" o foro de Florianópolis para
conhecer o contrato, apesar de as partes serem domiciliadas nesta Capital, e o
contrato aqui ter sido firmado, acrescentando-se, ainda, que esta mesma
cláusula estabelece que o contrato é irrevogável e irretratável, de execução
obrigatória, mas a cláusula 4ª, § 6º, permite à vendedora, "em qualquer
tempo, considerar rescindido, de pleno direito, o presente compromisso".
Trata-se de cláusula abusiva, conforme previsão do CDC, art. 51, XI:
"autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que
igual direito seja conferido ao consumidor."
Quanto à aplicação do art. 49 do
CDC, tenho como razoável, na medida em que o espírito que norteia o citado
diploma legal deve ser preservado, mesmo que eventualmente a situação concreta
não se amolde perfeitamente à previsão legal. Alega a ré que a venda não
ocorreu fora do estabelecimento comercial. No entanto, por todas as
circunstâncias que envolveram o negócio, caracteriza-se a necessidade de uma
especial proteção, como nos casos referidos nos casos referidos no aludido
dispositivo, pois o consumidor teve reduzida a sua capacidade de decisão livre
e conscientemente.
De qualquer forma, mesmo que fosse
afastado o art. 49, teria aplicação o rt. 6º, que diz: "São direitos
básicos do consumidor: IV) a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva,
métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e
cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços."
Por fim, quanto às despesas
alegadas pela ré, nenhum direito tem ao ressarcimento, pois se trata de
contrato abusivo, obtido de forma coercitiva. Ademais, a requerida beira a
má-fé, pois nenhum comprovante trouxe de que tenha realmente pago os valores
referidos, a começar ela aludida semana na Praia dos Ingleses, para 4 pessoas.
Quem aproveitou esta semana, já que os autores não foram até a referida praia?
Além disto, as taxas de associação ao tal de RCI, bem como outras despesas, não
foram comprovadamente pagas pela ré, de forma que estaria ela buscando
enriquecimento sem causa, pois os autores, não permanecendo no empreendimento,
não serão associados da RCI, logo, a ré irá embolsar este valor. De qualquer
forma, além de o contrato ser abusivo, a desistência dos autores foi comunicada
de imediato, de foma que nenhuma despesa poderia ter efetuado a ré para
prejudicar os autores, pois tinha conhecimento da pretendida rescisão.
Isto posto, julgo procedente a
ação, para declarar nulas as cláusulas 4ª, § 6º, e 12ª, do contrato, decretando
a rescisão contratual. Arcará a vencida com as custas processuais e honorários
advocatícios de cinco salários mínimos.
Publique-se e intimem-se.
Porto Alegre, 15 de abril de 1996.
Bayard de Freitas Barcellos
Juiz de Direito
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7.Notas
1. Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil - Vol. III, p. 11
2. Orlando Gomes, Contratos, p.
37/38
3. "São elas chamadas de
leoninas porque são impostas nos contratos com o objetivo de prejudicar as
partes mais fracas, que ficam sujeitas ao bote do leão quando de suas
aplicações"- Hélio Zaghetto Gama, Curso de Direito do Consumidor, p.108
4. Diz-se que a Lei de Defesa do
Consumidor (Lei n° 8.078/90) é dos mais avançados sistemas legais dessa
natureza; Essa constatação, antes de servir à ufania dos legisladores, deve
provocar reflexão: é tão avançado talvez porque, aqui, o que não é vedado em
lei, passa a ser automaticamente permitido, mesmo que moralmente condenável.
5. Nelson Nery Junior. Código de Processo Civil Comentado, p. 1.379
6. Hélio Zaghetto Gama, idem,
p.108
7. Moacyr Amaral Santos,
Comentários ao Código de Processo Civil - Vol. IV, p. 441.
8. Marco Aurélio Ventura Peixoto,
Cláusulas abusivas nos contratos de adesão
9. Orlando Gomes, Contratos, p.109
10. Ana Maria Zauhy Garms,
Cláusulas abusivas nos contratos de adesão à luz do Código do Consumidor
11. Ana Maria Zauhy Garms,
Cláusulas abusivas nos contratos de adesão à luz do Código do Consumidor
12. Ana Maria Zauhy Garms, idem.
13. Publicado no Diário Oficial da
União, em 18/0598
14. Ana Maria Zauhy Garms,
Cláusulas abusivas nos contratos de adesão à luz do Código do Consumidor.
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3387&p=2. Acesso em: 29 out. 2004.