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As invalidades no Direito Civil e sua caracterização no
Código de Defesa do Consumidor
Eduardo Messias Gonçalves de Lyra Júnior
advogado, pós-graduando em
Direito Privado pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC)
Henrique Monteiro Figueiredo
advogado, pós-graduando em
Direito Privado pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC)
Pollyana Maria Farias de Gouveia
servidora do Tribunal Regional do
Trabalho da 19ª Região (Alagoas), pós-graduanda em Direito Privado pelo Centro
de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC)
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Sumário: 1. Considerações
iniciais. 2. Plano da validade. I. Considerações gerais. II. A invalidade. III.
Graus de invalidade. a) A nulidade. b) A anulabilidade. IV. Espécies de
invalidade. V. O ato inexistente. 3. A invalidade nas relações de consumo. I. O
Código de Defesa do Consumidor. II. Os princípios norteadores do CDC. III. A
Natureza da Invalidade estabelecida pelo artigo 51 do CDC. 4. Considerações
finais. 5. Referências bibliográficas.
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1. Considerações iniciais.
A vida é uma sucessão de fatos. O nascimento e a morte,
o nascer e o pôr do sol, o ritmo das marés – tudo que nos cerca, são fatos.
Porém, há fatos que têm valor para a vida humana e outros que são irrelevantes.
Se o fato interfere direta ou indiretamente nas
relações humanas, afetando seu equilíbrio, são editadas normas jurídicas. É uma
necessidade social. Diz-se, então, que a norma jurídica atua sobre os fatos que
compõem o mundo.
Assim, é de fundamental importância a distinção entre o
que é jurídico e o que não se inclui no mundo jurídico. Somente o fato que
esteja regulado pela norma jurídica é um fato jurídico. "Sem as
proposições normativas do Direito Positivo, nenhum fato do mundo pertence ao
universo jurídico", esclarece Vilanova (1977:118). Como nem todo fato é
fato jurídico, nem todo fato pode gerar efeitos jurídicos.
Delimita-se assim o mundo do Direito pelas normas
jurídicas e sua eficácia. Sem a realização dos fatos previstos pela norma
jurídica não há qualquer conseqüência prática e nenhuma repercussão jurídica.
Mesmo abstratamente, não se pode falar em Direito, sem a existência da norma
jurídica. E somente depois de promulgada e vigente, pode a norma jurídica
incidir e vincular as condutas a que se destina.
Pontes de Miranda divide o mundo jurídico em três
planos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Distinção esta, segundo
a qual – diz o autor – evita-se que se confunda o "ser", o "valer"
e o "ter efeito" (Miranda, 1977:22).
O plano da existência se constitui no pórtico de
entrada dos fatos no mundo do Direito. Não importa se os fatos jurídicos são
válidos ou eficazes. Basta saber da sua existência, a qual, esclarece Mello (2001:83),
se constitui em premissa "de que decorrem todas as demais situações que
podem acontecer no mundo jurídico".
No da validade, o fato jurídico existente passa a ser
lícito, e a vontade relevante seu elemento nuclear (Mello, 2001: 84).
O da eficácia pressupõe a passagem do fato jurídico
pelo plano da existência, mas não essencialmente pelo plano da validade. No
plano da eficácia os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as
situações e relações jurídicas – direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações
e exceções, ou, ainda, sua extinção (Mello, 2001:85). Não se podem confundir,
portanto, de acordo com a teoria ponteana, as três situações, já que se situam
em planos diferentes.
O fato jurídico existe como resultado da incidência de
uma norma num fato.
Não há uma relação essencial entre validade e eficácia
do ato jurídico. Normalmente, o ato jurídico precisa ser válido para ser
eficaz. Porém, o ato jurídico inválido, quando anulável, produz todos os seus
efeitos até que seja desconstituído por sentença judicial. Há também
circunstâncias em que o ato jurídico válido é ineficaz. As normas jurídicas
atribuem qualificações distintas ao fato jurídico. O existir constitui
pressuposto essencial da validade ou invalidade, da eficácia ou ineficácia do
fato jurídico. Somente aquilo que existe pode ser qualificado.
Resumindo, no plano da existência entram todos os fatos
jurídicos, sejam eles lícitos ou ilícitos, válidos, anuláveis ou nulos, e
ineficazes. No plano da validade somente se incluem os atos jurídicos stricto
sensu e os negócios jurídicos, pois são eles os únicos sujeitos à apreciação da
validade. No plano da eficácia se incluem todos os fatos jurídicos lato sensu,
incluindo os anuláveis e ilícitos; e os nulos quando a lei lhes atribuir algum
efeito.
Assim, ser (existência), valer (validade) e ser eficaz
(eficácia) se constituem em categorias diferenciadas no mundo jurídico.
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2. O plano da validade.
I. Considerações gerais.
O ato jurídico em si (negócio jurídico e ato jurídico
stricto sensu) pode ter seus dados relativos à validade e à eficácia alterados;
entretanto, no que tange ao aspecto existência, este dado não se altera nunca,
eis que não se pode considerar inválido ou ineficaz aquilo que não existe. A
existência do fato jurídico é, sempre, um prius lógico em relação aos seus
demais atributos (validade e eficácia).
A validade é uma questão que diz respeito, tão-só, aos
atos jurídicos lícitos, isto é, àqueles cujo "suporte fático tem como
cerne uma exteriorização consciente de vontade, dirigida a obter um resultado
juridicamente protegido ou não proibido e possível", segundo Mello
(1991:76).
E é exatamente no plano da validade, por onde apenas
transitam os atos jurídicos lato sensu, que o Direito fará a triagem entre o
que não está eivado de quaisquer vícios invalidantes, ou seja, do que é
perfeito, do que está carregado de qualquer espécie de defeitos capazes de
tornar o ato jurídico inválido.
Pontes de Miranda insere, portanto, a nulidade e a
anulabilidade dos atos jurídicos no plano da validade. É importante notar que
mesmo no âmbito da doutrina alemã – de onde Pontes de Miranda sorveu grande
parte de sua influência –, a confusão sempre foi reinante, no que se refere ao
plano no qual as nulidades no Direito Civil poderiam ser localizadas. Para
Enneccerus (1950, p. 366), o negócio jurídico nulo inexiste juridicamente
(confunde-se validade com existência). Larenz (1978, p. 623), a seu turno,
insere a nulidade no plano da eficácia (confunde-se validade com eficácia).
II. A Invalidade.
A doutrina pandectista elaborou os primeiros elementos
da teoria da invalidade, os quais vêm conquistando sempre maior rigor lógico e
perfeição científica no curso dos anos, por intermédio de um trabalho de
análise aguda e meditada síntese conceitual, sobretudo pelos juristas de
formação privatística e romanística (Azara et al., 1962:963).
O estudo da invalidade pode ser iniciado a partir da
definição do que seja o seu oposto e, para tanto, pode-se recorrer à lição de
Pereira (1997:111), para quem "a validade do negócio jurídico é uma
decorrência da emissão volitiva e de sua submissão às determinações legais".
A contrario sensu, pois, inválido será o ato jurídico
que for de encontro à norma, prescindindo dos requisitos indispensáveis à
produção de efeitos, ou porque o agente afrontou a lei ou porque o ato não reúne
condições legais de uma emissão útil de vontade.
A invalidade nada mais é do que uma sanção adotada pelo
ordenamento jurídico para punir determinadas condutas que sejam contrárias às
normas de direito vigentes. Pode-se afirmar que a questão da invalidade dos
atos jurídicos está diretamente relacionada com a violação das normas
jurídicas: onde houver violação de preceitos jurídicos pré-estabelecidos,
estar-se-á diante de um ato jurídico inválido. A não ser que a própria norma
cogente preveja, especificamente, outro tipo de sanção, que não a invalidade.
III. Graus de invalidade.
Partindo-se, pois, da premissa de que a invalidade é
uma sanção que o ordenamento jurídico adota para punir certa espécie de ato
contrário a direito, destacamos que ela, a invalidade, é um gênero do qual são
espécies a nulidade e a anulabilidade. Isto quer dizer então que nulidade e
anulabilidade são os dois graus de invalidade considerados no direito
brasileiro, embora haja certa discrepância na terminologia doutrinária, preferindo,
alguns autores (Rodrigues, 1988:307 e ss.; Monteiro, 1988:265 e ss.), o emprego
das expressões "nulidade absoluta", quando se tratar de nulidade, e
"nulidade relativa", quando se referir à anulabilidade. O mesmo se
diga dos tribunais, que ora utilizam uma, ora outra expressão. No âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, p. ex., em alguns acórdãos, opta-se pela
utilização da expressão nulidade relativa: "DIREITO CIVIL. HIPOTECA.
AUSÊNCIA DE OUTORGA DO CÔNJUGE. ANULAÇÃO. ART. 235, CC. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO.
- Tal como ocorre com a fiança, inquina-se de nulidade relativa a hipoteca
realizada sem outorga do cônjuge, nos termos do art. 235-I do Código
Civil" (4a Turma, Recurso Especial n.º 278.101/PA); noutros, prefere-se a
utilização da terminologia constante no Código Civil: "A "falta do
registro a que se refere o art. 32 da Lei nº 4.591/64, por si só, ´não implica
a nulidade nem a anulabilidade do compromisso de compra e venda´, como
assentado em precedente da Corte" (3a Turma, Recurso Especial n.º 260.563/SP).
a) A nulidade.
A nulidade é o grau mais enérgico de invalidade,
acarretando, em geral, a ineficácia erga omnes do ato jurídico quanto a seus
efeitos próprios, além da insanabilidade do vício. É, na lição de Santos (1991:225),
"o vício que retira todo ou parte de seu valor a um ato jurídico, ou o
torna ineficaz apenas para certas pessoas". É também chamada de nulidade
absoluta, como visto logo acima: o defeito que atinge o ato jurídico nessas
condições é tão grave que ele não pode produzir o efeito almejado. Em casos
assim, considera-se nulo o ato jurídico quando praticado por agente
absolutamente incapaz, quando for ilícito ou impossível o seu objeto, quando
não revestir a forma prescrita ou não defesa em lei ou for preterida alguma
solenidade que a lei considere essencial à sua validade e, ainda, quando a lei
taxativamente lhe declare nulo ou negue-lhe efeito (Código Civil Brasileiro,
art. 145).
A nulidade é insanável e imprescritível, não podendo
ser suprida pelo juiz, quer de ofício, quer a requerimento de qualquer das
partes. A maioria dos autores, entretanto, entendem ser possível que o negócio
jurídico nulo possa ser confirmado, ou seja, repetido, escoimando-se a falha
letal que o mesmo se revestia (Pereira, op. cit.). Na verdade, celebrar-se-ia
novo negócio jurídico, afastando-se o vício nulificante até então existente.
Esquematicamente, acerca das nulidades, pode-se dizer
que: a) operam ipso iure ou ipsa vi legis; b) são invocáveis por qualquer
pessoa interessada; c) são insanáveis pelo decurso do tempo; d) não podem ser
convalidadas (Pinto, 1996:611)
b)A
Anulabilidade.
Já na anulabilidade, os efeitos se dão inter partes,
isto é, apenas entre os sujeitos envolvidos na relação jurídica onde se tem o
ato jurídico anulável; isto porque a anulabilidade é o grau mais leve de
invalidade dos atos jurídicos e nela não se vislumbra o interesse público, mas
tão só a mera conveniência das partes; só entre esses sujeitos é que o ato
jurídico produzirá, na sua totalidade, sua eficácia específica até que ele
(ato) e seus efeitos sejam integralmente desconstituídos, através de impugnação
em ação própria.
Os atos anuláveis podem ser convalidados pela
confirmação ou pelo decurso do tempo, como destaca Mello (1999:53). Prende-se a
anulabilidade à incapacidade relativa do agente ou a algum defeito que inquina
o negócio (Código Civil Brasileiro, art. 147). O negócio jurídico anulável pode
convalescer-se em duas situações: pelo decurso do tempo ou pela ratificação, de
forma expressa ou tácita.
Em resumo, as anulabilidades possuem as seguintes
características: a) têm de ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade; b)
só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por quaisquer
interessados; c) são sanáveis pelo decurso do tempo; d) são sanáveis mediante
confirmação (Pinto, op. cit.:612-614).
IV. Espécies de invalidade.
Quanto à abrangência, a invalidade pode ser total,
alcançando todo o ato jurídico, ou parcial, quando apenas uma parte do ato
jurídico é considerada inválida, permanecendo todo o resto válido. Nesta
hipótese, só se considerará a invalidade parcial se a exclusão daquela parte
considerada inválida não afetar a essência do ato em si, sem descaracterizar o
seu suporte fático; se houver a desconfiguração, o ato não será inválido
parcialmente, mas na sua totalidade. Veja-se, a respeito, a primeira parte do
art. 153 do Código Civil Brasileiro, in verbis: "a nulidade parcial de um
ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável". Este ditame
é, segundo Santos (op. cit.:284), "a aplicação do conhecido preceito de
Direito: utile per inutili non vitiatur".
A invalidade pode ser ainda, substancial e formal.
Tem-se a invalidade substancial, também dita material, quando esta resulta de
violação de norma de direito material, ou seja, quando a invalidade toca o ato
jurídico em seu conteúdo, a matéria de que trata o ato jurídico. Formal é a
invalidade decorrente de violação de normas jurídicas sobre a forma.
São espécies de invalidade, ainda, no que diz respeito
à necessidade de ser alegada, as invalidades de pleno iure e aquelas
dependentes de alegação. As primeiras, de relevante interesse público, podem
ser alegadas pelos interessados e pelo Ministério Público sendo, ainda,
decretáveis ex officio, conforme já decidiu, inclusive, o Superior Tribunal de
Justiça, ao julgar o Agravo Regimental em Embargos de Declaração interpostos em
Agravo de Instrumento n.º 151.689/RS. Nas invalidades dependentes de alegação,
a predominância é de interesses patrimoniais particulares e somente o
interessado tem legitimidade para alegá-la, não sendo decretável, de ofício,
pelo juiz, a não ser que haja provocação.
Destaque-se, finalmente, que, no direito pátrio, toda
invalidade é originária, nada havendo que se falar em invalidades
supervenientes ou suspensas.
V. O Ato inexistente.
Ainda é bastante controvertida a aceitação, pela
Doutrina, do ato inexistente e sequer o Código Civil Brasileiro o menciona.
Coube ao direito moderno introduzir este conceito, já que decisões judiciais
autorizam a afirmação de que a jurisprudência tem acolhido a teoria do ato
inexistente. Encontra-se referência a tal teoria, no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 115.966/SP, proferido
pela 4a Turma.
Na França, onde a teoria do ato inexistente floresceu,
sua aceitação, pelos tratadistas clássicos (Planiol y Ripert, 1946:395 e ss.;
Josserand, 1952:135; Colin y Capitant, 1952:199), é indiscutível.
Pode-se defini-lo como "uma mera aparência de ato,
insuscetível de quaisquer efeitos, plenamente afastável com a demonstração de
sua não realização", como o quer Pereira (1997:52), em obra já citada,
referindo-se a Capitant.
O ato inexistente não produz qualquer efeito,
independentemente da declaração de inexistência. Falta-lhe algum elemento
essencial, indispensável à sua completa perfeição. É também chamado de ato
incompleto ou inacabado, como o diz Monteiro (1988:65), numa definição
certeira, que o "ato inexistente é o nada".
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3. A invalidade nas relações de
consumo.
I. O Código de Defesa do Consumidor.
A Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, embora com
alguns meses de atraso (cf. art. 48, dos Atos Constitucionais de Disposições
Transitórias, da Constituição Federal de 1988), instituiu o Código de Defesa do
Consumidor (CDC).
Norma de ordem pública e interesse social, consoante
expressa previsão na Carta Magna (arts. 5.º, inciso XXXII e 170, inciso V), o
CDC inaugurou um novo capítulo nas relações intersubjetivas de parte
considerável da sociedade, ao prescrever princípios e regras de proteção e
defesa do consumidor.
Desde que em dada relação jurídica apresentem-se, num
dos pólos, um fornecedor, nos termos do art. 3.º, da Lei 8.078/90, e no outro,
um consumidor, definido como tal em seu art. 2.º (ou equiparado, cf. art. 2.º,
par. único, 17 e 29), as normas do CDC podem vir a incidir, presentes os demais
elementos integrantes dos suportes fáticos ali descritos.
Os fatos jurídicos originários da incidência das normas
da Lei 8.078/90 ingressam (obrigatoriamente) no plano da existência, e,
posteriormente, no da validade e eficácia (não necessariamente).
II. Os Princípios norteadores do CDC.
Além de prescrever normas de ordem pública e interesse
social (art. 1.º) – o que, por si só, já apresenta notável relevância, de
acordo com Filomeno (1999:224) –, o Código de Defesa do Consumidor estrutura-se
sobre princípios os quais repercutem diretamente sobre suas posteriores
prescrições.
Dentro deste contexto, reza o art. 4.º, da Lei n.º
8.078/90, que o respeito à dignidade, saúde e segurança dos consumidores, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das relações de consumo deve se constituir
no objetivo da Política Nacional de Relações de Consumo, a ser implementada
pelo Poder Público, obedecidos os princípios relacionados nos oito incisos do
artigo.
Alguns escritores (Mukai, 1991:12) vêm, no citado
dispositivo, um exemplo de norma programática, sem qualquer cogência,
desprovida de eficácia e, portanto, de eficácia prática. Para outros, todavia,
a prescrição do art. 4.º não se apresenta gratuita. Nesta linha de raciocínio,
Nunes (2000:104), sustenta: "O art. 4.º, que trata da política nacional
das relações de consumo, apresenta os princípios nos quais todo o sistema se
fundamenta".
Marques (2000:45 e ss.), com base nas disposições
contidas no art. 4.º, do CDC, extrai três princípios básicos do sistema
contratual das relações de consumo, os quais possuem, ainda, reflexo no combate
às cláusulas abusivas. São eles: a) princípio da vulnerabilidade do consumidor;
b) princípio da boa-fé objetiva; e c) princípio do equilíbrio ou eqüidade
contratual.
Nas palavras da prestigiada escritora (op. cit.:45):
"O primeiro tem reflexo direto no campo de
aplicação do CDC, isto é, determina quais relações contratuais estarão sob a
égide desta lei tutelar e de seu sistema de combate ao abuso. O segundo princípio
é basilar de toda a conduta contratual, mas aqui deve ser destacada sua função
limitadora da liberdade contratual. O terceiro princípio tem maiores reflexos
no combate à lesão ou à quebra da base do negócio, mas pode ser aqui destacada
sua função de manutenção da relação no tempo."
Importa notar, de outro lado, que o próprio Poder
Público, em face do disposto no art. 4.º, do CDC: a) fez editar o Decreto n.º
2.181, de 20 de março de 1997, o qual dispõe acerca da organização do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor, bem como estabelece as normas gerais de
aplicação das sanções administrativas previstas no CDC; b) vem, reiteradamente,
por intermédio da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça,
baixando portarias as quais relacionam diversas cláusulas contratuais consideradas
abusivas. Embora ato administrativo sem força vinculante de lei, Nery Junior
(1999:537), aduz que a iniciativa:
"... será norte seguro para futuras decisões do
Poder Judiciário e servirá, também, como parâmetro para o Ministério Público, órgãos
de defesa do consumidor e, por fim e principalmente, para os fornecedores de
produtos e serviços, para que retirem de seus contratos referidas cláusulas
abusivas e/ou não façam incluí-las em formulários e contratos futuros."
Portanto, o texto do art. 4.º, da Lei n.º 8.078/90,
apresenta relevância prática, influindo na configuração das invalidades
estabelecidas pelo art. 51.
III. A natureza da invalidade estabelecida pelo artigo
51 do CDC.
O CDC dedica, na Seção II, do Capítulo VI, do Título I,
espaço à regulação das denominadas cláusulas abusivas.
Diferentemente do que ocorre em relação às invalidades
constantes do Código Civil, porém, a Lei n.º 8.078/90 só reconhece um tipo de
invalidade: a nulidade, de pleno direito, tal como indicado pelo caput do art.
51.
Como esclarece Nery Júnior:
"Abandonou-se, no sistema do CDC, a dicotomia
existente entre as nulidades do Direito Civil (nulidades absolutas e
relativas), pois o Código só reconhece as nulidades de pleno direito quando
enumera as cláusulas abusivas, porque ofendem a ordem pública de proteção ao
consumidor, base normativa de todo o Código, como se vê no art. 1.º do CDC: ‘O
presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem
pública e interesse social...’".
Ao optar pelo regime da nulidade para as cláusulas
abusivas, relacionadas no art. 51 do CDC, o legislador brasileiro fez uma opção
legislativa diferente da que fez, por exemplo, o legislador alemão, ao editar a
lei sobre as condições gerais do negócio jurídico, a AGB-GESETZ. 9.12.1976.
Neste país, ensina Marques (op. cit.:410), optou-se por estabelecer duas listas
de cláusulas; uma delas, sempre consideradas ineficazes (a denominada lista
negra do § 11); a outra, com estipulações que podem, a critério do juiz, ser
consideradas ineficazes (lista cinza do §10).
Na Itália, o Código Civil sofreu alteração em face da
edição da Lei n.º 52, de 6 de fevereiro de 1996, cujo art. 25 acrescentou
diversos dispositivos concernentes aos contratos de consumo. O art. 1.469bis do
CC Italiano, assim, passou a estabelecer que naqueles instrumentos jurídicos
serão consideradas vexatórias as cláusulas que, apesar da boa-fé dos
contratantes, determinem, a cargo do consumidor um significativo desequilíbrio
dos direitos e obrigações decorrentes do contrato (Geri et al., 1999:81 e ss.).
Caso em que, de acordo com o art. 1.469quinquies do Código Civil Italiano, tais
estipulações serão consideradas ineficazes, enquanto o contrato continua eficaz
quanto ao resto (Nuzzo et al., 1999:841 e ss.).
No caso da legislação brasileira, qualquer negócio
jurídico submetido às normas do CDC reputar-se-á nulo (e não anulável), caso
mostre-se contrário aos ditames contidos em seu art. 51.
Lobo (1991:177), esclarece que quanto às cláusulas
abusivas, relacionadas pelo art. 51, da Lei 8.078/90, o regime definido é o da
nulidade, e não outro qualquer. O regime de proteção, reforça o prestigiado autor,
opera em qualquer hipótese, em relação ao aderente. Tivesse o Código reputado
anuláveis tais disposições e a proteção efetiva ao consumidor estaria
irremediavelmente comprometida, porquanto ter-se-ia, de um lado, uma eventual
"inércia do lesado e seu temor aos riscos da demanda, comuns nas relações
de consumo"; de outro "o estímulo ao abuso do predisponente, que
contaria com a omissão dos aderentes e com a ausência de proibição legal
absoluta às condições gerais abusivas".
Uma das características do regime das nulidades,
estabelecida pela legislação material civil, ensina Trabucchi (1967:203) é,
justamente, não se apresentarem taxativamente determinados os casos inquinados
de tal vício. A nulidade como conseqüência lógica de uma substancial
deficiência, pode ser também virtualmente compreendida no sistema, esclarece o
civilista. Já a anulabilidade, continua o jurista italiano, encontra seu
fundamento na disposição da lei, e, conseqüentemente, o intérprete não pode
criar casos novos além dos já previstos.
O Código de Defesa do Consumidor, neste passo, além de
relacionar diversas estipulações tidas como nulas pelo caput, do art. 51 –
entre outras, consoante expressamente dito –, prescreve tal invalidade para
aquelas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção do
consumidor" (inciso XV).
Trata-se de norma de encerramento, que concede ao
julgador ampla margem para efetivar a integração de conceito jurídico
indeterminado – dizendo o que significa estar "em desacordo com o sistema
de proteção do consumidor", permitindo, ainda, a consideração de outras
hipóteses de cláusulas abusivas, a par daquelas enumeradas na lei (Nery Junior,
op. cit.:519).
Da relação (meramente exemplificativa) das cláusulas
tidas como nulas, pelo regime do art. 51 do CDC, sobreleva notar que a boa-fé e
a eqüidade, como referido por Marques (op. cit., p. 45 e ss.), aparecem
expressamente relacionadas na hipótese traçada pelo inciso IV do citado
dispositivo. Assim, serão nulas as estipulações contratuais que
"estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade".
Iniqüidade é o oposto de eqüidade, assinala Nunes
(2000:577), o que revela, de acordo com este autor, redundância na proposição,
já que a norma termina falando em eqüidade.
O Código presume excessiva a vantagem que o fornecedor
de produtos e serviços auferirá, em detrimento do consumidor, se ela: a)
ofender os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence (art. 51,
§ 1.º, inciso I); b) restringir direitos ou obrigações fundamentais inerentes à
natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio
contratual (inciso II); ou c) se mostrar excessivamente onerosa para o
consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das
partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (inciso III).
Ao prescrever, expressamente, que os contratos de
consumo devem estar de acordo com a cláusula geral de boa-fé, o CDC representou,
neste ponto em particular, um grande avanço. Porque, até então, somente o
Código Comercial (art. 131, item 1) trazia estipulação expressa acerca daquele
instituto, inexistindo qualquer artigo do Código Civil que o regulasse.
A boa-fé, cuja contrariedade, no contrato de consumo,
sujeitará o ajuste ao vício invalidante da nulidade, é a boa-fé objetiva,
concordam os autores (Marques, 1999:106 e ss.; Nunes, 2000:107 e ss.).
Para Marques (op. cit.:106), a boa-fé objetiva é:
"um standard, um parâmetro objetivo, genérico, que não está a depender da
má-fé subjetiva do fornecedor A ou B, mas de um patamar geral de atuação, do
homem médio, do bom pai de família que agiria de maneira normal e razoável
naquela situação analisada".
Configura-se a
boa-fé objetiva, de acordo com a citada autora (op. cit.:107), quando se faça
presente, no caso:
"... uma atuação ‘refletida’, uma atuação
refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando
seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo
com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem
excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do
objetivo contratual e a realização dos interesses das partes."
Já a eqüidade, de que trata o inciso IV, do art. 51, do
CDC, resgata a idéia de sinalagma contratual, enquanto elemento imanente
estrutural do contrato, significando, não apenas bilateralidade, mas um modelo
de organização das relações privadas (Marques, 2000:51).
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4. Considerações finais.
À guisa de conclusão, como se percebe do texto, embora
apresente determinadas afinidades com o regime das invalidades estabelecida na
legislação material civil, as invalidades constantes no CDC possuem certas
características, que justificam o tratamento microssistêmico que parcela da
doutrina sugere empreender (cf. Nery Junior, 1999:490).
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5. Referências bibliográficas.
AMARAL JUNIOR, Alberto do, et al. Comentários ao Código
de Proteção ao Consumidor. Juarez de Oliveira (coord.). São Paulo: Saraiva,
1991.
AZARA, Antonio e EULA, Ernesto (Dir.). Novíssimo
Digesto Italiano - vol. VIII. Turim: Utet, 1962. p. 993.
BRASIL. Código (1916). Código Civil Brasileiro.
BRASIL. Código (1850). Código Comercial Brasileiro.
BRASIL. Código (1990). Código de Defesa do Consumidor.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito civil.
Hipoteca. Ausência de outorga do cônjuge. Anulação. Art. 235, CC. Precedente.
Recurso provido. Tal como ocorre com a fiança, inquina-se de nulidade relativa
a hipoteca realizada sem outorga do cônjuge, nos termos do art. 235-I do Código
Civil. Recurso Especial n.º 278.101-PA (2000/0094657-5). Recorrentes: Iara
Szewczuc Bannach e outros. Recorrido: Banco América do Sul S/A. Relator:
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, DF, 22 de março de 2001.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em 05 set.
2001.
__________. A falta do registro a que se refere o art.
32 da Lei nº 4.591/64, por si só, ´não implica a nulidade nem a anulabilidade
do compromisso de compra e venda´, como assentado em precedente da Corte.
Recurso Especial n.º 260.563-SP (2000/0051358-0). Recorrente: Recel Engenharia
Ltda. Recorridos; Adelino Azenha Junior e outros. Relator: Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 21 de novembro de 2001. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em 05 set. 2001.
__________. Em se tratando de nulidade absoluta
contemplada no ordenamento material (CC arts. 145/146), defeso não era ao
Tribunal de segundo grau aprecia-la de ofício. Agravo Regimental nos Embargos
de Declaração no Agravo n.º 151.689-RS (1997/0044722-7). Agravante: Banco do
Brasil S/A. Agravada: Decisão de fls. 245/248. Relator: Sálvio de Figueiredo
Teixeira. Brasília, DF, de 30 de abril de 1998. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em 05 set. 2001.
__________. O ato jurídico para o qual não concorre o
pressuposto da manifestação de vontade é de ser qualificado como inexistente,
cujo reconhecimento independe de pronunciamento judicial, não havendo que
invocar-se prescrição, muito menos a do art. 178 do Código Civil. Recurso
Especial n.º 115.966-SP (1996/0077526-5). Recorrente: Oswaldo Magalhães –
Espólio. Recorrido: Antônio de Toro. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira. Brasília, DF, 17 de fevereiro de 2000. Disponível em:
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