Atualmente tem se discutido muito a
respeito da legalidade da cobrança de tarifa de assinatura de linha telefônica
fixa, no âmbito do Direito do Consumidor. Existem, inclusive, diversas ações
judiciais em trâmite debatendo a matéria.
As posições favoráveis à extinção da tarifa de
assinatura de linha telefônica fixa são fundamentadas em dispositivos isolados
do Código de Defesa do Consumidor (CDC), interpretados de forma literal e
singela, sem a devida atenção aos princípios norteadores do próprio Código, nem
ao
desenvolvimento econômico e social do país, objetivados na Constituição
Federal.
A melhor interpretação da lei na solução de um
conflito de interesses é a interpretação sistemática, com vistas à harmonização
de toda a legislação, atendendo aos princípios de Direito. E com essa exegese,
a manutenção da tarifa de assinatura acaba prevalecendo.
Não há dúvida quanto à constitucionalidade da Lei
Geral de Telecomunicações, nem quanto à legalidade de seus regulamentos ou
demais normas editadas pela Anatel. Além disso, nenhuma destas normas é
incompatível com as disposições do CDC.
A legislação dá mais subsídios para a defesa da
tarifa do que para as idéias tendentes a extingui-la, razão pela qual esses
conflitos têm encontrado decisões divergentes nos tribunais. Certamente a
questão será pacificada somente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), após
muitos litígios.
No entanto, interpretadas e aplicadas
harmoniosamente, as leis sobre o tema apontam para a legitimidade e plena
legalidade da cobrança da tarifa de assinatura de linha telefônica fixa, quiçá,
a obrigatoriedade desta cobrança.
Mas, além da análise jurídica, existem questões
de enorme importância no tema, que infelizmente são ignoradas quando se discute
o assunto. E essa importância se justifica por serem questões de interesse
público, que devem ser colocadas em primeiro plano e analisadas com o cuidado
necessário para que não fiquem prejudicadas pela aplicação fria da lei, ou
melhor, de um único e isolado dispositivo legal.
É notório que o sistema de telefonia em nosso
país passou por enormes e drásticas mudanças a partir da viabilidade legal e
constitucional das privatizações, visando a melhoria e o desenvolvimento do
sistema de telecomunicações.
Nos últimos dez anos, o avanço tecnológico foi
gigantesco, permitindo que o serviço de telefonia, antes restrito às classes
sociais "A" e "B", chegasse às camadas mais desfavoráveis
da sociedade. E este era um dos principais e mais nobres objetivos da mudança
do sistema, contribuindo para a necessária missão que cabe ao país e a cada um
de nós: diminuir a desigualdade social.
Ocorre que não é dada a devida importância a essa
questão, e é por isso que muitos não percebem que o desenvolvimento tecnológico
que proporcionou a ampliação do sistema, atingindo as classes mais
desfavorecidas da sociedade, foi decorrente de um planejamento de custos bem
elaborado pela Anatel, órgão competente, entre outras funções, para estabelecer
a estrutura tarifária para cada uma das
modalidades de serviço telefônico prestadas.
Desenvolvimento tecnológico gera custos e esse
desenvolvimento foi viabilizado pelo equilíbrio tarifário que foi criado.
Juntamente com a concessão do serviço de
telefonia, as empresas telefônicas receberam a incumbência de cumprir metas de
universalização dos serviços, levando o serviço telefônico para todas as partes
do país, para todas as camadas sociais e ampliando o serviço de telefones
públicos.
Para cumprir esse objetivo e manter os custos de
um telefone fixo, as empresas telefônicas necessitam de uma receita em torno de
R$ 45,00 (sem impostos) por usuário. No entanto, em 2003, somente a metade dos
usuários de telefones fixos tinha uma conta mensal líquida superior a R$ 45,00.
Para que a outra metade não gerasse prejuízos,
foi adotado um sistema misto, de modo que a conta é composta por uma parte fixa
mais reduzida (em torno de R$ 24,00) e outra parte paga por pulso. Assim, quem
utiliza mais o telefone, acaba pagando mais, o que é mais justo, respeitando o
princípio da proporcionalidade.
Se a tarifa telefônica fosse composta somente por
um valor fixo, ela seria superior aos mencionados R$ 45,00, inviabilizando o
serviço telefônico para grande parte da população.
E, finalmente, se a tarifa telefônica fosse
composta somente pelas chamadas realizadas, como pretendem aqueles que discutem
a legitimidade da tarifa de assinatura, seria necessário um grande aumento no
preço dos pulsos, estimado em 150%, para que houvesse a preservação do
equilíbrio econômico-financeiro das concessões. E isso fatalmente ocorrerá se
prevalecer o entendimento contra a tarifa de assinatura.
A extinção dessa tarifa torna economicamente
inviável a manutenção das metas de universalização impostas às concessionárias
de telefonia. Além do mais, a conta de uma linha telefônica de pouco uso não
teria o valor necessário para suprir os custos de manutenção dessa mesma linha,
prejudicando os usuários de baixa renda, que teriam perda de qualidade na
prestação do serviço.
Em médio prazo, seria inviável a prestação do
serviço aos usuários menos favorecidos, de forma que a extinção da tarifa de
assinatura será a causa para um indesejável retrocesso social, além de ser
responsável pela estagnação do desenvolvimento tecnológico.
Em linhas gerais, é possível se afirmar com
propriedade, ao contrário do que pregam alguns, que a extinção da tarifa de
assinatura telefônica contraria as normas e princípios do CDC.
Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2004
Retirado de: http://conjur.uol.com.br/textos/249425/