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A CNI e a liberação da publicidade de
tabaco
Guilherme Fernandes Neto
Ingloriosa a batalha iniciada pela
Confederação Nacional da Indústria (CNI), perante o Supremo Tribunal Federal -
STF, na qual tenta declarar inconstitucional o art. 3º, da Lei 9.294/96,
mediante a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 3.311, objetivando
liberar totalmente a publicidade de tabaco.
A CNI busca, injustamente, que o STF declare
inconstitucional todo o citado artigo de lei, ao argumento de que limitando a
publicidade de tabaco aos locais de venda do produto feriu o legislador a Carta
Magna, haja vista que ela garante a liberdade de comunicação, ipso facto,
protege essa espécie de publicidade, aduzindo ainda que "o direito de
propaganda é um direito fundamental" das empresas (sic!). Assevera,
por fim, que enquanto a Lei 9.294/96, em sua redação original, limitava o
horário de publicidade (entre as 21h e 6h), a redação atual – dada pela Lei
10.167/2000, sucedida pela Medida Provisória (MP) 2.190-34 – não mais limitou,
mas, proibiu "totalmente a veiculação de propaganda de produtos derivados
do tabaco".
Diversos são os erros perpetrados pela CNI.
Inicia confundindo publicidade com propaganda
e lastreando seu ataque no direito de obter informação, que com a publicidade
propriamente dita não se confunde. Erra, também, ao inferir que o direito de
manifestar o pensamento e divulgar produtos mediante publicidade é absoluto ou,
na dicção da Adin, "fundamental".
Olvida-se a entidade dos diversos princípios
constitucionais que limitam, direta ou indiretamente, a publicidade, a saber a
dignidade da pessoa humana, a probidade e a função social. Função social que,
ademais, pode ser extraída do próprio art. 221, IV, da Constituição Federal –
haja vista estar inserida dentro do capítulo da Carta pertinente à Comunicação
Social –, cuja lei é indevidamente acusada de ferir.
Impõe-se, assim, estudo sistemático partindo
dos princípios constitucionais cardeais pertinentes ao Direito da Comunicação
Social (o que se denomina em outros países de mass communication law ou droit
de la communication), não se olvidando, como foi feito, da proibição do
retrocesso.
Não menciona a CNI que a limitação de horários
para a veiculação pelas emissoras de TV – quando a publicidade de tabaco na
mídia eletrônica era lícita – foi diversas vezes descumprida, existindo
diversos registros de publicidades efetuadas em programas de âmbito nacional,
dirigidos a adolescentes, e que, com certeza, acabaram por atingir crianças.
Nada diz a confederação sobre campanhas
publicitárias que foram totalmente suspensas em outros países porque se
utilizaram de figuras com caraterísticas de desenho animado (v.g. Joe
Camel), ou de campanhas que foram suspensas no Brasil, à época em que a
publicidade de tabaco podia ser veiculada pela televisão, em razão se ter
constatado, mediante perícias, a existência de imagens que não eram captadas
conscientemente, somadas a um discurso que claramente afrontava a função social
da publicidade.
A injustiça buscada pela CNI é evidente e
constrangedora. Nada obstante ser o produto das indústrias do tabaco, a
nicotina, totalmente diverso dos demais ramos representados pela confederação,
busca tratamento similar para a publicidade, nada mencionando sobre o poder
viciante da droga, sobre os 200 mil brasileiros que têm sua vida anualmente
abreviada, sobre os danos imensos causados ao erário com as doenças
relacionadas ao tabaco, valor esse, aliás, diversas vezes superior ao valor
arrecadado pelos tributos incidentes em toda a cadeia produtiva do fumo.
Vencida a demanda ajuizada em benefício das
indústrias do tabaco – o que admito por epítrope –, as advertências inseridas
sobre os males do fumo desaparecerão, as imagens inseridas nos maços não mais serão
colocadas, a publicidade de tabaco será liberada.
As autuações efetuadas pela Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo DPDC (Departamento de Proteção de
Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça) e os TACs (termos de
ajustamento de conduta) celebrados pela Promotoria de Defesa do Consumidor de
Brasília com diversos matutinos e periódicos (Correio Braziliense, Jornal do
Brasil, Revistas Veja e Exame) impondo contrapropagandas, poderão ter sua
eficácia contestada.
A publicidade do tabaco em eventos esportivos,
que atinge crianças e adolescentes, não mais serão proibidas.
Quero crer, assim, que diversas entidades
congregadas pela CNI desconhecem essa insólita e malsinada ação direta de
inconstitucionalidade.
Dada a relevância da matéria, órgãos e
associações de defesa do consumidor e partidos políticos com representação no
Congresso Nacional deverão ingressar na citada Adin como amicus curiae
(amigo da corte), figura semelhante à intervenção de terceiro, possibilitada
pelo parágrafo 2º, do artigo 7º, da Lei 9.868/99, defendendo as crianças e
adolescentes, futuros consumidores potenciais de nicotina, neste lamentável
conflito.
Retirado de: http://cartamaior.uol.com.br/cartamaior.asp?id=1288&coluna=opiniao