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O CASO FORTUITO E A FORÇA
MAIOR COMO
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA
RESPONSABILIDADE
NO CÓDIGO DO CONSUMIDOR
Plínio Lacerda Martins
professor de direito do
consumidor da FGV e UGF,
mestre em direito,
promotor de justiça em
Juiz de Fora (MG)
O Código do Consumidor (Lei 8.078/90) dispõe de
diversos dispositivos de preservação ao direito do consumidor, entre os quais
nos limitamos ao estudo das causas/responsabilidades do produto ou serviço ser
exposto ao consumo por parte do fornecedor.
A Lei 8.078/90 prevê nos arts. 12. § 3º e 14, § 3º as
causas excludentes de responsabilidades, sem contudo elencar ou mesmo ressalvar
o caso fortuito ou a força-maior como causas excludentes da responsabilidade.
Indaga-se se as causas enumeradas nos dispositivos normativos citados são ou
não "taxativas" (não admitindo o aproveitamento de outras causas
excludentes). Esse sentido traduz a proposta do presente trabalho que
analisaremos a seguir.
A realização de um negócio jurídico parte do
pressuposto de que tudo ocorrerá normalmente e, se por acaso isto não ocorrer,
a parte contrária não terá culpa, "ela se desobriga". (1)
Windscheid já defendia a idéia de que os negócios
jurídicos devem ter sempre uma causa, que é o primeiro intento, não sendo
necessário pacto, porque isso é da essência do negócio. Mas ao lado desse
intento comum pode, existir, não expressamente declarados mas decorrentes das
circunstâncias futuras e imprevistas, causas necessárias a serem percebidas
pela outra parte, agindo assim como autolimitação da vontade. (2)
Todo produto ou serviço, por mais seguro e inofensivo
que seja traz sempre uma margem de insegurança para o consumidor, podendo
inclusive culminar em dano para o mesmo, gerando prejuízo a ser apurado através
das responsabilidades contratual e extracontratual, em conformidade como cada
caso em favor da relação jurídica de consumo, que pode ser ou não contratual.
A responsabilidade se conceitua como obrigação que
incumbe alguém de ressarcir o dano causado a outrem, em virtude da inexecução
de um dever jurídico de natureza legal ou contratual, conforme nos ensina
Arnoldo Wald. (3)A obrigação violada, em entendimento doutrinário, distingue-se
em obrigação legal e obrigação contratual, conforme já foi dito, fazendo surgir
uma responsabilidade conhecida como extracontratual ou aquiliana, no caso da
primeira, e responsabilidade contratual, no caso da última, advindo esta de um
contrato, onde a origem do dever jurídico é determinado e aceito pelas partes
contratuais.
O CDC em seus arts. 12 e 14 preferiu adotar a
unificação das responsabilidades contratual e extracontratual, em prol da
proteção às vítimas expostas aos riscos de consumo, adotando-se a
responsabilidade objetiva, independentemente da existência de culpa pela
reparação dos danos causados aos consumidores. O legislador atribuiu ao
consumidor, mesmo não contratando diretamente com o fornecedor direito
(fabricante, produtor...) a possibilidade de acioná-los em virtude do dano
sofrido pelo produto exposto ao consumo.
Dano, no conceito fornecido por Maria Helena Diniz
"pode ser definido como lesão(diminuição ou destruição) que, devido a um
certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou
interesse jurídico, patrimonial ou moral".(4)
O art. 12 da lei em questão a prescreve que o
"fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o
importador respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeito decorrentes de projeto,
fabricação, construção montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos".
O art. 14 do mesmo ordenamento jurídico também
consagra: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, pelo reparação dos danos causados aos consumidores"
(exceto os serviços dos profissionais liberais - art. 14§ 4º), imputando o ônus
da prova, ao fornecedor, que poderá se eximir da responsabilidade, na forma do
art. 12, § 12 § 3º, I, II, III e art. 14 § 3º, II, da Lei 8.078/90.
Apesar da responsabilidade ser objetiva, o Código do
Consumidor ressalvou algumas causas de "exclusão da
responsabilidade", o que no dizer de Antonio Herman de Vasconcelos e
Benjamin, "O Código adotou um sistema de responsabilidade civil obetiva, o
que não quer dizer absoluta"(5) permitindo a previsão de algumas
excludentes, tais como inexistência do defeito de produto ou serviço (art. 12 §
3º II e art. 14 § 3º II) e ainda a não colocação do produto no mercado (art. 12
§ 3º I), sendo que em todas "essas hipótese de exoneração e ônus da prova
é do responsável legal, de vez que o dispositivo afirma que ele só não será
responsabilizado quando provar tais causas". Com grande mestria, Hermem
reconhece em sua obra, citando Gabriel A. Stiglitz(6), que "a exoneração
total ou parcial da responsabilidade do fabricante requer então, a presença de
algum dos elementos obstativos do nexo causal, quer dizer, caso fortuito ou
força maior externos à coisa..." (grifo nosso).
O direito pátrio admite que o caso fortuito e a
força-maior excluem assim a responsabilidade civil. O Código do Consumidor não
estabeleceu como causa excludente de responsabilidade entre as demais causas
elencadas; todavia, conforme entendimento já expressado, não foi afastado,
mantendo-se como causa para impedir o dever de indenizar.
O art. 1.058 do CC estabelece o caso fortuito e a força
maior como forma de exoneração de responsabilidade, onde afirma que o devedor
não responde pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força-maior salvo
convenção ou determinação específica da lei.
É relevante destacar que o inadimplemento culposo ou
doloso é fonte de responsabilidade, enquanto a inexecução justificada por c. f.
ou f. m. implica em extinção de obrigação, na lição de Arnoldo Wald(7), sem
dever de compor as eventuais perdas e danos, sendo este princípio geral que
domina o direito brasileiro. Destarte, necessário se faz estabelecer a
distinção entre inexecução justificada por força-maior ou caso fortuito e
inadimplemento culposo ou doloso, para prosseguimento do estudo enfocado.
O inadimplemento
culposo acarreta responsabilidade do devedor. Quem não cumpre a obrigação
responde por perdas e danos; ao devedor culpado do inadimplemento impõe a lei o
dever de indenizar os prejuízos que o mesmo causou. Mas o inadimplemnto
fortuito seria correto responsabilizar de algo que não deu causa? Orlando Gomes
responde que o inadimplemento fortuito não origina, de regra, a
responsabilidade do devedor. "É princípio geral de Direito que devedor não
responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito".(8)
Silvio Rodrigues leciona que art. 1.058 parágrafo único
do CC define o c. f. ou de f. m. com o que se verifica a identificação com o
fato necessário cujos objetivos não era possível evitar ou impedir. É, em
rigor, o ato alheio à vontade das partes negociantes, e que tampouco derivou da
negligência, imprudência ou imperícia, sendo que o "caso fortuito ou de
força-maior representa um excludente de responsabilidade, em virtude de pôr
termo à relação de causalidade entre o ato do agente e o dano experimentado
pela vítima".(9)
O Código Civil Alemão prescreve no capítulo do Direito
das Obrigações exemplo de impossibilidade da prestação dos negociantes,
afirmando que: "A tradição da coisa comprada ao comprador, quando não transmite
simultaneamente a propriedade (neste caso tem lugar o adimplemento e a
obrigação se extingue), insere a coisa na esfera de risco do comprador. Se ela
agora parece sem culpa de um dos parceiros contratuais e por isso se
impossibilita à prestação, o comprador, em verdade, não pode reclamar reparação
de dano do vendedor, mas suporta o risco do perecimento fortuito",(10) o
que destaca o §446 do BGB., e não havendo culpa de nenhum dos parceiros
contratuais.
Resta a indagação: O Código do Consumidor seria a
exceção aos princípios aqui consignados, admitindo como causa de
responsabilidade feitos alheios às vontades das partes negociantes
(consumidor/fornecedor), em decorrência do c. f. ou f. m.? Aproveitaria também
como excludente de responsabilidade fatos de extrema impossibilidade jurídica
do cumprimento da obrigação?
Realçamos que a hipótese defendia como também causa de
exclusão da responsabilidade no Código do Consumidor (caso fortuito ou força
maior), não deve ser confundida com os motivos ensejadores da "teoria da
imprevisão" conforme salienta Arnoldo Medeiros da Fonseca, afirmando que
caso fortuito e força-maior são noções distintas dos requisitos necessários
para a "teoria da imprevisão" com fundamentos e efeitos diversos;
onde "o caso fortuito ou de força-maior só libera quando acarreta a
impossibilidade absoluta objetiva de executar; enquanto que, em matéria de
imprevisão, se atende também à impossibilidade subjetiva ou onerosidade
excessiva da prestação".(11) Destaca ainda Arnoldo que c.f. ou f. m., a
liberação do devedor é total, sendo a principal característica, ao passo que na
noção de imprevisão não estará excluído o direito do credor reivindicar a uma
razoável reparação.
Orlando Gomes interpreta que são diferentes as
conseqüências da inexecução por onerosidade excessiva da prestação, que implica
em reconhecimento da teoria da imprevisão, e a inexecução advinda de caso
fortuito. "É regra pacífica a de que o devedor não responde pelos
prejuízos resultantes de caso fortuito ou força-maior. Justifica-se plenamente
o princípio. Desde que não lhe é imputável a causa do inadimplemento, justo não
seria obrigá-lo a pagar perdas e danos, pois esse dever é, no fundo, uma sanção
aplicada a quem se conduz culposamente". A onerosidade excessiva,
esclarece Orlando Gomes, é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se
trata, portanto, da inexecução "por impossibilidade, mas de extrema
dificuldade"(12), confirmando assim o entendimento da possibilidade de
reconhecer o c.f. e a f. m. como excludentes de responsabilidade perante o
Código do Consumidor, face a extinção da obrigação referida.
No direito brasileiro, as expressões c.f. e f.m. são
sinônimas, confundindo para os efeitos e conseqüências ambas as situações,
dando-lhes tratamento idêntico, ao contrário do que acontece em legislações
estrangeiras que preceituam tratamento jurídico distinto aos dois institutos.
Alguns doutrinadores preferem fazer distinção entre
caso fortuito e força-maior, caracterizando o primeiro pela sua inviabilidade e
a segunda pela sua inevitabilidade, chegando inclusive a confundir ambos os
institutos com a ausência de culpa. O correto é que a ausência de culpa se
prova pela diligência normal do causador do dano, quanto ao caso fortuito
deve-se apresentar como fato irresistível; hipóteses essas, que diferenciam da
denominada "teoria da imprevisão" que não se confunde com as causas
de exclusão de responsabilidade.
A conclusão é no sentido de que o legislador ao
enumerar as causas excludentes de responsabilidade no Código do Consumidor (de
forma expressa), não afastou o reconhecimento do caso fortuito ou a força-maior
como forma de excluir também a responsabilidade do fornecedor, em virtude de
pôr termo à relação de causalidade entre o fato e o dano experimentado pelo
consumidor, extinguindo a obrigação, conforme reconhecimento pelo direito
pátrio e aproveitado nas relações jurídicas do Código do Consumidor. Destaca-se
ainda na conclusão, de que a "teoria da imprevisão" implica na
impossibilidade subjetiva ou onerosidade excessiva da prestação, não estando
excluído o direito do consumidor reivindicar a justa reparação, haja vista que
trata-se de obstáculo à obrigação; não se tratando de execução "por impossibilidade
mas de extrema dificuldade" a qual o c.f. e a f.m. aproveita.
Vê-se, pois, que a intenção do legislador não foi
restringir o caso fortuito ou a força-maior das causas excludentes enumeradas
no Código do Consumidor, preocupando-se em delimitar entre inúmeras hipóteses
que regulam as relações entre consumidores e fornecedores, àquelas causas
objetivas descritas na norma do consumidor. A responsabilidade atribuída ao
fornecedor de responder "independentemente da existência de culpa"
pela reparação do dano causado ao consumidor, traduz no sentido de responder
ainda que inexiste culpa (que se prova pela diligência normal do fornecedor);
não respondendo pelo dano quando houver c.f. ou f.m., pois trata-se de fato
irresistível caracterizado pela inevitabilidade e pela impossibilidade, sendo
estas conceituadas como causas de irresponsabilidade, reconhecidas e aplicadas
face a teoria da responsabilidade objetiva consagrada no Código do Consumidor.
NOTAS
1. Marcio Klang, Teoria da Imprevisão e a revisão dos
contratos. Ed. RT, 1991, p.21.
2. Windescheid, Diritto delle pandette, trad. italiana,
v..II, § § 97 e 100.
3. Arnoldo Wald, Curso de direito Civil
Brasileiro-Obrigações e contratos, 1989, Ed.RT.
4. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, Ed.
Saraiva, 1984, 7/50.
5. Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin,
Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, Ed. Saraiva, 1991, p.65.
6. Gabriel A.
Stiglitz, Protección jurídica del consumidor, Buenos Aires. Depalma, 1990, p.
23.
7. Arnoldo Wald, ob.cit.
8. Orlando Gomes, Obrigações, Ed. Forense, 1990, p.
180.
9. Sílvio Rodrigues, Responsabilidade Civil, Ed
Saraiva, 1982, p. 4.185.
10.
Peter Watermann, Código Civil Alemão-Direito das Obrigações - Parte geral, p.
79.
11. Arnoldo Medeiros da Fonseca, "Caso Fortuito e
Teoria da Imprevisão", Rev. Forense, Ed. Forense, 1958, p.346.
12. Orlando Gomes, Contratos , Ed. Forense, 1990, p.
198-199.
Retirado de: http://www.drmaycon.hpg.ig.com.br/Doutrina/direito_do_consumidor/O-caso-fortuito-e-a-forca-maior-como-causas-de-exclusao-da-r.htm. Acesso em: 08 out. 2004.