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Leonardo Roscoe Bessa é
Promotor de Justiça do MPDFT,
Mestre em Direito pela UNB,
Professor de Direito do Consumidor
(FGV e UNB),
1o Vice-Presidente do BRASILCON.
Num sábado ensolarado, um consumidor
dirige-se ao supermercado para realizar as compras do mês e é surpreendido com
o estouro da garrafa de cerveja que acabara de segurar. O vidro se estilhaça.
Um pedaço atinge diretamente a sua face, ocasionando danos irreparáveis à
visão.
Uma pessoa, durante o almoço, tem seu dente quebrado ao morder uma pedra que se
escondia em meio ao arroz integral. A embalagem do produto não trazia qualquer
advertência quanto à presença de minúsculas pedras da mesma cor e tamanho dos
grãos do alimento.
Os dois fatos - extraídos da vida real - são ilustrações dos chamados acidentes
de consumo. A responsabilidade civil do fornecedor vem disciplinada nos artigos
12 e 13 da Lei 8.078/90. Denomina-se responsabilidade pelo fato do produto. Tem
por objeto direto a defesa da incolumidade físico-psíquica do consumidor.
Em que circunstâncias, o fornecedor tem o dever de indenizar os danos materiais
e/ou morais decorrentes de acidentes de consumo?
Aponte-se, inicialmente, erro doutrinário em buscar respostas para situações
previstas e detalhadamente disciplinadas no Código de Defesa do Consumidor em
outras leis, no direito comparado ou em teorias justificadoras da
responsabilidade objetiva (risco proveito, risco criado, risco integral...)
No caso, as teorias servem especialmente como fundamento moral da norma
jurídica. É incorreto, portanto, buscar as soluções de uma situação em concreto
com base nos postulados de determinada teoria, pois muitas vezes o direito opta
por não seguir estritamente os modelos teóricos previamente formulados pela
doutrina ou por ordenamentos jurídicos alienígenas. Assim, antes de tudo, é no
direito positivo específico que se deve buscar todos os requisitos exigidos
para, em determinada situação fática, caracterizar o dever de indenizar, bem
como as hipóteses previstas de exclusão deste dever.
Nesse sentido é a opinião de Arruda Alvim, ao enfatizar a irrelevância do nomem
juris da responsabilidade sem culpa para os danos causados pelo fato do
produto. Assim, “aspectos basilares como o dano (através do próprio conceito de
defeito), o nexo causal e a extensão das eximentes de responsabilidade (...)
devem ser enfrentados sob visão nova, moderna, à luz de um inédito sistema,
exigindo do estudioso, no mais das vezes, esforço consciente que desvencilhe do
peso de conceitos jurídicos sedimentados (...)”
Ressalte-se, de imediato, que a indenização não se restringe ao destinatário
final do produto (art. 2º da Lei 8.078/90), pois o artigo 17 explicita que
todas as vítimas do evento devem ser indenizadas, com base nos pressupostos
estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.
A lei é clara no sentido de que o dever de reparar os danos independe da
existência de culpa, consagrando-se, à evidência, hipótese de responsabilidade
objetiva.
A responsabilidade independe do requisito culpa. Não há necessidade de
demonstrar conduta intencional ou negligente do fornecedor. A conduta deste
pode até ter sido culposa, mas não se faz necessário demonstrar a culpa para
caracterizar o dever de indenizar. Na verdade, a lei simplesmente não considera
a conduta consistente na fabricação do produto. O que importa é o produto
pronto, sem defeitos. O que houve antes, na cadeia de produção - atitude
diligente ou negligente do fornecedor - em nada modifica o dever de indenizar
se, obviamente, presentes os requisitos defeito, dano e relação de causalidade
entre ambos.
Há, ainda, aspecto processual de grande relevância que instrumentaliza a
efetiva indenização das vítimas de acidente de consumo. É direito básico do consumidor
(art. 6º, VIII) “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias da experiência”.
Ora, em termos concretos, a prova do defeito ou da relação de causalidade entre
o defeito e o dano, pode ser bastante árdua. Em algumas situações, impossível.
Como exemplo, cite-se o caso referido da explosão da garrafa de cerveja. Seria
razoável exigir do consumidor a demonstração de defeito do vasilhame?
Acrescente-se que a noção de defeito para fins de caracterização da
responsabilidade em questão não coincide com sua idéia vulgar. A definição
jurídica de produto defeituoso é encontrada nos parágrafos primeiro e segundo
do artigo 12. O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele
legitimamente se espera, levando-se em consideração, entre outras
circunstâncias, sua apresentação, os riscos que razoavelmente dele se esperam e
a época em que foi colocado em circulação.
Assim, no caso do arroz integral, o defeito decorre de falha de apresentação do
produto - defeito de informação - que deveria trazer advertência na embalagem
quanto à presença das pequenas pedras (art. 8º).
Outro dado favorável à vítima é a instituição legal da solidariedade passiva
entre todos os integrantes que participam da cadeia de produção e circulação do
produto (fabricante, produtor, construtor e importador) e, também, em condições
específicas, do comerciante (art. 13).
Assim, o lesado pode exercer sua pretensão indenizatória contra qualquer um dos
integrantes da cadeia que posteriormente, querendo, realizará o direito de
regresso contra os demais responsáveis, conforme as disposições referentes à
solidariedade passiva (art. 904 a 915 do Código Civil).
Por fim, as hipóteses de exclusão do dever de indenizar são apenas aquelas
expressas na leis (art. 12, p. 3º): culpa exclusiva da vítima, não-colocação do
produto no mercado e inexistência do defeito.
Retirado de: http://www.brasilcon.org.br/exibir_artigos.asp?codigo=8