Leonardo Roscoe Bessa é Promotor de Justiça do MPDFT,
Mestre em Direito pela UNB,
Professor de Direito do Consumidor (FGV e UNB),
1o Vice-Presidente do BRASILCON
Várias reclamações concernentes à cobrança
extrajudicial de honorários advocatícios têm sido levadas aos órgãos de defesa
do consumidor. Pretende-se, a seguir, realizar uma abordagem dos aspectos
jurídicos que devem ser ponderados na análise da questão.
Há, basicamente, duas situações. O consumidor
mantém com o fornecedor – em geral, uma instituição financeira ou
estabelecimento de ensino - contrato de trato sucessivo, com o pagamento de
prestações pecuniárias mensais. Havendo atraso na quitação de determinada
parcela, o débito é encaminhado para escritório de advocacia que só recebe o
pagamento se houver o acréscimo dos encargos (juros de mora e multa), além de
honorários advocatícios que variam de 10 a 20% do valor devido. Nesta primeira
hipótese, o contrato entre o fornecedor e consumidor não faz qualquer previsão
de pagamento dos honorários advocatícios.
A segunda situação é assemelhada. O traço que a
distingue é que o contrato possui cláusula prevendo expressamente o pagamento
de honorários em caso de mora.
As considerações apresentadas referem-se unicamente
à primeira situação. Em outra oportunidade, a segunda hipótese será analisada.
É importante ressaltar, logo, que a posição a
seguir externada, não pretende, nem poderia, excluir do advogado o direito
fundamental de receber a remuneração pelos serviços prestados. A questão que se
coloca, portanto, não é se o profissional deve receber ou não os honorários
advocatícios e sim quem deve arcar com o pagamento de tal verba.
Nosso ordenamento jurídico contempla três fontes
imediatas de obrigações: a lei, a declaração de vontade e o ato ilícito. Toda
obrigação jurídica deve necessariamente nascer de uma das três hipóteses.
Ora, qual a relação jurídica do consumidor com
advogado contratado pelo fornecedor para legitimar a cobrança da parcela dos
honorários?. Decorre diretamente da lei? Não. Decorre de declaração de vontade?
Não. Decorre de ato ilícito? Não. Então é evidente que a cobrança dos
honorários realizada diretamente do consumidor carece de embasamento jurídico.
Na melhor das hipóteses, poder-se-ia dizer
tratar-se de promessa por fato de terceiro cujo sujeito passivo (devedor) é o
fornecedor e não o consumidor que não celebrou qualquer contrato com o
advogado.
Repita-se: não se propugna que o profissional não
deva receber pelo seu trabalho, mas apenas que quem deve pagá-lo é a pessoa que
o contratou.
Ademais, a forma de cobrança da parcela vencida
coloca o consumidor em situação que dificulta a resistência e questionamento da
parcela, sendo, portanto, abusiva. Na prática, assim que o débito é encaminhado
ao escritório de advocacia, o credor simplesmente não aceita mais receber a
parcela vencida que deve ser paga diretamente para o advogado. Também, perante
este profissional, não há qualquer possibilidade de desvincular o pagamento da
prestação da parcela de honorários advocatícios. Tudo ainda é realizado sob o
clima de que o nome do devedor será, a qualquer momento, encaminhado para banco
de dados de proteção ao crédito.
Acrescente-se que o próprio Estatuto da Advocacia
(Lei 8.906/94) no seu artigo 22 reforça a posição defendida. Nos termos do
referido dispositivo, a cobrança de honorários advocatícios legitima-se
unicamente em três situações: quando há convenção entre as partes, arbitramento
judicial, ou sucumbência. Os dois últimos casos pressupõem o ajuizamento de
demanda que, à evidência, não é o que está sendo objeto de análise.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em casos
isolados, já se manifestou a respeito do tema, posicionando-se contrariamente a
cobrança dos honorários do consumidor.
No dia 24 de fevereiro de 2000, ao julgar mandado
de segurança (Proc. nº 1-279215) que questionava a legalidade de multa aplicada
pelo PROCON em empresa que efetuara do consumidor cobrança extrajudicial de
honorários advocatícios, a Quinta Turma Cível, baseando-se especialmente no
artigo 22 da Lei 8.906/94, negou a ordem impetrada ao argumento de que “não se
admite a cobrança de honorários advocatícios em procedimento extrajudicial,
máxime quando aludida cobrança dá-se à mingua de qualquer relação contratual
existente entre as partes”
No mesmo sentido, mas com acréscimo de outros
argumentos, foi o voto proferido pelo ilustre Desembargador Valter Xavier, ao
julgar a Apelação Cível 46.451/97, verbis: “Insiste a apelante na possibilidade
de cobrar honorários advocatícios sem a propositura de demanda judicial. Com
todas as vênias, seria o mesmo de admitir que estivesse o candidato comprador
de imóvel obrigado a arcar, diretamente, com os custos de manutenção da
empresa. Os honorários advocatícios percebidos pelos advogados da empresa antes
do ingresso em juízo, tem característica de salário, de contraprestação por
serviço realizado com objeto definido. Tanto quanto os demais encargos da
empresa com seus empregados, o repasse somente pode acontecer pela via
indireta. (...) A cobrança extrajudicial é problema do advogado e de quem o
contrata, não daquele que já estará onerado pela pagamento da multa e de
eventuais juros. A pretensão mal dissimula a vontade de aumentar o valor da
multa, expressamente limitada pela legislação regente”
Registre-se, ainda, no mesmo sentido o acórdão
proferido no julgamento da Apelação Cível 739/99, pela Turma Recursal dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal.
Por fim, cumpre salientar que o recebimento
indevido dos honorários advocatícios do consumidor sujeita o responsável a
devolver, em dobro, a parcela, sem prejuízo de ressarcimento por danos morais,
se constatada abusividade na cobrança.
Retirado de: http://www.brasilcon.org.br/exibir_artigos.asp?codigo=1