Responsabilidade do Provedor de Internet Frente ao Código do Consumidor
1. Introdução - Breves
considerações sobre a Internet
O Brasil possui atualmente 8 milhões de
internautas com a perspectiva de movimentar U$2,7 bilhões no comércio
eletrônico até 2003. Já existem 240 milhões de pessoas conectadas à rede no
mundo inteiro, com uma frota de microcomputadores, no Brasil, perto de 11
milhões de unidades, sendo a internet o setor líder na atração de investimentos
estrangeiros em nossa nação.
O sucesso dos negócios na rede de computadores
é altamente promitente e vem atraindo de uma maneira fugaz empresas e
empresários. Estudos concluem que a presença virtual pode significar a
sobrevivência da própria empresa. O consumidor tem no atrativo seu interesse
maior: a redução do custo do produto, em média de 15 %. O fornecedor pode ter
reduzidos em até 80 % seus custos associados a estrutura e fornecimento do
produto vendido.
Assim como a tecnologia digital e,
principalmente, a vasta gama de informações que vêm sendo difundidas, trocadas
e elaboradas em decorrência deste que podemos tranqüilamente denominar do mais
fabuloso e espetacular meio de comunicação já criado pelo homem, surge ao
Direito a obrigação de, na mesma velocidade, acompanhar tal exorbitante
evolução, preenchendo as lacunas necessárias, sem, todavia, afrontar o que a
rede mundial de computadores tem de mais fascinante: a liberdade e a
descentralização, elementos cruciais determinantes na sua desenfreada expansão
e, por que não, sucesso.
Assim, se ao Direito cabe regular os negócios
jurídicos de uma forma geral, cabe também acompanhar a genialidade humana a fim
de possibilitar uma garantia à população, e, em especial, à classe dos
consumidores, da qual todos pertencemos, em maior ou menor grau, ante situações
de vulnerabilidade e/ou hipossuficiência.
Deparamo-nos, então, com a necessidade iminente
de estudo e discussão do chamado Direito do Ciberespaço, definido por
CERQUEIRA, como "o conjunto de leis, regulamentações em geral e práticas
contratuais de todos os tipos e níveis, que envolvem a utilização e
funcionamento de redes de software e computadores. É também chamado [direito
online], debatido nos Estados Unidos desde 1985, com o objetivo de se
estabelecerem regras para a comunicação. Os negócios e o uso em geral das redes
de computadores."
Temas como a aplicação das normas comerciais e
de consumo nas transações via Internet (responsabilidade perante o Código do
Consumidor), a publicidade na internet e a vulnerabilidade dos navegadores, os
contratos on line, o recebimento indesejado de mensagens por e-mail (Spam), a
utilização da mensagem eletrônica e sua autenticidade nas relações comercias e
como meio de prova em juízo (assinatura digital) e a responsabilidade dos
provedores de acesso à Internet têm relevância eminente e carecem de estudo
aprofundado.
Aqui se faz importante trazermos a amplitude
dos serviços e a gama de efeitos que o acesso à internet produz no consumidor
dos serviços do provedor: através da internet, enviam-se arquivos de grande
complexidade, efetuam-se transações bancárias, que vão desde a simples
conferência da movimentação bancária até investimentos de grande porte, podendo
ainda configurar-se operações como compra e venda em leilões virtuais ou
diretamente em lojas virtuais especializadas, assim como as mais diversas
relações comerciais entre consumidores fornecedores, ou ainda entre empresas.
O presente estudo pretende abordar e delinear
algumas dessas questões, em especial demonstrando a plena configuração dessas
operações como relação de consumo e a amplitude da responsabilidade dos
provedores de acesso à internet, bem como outras peculiaridades contratuais
observadas.
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2. Contrato de prestação de
serviços de provedor - Objeto
O contrato de prestação de serviços do provedor
tem por objeto principal o acesso à internet, com ou sem licenciamento de
programas, em caráter individualizado e contínuo, a título oneroso ou gratuito,
por prazo determinado ou indeterminado.
Seu objeto pode incluir, dependendo do preço
acordado e da amplitude da empresa, os seguintes serviços:
acesso à rede de computadores,
mediante protocolo TCP/IP, via fax modem mediante ligação telefônica, ou por cabo,
incluindo aqui o acesso aos mais variados bancos de dados, com possibilidade de
envio, cópia e gravação de arquivos de distintas naturezas;
serviço de correspondência
eletrônica, mediante disponibilização de correio eletrônico e caixa postal,
para comunicação entre usuários e entre os próprios contratantes;
locação de espaço para o alojamento
de home-pages;
salas de bate-papo exclusivo;
acesso a banco de dados específicos
do provedor em área exclusivas sob sua responsabilidade, com disponibilizados
para cópia (download) no computador do usuário.
acessos a grupos de discussão,
"newsgroups", jogos, etc.
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3. Requisitos para a formação do
contrato
A formação do contrato se dá, geralmente, pela
própria rede, através de e-mail.
Logo, é contrato entre ausentes. Seu objeto é a
prestação de serviços, com ou sem licenciamento de programas, de forma
individualizada e intransferível.
A individualização se configura mediante
cadastro específico do usuário, em formulário padrão, e na contratação daquele
provedor específico. Ainda, no oferecimento e escolha de planos com acessos de
horas que variam conforme horário e limite, bem como na gama de serviços e
arquivos disponibilizados pelo servidor, que poderão variar conforme classes
distintas e selecionadas pelo provedor de usuários em função justamente da
quantia paga mensalmente e do número de horas de acesso consumidas em
determinado período.
Como em qualquer outro contrato, para a
validade e eficácia do mesmo, necessário se percebe a atenção aos requisitos e
exigências previstos em lei.
Assim,
conforme a determinação explicita trazida pelo art. 82 e seguintes de nosso
Código Civil, para a validade do contrato, como ato jurídico que é, se faz
necessário seja o agente capaz, o objeto lícito e forma não prescrita ou não
defesa em lei, além da inexistência de qualquer tipo de coação, quer seja
física ou psíquica, necessitando, o contratante, estar plenamente livre e
disposto na sua intenção de contratar.
Temos, então, a necessidade de informação ao
consumidor como um requisito essencial de validade das disposições contratuais,
devendo conter o instrumento, de forma clara e inequívoca, todas as informações
pertinentes ao objeto do contrato, forma de execução, rescisão ou resolução,
pagamento, responsabilidades, etc...
Com relação à capacidade, verifica-se que o
contrato será nulo uma vez celebrado entre partes com idade inferior a 21 anos,
a não ser na hipótese em que o contratante tenha entre 16 e 21 anos, desde que
haja, nesta hipótese, autorização específica e assistência de seus responsáveis
legais, geralmente seus genitores.
A identificação dos contratantes, com
respectiva qualificação, em especial no tocante ao endereço físico do
estabelecimento do contratado são requisitos essenciais a serem observados, sob
pena de configuração da criação de óbice à localização efetiva para fins de
responsabilização do provedor contratado.
De grande valia aqui a lição trazida por
CERQUEIRA, no tocante à efetiva formação dos contratos chamados de virtuais,
como o contrato de prestação de serviço por parte do provedor de internet, aqui
estudado:
"O contrato se completa
através de mensagem eletrônica enviada, pelo oblato, ao ofertante, confirmando
a aceitação do negócio proposto, ou através do preenchimento de documentos
eletrônicos padrões, disponibilizados pelo próprio proponente em seu site na Internet.
Esta aceitação, quando manifestada expressamente pelo consumidor (seja através
de um clique de mouse, envio de e-mail e outros), apefeiçoa o contrato e torna
completa a contratação entre as partes, obrigando-as nos termos da oferta
aceita e tornando exigíveis as condições estabelecidas."
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4. Relação de Consumo
4.1 Natureza jurídica da relação
Podemos definir provedor de internet como a
empresa que coloca à disposição de usuários o acesso à rede mundial de
computadores, usualmente via fax modem, mediante conexão telefônica.
Na outra ponta, temos o usuário dos serviços,
aquele que irá usufruir do acesso à rede mundial, podendo, dependendo da
amplitude do contrato, usufruir ainda dos benefícios oferecidos na rede pelo
próprio provedor contratado, através de uma diversa gama de serviços, produtos
e promoções e exclusivos disponibilizados pelo provedor contratado.
A relação de consumo, que segundo a professora
Cláudia Lima Marques, são "todas aquelas relações contratuais ligando um
consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços" está
devidamente caracterizada, conforme se demonstra a seguir:
Pelo art. 2º do Código do Consumidor, temos que
"consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final".
Sem sombra de dúvidas, que presente o requisito
principal para a configuração jurídica da relação de consumo, pois o acesso, as
informações, o lazer e a pesquisa são consumidas pelo contratante.
Ainda que repassasse ou utilizasse de outro
modo as informações da rede retiradas, como, por. ex., para finalidades
profissionais / comerciais, numa aplicação da chamada teoria finalista, ainda
assim figuraria o usuário como consumidor, posto ser impossível a fiscalização
absoluta e o acompanhamento do destino dado à todas os benefícios e produtos
retirados do acesso à rede mundial de computadores.
Da mesma forma, a pessoa jurídica que mantém
contrato com provedor, ao nosso ver, deve ser considerada consumidora, enquanto
utiliza a rede para obtenção de dados e envio de mensagens, por exemplo, entre
suas filiais ou representantes. Não há como provar que a pessoa jurídica
utiliza a internet tão somente com o objetivo de agregar as informações e
benefícios de tal uso colhidos para exclusivamente agregá-los à cadeia
produtiva, única forma de admitirmos sua não configuração na posição de
consumidora.
O enquadramento do provedor de acesso à
internet está consubstanciado no conceito trazido pelo art. 3º da lei 8.078/90:
"Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços."
E o produto objeto do contrato, ainda que em
parte imaterial (porém avaliável economicamente), também é abrangido pela lei.
Nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno "produto (entenda-se
"bens") é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e
destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário
final."
Por tal conceito, o próprio acesso à rede é, de
forma direta, bem de consumo, que dirá os serviços dali obtidos. Configurada a
relação, daí surgindo seus efeitos jurídicos, em especial a proteção aos
internautas (usuários da rede mundial de computadores) ante os abusos que
começam a ser constados.
Percebe-se, assim, a incidência aos contratos
de acesso, prestação de serviços e afins correlacionados à internet, de todas
as normas inerentes à tutela dos direitos do consumidor atualmente vigentes,
ente elas, com maior destaque, o próprio Código de Defesa do Consumidor - Lei
8.078, de 11/09/90, além da seguinte legislação pertinente:
Lei 1.521/51, que dispões sobre os
delitos praticados contra a economia popular;
Lei Delegada 4, de 26/09/62, que
trata da intervenção no domínio econômico com o intuito de garantia da livre
distribuição de produtos de consumo;
Lei 7.347/85, que versa e
especifica procedimentos para ação civil interposta em face a danos causados ao
consumidor;
Lei 8.137/90, que define os crimes
contra as relações de consumo;
Decreto 861/73, que disciplina o
Sistema Nacional de Defesa do consumidor e traz sanções administrativas;
Lei complementar 80/94, que
regulamenta a ação da Defensoria Pública da União para lutar pela tutela dos
direitos e interesses do consumidor eventualmente prejudicado;
Lei 8.884/94, que regulamente e
define atribuições ao CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
determinando competência e procedimentos para a constatação da incidência de
infração à ordem econômica e aplicação de penalidades;
Decreto 1.306/94 que cria e
regulamenta o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos visando a reparação de danos
causados ao consumidor.
4.2 Vulnerabilidade e hipossuficiência
Importante destacar uma característica presente
na relação de consumo aqui analisada: o consumidor, nos contratos que envolvem
a utilização dos serviços do provedor, é altamente hipossuficiente e
vulnerável.
Tal
vulnerabilidade, característica inerente a todos os consumidores, encontra-se
presente na necessidade indiscutível de acesso à rede mundial de computadores.
Também, na oferta indiscriminada, abundante e
direta que usam os meios de publicidade entrando diretamente na tela do
computador do usuário, numa verdadeira pescaria de consumo.
A hipossuficiência também encontra aqui grande
ancoradouro. ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN, define consumidor
hipossuficiente como aqueles "ignorantes e de pouco conhecimento, de idade
pequena e avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não
lhes permita avaliar com adequação o produto ou serviço que estão
adquirindo."
Ainda: "A utilização, pelo fornecedor, de
técnicas mercadológicas que se aproveitem da hipossuficiência do consumidor
caracteriza a abusividade da prática"
Como
quando falamos em internet estamos falando em tecnologia de ponta, dominada por
poucos, deparamo-nos com a hipossuficiência dos navegadores normais, quer seja
frente ao poderio econômico dos grandes provedores e fabricantes de softwares,
quer pela absoluta falta de esclarecimentos e conhecimento sobre as
tecnologias, linguagens e o protocolo da rede. Aliás, geralmente, nem sabe o
contratante quais os serviços que está adquirindo, vindo a aprender a
explorá-los e a melhor conhecê-los tão somente após o transcurso regular do
contrato.
Nesta linha, poucos são os que não se enquadram
na condição de hipossuficientes, uma vez considerada a tecnologia e o
desenvolvimento avassalador de proporções desmesuradas que tomam a rede de computadores
e o comércio virtual como um todo (e-commerce, e-business, business to
business).
4.3 Contrato de adesão
Destaque também para a característica de
contrato de adesão que acompanham os contratos de prestação de serviços aqui
estudados.
A contratação dos serviços de provedor,
usualmente, ocorre sem contato direto entre as partes, mediante simples adesão
a contrato padrão disponibilizado na própria rede (WWW). É a forma mais pura da
adesão: ou contratante aceita, ou não aceita e não tem acesso ao serviço.
Ao usuário cabe tão somente a escolha de qual
plano, dentro de sua necessidade e respectivamente disponibilidade econômica,
melhor lhe convém. Nenhuma outra discussão, a princípio, parece possível nesta
categoria de contratos.
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5. Responsabilidade contratual
Do que se extrai pelo acima demonstrado,
aplicam-se aos contratos de provedor de internet todas as disposições presentes
na lei 8.078/90, principalmente no que tange à reparação de danos.
Algumas questões, todavia, merecem comentários,
justamente pelas peculiaridades inerentes a esses contratos atípicos:
Como a rede permite o acesso a pontos de venda
infinitos e sem identidade geográfica, aplica-se o disposto no art. 9º da LICC
e do art. 1087 do Código Civil: "reputar-se-á celebrado o contrato no
lugar em que foi proposto."
Necessária se faz, então, a verificação da comarca onde
se encontra sediado o provedor de serviços.
Parece a única solução para fixação de
competência para dirimir eventuais conflitos existentes nas relações comerciais
com empresas alienígenas.
Daí surge a importância de se configurar
justamente a aplicação da legislação nacional, em especial o Código de Defesa
do Consumidor, às relações operadas pela internet e, no caso específico do presente
trabalho, a delimitação da responsabilidade do provedor de serviços de acesso e
afins.
5.1 Responsabilidade do provedor de internet
frente ao seu
usuário
É de solar clareza a responsabilidade oriunda
das relações e produtos oferecidos pelo provedor ao usuário, de forma direta.
Ou seja, o provedor de internet responde por qualquer vício ou defeito no
fornecimento dos serviços objeto do contrato, como o gerenciamento da caixa
postal, o fornecimento de programas, a lentidão nos acessos, a venda direta de
softwares por parte do provedor, etc...
É a configuração típica da chamada
responsabilidade contratual, inerente às normas que tutelam os direitos do
consumidor.
Portanto, todas as normas da lei de proteção ao consumidor
são aqui aplicáveis. aos abusos existentes nos contratos formulários de
serviços de provedor de internet.
Como exemplo de tais abusos, citamos a cláusula
que limita a responsabilidade pelo congestionamento das linhas telefônicas,
que, em primeiro lugar, trata-se de maneira fácil de eximir-se de danos,
imputando qualquer falha à terceiro, no caso o operador dos serviços de
telefone, e, por segundo, bate de afronta ao artigo 39, I do CDC:
"Art. 39 – É vedado ao
fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de
produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como,
sem justa causa, a limites quantitativos;"
A desculpa da linha ocupada também não encontra
guarida no art. 20, § 2º:
"Art. 20 – § 2º - São
impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que
razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas
regulamentares de prestabilidade."
Também é abusiva a cláusula que permite a
alteração unilateral do contrato. Veja-se o art. 51, XIII:
"Art. 51 – São nulas de pleno
direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que:
XIII – autorizem o fornecedor a
modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua
celebração."
Diversos outros
abusos podem ser encontrados na análise especifica de cada contrato, mas não
serão aqui abordados pela simples colocação que aplica-se o Código do
Consumidor de forma integral às praticas pela norma vedadas eventualmente encontradas
em tais instrumentos.
5.2 Responsabilidade solidária
Questão mais complexa é aquela que levanta a
hipótese de responder o provedor de internet por todas as transações e
conteúdos ofertados por terceiros, dentro de uma responsabilidade
extracontratual, que ultrapassa a gama de serviços e produtos por ele
diretamente disponibilizados para o consumo direto de seus serviços.
Aqui, deparamo-nos com a necessidade de
distinção de duas classes de terceiros, para a respectiva delimitação da
responsabilidade do provedor de internet.
5.3 Responsabilidade do provedor pelo fato de
terceiro com
sua atividade relacionado
Uma vez superada a questão da responsabilização
contratual do usuário do serviço do provedor por parte do próprio provedor na
qualidade de fornecedor de serviços e produtos, surge aqui a necessidade de
demonstração de uma responsabilidade inerente a terceiros que, de uma forma ou
outra, interagem com a atividade empresarial do provedor de internet, atraindo
para o provedor, conforme se demonstrará a seguir, uma responsabilidade
extracontratual.
É a responsabilidade para com os atos de terceiros
que utilizam, da mesma forma que o usuário aqui em tal condição retratado, dos
serviços do provedor, quer seja locando espaço em seu servidor, quer seja
anunciando em suas páginas, quer seja vendendo produtos e serviços e
remunerando o servidor para tanto, e, de tal forma, contribuindo para que o
consumidor adquira ou utilize de tais produtos ofertados, mediante a
participação indireta do provedor de acesso à internet.
Para uma melhor visualização da
responsabilidade aqui demonstrada, deve-se esclarecer, primeiramente, se ao
fornecedor ligado de forma direta ou indireta ao provedor, pode-se aplicar o
disposto no parágrafo único do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, para
o caso de defeito ou vício qualquer na execução de serviços ou na entrega da
coisa (em caso de compra e venda on line) imputado ao terceiro fabricante
fornecedor:
"Parágrafo único. Tendo mais
de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos
danos, previstos nas normas de consumo."
Ao comentar tal norma, os autores do
anteprojeto do Código do Consumidor, afirmam que "Como a responsabilidade
é objetiva, decorrente de simples colocação no mercado de determinado produto ou
prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as
medidas contra todos os que estiveram na cadeia de responsabilidade que
propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação do
serviço."
Ora, parece que por tal visão responde o
provedor de internet pelo conteúdo ali disponibilizado por seus clientes,
considerando ainda que possui o controle sobre a locação de seu espaço e seu
material publicitário.
Mas a
solução não parece tão fácil. Se admitirmos com total frieza a aplicação de
citada norma, teremos uma responsabilidade sem limites imputada ao provedor,
sob todos os produtos e serviços negociados, ainda que sem sua participação
direta, condição que poderia tornar impraticável a atividade.
É bem verdade que os provedores têm se mostrado
displicentes com o conteúdo do material por eles colocado na rede, procurando
eximir-se de qualquer responsabilidade neste sentido.
Um de
nossos maiores provedores, o UOL, tem em seu contrato a seguinte disposição:
"O UOL não se responsabiliza pelas transações comerciais efetuadas on line
que são de responsabilidade de quem colocar produtos ou serviços à venda via
UOL ou internet."
Nelson Nery Júnior nos ensina que "...no
regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor, toda e qualquer cláusula que
contenha óbice ao dever legal de o fornecedor indenizar é considerada abusiva
e, portanto, nula de pleno direito, sendo, pois, ilegítima sua inclusão nos
contratos de consumo"
Nota-se, portanto, uma tendência
generalizada dos provedores de internet em argüir que figuram numa condição de
mero intermediário, mero veículo, sem nenhuma responsabilidade ou intervenção
nas relações existentes na rede. Cláusulas como a supra transcrita demonstram
justamente o temor à responsabilização civil e devem ser tidas como
inexistentes.
No lado contrário, verifica-se que os usuários
estão cada vez mais preocupados com a proliferação generalizada das informações
na internet. São os casos de pedofilia, ataques pirata a base de dados,
empresas que não entregam os produtos, divulgação e incitação ao uso de drogas,
incentivo a programas de jogos (como, por ex., sites de casino em países como o
Brasil, onde o jogo é ilícito).
Atento à tais perigosas tendências, somos da
opinião de que os provedores devem assumir e serem responsabilizados pelo
conteúdo e as transações que, de uma forma indireta, utilizam de seus serviços.
No direito comparado, citamos os recentes casos
do provedor eBay, processado pelos pais de adolescentes intoxicados após
adquirirem uma substância chamada DXM – droga para tosse, em um de seus sites
de leilão, sendo que as normas da eBay proíbem a venda de drogas ou
medicamentos que exigem a receita médica, como era o caso do produto.
Também o mega portal (provedor de grande porte)
Yahoo está sofrendo severo processo por parte das empresas Nintendo, Eletronic
Arts e Sega, que acusam o site de permitir a venda ilegal de videogames
falsificados em seus leilões. As concorrentes, que se uniram no objetivo de
combater a falsificação, informaram que notificaram a Yahoo para que tomasse medidas
de controle de segurança, instrução ignorada e que enseja a reparação dos
danos, de grande monta.
Dependendo do caso, o provedor poderá eximir-se
de sua responsabilidade se provar a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro
(art. 12, § 3º, III e art. 14, § 3º, II do CDC).
Sugerimos, então, que a aplicação da
solidariedade passiva às relações de consumo oriundas de serviços que envolvam
de forma indireta os provedores de serviço de internet seja aplicada, sim, mas
de forma ponderada analisando-se a peculiaridades do caso concreto, atento para
a efetiva possibilidade de controle por parte do servidor sobre as informações
e idoneidade de seus anunciantes e contratantes.
5.4 Responsabilidade do provedor pelo fato de
terceiro
Uma fez definida a responsabilidade acima
demonstrada, inerente a terceiros de uma forma ou outra correlacionados para
com o provedor de internet, que, em virtude desse fato e em decorrência das normas
que regem as relações de consumo, atrai para si tal ônus, na ausência de
disposição contratual diversa ou outra delimitação legal específica, passamos a
uma análise da responsabilidade em campo mais abrangente, não ligado ao ramo de
atividade, parcerias comerciais e afins do provedor de internet aqui
considerado singularmente como sujeito passível ou não de responsabilização
civil.
São os chamados terceiros que não possuem
qualquer relação para com o provedor. O usuário chega ao seu conhecimento não
mediante anúncio, indicação ou outro meio de divulgação utilizado de forma direta
ou indireta pelo provedor, mas sim através de outras fontes, tendo o provedor
de internet participação tão somente em virtude de ter disponibilizado ao
usuário o acesso do mesmo à rede mundial de computadores.
Nesta situação, querer responsabilizar o
provedor é utopia. Excede as barreiras do direito, do senso de justiça e do
sustentável. É absurdo pretender responda o provedor por casos, como, por
exemplo, ter o usuário obtido acesso a métodos de fabricação de entorpecente
químico obtido em home-page européia, ou ainda pela contaminação de seu
computador através de vírus de um arquivo à sua pessoa enviado aleatoriamente,
simplesmente pelo fato de ter o provedor permitido ao usuário o acesso do mesmo
à rede mundial de computadores, e, conseqüentemente, às informações consideradas
ilícitas ou que eventualmente venham a causar qualquer tipo de dano reparável
ou indenizável. É, ao nosso ponto de vista, o mesmo que pretender
responsabilizar o fabricante de fax pelas mensagens a ele transmitidas.
Compartilha de nossa opinião CORRÊA, ao afirmar
que:
"Ou seja, além de inexistir
lei acerca da responsabilidade dos provedores, existe norma constitucional que
lhes proíbe o exame dos dados de seus servidores. Também, é impossível a
fiscalização de todas as informações que entram e saem de um provedor, pois,
além de servir seus usuários, também serve de [pista] para a internet. Assim,
um infindável número de informações, como e-mails, home-pages, listas de
discussões, chats, é atualizado instantaneamente por meio de procedimentos
eletrônicos automáticos, sobre os quais o provedor não tem nenhum controle.
Como responsabilizar alguém por aquilo a que não deu causa?"
É bem verdade que, atualmente, pode o provedor
de internet, até como meio de constatar a eficiência de sua publicidade
indireta, rastrear as páginas visitadas pelo seu usuário, mas tal rastreamento
não pode, em hipótese alguma, ser confundido com controle ou censura, ficando
completamente impossível ao provedor limitar ou tutelar o acesso de seu usuário
às infinitas variedades de home pages, serviços e produtos disponibilizados na
rede mundial de computadores.
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6. Contratos gratuitos
Uma nova modalidade de serviços de provedor vem
surgindo com força devastadora e velocidade surpreendente: são os chamados
provedores gratuitos, que permitem o acesso aos serviços do provedor da
internet e seu portal sem qualquer remuneração direta pelo serviço, ou seja,
sem precisar o usuário remunerar o servidor pelo número de acessos ou o número
de horas que permaneceu conectado.
A questão, de grande importância prática que
nos surge, é se tais contratos, gratuitos, estariam sujeitos às regras
pertinentes ao Código de Defesa do Consumidor.
Primeiramente, trazemos o disposto no artigo
3º, § 2º da lei 8.078/90:
§ 2º : Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista.
Numa interpretação literal e isolada, extraímos
que, inexistindo remuneração, não há o que se falar em serviço e
consequentemente relação de consumo para fins de aplicação da lei protetiva.
Eduardo Gabriel Saad, em seus Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor, nos traz que:
"Por derradeiro, de lembrar-se
que há quem preste, gratuitamente, um serviço a outrem. Desnecessário frisar
que, no caso, não há relação de consumo sujeita a este Código."
Pois bem, cabe analisar se o contrato de
"internet gratuita" é realmente gratuito sob a ótica jurídica.
Maria Helena Diniz nos traz o conceito de tal
espécie contratual:
"Os contratos benéficos ou a
título gratuito são aqueles que oneram somente uma das partes, proporcionando à
outra uma vantagem, sem qualquer contraprestação. Logo, apenas um dos
contratantes obtém proveito, que corresponde a um sacrifício do outro, como
ocorre, por ex., com a doação pura e simples, com o depósito ou com o mutuo sem
retribuição. Em regra, esse tipo de contrato encerra uma liberalidade, em que
uma das partes sofre redução no seu patrimônio em benefício da outra.
Geralmente, todos os contratos
onerosos são bilaterais, e os gratuitos, unilaterais, porém nem sempre, pois
pode haver um contrato que seja, concomitantemente, unilateral e oneroso, como,
p. ex., o mútuo sujeito a pagamento de juros..."
Realmente, o usuário dos serviços do provedor
gratuito, não o remunera de forma direta, pagando pelo acesso. Todavia, essa
característica não retira a onerosidade do contrato, posto que o usuário
consume do provedor outros serviços diversos, como programas fornecidos,
aquisição de arquivos e produtos e, principalmente a publicidade ali
disponibilizada de uma forma até agressiva e indiscreta.
Publicidade esta, que é o carro forte destes
provedores. É o que os mantém e de onde retira-se seu faturamento, dando
margem, conforme o caso, a projeções de valores para o serviço com base
justamente no número de usuários que estão ligados ao servidor e que o acessam
diariamente.
O acesso
"gratuito" não traz, portanto, qualquer diminuição no patrimônio do
provedor. Tão pouco há uma ausência de contraprestação. Muito pelo contrário: o
provedor / servidor lucra e muito com o acesso do usuário. Sem ele, seu negócio
fracassa, pois é o internauta que consome seus serviços, seus produtos, sua
propaganda e softwares no provedor hospedados ou divulgados, disponibilizando
seu tempo e tornando-se dependente dos serviços por este prestados.
A relação de dependência é tamanha ao ponto de
que uma ruptura no fornecimento dos serviços de acesso poder causar ao usuário
transtornos e prejuízos mil, ante justamente a importância que o serviço lhe
causa em hábito adquiridos mediante o acesso diário e a troca de informações
entre os usuários (e-mail, chat, etc...).
Da mesma opinião compartilha CERQUEIRA, que nos
traz a lição de que:
"Nenhum serviço poderá ser
descontinuado - mesmo que seja gratuito - sem que o usuário seja avisado com
certa antecedência. Isto porque usuários acabam se fiando em certos serviços,
mesmo que não paguem por eles, e podem ser prejudicados em caso de corte
abrupto. Em certos casos, mesmo que não seja uma violação contratual, quando há
cláusulas contratuais que o prevejam, o corte repentino de um determinado
serviço pode gerar obrigações de indenizar, do âmbito do direito civil, e ser
péssimo negócio para as relações entre provedor e usuário."
A onerosidade e contraprestação por parte do
usuário está, assim, mais que caracterizada.
Vejamos, ainda, o enquadramento dos contratos
de prestação gratuita de acesso à internet e serviços afins entre a classe dos
contratos bilaterais ou unilaterais.
Para tanto, frisamos que, como nos ensina o
Prof. Orlando Gomes, "Todo contrato bilateral é, entretanto, oneroso, por
isso que, suscitando prestações correlatas, a relação entre vantagens e
sacrifício decorre da própria estrutura do negócio jurídico."
Os
contratos unilaterais caracterizam-se justamente pelo fato de apenas uma parte
se obrigar, ficando a outra desincumbida de qualquer ônus. "O peso do
contrato é todo de um lado, os efeitos são somente passivos de um lado, e
somente ativos do outro".
Já os contratos bilaterais trazem obrigações
para ambas as partes, obrigações essas que uma vez rompidas geram o rompimento
do pacto.
Assim, cabe verificar, se, além da onerosidade
já demonstrada, são os contratos de acesso à internet unilaterais ou
bilaterais. Tal dúvida é suprida pela simples análise de qualquer desses contratos
formulários exibidos nos sites de "internet gratuita". Ali,
claramente se constata que não é só a parte contratada que tem obrigações, mas
também o usuário contratante. Como exemplo, citamos a exigência do uso
apropriado do serviço com vedações de práticas como a divulgação comercial de
produtos ou serviços, a invasão de privacidade, a divulgação de textos e
mensagens não desejadas, consideradas imorais ou indecentes.
Assim, percebe-se que os contratos de provedor
de internet devem ser tidos como verdadeiros contratos de consumo,
aplicando-se, da mesma forma que nos contratos onde existe uma contraprestação
pecuniária direta, todas as normas presentes no Código do Consumidor. Caso
contrário, a gratuidade serviria tão somente como uma máscara para eximir os
provedores de suas responsabilidades legais.
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7. Conclusão
As relações inerentes aos contratos de serviço
de provedores de internet trazem grande pertinência à relações comerciais e
intra pessoais observadas em crescimento avançado nos últimos tempos.
Conflitos e problemas jurídicos oriundos de
tais relações começam a ser percebidos e confrontam-se com a ausência de
estudos aprofundados e principalmente de legislação específica que regule a matéria.
Talvez tal ausência de regulamentação, que, usualmente, apenas define vantagens
e distribui privilégios seja o grande impulso da própria rede mundial de
computadores (www).
De qualquer sorte, a relação de consumo está
caracterizada nas relações entre provedores e usuários. As dimensões da
responsabilidade de tais provedores podem ser delimitadas de três formas
distintas: respondem os servidores pelos serviços disponibilizados de forma
direta a seus usuários (responsabilidade contratual); respondem de forma
solidária pelos serviços disponibilizados de forma indireta por terceiros com
vínculo ao provedor e conseqüente participação dentro da relação de consumo,
dos quais o usuário do serviço acabou contratando, e não respondem por
terceiros sem qualquer ligação com o provedor dos serviços, por inexistir
qualquer capacidade de controle do provedor sobre as informações e o conteúdo
de todo material existente na internet.
São aplicáveis às relações entre usuários e
provedor o Código do Consumidor, inclusive para os casos dos chamados
"provedores gratuitos" onde, embora não haja uma remuneração direta
do usuário, há uma contraprestação indireta e uma dependência de consumo, que
configura a bilateralidade e a onerosidade desses contratos atípicos.
Por fim, têm-se que os abusos existentes nos
contratos de adesão de serviços de provedores de internet são passíveis de
coibição pela lei 8.078/90 e demais legislações pertinentes, e a discussão de
tais problemas, bem como a limitação dos campos de responsabilidades são
essenciais para evitar-se abusos de proporções maiores oriundos do crescente
comércio virtual, quer seja ente consumidores e fornecedores, quer entre
empresas.
A finalidade do presente trabalho foi
justamente traçar singelas considerações sobre o tema, procurando clarear um
pouco a obscuridade que paira sobre tão recente e inexplorada matéria. Se o
objetivo não foi alcançado, essa foi a intenção, ainda que de boas intenções
estejam forradas as entranhas do inferno.
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