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José Maria Rosa
Tesheiner
Juiz de Alçada
(Ajuris, Porto Alegre,
(54): 75-106, mar. 1992)
SUMÁRIO
1. Ação civil pública e ações
coletivas. 2. Interesses e direitos, consumidores e vítimas. 3. Interesses
individuais, coletivos e difusos. 4. Legitimação ativa. O Ministério Público.
5. Legitimação ativa. Entidades sem personalidade jurídica. 6. Legitimação
ativa na ação coletiva pró-interesses individuais homogêneos. 7. Competência.
8. Liminar. 9. Despesas processuais e honorários advocatícios. 10.
Litispendência. 11. Coisa julgada. 12. Ação cominatória. 13. Ação pública de
nulidade e ações individuais de modificação de cláusula contratual. 14. Ação
individual de responsabilidade civil do fornecedor. 15. Ação coletiva de responsabilidade
civil do fornecedor.
1. Ação civil pública e ações
coletivas.
A Lei n. 7.347/85 disciplina a
ação civil pública de responsabilidade dos danos causados ao meio ambiente; ao
consumidor; a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 1°, com a
redação dada pelo art. 110 do Código do Consumidor).
Na lição de ADA GRINOVER, essa
lei regula as ações coletivas para a tutela do ambiente e dos consumidores,
cuidando dos interesses difusos propriamente ditos, tutelando exclusivamente os
bens coletivos indivisivelmente considerados (Ações Coletivas para a Tutela do
Ambiente e dos Consumidores. AJURIS, Porto Alegre, (36): 7-22, mar., 1986). O
art. 81 do Código do Consumidor refere-se às ações coletivas, dividindo- as em
três espécies:
a) ações coletivas pró-interesses
difusos;
b) ações coletivas pró-interesses
coletivos;
c) ações coletivas pró-interesses
individuais.
O Código do Consumidor é lei
especial em relação à Lei n. 7.347, que regula a ação civil pública, podendo-se
imaginar que, no futuro, se utilizará a expressão ‘ação civil pública’ com
referência às ações coletivas pró-interesses difusos relativos ao meio
ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico,
paisagístico e outros, com exclusão dos relativos às relações de consumo;
utilizar-se-á a expressão ‘ações coletivas’, com referência às voltadas à
tutela do consumidor.
Essa é, pelo menos, a previsão de
RODOLFO MANCUSO: ‘Pela ordem natural das coisas, é lícito prever que, embora
haja um núcleo comum aproximando as ações do Código de Defesa do Consumidor à
ação civil pública da Lei n. 7.347/85 e à ação popular da Lei n. 4.717/65, tudo
indica que cada uma dessas ações passará a ter, na prática, um especial campo
de aplicação, em função mesmo da vocação própria de cada qual: os interesses e
direitos dos consumidores, através das ações codificadas; os interesses difusos
relativos ao meio ambiente e ao patrimônio natural e cultural através da ação
civil pública da Lei n. 7.347/85; os interesses difusos respeitantes à
preservação do erário público, através da ação popular da Lei n. 4.717/65’ (in
OLIVEIRA. Comentários, p. 274).
Conforme dispõe o art. 90 do
Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se, às ações nele previstas, as normas
da Lei n. 7.347/85, que regula a ação civil pública.
Por outro lado, há uma espécie de
reenvio, porquanto o art. 21 dessa lei (acrescentado pelo art. 117 do Código de
Defesa do Consumidor) manda aplicar, à defesa dos direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais, os dispositivos do Título lIl do Código de
Defesa do Consumidor.
Pode-se, por isso, dizer que
‘esses dois diplomas se completam e se interpenetram, salvo as
incompatibilidades recíprocas’ (ARRUDA ALVIM. Código do Consumidor Comentado,
São Paulo, RT, 1991, p. 256).
Temos, assim, que a Lei n.
7.347/85 rege as ações relativas ao meio ambiente e ao patrimônio natural e
cultural, com aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor; este
rege as ações relativas ao consumidor, com aplicação subsidiária da Lei n.
7.347/85. 2. Interesses e direitos, consumidores e vítimas.
O Código do Consumidor trata de
modo igual, indiferenciadamente, os interesses e os direitos de consumidores e
vítimas (art. 81).
Direito subjetivo é um poder,
concedido a alguém, pelo ordenamento jurídico, para a realização de um
interesse seu. Distingue-se da função, que também importa na atribuição de um
poder a uma pessoa, mas para a realização de um interesse superior ou, de
qualquer maneira, alheio. ‘As potestades, precisamente porque tutelam um
interesse que não é do titular, constituem funções, onde não só existem deveres
ligados ao poder, o que acontece também nos Direitos subjetivos, mas onde, além
disso, o próprio exercício do poder está vinculado em muitos aspectos. Daqui
uma série de características que permitem distinguir as potestades dos Direitos
subjetivos e que são especialmente evidentes nas potestades familiares’
(SANTORO-PASSARELLI, F. Teoria Geral do Direito Civil, Trad. Manuel de Alarcão,
Coimbra, Atlântida, 1967, p. 53).
Quer se defina o Direito subjetivo
como um poder da vontade (WINDSCHEID), quer se o conceitue como um interesse
juridicamente protegido (JHERING), certo é que dele decorre a subordinação do
interesse do sujeito passivo da relação jurídica ao do titular do Direito
(sujeito ativo).
Contudo, há interesses que não
são direitos. É o caso da situação jurídica e do reflexo de direito.
‘Durante o desenrolar da situação
que cria a relação pela qual se atua a subordinação definitiva de um a outro
interesse, e que por isso se diz relação definitiva, pode surgir uma (ou mais
do que uma) relação jurídica, instrumental relativamente à primeira, a que se
dá o nome de relação jurídica preliminar.
Para designar esta fase propõe-se
também o nome de situação jurídica. É o caso dos vínculos que resultam da
proposta irrevogável, e, ainda antes da obrigação, da promessa ao público’
(ibid., p. 54). Situação jurídica ou ‘posição jurídica era, ao tempo do
Império, a situação do pretendente à concessão de terras devolutas que,
tendo-lhe sido autorizada pelo Governo Imperial a concessão pretendida, ainda
não recebera do Presidente da Província o competente título. Algo de jurídico
já aparecera, então, capaz de influir na formação do direito do pretendente:
‘Talvez mesmo — escreve RODRIGO OTÁVIO — já um verdadeiro direito adquirido,
mas apenas a que se promovessem os ulteriores termos legais para que pudesse
entrar na posse, uso e gozo da concessão’.
Não obstante, essas formalidades
ulteriores poderiam mostrar-se de execução impossível, inconveniente ou
inoportuna e, nessa hipótese, aquele suposto direito adquirido se reduziria a
nada’ (LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, Porto Alegre,
Sulina, 1964, p. 58). ‘Distintos do Direito subjetivo e da posição jurídica,
são, a seu turno, os assim chamados reflexos de direito (...). Na Constituição
e nas leis, encontra, algumas vezes, o indivíduo o reconhecimento de
particulares interesses seus; ora esse reconhecimento resulta de uma relação
puramente de fato (por exemplo a organização legal de um serviço de transporte
mais adequado a um gênero de comércio do que a outros); ora dimana da indireta
eficácia da disposição constitucional, ou legal, que, prescrevendo para os
poderes públicos, Ihes cria, perante a Constituição ou a lei, senão uma
obrigação, ao menos, a abstrata imagem dela. Desta última modalidade de
reconhecimento incidente, por via objetiva, de interesses individuais, procedem
os assim chamados reflexos de direito’ (ibid., p. 59).
‘A relação jurídica, como
combinação de poder e de dever, existe entre as partes. Os outros sujeitos,
seja qual for a posição em que se encontrem relativamente às partes, são
estranhos a ela, e por isso a relação não pode realizar nem sacrificar um
interesse seu. Todavia, isto não significa que a relação jurídica não influi
diretamente na esfera jurídica de quem não seja parte na mesma relação, e não
já que ela não tenha um efeito reflexo relativamente àqueles que, estranhos à
relação, estão contudo numa posição juridicamente dependente da posição de uma
das partes da relação em causa. Tanto basta para explicar o fenômeno da
relatividade (rectius: reflexidade) das relações jurídicas’
(SANTORO-PASSARELLI, op. cit. p. 77).
A distinção entre Direito
subjetivo e reflexo de direito é freqüentemente exemplificada com a proibição,
estabelecida pelo poder público, de construções além de certa altura, que
atende ao interesse de qualquer proprietário ou possuidor que possa ser privado
de luz ou de sol pela construção de algum vizinho. Tal proprietário ou
possuidor, embora tenha seu interesse atendido pela proibição, não tem Direito
subjetivo contra o vizinho, como teria se houvesse uma servidão estabelecida em
favor de seu prédio.
A relevância da distinção está em
que, em princípio, o mero interesse não autoriza o prejudicado a demandar em
juízo contra quem pratique o ato lesivo. Falta-lhe legitimação. Assim, a
construção, em contravenção à proibição do poder público, autorizaria apenas
ação do Município; não do vizinho prejudicado.
Tende-se, porém, e cada vez mais
manifestamente (e ó Código do Consumidor é bem um exemplo disso), a outorgar-se
legitimação a todo prejudicado pela desobediência à lei. Tende-se, pois, a
outorgar a tutela jurisdicional independentemente da existência de Direito
subjetivo. Basta que o autor demonstre interesse legítimo, para que se Ihe
reconheça legitimação para agir, em defesa do Direito objetivo.
Situação jurídica, no Código do
Consumidor, é por exemplo a que decorre da incidência de seu art. 30, que
regula a oferta do fornecedor: ‘Toda informação ou publicidade, suficientemente
precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a
produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer
veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado’.
Aceitando a oferta, pode o interessado, no caso de recusa do fornecedor,
‘exigir o cumprimento forçado da obrigação’ (art. 35, I). Tal ação, porém,
deverá ser precedida do depósito do preço, motivo por que necessariamente será
individual, e não coletiva, ainda que se litisconsorciem vários interessados.
No caso de oferta para pagamento a prazo, a ação talvez não caiba, porque ao
fornecedor seria facultado recusar o crédito, v. g., por inidoneidade do
pretendente. Tudo, porém, dependerá da configuração do caso concreto.
Nos termos do art. 32 o
consumidor tem direito ao fornecimento de peças de reposição. Trata-se, se, já
de verdadeiro Direito subjetivo. O descumprimento da obrigação autoriza a
resolução do contrato e pedido de perdas e danos (art. 35, III). Também nesse caso
não é de se admitir ação coletiva, porque a resolução de contrato constitui
exercício de direito formativo, que não pode senão ser exercido
individualmente. Claro, nada impede que se litisconsorciem vários consumidores.
Os direitos do consumidor à proteção
da vida, saúde e segurança; à educação e divulgação sobre o consumo adequado de
produtos e serviços; à informação adequada e clara; à proteção contra a
publicidade enganosa e abusiva, não são, a rigor, verdadeiros Direitos
subjetivos, mas reflexos de obrigações impostas aos fornecedores pelo poder
público. ‘Quando os interesses do indivíduo se consubstanciam nas permitidas
manifestações de sua vontade autônoma, apresentam-se como direitos. Se, no
entanto, o interesse particular do indivíduo é tutelado pelo preceito estatuído
no interesse geral, estará protegido de modo reflexo, mas não se caracteriza
como um direito, porque o interessado não dispõe da faculdade de compelir quem
o contraria a observar a norma, nem da faculdade de liberá-lo do seu dever.
Enquanto das disposições quem atribui ao indivíduo uma esfera de poder derivam
Direitos subjetivos, das normas que estabelecem deveres a serem observados no
interesse geral não nasce para o indivíduo direito, na acepção técnica do
vocábulo. No entanto, seu interesse é protegido, porquanto o Estado pode
exigir, de todos, obediência à norma que prescreve tais deveres’ (GOMES,
Orlando. Introdução ao Direito Civil, 7 a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1983,
p. 107).
Da inexistência, nesses casos, de
direito subjetivo, decorre o descabimento de ação individual ou mesmo da ação
coletiva do art. 81, parágrafo único, III. Cabe, porém, a ação civil pública
(incs. I e II), por se tratar de interesses transindividuais, de natureza
indivisível.
Consumidor é o adquirente ou
utente de produto ou serviço, como destinatário final (art. 1°). Equipara-se ao
consumidor a cooperativa de adquirentes ou utentes, ex vi do art. 2°, parágrafo
único. Também se consideram consumidores os destinatários de oferta pública ou
de publicidade, bem como quaisquer pessoas sujeitas a práticas abusivas ou à
cobrança de dívidas ou que tenham seus nomes inseridos em bancos de dados ou
cadastros de consumidores (art. 29).
Vítima é quem sofre dano. As
vítimas, que sofram dano decorrente de fato do produto ou serviço, equiparam-se
aos consumidores (art. 17), não importando, pois, a sua condição de adquirentes
ou utentes.
3. Interesses individuais,
coletivos e difusos.
Interesses difusos são os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único,
I), como os dos moradores de uma região, dos consumidores de um produto, dos
turistas que freqüentam um lugar de veraneio e dos usuários de uma linha de
ônibus.
Interesses coletivos são os
transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação
jurídica-base (art. 81, parágrafo único, II), como os dos condôminos de um
edifício, dos acionistas de uma empresa, dos atletas de uma equipe esportiva,
dos empregados de um mesmo patrão, dos integrantes de um grupo consorcial.
Ao passo que, a propósito dos
difusos e coletivos, é mais próprio falar-se em interesses, em se tratando de
interesses individuais é mais próprio falar-se em direitos, porque é com
verdadeiros Direitos subjetivos que, então, quase sempre nos deparamos.
São direitos individuais
homogêneos os decorrentes de origem comum (art. 81, parágrafo único, III), como
os decorrentes de um mesmo acidente. Os interesses dos consumidores de um
produto são difusos. No caso, porém, de danos causados por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento do produto, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos (art. 12), a
indenização devida pelo fornecedor corresponde a direito individual de cada
vítima, porque não ocorre a indivisibilidade que se apresenta nos interesses
difusos e coletivos. Os passageiros de um ônibus ligam-se ao transportador por
uma relação jurídica-base, que é o contrato de
transporte. Contudo, ocorrendo um
acidente com mortos e feridos, são individuais os direitos à indenização das
vítimas e seus dependentes.
Por fim, há os direitos
individuais heterogêneos, que não autorizam ação coletiva.
4. Legitimação ativa. O
Ministério Público.
O Ministério Público surgiu na
França, por volta do século XIV, com a presença, nos Pretórios, dos agentes do
Rei (les gens du roi), para a defesa dos interesses da Coroa. Durante muito
tempo foi visto, entre nós, como uma reedição moderna desses órgãos do Rei,
isto é, como representação do Poder Executivo junto ao Judiciário.
Efetivamente, cabia-lhe a representação do Estado em juízo, particularmente nas
execuções fiscais.
A Constituição de 1988 não situa
o Ministério Público nem no âmbito do Poder Executivo, nem no do Poder
Judiciário. Constitui, ao lado da advocacia, uma das ‘funções essenciais à
Justiça’, proibindo-se-lhe ‘a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas’ (art. 129, IX). Rompeu-se, assim, o último laço que
ainda ligava, historicamente, o Ministério Público aos agentes do Rei. Outra é
hoje sua razão de ser. Nota essencial à jurisdição é a imparcialidade, motivo
por que se veda ao Juiz agir de ofício e, portanto, como interessado. Há,
então, de haver alguém que provoque o exercício da jurisdição.
Se privado o interesse, ao
interessado outorga-se o direito de ação. Se público ou difuso, ao Ministério
Público é que se atribui, em primeiro lugar, a função de provocar o exercício
da jurisdição. Em ambos os casos, a ação apresenta-se como um poder, o de
acionar a jurisdição. Trata-se, no primeiro caso, de Direito subjetivo, porque
o autor vai a juízo para a defesa de interesse próprio. No caso do Ministério
Público, trata-se de função, porque ele propõe a ação, não para a defesa de
direito próprio, mas para a tutela de interesses superiores ou alheios.
Repete-se, com o Ministério
Público, o fenômeno de um órgão que, ao mesmo tempo, integra e é independente
de outro. O Poder Judiciário é um dos órgãos do Estado, mas, ao mesmo tempo,
apresenta-se como que alheio ao Estado, para poder julgar imparcialmente atos
dos demais Poderes. O Ministério Público é, hoje, parte inseparável do
Judiciário, que a ele, porém, não se integrou nem se deve integrar, para que a
ação permaneça destacada da jurisdição.
A fusão de ambas desintegra a
jurisdição, com sua nota essencial da imparcialidade.
No processo civil, leciona HUGO
NIGRO MAZZILLI, a atuação do Ministério Público ‘desenvolve-se sob vários
ângulos: pode ele ser autor; representante da parte (v. g., na assistência
judiciária supletiva que presta ao necessitado. Cfe. art. 22, XIII, da Lei
Complementar n. 40/81) substituto processual (do incapaz, do revel ficto ou da
vítima pobre na ação reparatória ex delicto, exemplificativamente)
interveniente em razão da natureza da lide, desvinculado a priori dos
interesses de quaisquer das partes (o chamado custos legis, quando oficia em
autos de mandado de segurança, ação popular, questão de Estado, etc.) ou
interveniente em razão da qualidade da parte (como o incapaz, o acidentado do
trabalho, o indígena, a pessoa portadora de deficiência)’. Constitui, esse
último caso, uma forma peculiar de assistência (A Defesa dos Interesses
Difusos em Juízo, São Paulo, Rev.
dos Tribs., 1990, p. 37 e 47). ‘Não se pode esquecer’, prossegue o mesmo autor,
que, agora destinado exclusivamente à defesa de interesses indisponíveis do
indivíduo e da sociedade, como ao zelo dos interesses sociais, coletivos ou
difusos (CF, arts. 127 e 129, III), a lei somente poderá cometer-lhe a defesa
de interesses individuais se indisponíveis (CF, art. 127,caput, c/c. o art.
129, IX).
Cabe agora indagar, então, da
constitucionalidade da legitimação do Ministério Público para as ações
coletivas pró-direitos individuais homogêneos.
O art. 129, IX, da Constituição autoriza
o exercício, pelo Ministério Público, de funções nela não previstas, desde que
compatíveis com sua finalidade, vedada a representação judicial e a consultoria
jurídica de entidades públicas.
Parece-me que, a fortiori, há que
se ter como incompatíveis com os fins do Ministério Público as atividades de
consultoria, representação e substituição de pessoas privadas.
A ação do art. 91 do Código de
Defesa do Consumidor é ação de indenização. Diz respeito a direitos individuais
disponíveis. Não pode, pois, ser proposta pelo Ministério Público, porque este
é instituído pela Constituição como órgão de defesa de interesses públicos e
difusos e não como defensor de Direitos Privados, de caráter patrimonial e
disponíveis. Observe-se que da soma de interesses individuais não resulta
interesse público. Este se revela pelos caracteres da transindividualidade e
indivisibilidade.
Indiscutível, porém, a
legitimação do Ministério Público para ação cominatória tendente a obrigar o
fornecedor a substituir produto defeituoso, que ponha em risco a vida ou a
saúde de consumidores ou de terceiros. Manifesta, aí, a indisponibilidade dos
interesses em jogo e o caráter público de que se revestem.
Um segundo caso em que se pode
excepcionalmente admitir ação do Ministério Público em prol de interesses
individuais homogêneos resulta da tradição de nosso Direito, que não parece
rompida pela atual Constituição, de fazer dele um defensor público eventual.
Assim o art. 58 do CPP o autoriza a propor ação cível de liquidação de sentença
penal condenatória, quando o titular do direito à reparação do dano for pobre.
O art. 22, Xll, da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar n. 40,
de 14.12.81) impõe ao Ministério Público estadual o dever de prestar
assistência judiciária aos necessitados, onde não haja órgãos próprios. O art.
201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13.7.90)
autoriza o Ministério Público a promover ações de alimentos. Nessa linha de
pensamento, é de se admitir ação coletiva pró-direitos individuais homogêneos,
quando a situação de pobreza ou de ignorância dos respectivos titulares seja
tal que não se possa razoavelmente esperar que constituam associação que os
defenda.
O art. 51, § 4°, autoriza o
Ministério Público a propor ação declaratória de nulidade de cláusula
contratual que contraria o Código do Consumidor ou que de qualquer forma não
assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Havemos de
entender que a autorização, aí contida, é para a tutela de interesses
transindividuais de natureza indivisível (art. 81, parágrafo único, I ou II).
Efetivamente, a cláusula contratual estatuída em contratos de adesão
assemelha-se à previsão abstrata de norma legal, incidente sobre a situação de
fato nela prevista. Daí o caráter transindividual de que se pode revestir, e o
interesse público em que sua nulidade, quando infringente da lei, seja
declarada.
5. Legitimação ativa. Entidades
sem personalidade jurídica.
Quando o CC, no art. 2°, diz que
todo homem é capaz de direitos e obrigações, está a dizer que todo homem é uma
pessoa, porque ser pessoa não é senão ser capaz de direitos e obrigações.
‘... a mera circunstância de
existir confere ao homem a possibilidade de ser titular de direitos. A isso se
chama personalidade.
‘Afirmar que o homem tem
personalidade é o mesmo que dizer que ele tem capacidade para ser titular de
Direitos. Tal personalidade se adquire com o nascimento com vida, conforme
determina o art. 4° do Código’ (RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Parte Geral, 2
a ed., São Paulo, Max Limonad, 1964, I/57-8).
A personalidade jurídica envolve
a capacidade de gozo e se distingue da capacidade de exercício de direitos.
‘Se todos os homens são capazes
de direito, podendo ter Direitos subjetivos e contrair obrigações, nem todos
são aptos a praticar pessoalmente os atos da vida civil. Distinguimos, pois, a
capacidade de direito, ou seja, a possibilidade de adquirir direitos e contrair
obrigações por si ou por terceiros da (...) capacidade de exercício ou de
negócio, em virtude da qual a pessoa pode praticar pessoalmente os atos da vida
civil, sem necessitar de assistência ou de representação’ (WALD, Arnoldo.
Direito Civil brasileiro, Parte Geral, Rio de Janeiro, Lux, 1962, p. 162).
A contraposição, capacidade de
gozo (personalidade) versus capacidade de exercício, do Direito Civil,
corresponde à contraposição, capacidade de ser parte versus capacidade de estar
em juízo (legitimação processual), do processo civil.
‘Na órbita civil, diferem a
capacidade de ter direitos e a capacidade de exercê-los. Assim é que, v. .g., o
menor pode ter direitos, mas não pode exercê-los pessoalmente.
‘O mesmo princípio se aplica no
Direito Processual, em que se distinguem a capacidade de ser parte e a
capacidade de estar em juízo, que correspondem, aproximadamente, àquela
distinção feita na ordem civil.
‘Assim, tem capacidade de ser
parte toda pessoa natural, não importando a idade, estado mental, sexo,
nacionalidade, estado civil, bem como as pessoas jurídicas, além de outras
figuras a que a lei atribui essa capacidade, como o nascituro, espólio, etc.
‘Mas a capacidade de estar em
juízo, também chamada legitimidade, ou legitimação para o processo, ou
legitimatio ad processum, só é atribuída aos que estiverem no exercício dos
seus direitos, excluídos, assim, os menores, os loucos, os silvícolas, etc.’
(BARBI, Celso Agrícola. Coments. ao CPC, Rio de Janeiro, Forense, 1975,
I/122-3, Tomo I).
Uma das tendências do Direito
moderno é a de romper com os limites traçados pelo conceito legal de personalidade
jurídica, adquirida, pelas pessoas jurídicas de Direito Privado, com a
inscrição de seus contratos, atos constitutivos ou compromissos no seu registro
peculiar’ (CC, art. 18).
No campo do processo, cunhou-se a
expressão ‘personalidade judiciária’, definida como aptidão para ser parte,
independentemente da existência ou não de personalidade jurídica, nos termos do
Direito Civil. Assim, não são pessoas, mas têm aptidão para serem sujeitos do
processo, a massa falida, a herança jacente ou vacante, o espólio, o condomínio
e as sociedades sem personalidade jurídica (CPC, art. 12). Em mandado de
segurança, Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas e a mesa da Câmara
dos Deputados podem ser impetrantes ou impetrados.
De um ponto de vista estritamente
lógico, o reconhecimento da capacidade de ser parte (personalidade judiciária)
importa, ipso facto, no reconhecimento da personalidade jurídica do ente havido
como possível sujeito do processo, isto é, como centro de imputação de direitos
e obrigações processuais.
O Código do Consumidor prossegue
nessa trilha. Entidades sem personalidade jurídica podem ser autoras (art. 82,
III) ou rés (art. 3°), havendo ainda uma seção dedicada à desconsideração da
personalidade jurídica (art. 28).
Ação civil tem sido explicada
como direito subjetivo público (direito à tutela jurisdicional). Isso não é
sempre verdadeiro. Direito subjetivo é poder concedido a alguém, para a
realização de um interesse seu. Poderes conferidos para a realização de
interesses superiores, ou alheios, constituem função (cfe. SANTORO-PASSARELLI,
F. Teoria Geral do Direito Civil, Trad. Manuel de Alarcão, Coimbra, Atlântida,
1967, p. 53).
Assim, o Ministério Público
(órgão sem personalidade jurídica), não exerce, na ação penal, nenhum jus puniendi.
Não há Direito subjetivo do Ministério Público à punição do réu, ainda que
culpado. Trata-se, aí, do exercício, pelo Ministério Público, de uma função do
Estado.
Quando se admite, como no art.
82, III, do Código do Consumidor, que um ente promova ação, não para a defesa
de Direito próprio, mas para a tutela de interesses alheios, transindividuais,
a ação civil apresenta-se sim como poder, mas na modalidade de função e não de
direito subjetivo.
Do ponto de vista lógico, é
inadmissível a atribuição do direito de ação a um ente que, por definição, não
tem aptidão para ser titular de direitos, por não ter personalidade jurídica.
Uma função, porém, pode ser
atribuída a órgãos que não são pessoas, porque o fim aí visado não é a tutela
de direitos próprios, mas de interesses alheios.
6. Legitimação ativa na ação
coletiva pró-interesses individuais homogêneos.
A ação coletiva para a defesa de
direitos individuais homogêneos é regulada pelos arts. 91 a 100 do Código do
Consumidor. No que se refere à legitimação ativa, tem-se o art. 91, a
estabelecer que os legitimados de que trata o art. 81 poderão propô-la, em nome
próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores. Todavia, norma sobre
legitimação ativa tem-se no art. 82, e não no art. 81. Daí a conclusão de
TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO, no sentido de que ocorre um evidente
engano, na remissão do art. 91 ao 81. Este ‘não diz respeito a qualquer
legitimado. A remissão pretendida e que deve ser admitida, pela evidência do
engano, é ao art. 82, este sim se referindo a legitimados.
Este engano detectado também se
encontra no art. 98, que trata da execução coletiva facultativa. Entretanto,
nos arts. 97 e 100, a remissão feita está correta, referindo-se ao art. 82,
tolhendo qualquer discussão a respeito’ (Coments. ao Código do Consumidor, Rio
de Janeiro, Aide, 1991, p. 105).
Em princípio, devem-se presumir
corretos os enunciados legais, não cabendo afastar-se o que não compreendemos
com o fácil expediente da atribuição de equívocos ao legislador. Por isso,
vamos afastar, provisoriamente, a conclusão de TUPINAMBÁ, supondo correta a
remissão do art. 91 ao 81. Temos, então, que a ação coletiva para a defesa de
direitos individuais homogêneos pode ser proposta, como no Direito americano,
por qualquer dos representantes da respectiva classe. Segue-se, então, que a
legitimação de que trata o art. 82 se refere, exatamente como nele se declara,
à hipótese do art. 100, parágrafo único, isto é, à execução para o Fundo criado
pela Lei n. 7.347, de 24.7.85.
Eis que, porém, nos deparamos com
nova dificuldade: entre os legitimados encontram-se as associações legalmente
constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais
a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código do Consumidor,
dispensada a autorização assemblear, podendo, porém, o Juiz dispensar o
requisito da pré-constituição, nas ações previstas nos arts. 91 e segs., quando
haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do
dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Inarredável, então, a
conclusão de que o art. 82 regula a legitimação ativa para a ação coletiva de
tutela de direitos individuais homogêneos. Segue-se, então, que também há
equívoco do Código no art. 82, em sua remissão ao art. 100, parágrafo único. A
remissão correta é ao art. 81, parágrafo único. Portanto, quer se bate de ação
civil pública, para a tutela de interesses transindividuais de natureza
indivisível, quer se bate de ação coletiva para a tutela de direitos
individuais homogêneos, a legitimação ativa é das pessoas e órgãos enumerados
no art. 82, a saber: o Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e
o Distrito Federal; as entidades e órgãos da administração pública, direta ou
indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à
defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código do Consumidor; as
associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre
seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo
mesmo Código, dispensada a autorização assemblear. Reforça essa conclusão o
disposto no art. 92: ‘O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará
sempre como fiscal da lei’. Efetivamente, se a legitimação ativa, para a ação
coletiva de defesa de direitos individuais homogêneos, fosse a prevista no art.
81 (pela remissão do art. 91), o Ministério Público não estaria legitimado,
restando sem sentido a hipótese prevista no art. 92, de não ser a ação ajuizada
pelo próprio Ministério Público.
Lamentavelmente, temos, então,
que reconhecer a existência, no Código do Consumidor, de equívocos de remissão:
no art. 91, bem como no art. 98 a remissão deve ser ao art. 82; no art. 82, ao
art. 91.
A legitimação de um grupo de
consumidores ou vítimas, como representantes da respectiva classe, como ocorre
no Direito americano, teria mais razão de ser do que a das pessoas ou órgãos
arrolados no art. 82, I, II e lII. É surpreendente que se autorize o Ministério
Público a propor ação coletiva, em defesa de direitos individuais de caráter
patrimonial, negando-se igual legitimação a grupo de lesados que se apresente
como porta-voz da respectiva classe.
Pode-se, porém, facilmente
superar o obstáculo, mediante a constituição de associação ad hoc, v. g., a das
vítimas do vôo X, com vistas à propositura e ação fundada em contrato de
transporte. Em casos tais, pode o Juiz dispensar o requisito temporal de um ano
(art. 81, § 1°).
A associação tem legitimação para
a defesa coletiva dos interesses, não só dos associados, mas da classe inteira.
VICENTE GRECCO FILHO discorda:
‘No que concerne, porém, à legitimação das associações de defesa do consumidor,
deve ser interpretada a legitimação em consonância com o inc. XXI do art. 5° da
Constituição, ou seja, que as associações poderão promover a ação em favor de
seus associados ou filiados, para se usar o termo da Constituição. Isso porque,
se a Constituição assegura o direito de não se associar (art. 5°, XX), conseqüentemente
não se pode submeter o direito de alguém a decisão judicial por entidade de que
não participe. Isso sem falar do abuso que poderia ocorrer por parte das
associações questionando direitos de pessoas indeterminadas e estranhas’ (in
OLIVEIRA. Coments., p. 352).
Ocorre que a atuação em prol de
terceiros, que o autor não representa, mas substitui, é da essência das ações
coletivas. Assim como o Ministério Público e demais órgãos ou pessoas
relacionadas no art. 82 atuam em prol de consumidores ou vítimas que de nenhum
modo manifestaram sua vontade de que tal ocorresse, assim as associações agem
em prol de terceiros, filiados ou não. Daí não decorre prejuízo para direitos
individuais, porque, ‘em caso de improcedência do pedido, os interessados que
não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de
indenização a título individual’ (art. 103, § 2°).
Também do ponto de vista prático
se impõe a solução aqui preconizada.
Se a sentença há de ser eficaz
apenas para os associados, seria mais simples outorgarem os interessados
mandato a um advogado, para representá-los em juízo, dispensando-se assim as
formalidades de constituição de uma associação.
Considerem-se, ainda, as
dificuldades que surgiriam para se determinar quais os beneficiados pela coisa
julgada. Teria o Juiz de investigar que pessoas eram ou não eram associadas ao
tempo da propositura da ação, ou da sentença, em registros de entidades privadas
...
O que pode ocorrer, sim, é a
limitação dos efeitos da sentença, em função da própria natureza da associação
autora. Se esta se constituiu para defesa dos interesses dos consumidores de
gasolina do Estado de São Paulo, é certo que a sentença de procedência não
beneficiará os consumidores de outros Estados, inobstante a identidade de
situações.
Um problema que o Código deixou
em aberto é o da representatividade da associação. Suponha-se a mesma ação,
proposta por duas associações, ambas dizendo-se representativas de determinados
consumidores da mesma região. Poder-se-á, é certo, afastar a duplicidade de
ações pelas regras da prevenção. Todavia, se é manifesta a representatividade
da associação que propôs a segunda ação, não passando a primeira de uma
entidade fantasma, a solução encontrar-se-á na decretação da carência de ação,
por ilegitimidade ativa.
7. Competência.
O art. 93 do Código de Defesa do
Consumidor está inserido no capítulo que regula as ações coletivas para a
defesa de interesses individuais homogêneos.
Poder-se-ia, então, imaginar que
a competência aí estabelecida seria restrita a essas ações, cabendo invocar-se,
para as demais, o disposto no art. 2° da Lei n. 7.347/85.
Por duas razões me parece claro
que a norma de competência estabelecida no art. 93 se aplica a todas as ações
coletivas reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. A primeira, é que a
Lei n. 7.347/85 regula apenas as ações coletivas pró-interesses difusos. Não
teríamos, então, norma sobre competência nas ações coletivas pró-interesses
coletivos. A segunda razão é que o art. 93 do Código de Defesa do Consumidor
não se refere apenas ao foro do lugar onde ocorreu o dano, próprio para as
ações reguladas pelos arts. 91 a 100. Também se refere ao foro do lugar onde deva
ocorrer o dano, com que aponta, v. .g., para a ação cominatória do art. 84, o
que por si só mostra que o âmbito de aplicação do art. 93 transcende os limites
das ações coletivas de responsabilidade civil (arts. 91-100).
O art. 93 do Código de Defesa do
Consumidor começa por ressalvar a competência da Justiça Federal, regulada pela
Constituição, inclusive no que se refere à competência de Foro (art. 109, §
2°).
No caso de ação coletiva, assim
como no de ação civil pública, quem seja o autor não importa, para os efeitos
de identificação da ação. Em outras palavras, pode ocorrer que a mesma ação
seja proposta por autores diferentes.
Pode ocorrer, pois, que a mesma
ação seja proposta pela União ou por órgão da administração pública direta ou
indireta da União, perante a Justiça Federal e por associação, perante a
Justiça local Estadual. Prevalece, no caso, a competência da Justiça Federal,
como nos casos em que a União intervém, mesmo que na mera condição de
assistente, em causa pendente (Constituição, art. 109, I).
Competente que seja a Justiça
comum Estadual, a competência é do foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer
dano de âmbito local (Código de Defesa do Consumidor, art. 93, I); no caso de
danos de âmbito nacional ou regional, a ação pode ser ajuizada na capital do
Estado ou no Distrito Federal.
Como exemplo de dano meramente
local, RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO aponta o de escola paulista praticando
sobrepreço em desrespeito à norma de regência (OLIVEIRA, Juarez de & alli.
Coments. ao Código do Consumidor, São Paulo, Rev. dos Tribs., 1991, p. 322).
Observe-se que ‘lugar onde
ocorreu o dano’ expressa significado diverso de ‘lugar do ato ou fato’ (CPC,
art. 101, V, a). Assim, a queda de uma aeronave em local ermo, no interior
deste Brasil, provoca danos de caráter nacional, suposta a morte de tripulantes
e passageiros de vários Estados do país. Então, a ação coletiva, fundada em
contrato de transporte, deverá ser proposta no foro da capital do Estado ou no
Distrito Federal.
A lei não impõe o foro da capital
do Estado, para os danos de âmbito regional, e o do Distrito Federal, para os
de âmbito nacional. Pode, pois, o autor optar pelo foro da capital de seu
Estado ou propor a ação no Distrito Federal.
No caso de a mesma ação ser
proposta por diferentes autores, em foros diversos da mesma ou distinta Justiça
Estadual, a competência fixar-se-á por prevenção.
8. Liminar.
Salvo na ação cominatória
regulada pelo art. 84, a obtenção de liminar, em ação coletiva, exige a
propositura de específica ação cautelar (v. art. 83).
Assim já era no regime da Lei n.
7.347/85, cujo art. 2°, § 2°, já evidenciava que a previsão, aí, era de liminar
em ação cominatória.
Há, em nossos Pretórios, uma
tendência a se dispensar específica ação cautelar, preconizando-se a ampliação
dos casos de tutela cautelar, por decisão incidente, no processo de
conhecimento. Devemos resistir a essa tendência, porque não se trata, aí, de
mero formalismo. A medida cautelar é concedida sem prova plena dos requisitos
de procedência da ação principal. Não raro é concedida à luz de simples
alegações do autor. Ora, concedida a liminar, não há, no processo principal, lugar
para a produção, pelo réu, de provas tendentes a demonstrar a inexistência de
fumus boni juris ou de periculum in mora. Corre-se, então, o risco de sofrer o
réu, por todo o tempo de duração do processo principal, os efeitos de uma
liminar injusta, sem poder produzir provas, isto é, sem a observância do
princípio do contraditório ou da ampla defesa. Substitui-se, assim, a sentença
final, proferida com audiência e produção de provas de ambas as partes, pelo
palpite do Juiz, ao despachar a inicial. Essa preocupação é também do
legislador, tanto que a própria multa, cominada liminarmente, só é exigível
após o trânsito em julgado da sentença de procedência (Lei n. 7.347, art. 12, §
2°).
As cautelas que o Juiz pode
deferir, em ação coletiva pró-interesses individuais homogêneos, não são
diversas das que as partes poderiam obter em ações individuais. Segue-se, daí,
uma conseqüência importante: não se poderá conceder arresto, para garantir
indenizações ilíquidas, por força do disposto no criticável art. 841, I, do CPC
(sobre as tentativas de superação do obstáculo legal, veja-se A Ação Cautelar
Inominada no Direito Brasileiro, de OVÍDIO A. BAPTISTA DA SlLVA, 3 a ed.,
Forense, 1991, § 35).
9. Despesas processuais e
honorários advocatícios.
O art. 87 do Código do Consumidor
estabelece: ‘Nas ações coletivas de que trata este código não haverá
adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras
despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em
honorários de advogado, custas e despesas processuais. Parágrafo único — Em
caso de litigância de má-fé, a associação
autora e os diretores
responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em
honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade
por perdas e danos’.
Despesas processuais é expressão
ampla, que abrange a taxa judiciária, as custas referentes aos atos dos
servidores da Justiça, a indenização de viagem, diária de testemunha e
remuneração dos peritos (cfe. art. 20, § 2°, do CPC). Não abrange os honorários
advocatícios (cfe. art. 20, caput, do CPC).
No que se refere ao adiantamento
das despesas, cabe repetir aqui a observação da realidade forense, feita por
HUGO NIGRO MAZZILLI, comentando análogo dispositivo da Lei n. 7.347/85: ‘O
dispositivo, bem intencionado mas muito teórico, não resolve o problema prático
de não se poder exigir, por exemplo, que peritos particulares custeiem ou
financiem, de seus próprios bolsos, as caras perícias que poderão ser
necessárias ...
‘Na verdade, se for público o
órgão que deva fazer a perícia, a requisição ministerial ou judicial deverá
resolver o problema, seja expedida no inquérito civil, seja no curso da ação
judicial. Mesmo assim, no Estado de São Paulo, por falta de verbas, não se conseguem
superar os óbices decorrentes do alto custo de perícias, mesmo requisitadas a
institutos oficiais ... Vale como exemplo o que tem sucedido nas ações
investigatórias de paternidade, que correm sob os benefícios da assistência
judiciária. São custos e difíceis de realizar os exames do tipo HLA (human
leucocyte antigens)’ (MAZZILLI, Hugo. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo,
2 a ed., São Paulo, Rev. dos Tribs., 1990).
Há que se distinguir adiantamento
de despesas processuais e pagamento de despesas processuais e honorários
advocatícios. Qualquer que seja o autor da ação coletiva, não se exige que
adiante numerário correspondente a despesas processuais (custas, emolumentos,
honorários periciais, etc.). Julgada improcedente a ação, há condenação do
autor nas despesas processuais e em honorários advocatícios, sendo ele o
Ministério Público, a União, Estado, Município, o Distrito Federal, entidade ou
órgão da administração pública, direta ou indireta. A sucumbência do Ministério
Público ou de outro órgão da administração pública, sem personalidade jurídica,
acarreta a condenação da pessoa jurídica em que se integra (União, Estado,
Município, Distrito Federal). Julgada improcedente ação proposta por
associação, não há condenação dela no pagamento de despesas processuais e
honorários advocatícios, salvo no caso de litigância de má-fé, tal como ocorria
no sistema do CPC de 1939, por força do seu art. 63.
O Código do Consumidor não cogita
da eventual má-fé do agente do Ministério Público ou de outro órgão da
administração pública. A condenação somente é imponível, e ex officio, à
associação autora e aos diretores responsáveis.
Quanto à responsabilidade por
perdas e danos: a) não há que se distinguir entre associações e órgãos
públicos; o poder público responde pelos atos de seus agentes; b) há que se
exigir ação (ou reconvenção), porque a responsabilidade por perdas e danos
supõe alegação de prejuízos, e não cabe ao Juiz fazer alegações, ato que é
restrito às partes.
10. Litispendência.
‘Observe-se e retifique-se, antes
de mais nada, um erro de remissão contido no art. 104: a referência do
dispositivo aos ‘efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que
aludem os incs. II e lll do artigo anterior’ deve ser corrigida como sendo à
coisa julgada ‘a que aludem os incs. I e II do artigo anterior’: e isto porque
é evidente que a coerência interna do dispositivo exige a relação entre a
primeira e a segunda remissão, qual seja a referência às ações coletivas dos
incs. I e II do parágrafo único do art. 81, e o regime da coisa julgada que
Ihes diz respeito (incs. I e II do art. 103). Ademais, a própria ordem de
enumeração da coisa julgada (erga omnes e ultra partes) seguida pelo
dispositivo claramente indica que a remissão é inquestionavelmente aos incs. I
e II, do art. 103’ (GRINOVER, Ada Pellegrini. Da Coisa Julgada no Código de
Defesa do Consumidor, Revista Jurídica, Porto Alegre, (162): 9-21, abr., 1991).
Temos, então, que as ações
coletivas pró-interesses difusos ou coletivos não induzem litispendência em
relação a ações individuais, o que é lógico, porque não há identidade de
objeto: interesses individuais não se confundem com interesses coletivos ou difusos.
Já as ações coletivas
pró-interesses individuais homogêneos induzem litispendência em relação a ações
individuais, porque há continência (CPC, art. 104). De regra, não haverá
vantagem na reunião dos processos, facultada pelo art. 105 do CPC, sendo preferível
a solução preconizada por GRINOVER: suspensão das ações individuais (CPC, art.
265, IV, a), pelo prazo máximo de um ano (§ 5°, ibid.).
11. Coisa julgada.
A coisa julgada impede a
renovação da mesma ação (mesmas partes, mesmo pedido, mesma causa de pedir).
Mas não só. Também impede ação contrária, de modo que, julgada procedente ação
de cobrança, não pode o réu propor ação declaratória da inexistência do débito,
nem tampouco, após o pagamento, propor ação de repetição de indébito.
Razão, pois, tem VICENTE GRECCO
FILHO, ao repelir a idéia da existência de vínculo necessário entre o instituto
da coisa julgada e a identidade de ações. Argumenta: ‘Qual o defeito da
sentença de liquidação em desacordo com a sentença do processo de conhecimento?
A ofensa à coisa julgada, sem que o pedido de liquidação mantenha a tríplice
identidade com a ação que gerou a sentença.
‘Qual o defeito da sentença que
viola o que foi decidido entre as mesmas partes em sentença transitada em
julgado relativa à relação jurídica prejudicial?
A ofensa à coisa julgada, sem que
haja no caso a tríplice identidade’ (in OLI-VEIRA. Coments. ao Código de
Proteção ao Consumidor, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 362).
Outro caso ainda em que há coisa
julgada sem a tríplice identidade é o da sentença condenatória penal, que torna
certa a obrigação de indenizar o dano (CP, art. 91, I; CPP, art. 63; CPC, art.
584, II).
O fenômeno tornou-se agora mais
saliente, com as ações coletivas. Efetivamente, a sentença de procedência,
proferida nessas ações, produz coisa julgada em prol dos autores de ações
individuais (Código de Defesa do Consumidor, art. 103), embora inexista
identidade entre ação coletiva e ação individual.
É equivocada, pois, a concepção
de que a coisa julgada somente impede a renovação da mesma ação: a tríplice
identidade refere-se à identidade de ações e não à coisa julgada.
Não se trata, nesses casos, de
ampliação ope legis do objeto do processo, como sustenta ADA GRINOVER (Da Coisa
Julgada no Código de Defesa do Consumidor, Revista Jurídica, Porto Alegre,
(162): 9-21, abr., 1991). O fato de uma questão de fato ou de direito, que
constitui premissa necessária da conclusão, tornar-se indiscutível em outro
processo é efeito anexo da sentença. Não há alteração do objeto do processo, porque
permanecem o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
Limites subjetivos da coisa
julgada.
A eficácia da sentença pode
atingir terceiros, com maior ou menor intensidade. O sublocatário é despejado;
o credor do réu perde a garantia do bem de que este foi desapropriado.
A autoridade de coisa julgada,
porém, é, de regra, restrita às partes (incluído aí o substituto processual,
parte em sentido material) e aos seus sucessores.
Há, todavia, exceções
importantes: 1. nas ações de estado, a autoridade de coisa julgada é erga omnes
(CPC, art. 472); 2. a condenação penal do preposto torna certa a obrigação do
preponente de indenizar o dano (CP, art. 91, I; CPP, art. 63; CPC, art. 584,
ll); 3. nas ações coletivas, a sentença, conforme sua conclusão (secundum eventum
litis), faz coisa julgada erga omnes ou ultra partes (Código de Defesa do
Consumidor, art. 103).
No que se refere às ações
coletivas, é oportuno lembrar que os dispositivos processuais do Código de
Defesa do Consumidor ‘se aplicam, no que couber, a todas as ações em defesa de
interesses difusos, coletivos, ou individuais homogêneos, coletivamente tratados’
(GRINOVER, Ada Pellegrini. Da Coisa Julgada no Código de Defesa do Consumidor,
Revista Jurídica, Porto Alegre, (162): 9-21, abr., 1991).
Nas ações coletivas, cabe
distinguir as seguintes situações: a) Em se tratando de interesses difusos ou
coletivos, há coisa julgada erga omnes ou ultra partes, nos casos de
procedência do pedido ou de improcedência por falta de fundamento. No caso de
improcedência por insuficiência de provas, a ação coletiva pode ser renovada,
por qualquer dos legitimados, inclusive pelo que intentou a primeira demanda. O
titular de direito individual pode, em qualquer caso, propor ação individual,
tendo em seu prol coisa julgada, havendo a ação coletiva sido julgada
procedente.
b) Em se tratando de ação
coletiva pró-interesses homogêneos, há coisa julgada, qualquer que seja o
resultado da ação. Em outras palavras, a ação coletiva não pode ser renovada.
Contudo, a improcedência da ação não impede que os interessados que não
intervieram no processo, como litisconsortes, proponham ação de indenização a
título individual. Julgada procedente a ação coletiva, há coisa julgada em prol
dos titulares de direitos individuais.
Limites objetivos da coisa
julgada.
Nas ações individuais, a coisa
julgada é restrita ao pedido, não se estendendo à motivação da sentença, nem à
apreciação de questão prejudicial (CPC, art. 469).
Questão prejudicial é a
pertinente à existência ou inexistência de relação jurídica (CPC, art. 5°), que
poderia ser objeto de outro processo e cuja resolução predetermina, no todo ou
em parte, a solução a ser dada ao pedido formulado pelo autor na inicial (v.
FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A Ação Declaratória Incidental, Rio de Janeiro,
Forense, 1976, p. 77).
A coisa julgada pode-se estender
à questão prejudicial, havendo pedido nesse sentido, isto é, se proposta ação
declaratória incidental.
Nas ações coletivas, a eficácia
erga omnes ou ultra partes vincula-se a uma questão de fato ou de direito, que
constitui premissa necessária da conclusão, que é coberta pela autoridade de coisa
julgada, como efeito anexo da sentença.
12. Ação cominatória.
Lê-se no art. 1.056 do CC que,
‘não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo
devidos, responde o devedor por perdas e danos’.
A partir desse dispositivo havia,
entre nós, um preconceito arraigado, contra a execução específica das
obrigações. Em se tratando, por exemplo, de promessa de compra e venda não
registrada, entendia-se que o promitente comprador não tinha ação para haver a
própria coisa (embora permanecendo o promitente vendedor com sua propriedade e
posse); devia contentar-se com perdas e danos.
A legislação processual civil,
porém, já desde o código de 1939, admitia a execução específica, mesmo das
obrigações de prestar declaração de vontade.
O Código do Consumidor rompe de
vez com o preconceito, estatuindo o princípio da prioridade da execução
específica (art. 84). Sendo ela impossível, busca-se resultado prático
equivalente. A conversão em perdas e danos somente ocorre por opção do autor ou
se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
equivalente (parágrafo único).
Na mesma linha de idéias, dispõe
o art. 48: ‘As declarações de vontade constantes de escritos particulares,
recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor,
ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos’.
O Código de Defesa do Consumidor
faz reviver, entre nós, como ação especial, a cominatória, caracterizada a
especialidade pela possível emissão de medida liminar, de natureza cautelar.
A liminar importa em adiantamento
da eficácia da sentença, podendo ou não ter caráter cautelar. Tem caráter
cautelar, quando o que se adianta é a tutela cautelar. Esta supõe periculum in
mora e fumus boni juris. Não tem caráter cautelar, quando o que se adianta é
algum ou todos os efeitos da sentença definitiva, independentemente de perigo
da demora, mas com razoável certeza da existência do direito. Assim, não tem
caráter cautelar a liminar em ação de reintegração de posse. Pelo contrário,
têm caráter cautelar os alimentos provisórios, ainda quando concedidos como
liminar da própria ação de alimentos, porque supõem periculum in mora, isto é,
o risco de dano decorrente da demora da sentença definitiva.
A liminar, nas ações cominatórias
do Código do Consumidor, tem caráter cautelar, porque subordinada a justificado
receio de ineficácia do provimento final (art. 34, § 3°).
No código de 1939, a ação
cominatória estava assim regulada: ‘Art. 303. O autor, na petição inicial,
pedirá a citação do réu para prestar o fato ou abster-se do ato, sob a pena
contratual ou a pedida pelo autor, se nenhuma tiver sido convencionada.
‘§ 1°. Dentro de dez dias poderá
o réu contestar; se o não fizer ou não cumprir a obrigação, os autos serão
conclusos para a sentença.
‘§ 2°. Se o réu contestar, a ação
prosseguirá com o rito ordinário’.
Como se observa, o preceito
emitido liminarmente tornava-se ineficaz, sobrevindo contestação. Havia,
contudo, casos de execução imediata da liminar, apesar de contestado o pedido.
Eram os casos dos arts. 304 e 305: ‘Art. 304. Na ação cominatória intentada
pelo proprietário, com fundamento nos incs. Vll e VlIl do art. 302 (para
impedir que o mau uso da propriedade vizinha prejudique a segurança, o sossego
ou a saúde dos que habitam o seu prédio; para exigir do dono do prédio vizinho,
ou do condômino, demolição, reparação ou caução pelo dano iminente), ou pelo
inquilino, com fundamento no inc. Vll do mesmo artigo, o autor poderá, em caso
de perigo iminente, requerer em qualquer tempo que o réu preste caução ao dano
eventual, indicando desde logo o valor que deva ser caucionado.
‘§ 1°. Se, dentro de 24 horas,
contadas da notificação, o réu não impugnar o pedido, o Juiz mandará que preste
a caução.
‘§ 2°. Impugnado o pedido, o Juiz
decidirá, depois de ouvir perito, se necessário. Da mesma forma procederá se o
réu não for encontrado na comarca para a notificação.
‘§ 3°. Deferido o requerimento, o
réu terá 24 horas, contadas da intimação do despacho, para efetuar a caução. Se
o não fizer, poderá o autor requerer a execução do ato objeto do pedido
principal, observado o disposto no art. 305, § 3°, sem prejuízo do
prosseguimento da ação.
‘Art. 305. Se na inicial ou no
curso de ação cominatória que intentar, a União, ou o Estado ou o Município
alegar urgência, verificada por perito, executar-se-á incontinenti a
providência requerida, ressalvando-se ao réu, na sentença final, o direito à
indenização’.
Com o advento do CPC de 1973, a
ação cominatória deixou de ser especial, nela não havendo, pois, lugar para a
concessão de medida liminar, sem prejuízo de eventual ação cautelar, se
cabível.
Com o Código do Consumidor,
reaparece a ação cominatória como ação especial, com a previsão de possível
medida liminar, de natureza cautelar, com eficácia imediata. Efetivamente,
dispõe o Código: ‘Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
‘§ 3°. Sendo relevante o
fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação
prévia, citado o réu.
‘§ 4°. O Juiz poderá, na hipótese
do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido
do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo
razoável para o cumprimento do preceito.
‘§ 5°. Para a tutela específica
ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o Juiz determinar
as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e
pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição
de força policial’.
Como decorre do art. 12, § 2°, da
Lei n. 7.347/85, a multa cominada liminarmente só é exigível após o trânsito em
julgado da sentença de procedência, mas é devida desde o dia em que se
configurou o descumprimento.
A propósito das liminares em
ações possessórias, observa ADROALDO FURTADO FABRÍCIO: ‘A doutrina tem
convergido para o entendimento de que ao demandado é lícito se fazer
representar por advogado na audiência (de justificação) e dela participar
ativamente, seja reinquirindo as testemunhas do autor, seja contraditando-as
quando ocorra algum dos correspondentes motivos legais. Não Ihe é reconhecida,
porém, a faculdade de arrolar testemunhas, pois isso seria incompatível com a
índole da justificação’ (Coments. ao CPC, Rio de Janeiro, Forense, 1980,
VII/554, Tomo III). A lição é aplicável aqui também. Efetivamente, ou se obtém
presteza à custa do contraditório, ou a decisão liminar perde a própria razão
de ser, porque, colhidas todas as provas, a própria sentença definitiva pode
ser desde logo proferida.
O § 4° do art. 84 repete, com
outras palavras, a norma do art. 11 da Lei n. 7.347/85: ‘Na ação que tenha por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz determinará o
cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva,
sob pena de execução específica, ou de cominação de multa, se esta for
suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor’.
A norma terá mais freqüente
aplicação na ação civil pública, voltada ou não à defesa do consumidor. Mais
rara deverá ser sua aplicação em ação coletiva para a defesa de direitos
individuais homogêneos. É que esta tem caráter indenizatório (Código do
Consumidor, art. 91), visando, de regra, à condenação em dinheiro. Não é de se
excluir, todavia, a possibilidade de ação coletiva para o cumprimento de
obrigação de fazer, como a intentada com vistas à condenação do fornecedor a
substituir peça defeituosa de uma linha de produção.
O que mais chama a atenção, na
norma em exame, é a dispensa de pedido, o que põe em cheque princípios
processuais fundamentais, em especial o da ação e o da imparcialidade do Juiz.
Pode-se, porém, sustentar o enunciado legal, a partir da consideração de que a
imposição da multa se poderá apresentar, em muitos casos, como um minus em
relação ao pedido de tutela específica ou de obtenção do resultado prático
correspondente. Em vez, por exemplo, da substituição da peça por terceiros à
custa do réu (execução específica), a fixação, pelo Juiz, de um prazo razoável,
para o cumprimento voluntário da obrigação, sob cominação de multa. No caso da
ação civil pública, que visa à tutela de interesses transindividuais, de
natureza indivisível, ainda que se poderá argumentar com o interesse público
que envolve o exercício da ação.
No caso da ação coletiva, voltada
para a tutela de direitos individuais, poder-se-á, talvez, justificar o
dispositivo, com a consideração de que a ação, se, não é exercida pelos
próprios titulares dos direitos individuais, mas por órgãos ou pessoas, que
assim exercem função pública. Seja como for, não devemos nos regozijar
demasiadamente com esse abandono do princípio da demanda que, é certo,
entendido com demasiada rigidez, freqüentemente impede uma solução razoável da
lide ou mesmo a sua própria composição. Contudo, o princípio é de inestimável
valor, para o resguardo dos direitos individuais e atende, por outro lado, a
uma inafastável consideração de ordem psicológica: ninguém, melhor do que os
próprios interessados, sabe o que Ihes convém.
Embora embutida no Capítulo lIl,
a ação do art. 102 não é de responsabilidade civil. É cominatória, proponível
apenas contra a União, pois que se destina a obter proibição para todo o
território nacional. O fabricante do produto cuja circulação se quer proibir é
litisconsorte passivo necessário, pois é em face dele que se formula o pedido.
A sanção, para o descumprimento
da sentença pela União, não é, evidentemente, a de multa. Não pode, pois, ser
outra senão a de importar em proibição o simples trânsito em julgado da
sentença, nos termos do art. 641 do CPC.
Não há nisso invasão da
competência do Poder Legislativo pelo Poder Judiciário, mas simples atividade
de substituição, o que, conforme Chiovenda, caracteriza o ato jurisdicional
(contra, negando a possibilidade, no caso, de execução específica, VICENTE
GRECCO FILHO, in OLIVEIRA, Comentários, 1991, p. 358). Haverá, de qualquer
forma, a dificuldade de se tornar efetiva a proibição, contra a vontade do
Poder Executivo.
13. Ação pública de nulidade e
ações individuais de modificação de cláusula contratual.
O art. 51 do Código de Defesa do
Consumidor declara nulas as cláusulas contratuais que impliquem renúncia ou
disposição de direitos, que estabeleçam obrigações iníquas ou abusivas, que
coloquem uma das partes em desvantagem exagerada, as incompatíveis com a boa-fé
ou a eqüidade, as que estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo de uma
das partes, as que
determinem a utilização
compulsória de arbitragem, as que imponham representante para concluir ou
realizar outro negócio jurídico, as que autorizem uma das partes a modificar
unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, as que restringem
direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato e as
excessivamente onerosas para uma das partes.
O § 4° faculta a qualquer
consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que
ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual
que contrarie o disposto no Código, ou que de qualquer forma não assegure o
justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Conforme RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO, essa ação é constitutiva e somente pode ser proposta pelo Ministério
Público (in OLIVEIRA. Comentários, p. 293).
Parece-nos que, pelo contrário,
essa ação é declaratória (declaratória de nulidade), como decorre do art. 51,
caput (‘são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
...’) e que pode ser proposta por qualquer dos legitimados do art. 82. A
faculdade, também concedida à associação, de requerer ao Ministério Público o
ajuizamento de ação coletiva declaratória não é incompatível com a legitimação,
concorrentemente concedida à mesma associação, para propor, ela própria, a
ação.
Trata-se, sob certo aspecto, de
ação coletiva pró-interesses individuais homogêneos, não se justificando, pois,
ação do Ministério Público, órgão de defesa de interesses públicos e difusos.
Cada interessado pode propor ação individual, para obter a declaração de nulidade
da cláusula inserta em seu contrato, o que mostra que não nos encontramos em
face de interesses coletivos de natureza indivisível.
Sob outro aspecto, porém, podem
as cláusulas dos contratos de adesão ser visualizadas como verdadeiras normas
jurídicas abstratas, sobretudo se pensamos nas pessoas indeterminadas que podem
vir a contratar, aceitando oferta pública. Pode-se, então, enquadrar a hipótese
no art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor,
justificando-se, assim, a ação do Ministério Público para essa ação.
O art. 6°, V, do Código de Defesa
do Consumidor prevê duas outras ações, de natureza diferente, porque
constitutivas: a de modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais e a de revisão em decorrência de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
São constitutivas essas ações
porque representam exercício de direitos formativos. Supõe-se, pois, declaração
de vontade, necessariamente individual, de cada interessado. Tais ações serão,
pois, inelutavelmente individuais. Por ação pública poder-se-á tão-só obter
declaração da desproporcionalidade das prestações ou da onerosidade excessiva
decorrente de fato superveniente.
É incomensurável o valor dessas
normas de Direito Material (arts. 51 e 6°, V). Efetivamente, deixamos
definitivamente para trás o pacta sunt servanda, substituído pelo princípio da
normatividade justa.
14. Ação individual de
responsabilidade civil do fornecedor.
Os arts. 91 a 100 do Código do
Consumidor regulam as ações coletivas para a defesa de interesses individuais
homogêneos. O art. 101 refere-se às ações de responsabilidade do fornecedor de
produtos e serviços. Como as ações dos arts. 91 e 100 também são ações de
responsabilidade do fornecedor, surge certa perplexidade, que se resolve com a
consideração de que o art. 101 se refere às ações individuais dos consumidores.
Temos, pois, que a opção pelo
foro do domicílio do autor é restrita às ações individuais, discordando, nessa
parte, de ARRUDA ALVIM, que estende a regra às ações coletivas, verbis: ‘Esta
regra de competência do art. 101, I, aplica-se ao litigante individual.
Refere-se o texto a ‘autor’, ao passo que, quando se refere aos legitimados do
art. 82, utiliza-se, sempre, dessa dicção ou equivalente (arts. 102, 100, 91,
entre outros). Parece, pois, que esse texto se aplica, precipuamente, ao
litígio individual, o que se justifica diante do significado protetor do Código
do Consumidor.
‘Conquanto se haja fixado a
interpretação de que esse texto se refere ao autor de ação individual, à luz
dos propósitos do Código do Consumidor, que não descurou do
indivíduo-consumidor, há que se conferir ao texto dimensão maior. Efetivamente,
tendo em vista a ação coletiva (a qual, muito mais do que o litígio individual,
foi prestigiada, curialmente), deve ele ser aplicado, também, para as ações
coletivas, mormente porque, em ultima ratio, o que nessa se realiza reflui para
o bem do consumidor. Desta forma, exemplificativamente, poderá uma ação mover a
ação coletiva, no seu domicílio civil. Da mesma forma, parece-nos, se os
integrantes ou membros de uma classe, categoria ou grupo são domiciliados num
dado lugar e o fornecedor em outro (ainda que tais membros não sejam partes
processuais), dever-se-á promover a ação no domicílio daqueles’ (ARRUDA ALVIM,
Código do Consumidor Comentado, São Paulo, Rev. dos Tribs., 1991, p. 101).
O art, 101, II, prevê o
chamamento ao processo do segurador. A rigor, a hipótese seria de denunciação
da lide. Preferiu-se o chamamento ao processo para estabelecer regra de
solidariedade do segurador, até o limite do seguro. Regra, pois, de Direito
Material, sob as roupagens de norma processual.
‘Evidencia-se’, escreve ARRUDA
ALVIM, que, conquanto se servindo o legislador do chamamento ao processo, em verdade,
por ato do réu (fornecedor), logra colocar, perante o consumidor, mais um
responsável ‘à sua disposição, o que, sob este ângulo, condiz com os propósitos
do Código’ (ibid., p. 217)
VICENTE GRECCO FILHO assim se
pronuncia: ‘O chamamento ao processo tem por base uma relação de solidariedade,
ao passo que a denunciação da lide uma relação subordinada de garantia, mais
adequada, pois, às relações entre segurado e seguradora. Todavia, indicado o
chamamento ao processo, ele deve ser o instituto utilizado, isso porque o
Código deseja que a sentença condene o réu (no caso os réus, porque o segurador
passou a sê-lo com o chamamento), nos termos do art. 80 do CPC, ou seja,
condenação solidária (...).
‘É isso que o Código quer, a
condenação solidária, sendo evidente, porém, que a condenação da seguradora
será até o limite do valor segurado’ (in OLIVEIRA, Juarez. Coments. ao Código
do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 1991, p, 354).
15. Ação coletiva de
responsabilidade civil do fornecedor.
A ação coletiva pró-direitos
individuais homogêneos, regulada pelos arts. 91 a 100 do Código de Defesa do
Consumidor, deverá ter extraordinária difusão e importância. Mais do que
nenhuma outra, representa a emergência do coletivismo, após séculos de
acendrado individualismo. Acerca da legitimação ativa e da competência para
essa ação já se falou acima. Focam-se, aqui, os temas do litisconsórcio (art.
94), da condenação genérica (art. 95), da liquidação e da execução (arts. 97 a
100).
O art. 94 do Código de Defesa do
Consumidor dispõe: ‘Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a
fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem
prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos
órgãos de defesa do consumidor’.
Não se trata de citação, motivo
porque é inaplicável o art. 232 do CPC.
Não é, pois, de rigor, a
exigência de dupla publicação do edital em jornal local. Sobre a forma de
comunicação pelos meios de comunicação social decidirá, discricionariamente,
mas não arbitrariamente, o Juiz.
Tem-se o afluxo de um número
muito grande de litisconsortes, v. g., em hipóteses de vendas em grande
quantidade de produtos defeituosos (automóveis, fogões, etc.). O risco não
parece grande, no Direito brasileiro, porque a intervenção no processo não se
apresenta conveniente. É que a sentença de procedência da ação coletiva
beneficia o legitimado a intervir como litisconsorte, independentemente do fato
da intervenção (Código de Defesa do Consumidor, art. 103, III), ao passo que a
sentença de improcedência somente o prejudica se interveio no processo (Código
de Defesa do Consumidor, art. 103, § 2°).
A pendência de ação individual
não impede, como é evidente, a propositura de ação coletiva. Tampouco a
pendência de ação coletiva impede a propositura de ação individual, por quem
não haja intervindo naquela, como litisconsorte.
A ação individual, porém, deverá
ser suspensa, se o autor se quiser beneficiar da sentença a ser prolatada na
ação coletiva (art. 104).
Parece perfeito o sistema traçado
pelo legislador brasileiro. Contudo, para um juízo definitivo, precisamos
aguardar os resultados da prática forense.
‘Em caso de procedência do
pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos
danos causados’ (Código de Defesa do Consumidor, art. 95).
A regra, no CPC, é que se profira
sentença certa ou determinada, em resposta a pedido certo ou determinado. ‘É
lícito, porém, formular pedido genérico:
I — nas ações universais, se não
puder o autor individuar na petição os bens demandados; II — quando não for
possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato
ilícito; lIl — quando a determinação do valor da condenação depender de ato que
deva ser praticado pelo réu’ (CPC, art. 286).
A regra do art. 95 do Código de
Defesa do Consumidor ajusta-se à previsão do art. 95, II, do CPC. Houve, por
hipótese, a venda em massa de remédio nocivo. Relembre-se, a propósito, a
talidomida, que gerou crianças defeituosas.
Na ação coletiva estabelece-se o
nexo causal entre o produto nocivo ou defeituoso e os danos sofridos por seus
consumidores. Aqui, uma das maiores vantagens da ação coletiva, porque nela se
pode levar a efeito perícias caras e complexas, cujo custo poderia ser
insuportável ou desproporcional para o prejuízo sofrido por um consumidor
individual. Sobrevém a sentença, individualizando o responsável (ou
responsáveis). O an debeatur está fixado. Há necessidade, porém, de que cada
lesado alegue e prove sua condição de adquirente do produto condenado, bem como
a extensão dos danos sofridos. Para isso, a ação de liquidação de sentença.
Esta ação pode ser movida na
pendência do recurso especial ou extraordinário, pois o art. 497 do CPC (com a
redação da Lei n. 8.038/90) estabelece que tais recursos não impedem a execução
da sentença. No sistema desse Código, a liquidação da sentença integra a
execução. Trata-se, no caso, de execução provisória (CPC, art. 587), podendo-se
chegar até a penhora e avaliação dos bens penhorados, mas não até a arrematação
ou adjudicação (CPC, art. 588).
O fato de o art. 103 do Código de
Defesa do Consumidor referir-se à coisa julgada nada tem a ver com a execução
provisória da sentença que ainda não transitou em julgado (contra: ARRUDA
ALVIM: ‘... a liquidação deve ser procedida a contar do trânsito em julgado da
sentença condenatória genérica, prevista neste art. 95’) (Código do Consumidor
Comentado, São Paulo, Rev. dos Tribs., 1991, p. 206).
O parágrafo único do art. 97,
vetado, dispunha: ‘A liquidação de sentença, que será por artigos, poderá ser
promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão-só, o
nexo de causalidade, o dano e seu montante’.
Fundamentou-se o veto, dizendo-se
que ‘esse dispositivo dissocia, de forma arbitrária, o foro dos processos de
conhecimento e de execução, rompendo o princípio da vinculação quanto à
competência entre esses processos, adotado pelo CPC (art. 575) e defendido pela
melhor doutrina. Ao despojar uma das partes da certeza quanto ao foro de
execução, tal preceito lesa o princípio de ampla defesa assegurado pela
Constituição (art. 5°, LV)’.
Não obstante o veto, a
possibilidade de o foro da liquidação ser diverso do foro da condenação permanece.
É que o art. 98, § 2°, estabelece: ‘É competente para a execução o juízo: I —
da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução
individual; II — da ação condenatória, quando coletiva a execução’. Tem-se,
então, que o foro da condenação e da execução coincidem necessariamente só
quando coletiva a execução; no caso de execução individual, o que se exige é a
coincidência do foro da execução com o da liquidação, mas não o desta com o da
condenação.
No mesmo sentido, a lição de
TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NAS-CIMENTO:
‘Desconhecemos, no momento em que
escrevemos estes comentários, se o veto presidencial foi mantido ou rejeitado.
Enfrentamos, porém, a questão porque entendemos que o resultado da votação do
Congresso não alterará a solução processual. Artigo não vetado e eficaz diz que
‘é competente para a execução o juízo: I — da liquidação da sentença ou da ação
condenatória, no caso de execução individual; II — da ação condenatória, quando
coletiva a execução’ (art. 98, § 2°, do Código). Assim, se a execução é
individual, a promovida pelas vítimas e seus sucessores, o foro da ação de
conhecimento (ação condenatória) e da liquidação da sentença podem ser
diferentes, cabendo ao liquidante optar. Isto está escrito na lei, foi votado e
sancionado, sendo norma eficaz. Assim, se a escolha for pelo foro da
liquidação, é aplicável, por analogia e eqüidade, a regra do art. 101, I, do
Código, que indica o foro do domicílio do autor, na hipótese, do liquidante’
(Coments. ao Código do Consumidor, Rio de Janeiro, Aide, 1991, p. 109).
Não nos parece, porém, que o foro
da liquidação possa ser o do domicílio do autor, por aplicação do art. 101, I.
Tratando-se de ação individual, aplicam-se as regras do CPC e, porque há regras
expresses sobre a competência, não há lugar para a analogia e, menos ainda,
para a invocação da eqüidade.
A vinculação do foro da execução
ao da condenação, estabelecida pelo CPC, não atende a nenhuma imposição de
ordem constitucional e, em particular, não é decorrência do princípio da ampla
defesa. Trata-se de regra editada por meras razões de conveniência, que o
legislador ordinário pode tranqüilamente afastar, sem com isso violar a
Constituição.
Também permanece, não obstante o
veto do parágrafo único do art. 97, a exigência de que a liquidação se faça por
artigos, porque há fatos novos, que precisam ser alegados e provados na
liquidação.
No sistema do Código de Defesa do
Consumidor, a liquidação é individual; a ação e a execução podem ser coletivas.
A uma ação coletiva podem seguir-se, pois, liquidações e execuções individuais,
ou liquidações individuais e execução coletiva.
A execução coletiva somente pode
abranger as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de
liquidação (art. 98).
A pendência de execução
individual não impede execução coletiva em prol das demais vítimas. Esta, por
outro lado, vindo a ser proposta, não afetará a execução individual. Como
observa RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, a execução coletiva ‘não exerce uma vis
attractiva sobre as execuções individuais, nem instaura um concurso universal
(como se dá nas execuções por quantia certa contra devedor insolvente — CPC,
art. 751, III)’ (OLIVEIRA, et alii, Coments. ao Código do Consumidor, São
Paulo, Saraiva, 1991, p. 338).
A pendência de execução coletiva
impede execução individual dos créditos por ela abrangidos; não, é claro, dos
demais.
Salvo assentimento do
interessado, a execução coletiva não pode abranger crédito declarado por ação
condenatória individual. É o que decorre dos arts. 97 e 104, in fine, que
ressalvam as ações individuais dos que não queiram ficar jungidos à ação
coletiva. O autor da execução coletiva não tem poderes para receber e dar
quitação de créditos individuais.
Dispõe o art. 99 do Código de
Defesa do Consumidor que as indenizações por prejuízos individuais têm
preferência, no pagamento, sobre os créditos decorrentes de condenação prevista
na Lei n. 7.347/85.
Supõe-se, aí, a existência de
duas ou mais condenações em decorrência do mesmo evento danoso: uma, em prol do
Fundo, por ação civil pública, e outra(s) em prol do(s) lesado(s), por uma ou
mais ações individuais ou por ação coletiva fundada no art. 81, III, do Código
de Defesa do Consumidor. Não há óbice à execução pertinente à ação civil
pública. Todavia, a entrega do produto ao Fundo fica sustada, em garantia dos
créditos individuais, pendentes de decisão no primeiro ou segundo graus de
jurisdição (art. 99, parágrafo único).
Na verdade, em sua expressão
literal, o parágrafo único do art. 99 não determina a sustação da entrega do
dinheiro ao Fundo, mas sim a destinação pelo Fundo da importância a ele
recolhida, e a pendência que se prevê é a de apelação (decisão de segundo grau)
e não de sentença. Havemos de entender, porém, que se susta a própria entrega
do numerário e que basta, para isso, a pendência de ação, ainda que no primeiro
grau de jurisdição.
Claro, nada impede a propositura
de ação individual posterior à apropriação do dinheiro pelo Fundo. A execução,
porém, deverá recair sobre outros bens do devedor.
O art. 100 contempla hipótese
diferente. Supõe-se, aí, uma ação coletiva, fundada no art. 81, III, do Código
de Defesa do Consumidor. E basta essa única ação para que a hipótese possa
ocorrer. Houve a condenação genérica e não mais do que isso. Apenas uns poucos
lesados propuseram ação de liquidação, para a apuração de prejuízos sofridos
individualmente. Tratou-se, por exemplo, de condenar o fornecedor de azeite
pela venda de latas com menor quantidade do produto do que a declarada (o
exemplo é de JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, citado por MANCUSO, op. cit., p.
349). É pouco provável que se habilitem, isto é, que proponham ação de
liquidação, um número significativo de pessoas lesadas, interessadas em
indenização. A condenação genérica tenderá, pois, a cair no vazio. Nesse caso,
decorrido um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a
gravidade do dano, ocorre uma transformação importante. Já não se buscará a
reparação dos danos individuais, mas se liquidará e executará a sentença com
vistas ao recolhimento, ao Fundo criado pela Lei n. 7.347/85, de uma
importância correspondente à soma dos presumidos prejuízos sofridos pelos
consumidores indeterminados, lesados pelo ato danoso. Uma espécie de multa,
executada para dissuadir o condenado, para que a impunidade não faça nascer a
tentação da reincidência. Nessa hipótese, do art, 100, o decurso do prazo de um
ano gera a decadência dos direitos individuais, porque os créditos
correspondentes passam presumidamente a integrar a importância recolhida ao
Fundo.