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O conceito de consumidor padrão - artigo 2.º, caput, do Código de Defesa do Consumidor
Mestre em Direito do Consumidor pela PUC/SP e
doutoranda em Direito do Consumidor pela PUC/SP e Professora de Direito do
Consumidor e de Direito Civil da UNIB, UNIP, UNISA e UNIRP
Seguindo a
esteira do posicionamento adotado pela teoria dos maximalistas (extensiva),
temos as seguintes considerações a tecer acerca do conceito de consumidor.
Entendemos que
uma interpretação possível do termo “destinatário final” seria analisar não o
produto adquirido, mas sim a atividade exercida pelo adquirente, bem como sua
responsabilidade perante a relação que se estabelecerá com o consumidor. Por
exemplo: o dono de um restaurante que adquire um fogão industrial para sua
cozinha. A atividade que o adquirente exerce é totalmente diversa da exercida
pelo fabricante do fogão. Decerto, a relação que se irá estabelecer entre o
restaurante e o consumidor será decorrente da comida oferecida. O fogão
adquirido não entra na cadeia de produção, ou melhor, não retorna ao mercado de
consumo.
Se por ventura
um consumidor passar mal em razão do prato que consumiu, na relação
restaurante/cliente, o fogão utilizado não tem nenhum reflexo, nenhuma
importância. Para o consumidor, pouco importa se a comida foi preparada num
fogão industrial ou convencional.
O dono do
restaurante é, portanto, o destinatário final desse bem, na medida em que ele o
utiliza e não o repassa na relação cliente/consumidor.
Acreditamos que
pensar de outro modo seria prejudicar o adquirente e fechar as portas para uma
relação tipicamente de consumo. O dono do restaurante, ao adquirir um bem
durável, o faz acreditando que tal bem irá atender às suas expectativas, ou
seja, funcionar a contento, dentro de um parâmetro adequado a que se destina.
Se ele está adquirindo um fogão convencional ou industrial pouco importa, desde
que o produto esteja em perfeitas condições de uso.
Analisando a
relação de consumo apenas sob o aspecto do bem oferecido ao mercado, à
disposição de qualquer pessoa, poderíamos, por exemplo, negar a aplicação do
CDC se, porventura, o dono do restaurante quisesse ter um fogão
industrial na sua residência, vez que não poderia ser considerado destinatário
final do bem.
O mesmo
raciocínio já não vale em relação aos alimentos adquiridos pelo dono do
restaurante. Nesse ato, o adquirente deixa de ser destinatário final do bem, e
passa a ser responsável solidário pela qualidade e segurança desses produtos,
vez que o alimento, sim, interessa na relação cliente/consumidor.
Da mesma forma,
não será considerada relação de consumo quando o adquirente exercer a mesma
atividade que o fabricante do produto. Por exemplo, um comerciante que resolve
abrir um pequeno estabelecimento para venda de produtos alimentícios. Ao
adquirir os produtos num hipermercado e repassá-los ao consumidor, o
comerciante torna-se responsável solidário, entrando no ciclo da cadeia de
produção e fornecimento do produto, de tal sorte que o consumidor poderá
pleitear eventuais danos em face do comerciante, fabricante, fornecedor
etc.
Ao adquirir os
produtos e recolocá-los no mercado de consumo novamente, o comerciante está, de
forma automática, assumindo o risco da atividade, e será responsável solidário,
nos termos dos arts. 13 e 18 do CDC.
Assim, o que distinguiria
um destinatário final de um fornecedor seria a sua atividade – que tem de
ser distinta da do fornecedor do bem ou serviço – ligada à responsabilidade que
o adquirente assume ao colocar o produto no mercado. Queremos dizer, um dos
princípios que regem a relação de consumo é o da responsabilidade solidária
(art. 7.º, parágrafo único). Quando a pessoa que adquiriu um bem o recoloca no
mercado de consumo novamente, torna-se responsável solidária, respondendo
por eventuais danos causados ao consumidor, o destinatário final desse produto
ou serviço.
Tanto isso é
verdade que, ao ser demandada pelo consumidor, essa pessoa terá de indenizá-lo,
porém terá direito de regresso em face do eventual responsável.
Quando, por
exemplo, o consumidor aciona um restaurante em razão de uma comida estragada
que lhe fez mal, terá o restaurante que indenizá-lo, porém, poderá entrar cm
ação de regresso em face do supermercado que lhe forneceu o produto e não
contra o vendedor do fogão industrial.
Ainda que se
rate de um bem típico de produção, o produto em si – dependendo da atividade do
adquirente – não será recolocado no mercado novamente, servindo apenas como
meio para que se chegue ao produto final, este sim colocado no mercado de
consumo e que vai dar origem a uma relação jurídica entre consumidor e
fornecedor.
Ressalte-se que
no caso de haver transformação do produto antes de ser recolocado no mercado,
não estará configurada a relação de consumo. Por exemplo, a compra de
chocolates para fazer ovos de páscoa.
O milionário que
adquire um avião para viajar nos fins de semana é típico destinatário final do
bem, ainda que o bem não esteja à disposição no mercado de consumo. O
mesmo já não ocorre se esse milionário passar a oferecer viagens para o
público, cobrando por elas, porque, neste caso, ele passa a ser responsável
solidário, vez que recolocou o produto no mercado de consumo. Caso haja um
acidente pelo fato do produto, ele poderá acionar o fabricante do avião após
indenizar as vítimas.
A pessoa
jurídica que adquire um avião para transportar seus empregados não será
destinatária final do bem. Ela torna-se responsável, pois, embora não haja
relação com a atividade que exerce, ao oferecer um benefício aos seus
empregados ela assume o risco dessa atividade, ainda que não cobre nada por
isso (é o mesmo exemplo do estabelecimento que oferece estacionamento gratuito
aos seus clientes).
Concluindo,
devemos entender por destinatário final aquele que utiliza o bem – quer
pessoal, quer profissionalmente – e não o recoloca no mercado de consumo
novamente. Ou seja, o destinatário final do produto ou do serviço:
1.
não exerce a mesma atividade que o fornecedor do produto ou serviço;
2.
não recoloca o produto ou serviço diretamente no mercado;
3.
não se torna responsável solidário juntamente com o fornecedor do produto ou
serviço;
4.
em eventual demanda, não poderá entrar com ação de regresso contra o fornecedor
do produto “X”.
Retirado de: www.saraivajur.com.br