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AS AÇÕES COLETIVAS NO CDC E A LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Alexander Perazo Nunes de Carvalho

Em vários de nossos artigos temos frisado que ao interpretar o atual Código de Defesa do Consumidor devemos formular uma nova mentalidade, sempre voltada para a harmonização de interesses entre consumidores e fornecedores, reconhecendo, sobremaneira, a vulnerabilidade do consumidor no âmbito da relação consumerista, bem como as demais inovações previstas no CDC.

Desta forma, em se tratando de ações coletivas, o CDC também inovou ao criar em seu bojo os interesses individuais homogêneos, assim entendidos aqueles de origem comum, conforme veremos no decorrer desta explanação.

Sendo matéria recente e pouco estudada, a ação coletiva, antes do advento da CF/88, com exceção da Ação Popular, somente tinha previsão na Lei da Ação Civil Pública - Lei nº 7.347, de 24 de Julho de 1985 - possuindo como maior objetivo, evitar o acúmulo de processos junto ao Poder Judiciário discutindo o mesmo assunto, havendo a possibilidade de discussão, de uma só vez, de um universo maior do que o interesse individual. Ademais, há determinadas situações em que o ingresso individual do consumidor em Juízo se torna impossível, em virtude do valor da causa, como, verbi gratia, numa situação em que um grande fornecedor esteja vendendo sacos de feijão que deveriam conter um quilo, porém os mesmos só possuem 900 gramas. Tal situação, ínfima, tendo em vista o prejuízo individual do consumidor, se torna quantificada e vultuosa em virtude do número de pessoa atingidas, o que viabilizaria uma ação coletiva.

No Código de Defesa do Consumidor nos deparamos, em seu art. 81, com três espécies distintas de tutelas coletivas:

1ª - Os Interesses ou direitos difusos - previsto sempre que haja uma indeterminação de titulares, além do que, entre eles, não exista qualquer relação jurídica anterior à lesão e o próprio bem jurídico a ser tutelado seja indivisível. Tomemos como exemplo uma publicidade enganosa veiculada por televisão. Ora, não podemos determinar as pessoas lesadas pela publicidade, não havia entre essas pessoas nenhum vínculo anterior e não há, neste momento inicial, como calcular o dano individual do consumidor.

2ª - Os interesses ou direitos coletivos - possuindo como titulares um grupo, uma categoria ou uma classe de pessoas, havendo entre elas uma relação jurídica-base anterior à lesão, porém ainda sendo o bem jurídico indivisível. Como exemplo, imaginemos o grupo de estudantes do 2º Grau de Fortaleza que está sendo ludibriado com a confecção de carteiras de estudante, ou seja, há a determinação de um grupo de consumidores, porém ainda não quantificamos o prejuízo individual de cada um per si.

3ª - Os interesses ou direitos individuais homogêneos - assim entendidos, explica o Código, os decorrentes de origem comum. Na verdade, os interesses individuais homogêneos são aqueles em que o interesse é individualizado na pessoa de cada um dos prejudicados, fazendo com que as pessoas sejam determináveis. Para melhor entendimento, tomemos o exemplo acima, porém não com o grupo de estudantes do 2º grau (grupo indeterminável), mas os estudantes do 2º grau de um determinado colégio. In casu, estaremos diante dos interesses individuais homogêneos, cuja criação, repita-se, fora com o advento do Código de Defesa do Consumidor.

Problema inicial seria perscrutar se o Órgão do Parquet teria legitimidade para ingressar com Ação Civil Pública, defendendo interesses individuais homogêneos. Isso porque, segundo a CF/88, em seu art. 129, quando trata das funções institucionais do Ministério Público adverte que o MP deverá "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", não incluindo, portanto, os interesses individuais homogêneos.

Ora, sendo os direitos individuais homogêneos, criação do atual CDC, cuja lei fora publicada em setembro de 1990, não haveria possibilidade de haver sua previsão na CF/88. Ademais, ainda em seu artigo 129, explica a Constituição que também é função do MP "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade...". Assim sendo, possível a legitimidade do Órgão Ministerial para representar interesses individuais homogêneos, desde que exista relevância social, pois, desta forma, não estaria o Ministério Público agindo fora de sua finalidade.

Dirimida a dúvida inicial, outra questão, não menos importante nos leva a cogitar um pouco mais: a coisa julgada, nas ações coletivas previstas no CDC, ou seja, aquela situação em que fora prolatada sentença não cabendo às partes nenhum tipo de recurso, nestes casos, a sentença terá o alcance erga omnes, abrangendo todos os consumidores lesados, ou ficará restrita à jurisdição do Órgão prolator, ou, por fim, terá efeito somente para aquelas pessoa que ingressaram no decorrer da ação como litisconsortes? Analisemos detalhadamente a situação.

Inicialmente, pelo Código de Defesa do Consumidor, percebemos que as ações coletivas (gênero) farão coisa julgada erga omnes, com exceção, por óbvio, da ação coletiva (espécie) que fará coisa julgada intra partes. Ou seja, pelo CDC, o efeito da coisa julgada nas ações coletivas será erga omnes, independente do órgão prolator, devendo sempre alcançar todos os consumidores lesados. Um exemplo: determinada fábrica lesa consumidores em dois Estados da Federação. Uma ação civil pública, deverá beneficiar os dois Estados independentemente do órgão prolator.

Porém, o Governo Federal, visando dificultar o acesso ao Judiciário de consumidores menos afortunados, editou a Medida Provisória nº 1570/97, transformada na Lei nº 9.494, passando o art. 16, da Lei da Ação Civil Pública para a seguinte redação, verbis

"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova"

Desta forma, podemos concluir que em relação aos interesses individuais homogêneos, a única orientação a seguir é a prevista no CDC, ou seja, a coisa julgada fará efeito erga omnes, independentemente do órgão prolator, uma vez que a Lei da Ação Civil Pública não prevê dita figura.

Em contrapartida, em se tratando dos interesses difusos e coletivos quedamos com duas orientações: Uma no CDC e outra na Lei 7.347/95 (LACP), havendo, portanto, um conflito aparente de normas. Assim, permissa venia, em se tratando de interesses difusos e coletivos que envolva relação de consumo, por ser o CDC, lei específica, entendemos que deva prevalecer sobre a LACP.

Em suma: a malfadada MP 1570/97, convertida na Lei nº 9.494/97, na forma como está redigida, não se aplica às relações de consumo, devendo ser aplicado, de forma irrestrita, o art. 103, do Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Antes de finalizar este pequeno estudo, cabe, ainda, uma modesta observação acerca do art. 97 do CDC, que trata da liquidação e da execução da sentença nos interesses individuais homogêneos, legitimando a vítima e seus sucessores, bem como os entes de que trata o art. 82, inclusive o Ministério Público. Ora, neste caso, nos parece tratar de substituição processual, dependendo de representação, não cabendo esta tarefa, por inconstitucional, ao Ministério Público.


Alexander Perazo Nunes de Carvalho
Advogado/Conciliador do Serviço Especial de Defesa Comunitária/Decom/Sistema Procon/Ce.

Especial para O Neófito
Incluído no site em 23/06/2000

 

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