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Questões polêmicas sobre a antecipação da tutela no Código de Proteção e Defesa do Consumidor

 

Belinda Pereira da Cunha

 

Mestre e doutoranda em Direitos Difusos e Coletivos pela PUCSP, Professora de Direito do Consumidor da PUC/SP, dos cursos de pós-graduação lato sensu da PUC-COGEAE, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo

 

A decisão de antecipar a tutela ou seus efeitos, até mesmo por meio de providências que visem assegurar a eficácia da prestação jurisdicional, ao tempo da sentença transitada em julgado, merece observância específica quando tratamos das relações jurídicas abarcadas pela Lei n. 8.078/90.

Como já é sabido, os requisitos para a antecipação da tutela nas relações jurídicas de consumo do Código do Consumidor não são os mesmos que aqueles para sua concessão de acordo com o art. 273 do Código de Processo Civil, que exige verossimilhança e prova inequívoca.

Em consonância com os princípios constitucionais reiterados pelo Código do Consumidor, a antecipação da tutela tem como requisito o justificado receio do perecimento do direito, vale dizer, o receio da ineficácia ou inefetividade da proteção jurídica aos direitos do consumidor postos em litígio. Nesse sentido, há de ser adiantada a tutela ou seus efeitos, como dissemos, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente do pedido da parte interessada, podendo fazê-lo o juiz de ofício, por tratar-se de norma cogente, de  ordem pública e interesse social.

Assim é que pode ser concedida a antecipação dos efeitos da tutela na própria sentença, tendo sido negada no curso do processo em primeiro grau de jurisdição; pode, ainda, ser concedida somente em segunda instância, em grau de apelação ou mesmo em apreciação liminar do agravo de instrumento que se indigitou contra a negativa da sua concessão pelo juízo monocrático.

Dessas situações, algumas considerações merecem ser feitas: se concedida ou confirmada a antecipação da tutela na sentença de primeiro grau - seja por seus efeitos ou providências adequadas adotadas pelo juiz -, não perderá tal providência sua eficácia, por não ficar sujeita a apelação ao efeito suspensivo, impugnada a sentença quanto a essa concessão.

Obtida em grau de recurso, a decisão do tribunal que determinar a antecipação da tutela passará a produzir efeitos imediatos em primeira instância, tendo eficácia até o julgamento do processo pela sentença, que poderá confirmá-la com ou sem a procedência do pedido. Já se viu, antes do pronunciamento da sentença, enquanto vigorava a decisão de tutela antecipada proferida em liminar e confirmada com o julgamento do agravo, o  "ajuizamento" de ação cautelar perante o Superior Tribunal de Justiça, alegando-se os requisitos dessa medida, pela urgência de não se poder esperar o momento da apreciação do recurso especial que ficasse retido até o julgamento da apelação.

 Em nosso entendimento, maxima venia, trata-se de sucedâneo recursal, que tem o fim específico de apreciar matéria que, por razão legal, deveria esperar a apelação, com o mens legis de evitar-se o embaraço processual mediante a interposição múltipla e simultânea de recursos, além do que a mesma questão já estaria julgada ou em grau de recurso por tribunal de segunda instância, respeitado, portanto, o princípio do duplo grau de jurisdição, mesmo no curso do processo que aguardasse a sentença.

Quanto à utilização de medida cautelar inominada em lugar de antecipar-se a tutela pretendida, através de seus efeitos ou outras providências adotadas pelo juiz, entendemos que não há razão para serem utilizados outros meios externos ao processo, ainda que de forma incidental ou preparatória, sempre que seus requisitos assim o permitirem; vale dizer, caso a decisão de tutela antecipada possa ser proferida liminarmente ou não, prima face, não há razão para ser utilizada a ação cautelar.

Há de notar ainda que, diante do descumprimento das providências determinadas ou da tutela antecipadamente concedida, ficará a parte sujeita ao pagamento de multa diária, devendo fixá-la o juiz; se não o fizer, poderá a parte interessada requerer que o faça, procedendo desde logo a "execução provisória" da multa, que ficará depositada em juízo até julgamento final do processo.

Em se tratando de ação coletiva em sentido lato, a multa reverterá, nos termos da lei, ao fundo de direitos difusos, que se espera repasse de forma equânime a todos que deste se possam beneficiar; nas ações individuais, a multa há de reverter para a parte prejudicada, que pretendeu os benefícios da tutela concedida antecipadamente.

Como instrumento para facilitação da defesa do consumidor em juízo, a tutela antecipada poderá ser concedida em todo e qualquer tipo de ação, embora esteja localizada no art. 84 do Código do Consumidor, que também se referiu às ações das obrigações de fazer e não fazer, em consonância com todo o microssistema de que tratamos e, principalmente, com a Constituição Federal, que elegeu a proteção aos Direitos do Consumidor entre os Direitos e Garantias, Individuais e Coletivos, insculpidos como clausula pétrea em seu art. 5.º. Esses são os princípios a serem interpretados sistematicamente e respeitados com a devida e efetiva aplicação do Código do Consumidor.

 

 

Retirado de: www.saraivajur.com.br