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ASPECTOS JURÍDICOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
Por João Vicente Lavieri
SUMÁRIO:
    1. Introdução;
    2. Formas de Contratação por Computador;
    3. Aplicabilidade da Legislação Brasileira;
    4. A Validade dos Contratos por Computador e sua Natureza Jurídica;
    5. Eficácia Probatória dos Documentos Eletrônicos;
    6. O Comércio Eletrônico e o Código de Defesa do Consumidor;
    7. Nome Domínio versus Marca; e
    8. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
O objeto deste trabalho é tratar do Comércio Eletrônico. Entretanto, cumpre-nos desde já esclarecer que uma série de outros atos jurídicos, que não de natureza comercial, podem ser e efetivamente são praticados eletronicamente no dia a dia de nossa sociedade. Para ficarmos apenas com um exemplo, talvez o mais expressivo, e assim não nos distanciarmos do tema que nos foi proposto, basta citar a possibilidade de preenchimento e entrega da Declaração do Imposto de Renda pela Internet ou em disquete, que é um meio magnético. Com efeito, esta obrigação tributária, que pode ser satisfeita eletronicamente, decorre de lei, não tendo, portanto, origem contratual e não pertencendo à mesma seara dos atos de comércio.
Também importa frisar que o Comércio Eletrônico, ao contrário do que imaginam alguns, não nasceu recentemente, com a Internet Comercial. Apenas no Brasil, o Comércio Eletrônico é praticado há cerca de 15 anos, por grandes corporações, através de outras tecnologias, sendo a mais expressiva o EDI - Electronic Data Interchange ou a Troca Eletrônica de Dados.
Mas sem dúvida é o Comércio Eletrônico, através da Internet, que desperta o maior interesse da sociedade e tem suscitado inúmeras discussão, nos mais diversos setores, através de inúmeros artigos, seminários e palestras. O motivo primeiro para essa atenção é, certamente, a relevância que essa nova possibilidade assumiu no cenário mundial, de economias globalizadas, onde a eficiência e a aproximação das pessoas, com a diminuição virtual da distância real entre produtores, prestadores de serviços, comerciantes e consumidores finais tornou-se não só estratégica, mas até mesmo imprescindível para a sobrevivência das atividades empresariais.
O crescimento do Comércio Eletrônico por certo deve ser creditado à massificação do uso dos computadores e à presença da Internet Comercial em centenas de países, de sorte que tal espécie de contratação deixou de ser privilégio de poucas corporações, através do EDI, para estar acessível a uma parcela bastante significativa da população mundial.
Neste estudo, pretendemos tratar o tema sob a ótica do Direito Brasileiro, porém de forma bastante prática, cotejando fatos dessa nova realidade com os principais dispositivos legais aplicáveis, na tentativa de trazermos uma abordagem relativamente singular e nova, em relação a outras tantas que já enfrentaram o tema de forma extremamente enriquecedora. Também esperamos demonstrar que, ao contrário do que defendem alguns, não há a necessidade da criação de novos estatutos jurídicos para "validar" o Comércio Eletrônico, para dotar os documentos eletrônicos de eficácia probatória ou mesmo para a proteção dos direitos e legítimos interesses daqueles que laçam mão desta nova tecnologia, na qualidade de consumidores finais de produtos e serviços.
2. FORMAS DE CONTRATAÇÃO POR COMPUTADOR
Em uma acepção mais ampla, podemos dizer que o Comércio Eletrônico abrange todas as relações comerciais que, de uma forma ou de outra utilizam-se de equipamentos, mídias ou serviços que compreendem componentes eletrônicos. Desta forma, a contratação por telefone de produtos e serviços, como são exemplos o disque horóscopo, o disque piada e tantos outros, com posterior débito em conta telefônica, caracterizam-se como forma eletrônica de se contratar. Igualmente, a contratação por telefone de produtos oferecidos na Televisão, em alguns casos até com a realização de leilões ao vivo, também são modalidades de Comércio Eletrônico, ainda que não haja participação direta ou indireta de computadores nessas modalidades de contratação.
Quando tratamos de relações negocias tendo o computador por instrumento, importa notar que ele pode assumir diferentes papéis, incluindo as hipóteses em que faz as vezes de um simples aparelho de comunicação, auxiliando no processo de manifestação da vontade, até os casos em que é antecipadamente programado para, no lugar de seus detentores, emitir, receber e responder a pedidos.
Para funcionar como equivalente a aparelho de comunicação, é necessário que o computador seja dotado de um Modem (Modulador - Demodulador), cuja função é converter os pulsos digitais, que representam os dados, em tons analógicos, capazes de trafegarem pela Rede Pública de Telecomunicações. A característica do aparelho de comunicação que o computador irá assumir, a saber, fac-símile, telefone viva-voz ou vídeo-fone, dependerá do software e dos equipamentos periféricos instalados. Assim, com o software adequado, caixas de som ou fones de ouvido e um microfone, o computador pode funcionar como um telefone. Para que atue como aparelho de fax, basta a utilização de um aplicativo destinado a esse fim. Adicionando um software específico e uma câmera de vídeo, o computador assume as características de um vídeo-fone e, mais recentemente, com a prestação de Serviços de Acesso a Internet pelas empresas de televisão por assinatura e com a utilização do aparelhos de TV para navegação aliados a outras novas tecnologias, não está longe a possibilidade de realização de vídeo-conferências com maior velocidade e nível de qualidade.
As pessoas contratam utilizando o computador como aparelho de comunicação da mesma maneira que contratam através do telégrafo, telex, telefone ou fac-símile, equipamentos esses, aliás, bastante comuns nas transações comerciais. Nos casos em exame, o computador funciona como um terminal emissor e receptor da manifestação de vontade das partes, sendo os cabos telefônicos o meio pelo qual as informações transitam. Assim, o computador auxilia na transmissão e recebimento da manifestação de vontade já concebida.
O computador também pode ser utilizado como instrumento auxiliar na manifestação da vontade através do correio eletrônico, possibilitando a interação com um banco de dados ou por meio do denominado Electronic Data Interchange.
No caso do correio eletrônico, dois ou mais usuários, conectados na mesma Rede, contratam através da troca de mensagens escritas, por meio das quais declaram as suas vontades, manifestando a intenção de celebrarem o contrato, como ocorre nos dias de hoje, em larga escala, na Internet. Para que essa espécie de contratação ocorra, como nas hipóteses anteriormente contempladas, é imprescindível que haja interação humana nas duas pontas da conexão, ainda que em momentos distintos.
Também pode-se contratar, fazendo uso do computador como ferramenta, nas hipóteses em que um usuário interage diretamente com o Banco de Dados instalado em um computador de uma terceira pessoa, que pode ou não funcionar dinamicamente, isto é, ser atualizado on line, em tempo real, na medida em que os pedidos de compra são encaminhados. No momento da contratação, só haverá atuação humana em uma das pontas dos computadores interconectados, tendo em vista que uma das partes programou previamente o seu computador para ofertar produtos ou serviços e receber pedidos.
Na hipótese do EDI, temos dois ou mais computadores programados para contratarem entre si, por meio da interação de seus sistemas aplicativos, de forma segura e gerenciada, sem que haja qualquer atividade humana em qualquer das pontas da conexão, no momento em que se celebra e aperfeiçoa o contrato. A comunicação que realiza o contrato é, portanto, puramente intersistêmica.
Assim, sob o ponto de vista funcional e de modo extremamente singelo, o EDI pode ser entendido como a troca de informações entre aplicativos, levada a efeito pelo uso de um conjunto de elementos computacionais (hardware e software), associados a meios e serviços de telecomunicações. Essas informações trocadas entre os sistemas computacionais carregam consigo a expressão da vontade das partes, caracterizando-se como um moderno modo de contratar.
No decorrer dos últimos anos, a tecnologia disponível no mercado brasileiro para a contratação eletrônica evolui sobremaneira, não havendo mais, necessariamente, uma separação absoluta entre os mundos da Internet e do EDI. De fato, essas tecnologias fundiram-se, de forma a possibilitar que pequenos parceiros de negócio, utilizando-se da Internet, mantenham relações comerciais com grandes corporações, que preferem realizar as suas transações comerciais pelo sistema EDI, e redes privadas e mais seguras. Essa interseção de tecnologias distintas tornou-se possível através da proteção de um firewall, que resguarda a rede privada onde é utilizado o EDI, e da utilização de um servidor que faz a tradução e conversão entre os padrões do EDI e da Internet.
Vistas rapidamente as formas como o computador é utilizado na contratação, resta-nos averiguar quando a legislação brasileira reputa-se aplicável para regular o comércio eletrônico e, em um segundo momento, qual o tratamento dado pelo Direito pátrio a tais formas de contratar, o que passaremos a abordar nos capítulos seguintes.
3. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
O Direito nacional considera-se apto para regular as relações advindas da celebração de contratos sempre que o autor da proposta residir em nosso país, consoante disposição do Art. 9o. e è 2o. da Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro ("LICCB") e ainda, Art. 1087 do Código Civil Brasileiro ("CCB"), abaixo transcritos:
"Art. 9o. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem."
"è 2o. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente"
"Art. 10087. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto."
A determinação da aplicabilidade da legislação brasileira é questão de singular importância, mormente nos casos das relações comerciais levadas a efeito no âmbito da Internet, onde, no mais das vezes, os partícipes dessa relação residirem e estão localizados em países diversos. Concluímos, por força dos dispositivos legais acima copiados, que uma proposta feita por empresa ou pessoa residente na Malásia e aceita por empresa ou pessoa residente no Brasil, não estaria sujeita a legislação nacional, mas talvez a lei malaia, dependendo da forma como a legislação desse país trata do tema.
4. VALIDADE DOS CONTRATOS POR COMPUTADOR E SUA NATUREZA JURÍDICA
Em nosso país, ensina-nos o I. Prof. Orlando Gomes, é comum empregar-se a palavra contrato com duas acepções distintas, ora para designar o negócio jurídico bilateral que cria direitos e obrigações para as partes, ora o instrumento em que se pode formalizar, seja a escritura pública ou o escrito particular, de tal sorte que essa sinonímia confunde os leigos, levando-os a suporem que só há contrato se o acordo de vontades estiver reduzido a escrito.
Não é, entretanto, a forma escrita que cria o contrato, mas sim o encontro de vontade das partes. Isto porque o nosso Direito acolheu o Princípio do Consensualismo, pelo qual tal acordo de vontades, no mais das vezes, é suficiente para a concretização do contrato.
Com efeito, a análise do Direito Positivo nacional, revela essa clara opção pelo Princípio do Consensualismo, em detrimento do formalismo, de tal sorte que para contratar-se validamente é exigido apenas a capacidade do agente, objeto lícito e possível e forma prescrita ou não defesa em lei (Arts. 82 e 129 do CCB). A nossa legislação inclusive admite como válida a contratação decorrente de proposta aceita, a contratação verbal, por simples correspondência (Art. 1086 do CCB) e, até mesmo, o contrato que se verifica como fruto do comportamento das partes, ou seja, decorrente da manifestação tácita da vontade (Art. 1079 do CCB).
E mais, o Direito Pátrio, entre o conteúdo e a forma do contrato, privilegiou o primeiro, aderindo a Teoria do Código Civil Francês, ao determinar que na interpretação das manifestações de vontade deve-se atender mais à intenção dos contraentes, àquilo que as partes efetivamente pretenderam, do que ao sentido literal da linguagem, a redação empregada (Art. 85 do CCB).
Vejamos o teor dos referidos dispositivos legais:
"Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145)."
"Art. 85. Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem."
"Art. 129. A validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir"
"Art. 1079. A manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa."
"Art. 1086. Os contratos por correspondência epistolar, ou telegráfica, tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, …"
Assim, conclui-se que os contratos comerciais, bem como quaisquer atos jurídicos praticados através da forma eletrônica, como regra geral e desde que não seja exigida forma especial, por força de lei expressa nesse sentido, são plenamente válidos, visto não haver disposição legal que furte aos meios eletrônicos a capacidade de criar vínculos obrigacionais.
Por certo que negócio dependentes de forma especial não podem ser firmados eletronicamente, tal como a compra e venda de um imóvel, onde a escritura pública é da substância do ato, caracterizando-se como condição para a sua validade (Art. 134, II, do CCB).
É nosso entendimento que pelo uso do Correio Eletrônico, o Electronic Mail ou simplesmente E-Mail, as partes contratam por correspondência, com fundamento legal nos Arts. 82, 129 e 1086 do CCB e 127 do Código Comercial ("Ccom"), tendo como única diferença o fato de a manifestação das vontades estar registrada em uma nova mídia, e não em suporte cartáceo.
Por sua vez, quando um usuário acessa um Banco de Dados de uma Rede, como a Internet, através do qual alguém apresenta e oferta produtos ou serviços, comandando em seguida um pedido, seja por E-Mail ou outro comando eletrônico, estará dessa forma manifestando a sua aceitação com referência as condições de fornecimento, contratando, portanto, mediante a adesão a uma proposta previamente formulada ao público em geral, sendo aplicáveis as disposições dos Arts. 1080 a 1087 do CCB, que regulam essa espécie de contratação.
Importa ressaltar que, para as Páginas Eletrônicas que apresentam produtos e serviços na Internet caracterizarem-se como proposta, mister se faz que nelas esteja estampado o propósito firme de contratar, de tal sorte que com a simples colocação do pedido (o aceite), se tenha o contrato por realizado. Do contrário, não estando presente o firme propósito de contratar, estaremos diante de outras possibilidades, como o caso de simples vitrine eletrônica, por meio da qual alguém apenas se coloca propenso a estabelecer contatos para eventual futura contratação.
Diz o texto do Artigo 1080, do CCB:
"Art. 1080. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso."
Considerando que a proposta do contrato obriga o seu autor, nos termos do Art. 1080 do CCB, é recomendável que o policitante tome alguns cuidados, em especial se o seu Banco de Dados não tiver atualizações on line, para que não seja obrigado a entregar produtos que não tenha em estoque. Assim, nesse caso, o policitante, para se eximir desse risco, deve incluir texto claro e visível junto com a oferta, informando que o aperfeiçoamento da contratação e a entrega do produto estão condicionados a sua existência em estoque.
As propostas nas Páginas Eletrônicas da Internet, de regra, devem ser tidas como oferta permanente ao público, ressalvados os casos em que a oferta é destinada a um grupo bem determinado de pessoas ou a uma certa pessoa, situação na qual, sob o ponto de vista do policitante, o contrato poderá assumir a condição de intuito personae.
Nas salas de bate-papo ou chats também pode haver contratação, devendo as propostas nesse caso, ao nosso ver, serem tidas como entre presentes, nos termos do Art. 1081 do CCB, ainda que a presença seja virtual, como ocorre no caso de contratação feita por telefone, o que significa dizer, não tendo o proponente fixado prazo para a aceitação, esta deve ser imediata, pois do contrário, deixará a proposta de ser obrigatória para o proponente.
"Art. 1081. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I – Se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não for imediatamente aceita.
Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone.
II – Se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente.
III – Se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado.
IV – Se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente."
Na nossa opinião, a contratação por "E-Mail" não deve ser tratada como entre presentes, uma vez que o "E-Mail" mais se assemelha à comunicação por correspondência, do que por telefone, sendo portanto aplicável a disposição do inciso II do Art. 1081 do CCB. Isso porque parece-nos certo ter o legislador nacional optado pelo critério do imediatismo - sempre que possível a resposta no instante seguinte a oferta, o contrato é tido entre presentes; caso contrário, não o é. No caso do "E-Mail", a mensagem contendo a oferta pode demorar a chegar ou, chegando, pode demorar a ser aberta e lida, nos mesmos moldes que ocorre com as cartas em suporte cartáceo, entregues pelo correio tradicional.
No caso do EDI, entendemos que a verificação dos elementos imprescindíveis à validade dos negócio jurídico, tais como capacidade do agente e a existência de poderes de representação, para contratar em nome de uma empresa, deve se dar no momento em que os sistemas são programados e preparados para a realização do negócio.
Outra questão que se coloca, quando estudamos o comércio por computador, diz respeito a eficácia probatória dos documentos eletrônicos, o que será tratado no capítulo a seguir.
5. EFICÁCIA PROBATÓRIA DOS DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
Certos da validade jurídica dos contratos firmados por computador, surge a questão de sua força probatória. Os registros eletrônicos são documentos? Se sim, tais documentos constituem prova em juízo. Vejamos.
De acordo com definição de Chiovenda, documento é a coisa que serve para representar outra, ou seja, aquilo que é feito e destinado a fixar de modo permanente ou durável, reproduzindo-os, fatos ou manifestações do pensamento. Tal definição se coaduna e completa a definição etimológica de documento, a saber, algo que tem em si a virtude de se fazer conhecer.
Decorre, portanto, que independente do suporte utilizado, havendo no mínimo durabilidade e funcionando como registro de um fato ou pensamento, tem-se um documento. Assim, a pedra grafada, a folha escrita, a voz gravada, a fotografia, o cinema e, por que não, os arquivos eletrônicos fixados em um disco de computador ou fita magnética, qualificam-se plenamente como documentos.
Entretanto, de acordo com Cesar Viterbo Matos Santolim, in "Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por Computador", Ed. Saraiva, 1995, para a prova dos contratos instrumentados por computador, além da necessidade de identificação do emitente da vontade, o suporte deve ser dotado de mecanismos que impeçam a modificação de seu conteúdo sem deixar vestígios.
Quando tratamos do EDI, essa questão é extremamente tranqüila, uma vez que os contratantes são conhecidos e identificados, pois programaram e conectaram seus computadores adequadamente para a troca de dados e contrataram os serviços de um terceiro. Além disso, é criada uma trilha de auditoria nos sistemas do provedor dos serviços, que permite o acompanhamento do tráfego dos dados, ao final gravados nos discos das partes o que, com bastante segurança, documenta todas as transações.
No âmbito da Internet, conforme a aplicação utilizada, será mais ou menos fácil a identificação dos partícipes e a prova das transações. No geral, a identificação da empresa que oferta seus produtos em sua "Home Page" é fácil, na medida em que possui endereço eletrônico e, no mais das vezes, identifica seu nome, produtos, marcas, "E-Mail", etc. A identificação do aceitante é facilitada com o preenchimento de cadastros, informação do número de cartão de crédito, senhas, sistemas de criptografia, como, por exemplo, aquele trazido pelo protocolo SET, etc.
Ainda que a identificação das partes, num primeiro momento não seja simples, é possível consegui-la, por rastreamento, se houver disposição do interessado em investir tempo e dinheiro nessa tentativa. Com o desenvolver da tecnologia, que ocorre a passo acelerado, em pouco tempo é possível que tenhamos, na Internet, mecanismos ainda mais seguros que alguns já existentes, muitos dos quais já disponíveis para outras soluções (assinaturas eletrônicas, reconhecimento da íris, voz, impressões digitais etc.)
Com relação a prova, convém à empresa que oferta produtos na Internet manter em seus arquivos os pedidos de compra recebidos, por período razoável. Além disso, sabemos ser possível perícias nos discos rígidos do policitante e oblato, capaz de revelar as mensagens emitidas e recebidas, ainda que o seu conteúdo tenha sido apagado. Lembramos aqui, que o papel também é facilmente falsificável e, quando isso ocorre de modo bem feito, só se identifica a falsificação recorrendo-se a perícias extremamente sofisticadas e caras.
Examinada a realidade dos fatos, convém, então, cotejá-los com o Direito, para ao final concluirmos pela eficácia probatória dos contratos eletrônicos.
Apesar de o Art. 135 do CCB determinar que os instrumentos particulares, sendo assinados pelos contratantes e subscritos por duas testemunhas, provam obrigações convencionadas de qualquer valor, o que poderia induzir-nos a considerar a assinatura dessas duas testemunhas essenciais para a prova do ato, o seu próprio Parágrafo Único conduz à conclusão contrária, ao admitir outras provas de caráter legal.
"Art. 135. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de transcrito no registro público.
Parágrafo Único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal."
Vejamos, agora, o que diz o Art. 136 do CCB, cuja lista a melhor doutrina entende como exemplificatória e não taxativa:
"Art. 136. Os atos jurídicos, a que não se impõe forma especial, poderão provar-se mediante:
I - Confissão.
II - Atos processados em juízo.
III - Documentos públicos ou particulares.
IV - Testemunhas.
V - Presunção.
VI - Exames e vistorias.
VII - Arbitramento.
De forma similar estabelece o CCom, em seu Art. 122:
"Art. 122. Os contratos comerciais podem provar-se:
      1. por escrituras públicas;
      2. por escritos particulares;
      3. pelas notas dos corretores, e por certidões extraídas de seus protocolos;
      4. por correspondência epistolar;
      5. pelos livros dos comerciantes;
      6. por testemunhas.
No mesmo sentido, diversas disposições do Código de Processo Civil ("CPC"), dentre as quais destacamos:
"Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem for produzida lhe admitir a conformidade.
Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial".
É verdade que o Artigo 135 do CCB e os Artigos 368 e 388 do CPC contêm as expressões "assinado" e "escrito e assinado", entretanto, consoante lapidar lição de Cesar Viterbo Matos Santolim, "usando-se a interpretação sistemática (contrastando tais expressões com o que diz o art. 383) ou a histórica (que irá adequar a redação dos dispositivos do CPC à época da sua realização) chega-se a resultado oposto, aceitando-se que o produto de uma relação informatizada seja tido como documento, ainda que, para tanto, deva preencher certos requisitos".
Mas, para que não reste nenhuma dúvida a respeito da força probandi dos documentos eletrônicos, há o Art. 332, do CPC, que é definitivo, ao estabelecer que:
"Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa."
E não poderia ser diferente, pois não faria sentido o Direito Brasileiro, de um lado, admitir a contratação por simples carta, verbal e até mesmo tácita, verificada tão-somente pela forma de agir das partes, sem qualquer requisito formal, e de outro negar a tais modalidades de contratação qualquer possibilidade de serem provadas.
Em síntese, não há disposição de lei que vede o reconhecimento do resultado de uma relação informatizada , seja qual for o suporte (disco rígido, disco ótico, fita magnética) como documento apto a provar a verdade dos fatos nele registrados, cabendo ao juiz da causa, no exame do caso concreto, emprestar-lhe a confiança que merecer.
6. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Na medida em que a utilização da informática e da tecnologia necessária para o Comércio Eletrônico deixa de ser privilégio de grandes corporações, tornando-se disponível para milhares de pessoas, que integram a cadeia produtiva como consumidores finais, surge a questão da proteção dos direitos e interesses destes, face o poder econômico das empresas que passam a exercer suas atividades no mundo virtual.
Não temos dúvidas quando a plena aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ("CDC") nas relações negociais que se concretizam no âmbito da Internet, quando uma das partes qualificar-se como Consumidor, consoante artigo 2o. da referida Lei, e toda vez que a legislação brasileira reputar-se competente para regular tais situações, nos termos do citado Art. 9o. e è 2o. da Lei de Introdução ao Código Civil
Destarte, se uma empresa estabelecida no país fizer ofertas através da Internet, o Poder Judiciário nacional considerará a legislação brasileira e, por conseguinte o CDC, aplicável, na nossa opinião mesmo que a Página Eletrônica ou WEB Page do proponente esteja armazenada no exterior, pois o que importa para o caso é o endereço de residência do autor da oferta e não a localização da WEB Page.
Uma das primeiras preocupações daqueles que pretendem ofertar produtos e serviços na Internet diz respeito às informações sobre os mesmos, que por força do Art. 31 da Lei de Defesa do Consumidor devem ser corretas, claras, precisas, ostensivas, em língua portuguesa e devem tratar de suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os eventuais riscos que apresentem e a forma correta de sua utilização. Essas informações são obrigatórias na Página Eletrônica da Loja Virtual, pois devem acompanhar não apenas a apresentação, mas também a oferta dos produtos e serviços.
"Art. 31 A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores."
Já as ofertas de produtos e serviços feitas no estrangeiro (por empresas ou filiais de empresas com endereço no exterior) não precisam ser feitas em língua portuguesa, visto que não estariam sujeitas a Legislação Brasileira, apesar de a oferta ser facilmente acessível, na Internet, por consumidores brasileiros
A acuidade das informações é extremamente importante, inclusive para proteção de quem faz a oferta, uma vez que toda informação ou publicidade, independente do meio pelo qual é veiculada, obriga o fornecedor que a fizer ou dela se utilizar e será considerada como parte integrante do contrato entre as partes, consoante Art. 30 do CDC.
O nome e endereço postal do fabricante do produto deve, necessariamente, constar da Web Page, além da embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial. Essa disposição, portanto, também é válida para Páginas Eletrônicas institucionais da Internet, onde haja apresentação ou publicidade de produtos, ainda que não haja oferta direta e imediata para a comercialização eletrônica.
É muito importante que haja especificação do número de unidades a que a oferta está limitada, considerando que o fornecedor não pode recusar o cumprimento da oferta e publicidade ou recusar atendimento às demandas do consumidor, na exata disponibilidade de seus estoques e conforme os usos e costumes, não apenas por força do que nesse sentido dispõe os Arts. 35 e 39, Inc. II, do CDC, mas também pelo teor do citado Art. 1080 do CCB, pelo qual a proposta de contrato obriga o proponente.
Deve-se ter em mente que o consumidor, ao adquirir produtos e serviços pela Internet, poderá desistir do contrato, no prazo de 7 dias, uma vez que a oferta estará sendo feita fora do estabelecimento comercial, sem possibilidade de contato direto, pelo consumidor, com os mesmos. Havendo desistência do contrato, o empresário deverá restituir as quantias pagas pelo consumidor, a qualquer título (portanto, inclusive aquelas para despachos e fretes), atualizadas monetariamente (CDC, Art. 49, Parágrafo Único).1
Na contratação com os consumidores, são nulas, de pleno direito, cláusulas que, por exemplo, permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, alterar o preço de forma unilateral ou modificar qualquer disposição do contrato, após a sua celebração (CDC, Art. 51, Inc. X e Inc. XIII).
Quando na Web Page houver publicidade a respeito de produtos ou serviços que sejam inteira ou parcialmente falsa ou que possam induzir o consumidor a erro a respeito de suas características, origem, preço, qualidade etc., ainda que por omissão, será imposta a contrapropaganda, ou seja, a divulgação das informações necessárias para desfazer os malefícios causados, na mesma forma, freqüência, dimensão e características genéricas da publicidade enganosa. O mesmo valerá para as publicidades discriminatórias, que incitem à violência, explorem o medo ou superstição etc. (CDC, Art. 37, Art. 60 e § 1º).
O policitante deve ser extremamente cuidadoso em suas ofertas, primeiro porque a legislação reconhece a vulnerabilidade e fragilidade do consumidor e, portanto, lhe oferece uma série de privilégios para a defesa de seus interesses e, segundo, porque uma série de descumprimentos das disposições do CDC acarretam sanções administrativas e também penais, inclusive com a detenção dos responsáveis.
Por fim, é muito importante lembrar que as disposições de defesa do consumidor não constituem empecilhos ao comércio eletrônico, como defendem alguns, mesmo porque não são específicas ou exclusivas para as ofertas eletrônicas, ao contrário, se aplicam a qualquer forma de oferta. Os cuidados com o comércio na Internet, portanto, são os mesmos que devem ser observados no comércio tradicional, tendo mudado apenas o modo de contratação, que oferece mais agilidade, menores custos e diminui drasticamente as distâncias.
7. NOME DOMÍNIO VERSUS MARCA
Questão extremamente polêmica e ainda sem solução diz respeito aos conflitos relacionados à titularidade de marcas e o registro de nomes domínio que com ela possam se confundir.
O primeiro passo ao enfrentarmos este assunto é estabelecermos o conceito de marca e o conceito de nome domínio. O conceito de marca é encontrado no artigo 123, inciso I, da Lei de Patentes (Lei 9279/96), cujo teor abaixo copiamos:
"Art. 123 – Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;"
Para melhor entendermos a definição de nome domínio, é necessário termos em mente que a Internet caracteriza-se por diversas redes de computadores interligadas entre si, sendo que para cada computador conectado a essas redes é atribuído um endereço IP (Internet Protocol), que permite a localização do referido computador a partir de qualquer outro equipamento conectado na Internet.
O nome domínio, então, é o apelido alfanumérico que se empresta a um endereço IP, de forma a facilitar as buscas na Internet. Assim, por exemplo, se alguém na Internet está a procura de uma Página Eletrônica gravada em um equipamento cujo endereço IP é 210.256.101.49, ao invés de digitar essa numeração, basta digitar o nome domínio associado a esse endereço (www.aaabbbb.com.br), que ela acessará a página
Ocorre que a similaridade entre marcas e nomes domínios podem gerar confusões e trazer prejuízos para os titulares de marcas. Assim sendo, inobstante o nome domínio não se caracterize como uma marca e não haja legislação específica sobre o tema, uma série de decisões têm sido dadas em favor dos detentores de marca para a proteção dos seus interesses. Tais decisões encontram principal fundamento no princípio da boa-fé, na aplicação da analogia e nos princípios de proteção dos direitos dos consumidores, com fulcro nas disposições dos Art. 4o., da LICCB, Art. 124, XXIII, da Lei 9279/96, e Art. 4o., VI, do CDC, que abaixo transcrevemos:
"Art. 4o. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito"
"Art. 124. Não são registráveis como marca:
XXIII – Sinal que imite ou reproduza no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a reproduzir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia."
"Art. 4o. A Política Nacional das relações de consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
VI – Coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de produtos e criações industriais, das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores.
Temos, portanto, que o Direito dá guarida à proteção da marca ou nome comercial indevidamente incluído como parte de um nome domínio que seja registrado por terceiros, de má-fé, com a intenção de posteriormente vendê-lo ao detentor daquela marca ou nome comercial, ou de fazer uso da projeção dos mesmos para alavancar os seus negócios próprios.
O que ainda não está resolvido pelo nosso Direito é a definição de quem deve ser o titular de um nome domínio que contenha em sua expressão marcas literalmente iguais, detidas por duas ou mais pessoas, em categorias diferentes. Imaginemos um caso hipotético em que uma pessoa detenha a marca "Kahal" para alimentos de animais domésticos, e uma outra detenha a mesma marca nominativa na categoria vestuários. Ambas podem desejar e teriam o direito de registrar o nome domínio "www.kahal.com.br".
Com referência a situação acima ilustrada, não conseguimos vislumbrar qual seria a solução adequada. O melhor, parece-nos, seria as partes tentarem chegar a um acordo extrajudicial, talvez adicionando nomes intermediários, mas isso, bem sabemos, nem sempre é possível.
O critério da FAPESP, entidade responsável pela concessão dos nomes domínios, é conceder para o primeiro requerente e, em caso de litígio, suspender o nome domínio até decisão judicial. A FAPESP, também procurando reduzir o problema, criou uma série de novos níveis sob o domínio ".br", como, por exemplo, ".ind" , para designar indústrias, e ".net" para provedores de meios de comunicação. Entretanto, as empresas em geral, continuam preferindo criar os seus nomes domínios como ".com", devido a notória maior difusão desse subnível.
Os critérios utilizados pela FAPESP, inobstante louváveis, não resolvem o problema de forma satisfatória, de tal sorte que o mesmo permanece para estudo dos profissionais do Direito, carente de solução criativa e justa.
8. CONCLUSÃO
Tem-se, portanto, a luz do que acima foi dito, que os contratos firmados eletronicamente são plenamente válidos, desfruem das possibilidades probatórias já existentes e sujeitam-se as leis em vigor, como o Código de Defesa do Consumidor, entre outras, não reclamando qualquer espécie de legislação específica que procure regular o tema, com o risco de não trazerem nada novo ou positivo em seu bojo e, pior, tornarem-se caducas em um curto espaço de tempo. Não resta dúvidas que as disposições legais mais genéricas, como aquelas do Código Civil Brasileiro e do Código de Defesa do Consumidor, são as que melhor se prestam para regular o Comércio Eletrônico, visto que açambarcam praticamente todas as hipóteses, independente da tecnologia que estiver em uso. O que pode e parece ser necessário, isso sim, é um ou outro ajuste nas normas atualmente em vigor.
Espera-se, portanto, dos profissionais do Direito, sejam advogados, promotores, juizes, professores ou juristas, o reconhecimento desta nova realidade social e a adequação da cultura jurídica e da interpretação das normas vigentes a sua espécie.
Bibliografia Básica
Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, Ed. Saraiva, 1996.
Gomes, Orlando. Contratos, Ed. Forense, 1996, atualização e notas de Humberto Theodoro Jr.
Santolim, Cesar Viterbo Matos. Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por Computador, Ed. Saraiva, 1995.