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Aplicabilidade do Código de Defesa
do Consumidor nas relações feitas aos financiamentos da casa própria
Paulo
Luiz Durigan *
durigan@avalon.sul.com.br
Os mutuários se utilizam do serviço de
crédito ofertado pelos Agentes Financeiros para compra de imóvel dos vendedores
ou mesmo construção, sendo que a remuneração desse serviço é representada pelos
juros incidentes sobre o valor do financiamento.
Existe evidentemente uma oferta ao mercado
de consumo, da qual é gerada a remuneração do Agente.
Em vista disso, há enquadramento no conceito
de fornecedor estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90),
bastando ler o que está escrito em seu artigo 3°, § 2°, para derrubar o falso
argumento - "serviço (para os efeitos do Código do Consumidor) é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as
de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista".
As opiniões doutrinárias em sentido diverso
partem da análise do conceito de "consumidor", abstraindo-o do texto
legal, e procurando apurar o destinatário da norma.
Daí seguem estéreis discussões acerca de se
a moeda é insumo ou meio de troca, o que implicaria em aceitar ou não o
mutuário como adquirente final, isto é, como consumidor.
Na verdade, subvertem eixo da controvérsia a
partir da valorização de apenas um dos elementos da proposição (um artifício
escorregadio).
Nesse rumo chegam a uma encruzilhada no que
diz respeito às instituições financeiras, posto que aí a moeda tanto pode ser
produto, serviço ou meio de troca, basta apenas posicionar-se em um dos lados
da relação.
Apesar disso confirmar o erro, resolvem por
fim excluir as empresas financeiras, apesar do disposto claramente no art. 2º
e 3º do CDC, em privilégio a desrespeitar até mesmo o princípio
constitucional da isonomia.
Ora, precisamente por serem instituições
financeiras que tratam com recursos do social, é que precisam ser contidas pelo
instrumento social por excelência, ou seja, o CDC.
Data venia, o CDC visou a proteção
daquele que contrata (compra, troca, etc ) em situação de inferioridade, isto
é, frente a produtos oferecidos ao público: outro não necessitaria de proteção
(art. 1o. CDC). Como diz Arnaldo Rizzardo, "aí está a motivação
filosófica que determinou o surgimento da lei".
Não tem então pertinência separar o que seja
atividade financeira e atividade bancária - um último reduto da resistência. As
duas estão albergadas pelo CDC, pois estão colocadas à disposição do público.
Dizem os Agentes que os recursos se
prestaram como "mecanismo de fomento da produção". Como se disse, é a
mesma retórica em nova roupagem, sendo falsa a petitio principi. Dinheiro é
mercadoria para os agentes do SFH. Se é também meio de troca, isto não pode ser
causa a tratar as empresas financeiras com privilégio.
Estabelecida a aplicabilidade do Código de
Defesa do Consumidor é preciso identificar o que se aproveita. Aliás, porque o
que se debate são questões de ordem pública, aplicável o CDC inclusive aos
contratos anteriores à sua vigência, à exceção dos contratos já cumpridos e
findos.
O primeiro instituto, e talvez o mais
importante, talvez seja o da interpretação das cláusulas de forma mais forma aos
mutuários, e isto por se tratar de nítido contrato de adesão.
Ora, a importância de tal regra nos
contratos do SFH se vê da quantidade de cláusulas não somente incompreensíveis,
atulhadas de termos técnicos dos quais o mutuário-aderente sequer foi esclarecido,
mas até mesmo contraditórias e de clareza deplorável.
Em segundo lugar, a possibilidade da
inversão do ônus da prova, sendo que para isso ao menos deve haver demonstração
da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência.
Isto se revela interessante na prática
processual, no momento em que por vezes o próprio Agente-Réu detém informações
e documentos aos quais o acesso do mutuário resta prejudicado (entrevista
proposta, documentos de comprovação de rendimentos do início do contrato,
planilhas de evolução, etc).
Apesar disso, penso ser inaplicável a
inversão do ônus da prova ao adiantamento dos honorários periciais. Isto porque
é justamente a prova pericial que fará as vezes da verossimilhança, e sem esta
a inversão não deve ser deferida.
A outra possibilidade que se apresenta é a
de pleitear a devolução em dobro das quantias eventualmente pagas a maior,
embora para isso também se exija a prova da culpa do Agente, os quais sempre querem
escudar-se em simples erro. Resolve-se, portanto, diante do caso concreto.
Além de vários outros artigos do CDC (art.
18, art. 46, art. 53), pode-se requer a nulidade ou modificação de cláusulas
abusivas (art. 6, V) e a revisão contratual, face a quebra na sua base objetiva
(art. 6).
Trataremos em outro artigo a respeito da
possibilidade de revisão contratual, no sentido de repactuação das prestações
do contrato a essa nova realidade que se apresenta face aos pedidos, por
exemplo e entre outros, de exclusão da Taxa Referencial.
Mas é de se dizer que, por vezes, o depósito
judicial das prestações, calculadas estas frente ao saldo devedor com as
prévias exclusões de tais situações, seja via tutela antecipatória ou ação
consignatória, é a única via a permitir a manutenção do mutuário e sua família
no imóvel, possibilitando a discussão do contrato sem maiores traumas.
Paulo Luiz Durigan
Advogado em Curitiba/PR
Email: durigan@avalon.sul.com.br
Currículo: http://www.apriori.com.br/durigan/
Retirado de: http://www.apriori.com.br