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O direito eletrônico e a internet

Renato Opice Blum

O Brasil já conta com aproximadamente 15 milhões de internautas e previsões de movimentar bilhões no comércio eletrônico. Estudos concluem que a presença virtual pode significar a sobrevivência do próprio negócio. Para o consumidor, estima-se que as compras pela internet chegam a ser 15% mais baratas que as demais. Para o fornecedor, a redução dos custos associado à estrutura de vendas pode ser até 80% menores. Além disso, surge uma nova modalidade de transações, as chamadas business to business (b2b), possivelmente o carro chefe do comércio eletrônico, principalmente se considerarmos os valores envolvidos. É de suma importância ressaltar a aplicação das disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ( Lei 8078/90), inclusive nas operações b2b, desde que o adquirente seja o destinatário final do produto ou do serviço.

A dependência do mundo virtual é inevitável. Grande parte das tarefas do nosso dia-a-dia é transportada para a rede mundial de computadores, ocasionando fatos e suas conseqüências, jurídicas e econômicas, assim como ocorre no mundo físico. A questão que surge é relacionada aos efeitos dessa transposição de fatos, basicamente a sua interpretação jurídica. Como exemplo, podemos citar a aplicação das normas comerciais e de consumo nas transações via internet (responsabilidade perante o Código do Consumidor), a questão do recebimento indesejado de mensagens por e. mail (spam), a eficácia probatória do documento eletrônico, o conflito de marcas com os nomes de domínio, a propriedade intelectual e industrial, a privacidade, a responsabilidade dos provedores de acesso, de conteúdo e de terceiros na web, o e. government (licitação eletrônica) e os crimes de informática. Não podemos deixar de lado a questão da perícia e da prova eletrônica, elementos essenciais a qualquer lide virtual. Ao contrário do que se cogita, é perfeitamente possível a identificação de ilícitos virtuais e autoria, ofício possível para os peritos especializados na "digital evidence", que no Brasil, infelizmente, não são muitos.

A legislação brasileira pode e vem sendo aplicada na maioria dos problemas relacionados à rede. Para questões específicas e controvertidas, como aquelas citadas, existem projetos de lei em tramitação, os quais devem objetivar a complementação e adequação como princípios fundamentais, sob pena de uma inflação legislativa desnecessária. Acrescente-se que diversas nações possuem regulamentação sobre os temas, destacando-se os Estados Unidos, membros da União Européia, Canadá, Colômbia, Itália, Alemanha e Portugal. No Brasil, ainda que de forma embrionária, destacamos a recente Lei nº 9.800/99 , que permite o envio de petições via e. mail ao Poder Judiciário, observados certos requisitos e a Lei nº 9983/00, que tipifica condutas criminosas quanto à prejuízos aos sistemas informatizados da Administração Pública.

Questão de extrema relevância é a da validade do documento eletrônico. Basta afirmar que uma simples mensagem enviada por e. mail dificilmente tem plena eficácia probatória. Isso porque, em tese, por meio de recursos técnicos, é possível alterar documentos digitais sem deixar vestígios. Por outro lado, através da técnica da certificação eletrônica, é possível garantir a autenticidade e a veracidade de um documento eletrônico e, por conseqüência, atribuir segurança jurídica e probante ao mesmo. A certificação eletrônica mais comum e eficaz é aquela por meio da utilização de chaves públicas (assinatura digital por criptografia assimétrica) é, em síntese, uma codificação, garantida e atribuída por uma terceira pessoa (certificador), representada por um certificado que identifica a origem e protege o documento de qualquer alteração sem vestígios. Por isso, aqueles que dispõem da assinatura digital já podem efetuar troca de documentos e informações pela rede com a devida segurança física e jurídica.

A Medida Provisória nº 2.200, de 28 de junho de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e dá outras providências, disciplina a questão da presunção de integridade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos. Dentre as principais disposições, destacamos a figura da Autoridade Certificadora Raiz, representada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia), bem como o gerenciamento do sistema pelo Comitê Gestor que tem, dentre outras atribuições, as seguintes:

  • medidas de implantação e funcionamento

  • critérios e normas p/ licenciamento de ACs, ARs e outros

  • práticas de certificação e regras da AC Raiz

  • homologar, auditar e fiscalizar a AC Raiz

  • diretrizes e normas p/ certificados

  • regras operacionais p/ ACs e Ars

  • definir níveis de certificação

  • autorizar AC Raiz a emitir certificados

  • ICP externas: negociar e aprovar acordos de certificação bilateral, cruzada e regras de cooperação intl.

    Outro assunto interessante é o recebimento de mensagens indesejadas ou não solicitadas conhecidas como “spam”. O Projeto de Lei nº 1589/99 e o 2358/00 tratam do assunto, dispondo que aqueles que praticarem essa conduta deverão informar o caráter da mensagem, sob pena de multa (PL 2358). Nos Estados Unidos, aquele que proceder como "spammer" poderá ser condenado civil (multas de US$ 500 a 25,0000) e criminalmente. Independentemente de normas especiais, no Brasil, aquele que enviar “spam” poderá ser responsabilizado nos termos das leis em vigor, desde que haja a efetiva demonstração do prejuízo causado.

    No tocante as marcas registradas, notórias, nomes comerciais ou próprios que conflitam com nomes de domínios de sites na internet, a questão é controvertida, porém a tendência é a proteção ao detentor da marca. Deve-se destacar que, em 1995, a International Trade Mark Association reconheceu a identidade da marca ao nome de domínio. Além disso, a jurisprudência francesa e a americana também tendem nesse entendimento. Merecem destaque, também, as primeiras decisões judiciais brasileiras nesse contexto: a 14ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu o direito de uso do domínio “rider.com.br” ao detentor da respectiva marca; no mesmo entendimento foi a decisão da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná quanto ao domínio “ayrtonsenna.com.br”. Para litígios decorrentes de domínios de primeiro nível ".com", várias são as decisões arbitrais proferidas pela WIPO Arbitration Center, também, em sua maioria, favoráveis aos respectivos proprietários das marcas.

    Outro fator que não pode ser deixado de lado é a problemática da segurança no mundo virtual, que merece atenção destacada. Aproximadamente 1/3 das empresas brasileiras já foram atacadas por hackers. Os efeitos decorrentes desse aspecto ensejam a busca pela responsabilidade do ato danoso, seja na esfera criminal ou na cível, justificando, também, a preocupação com a discussão e debate do assunto, propondo, inclusive, a necessidade de regulamentação complementar esclarecedora.

    Por fim, quanto a sensível questão do direito autoral virtual, frise-se que a disponibilidade para acesso de documentos na web não se confunde com autorização ou cessão de direitos, impossibilitando a reprodução ou utilização de obras (inclusive bases de dados) sem a anuência inequívoca, do respectivo autor ou detentor desses direitos, à toda obra intelectual que seja criação de espírito de alguém, veiculada por qualquer meio, inclusive a internet, sob pena de indenização substancial por danos morais e patrimoniais.

    As relações virtuais e seus efeitos são realidade. A tendência é a substituição gradativa do meio físico pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica a adequação, adaptação e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente. Na grande maioria dos casos é possível a aplicação das leis existentes o que gera direitos e deveres que deverão ser exercidos e respeitados. Assim, de rigor e imprescindível o estudo, orientação e aplicação da internet como ambiente de resultados legais sérios e com enorme potencial de efeitos jurídicos, como, por exemplo, a possibilidade, desde já, da assinatura digital de contratos eletrônicos entre as partes, com segurança muitas vezes superior àquela utilizada no meio físico.

    Fonte: http://www.mundolegal.com.br/doutrina/descricao.cfm?DID=19