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Operações na Web
Bancos devem indenizar consumidores se falharem
Reinaldo de Almeida Fernandes*
A
lista de bancos que disponibilizam serviços na Internet
aumenta cada vez mais. Não são poucas as previsões
que se ouve com relação ao fim das agências de
rua (high-street bank), principalmente quando se reduz o horário
de atendimento das agências ou se faz seu remanejamento para
melhor aproveitar a luz do dia, reduz-se o funcionamento dos caixas
eletrônicos em benefício da segurança pessoal dos
clientes, avulta a importância desse serviço.
Ao
mesmo tempo, em face da redução de custos operacionais
decorrentes de atendimento pela Internet, não são
poucas as instituições do mercado internacional que
oferecem taxas de remuneração superiores (ou taxas de
serviços inferiores) para os clientes que se valem de seus
serviços Web 24 horas, por exemplo, para transferência
eletrônica de fundos entre contas ou resgate de aplicações.
Há algum tempo as pessoas preferiam mudar de casa a
terem que trocar de banco. Hoje a dinâmica do mercado impõe
às instituições financeiras que operam na Web um
rígido controle do nível de serviço porque
qualquer minuto em que seus sistemas se encontrem fora do ar pode
representar perda de clientes ou milhares de transações
não processadas.
Para regular as transações
bancárias eletrônicas, via de regra, as instituições
financeiras apresentam a seus clientes um Contrato de Nível
de Serviços (Service Level Agreement - SLA) no qual,
dentre outras previsões, fica estabelecido o padrão de
disponibilidade dos serviços apresentados na Internet, bem
como as garantias de efetividade, privacidade, segurança e
sigilo nas transações efetuadas.
O setor
bancário lidera o caminho tecnológico e, com
freqüência, determina os padrões de excelência
nessa área. Por isso, definir índices mensuráveis
para seus Contratos de Nível de Serviço, atendendo os
requisitos de típicos contratos de adesão apresentados
a seus clientes, permitir-lhe-á servir como exemplo,
novamente, às demais áreas do mercado que se interessem
pelas transações eletrônicas através da
Internet.
Cabe-nos, assim, no estreito escopo do presente,
proceder à análise superficial de alguns contratos de
nível de serviço que instituições
financeiras apresentam a seus clientes de e-banking na
Internet, sob o ponto de vista de Contratos de Consumo que são,
sujeitos, portanto, à aplicação do CDC.
Sem
dúvida, como se colhe da imprensa nacional nos últimos
tempos, o tema mais candente com relação aos serviços
bancários e transações financeiras realizadas
pela Internet, relaciona-se às fraudes e "crimes
informáticos". Não é esse o ponto que nos
interessa no presente; o que se busca avaliar, enquanto relação
de consumo de serviços bancários, é o estado da
arte (jurídica), se é que assim podemos qualificar, dos
Contratos de Nível de Serviço de e-banking.
O
Mercado do e-banking
O Banco Itaú, conforme
declarações de seu diretor-gerente de canais
eletrônicos, Osvaldo do Nascimento durante o CIAB 2001 (in
www.computerworld.com.br, Ed. 344. 20.06.2001), investe de 15% a 20%
do orçamento anual de R$ 400 milhões para Tecnologia de
Informação, em iniciativas de Internet, salientando que
a rigidez dos processos bancários - aprovação
de contas-correntes, por exemplo - não combina com a
agilidade da Internet.
O Citibank, por seu lado, investiu
US$ 2,5 milhões, em 10 meses e envolveu uma equipe de 100
pessoas, para disponibilizar pela Internet um portal para
contratação, 100% on-line, de 6 diferentes tipos de
seguros (vida, automóvel, residência, citicard, viagens
e capitalização), e com relação a outras
quatro modalidades permite a simulação. Agrega-se a tal
estrutura um call center e, nos próximos dias, um serviço
de chat para que os clientes e interessados possam tirar suas dúvidas
on-line.
Nelson Marchini, CIO do Citibank (Computerworld,
idem), garante que o banco está incorporando a Web
transacional a seus serviços e oferecendo quase todas as
atividades do ambiente físico. Relata, ainda, que o banco, que
não declara um perfil de varejo, possui 68,1 mil clientes
cadastrados e utilizando ativamente seus serviços WEB.
No
HSBC, por exemplo, estão ativos e adotam com freqüência
a Web para executar suas transações bancárias
260 mil clientes pessoa física e 36 mil clientes pessoa
jurídica.
Luis Eduardo Machado, CIO do Banespa (CW,
idem), salienta que a Web é um canal de distribuição
extremamente flexível, de baixo custo e fácil acesso.
Estudos da Ernst & Young demonstram que em agosto de
2000, segundo dados da FEBRABAN, o custo de uma transação
pela Web é de R$ 0,10, enquanto num caixa eletrônico o
custo da mesma transação nunca é inferior a R$
0,20. Ainda é de se registrar que uma transação
por telefone é 5 vezes mais cara que uma transação
pela Internet e na agência essa relação passa
para um custo 10 vezes maior do que na Web.
O BankBoston,
segundo seu diretor de Internet, Luis Fernando Scheliga, já
conquistou para seu Website 25% dos correntistas, sendo que, dos 45
mil usuários do site, 80% fazem mais de 50% de seus negócios
e transações com o banco pela Web.
Edson
Fregni, vice-presidente executivo de e-commerce do ABN/Amro, aposta
que até o final de 2001 um total de 500 mil usuários
seja conquistado pelo canal virtual do banco, que oferta todos seus
serviços por esse meio.
Em consonância, o CIO do
ABN, Carlos Eduardo Correa da Fonseca, garante que nessa área
o importante é o estabelecimento de um relacionamento de
qualidade com os correntistas. Relata ainda, que o banco possui,
dentre seus clientes pessoa jurídica, por volta de 30 mil
empresas utilizando-se da Web.
Segundo pesquisa da Febraban,
em junho de 2000, os serviços informatizados respondiam por
74,7 % das transações, enquanto as operações
realizadas por meio telefônico ou mediante atendimento de
funcionários nas agências representavam apenas 25,3%.
O crescimento dessas operações no âmbito
das instituições bancárias no Brasil tem sido
vertiginoso, como se vê a seguir:
Transações
automatizadas (em bilhões)
1998 7,7
1999 9,3
2000
12,2
Transações por funcionários (em
bilhões)
1998 5,08
1999 4,5
20004,1
Clientes
PF utilizando Web (em milhões)
1998 2,6
1999 4,3
2000
6,8
Clientes PJ utilizando Web (em milhões)
1998
0,5
1999 0,6
2000 1,5
Certamente, como lembra David
Lipschultz (Valor Econômico, 29.03.2001 - Empresas e
Tecnologia), esses números são impressionantes, pois
tecnologia avançada, geralmente, não é associada
com o Brasil, aonde apenas 4% dos 171 milhões de habitantes
consegue ter acesso à Internet, o que comparado aos 50% da
população dos EUA é praticamente zero.
inda
assim, os bancos brasileiros são modelos de tecnologia em todo
o mundo, historicamente tal situação se deve ao fato de
que foram premidos, por um bom tempo, pela inflação
absurda que dominou o país; nos anos logo após o
milagre econômico essas instituições avançaram
muito em relação a seus congêneres
internacionais; sob este aspecto, por muitos anos tiveram ampla
liberdade de ação para implantar alternativas
tecnológicas que ajudassem a reduzir o impacto inflacionário
na economia popular; em contrapartida, os EUA só recentemente
sentiu o relaxamento das amarras operacionais bancárias que
eram impostas às instituições financeiras desde
a Lei Glass-Steagall, surgida à época da Grande
Depressão dos anos 30.
Candido Leonelli, responsável
pela área de Internet banking do Bradesco justifica que a
construção das facilidades de e-banking não
se deveu à vontade de seguir o que estava na moda, mas para
gerar e agregar valor aos ativos dos clientes, e, por conseqüência,
também aos do banco.
Certamente essa condição
explica porque no Itaú 25% dos clientes utiliza serviços
Web, enquanto que no Wells Fargo e Bank of America, líderes em
on-line banking nos Estados Unidos, esse número não
alcança os 15% da clientela.
Os serviços
financeiros pela Web, ao contrário da "bolha" que se
formou com as empresas pontocom, e que já estourou, tendem a
crescer bastante, e em bases sólidas, a curto prazo, de forma
que hoje, no rastro de desastres que levaram as ações
da Amazon.com, por exemplo, a desabarem de US$ 119 per share
em novembro de 1999 para US$ 17 em dezembro 2000, os alunos de
respeitadas escolas de negócios, como a Columbia University,
passaram a interpretar "B2B" como "back-to-banking".
Começam a surgir, em adição às
aplicações Web tradicionais, os serviços de
m-banking, m-cash e m-payment ("m" de "mobile"),
voltados para os terminais de telefonia celular e PDAs, que
brevemente deverão ver solucionadas as dificuldades
operacionais hoje enfrentadas por esses dispositivos e poderão
passar a atender uma vasta gama de usuários e clientes
bancários de significativo padrão econômico.
Essa situação de mercado interessa-nos enquanto
análise dos instrumentos de informação e
orientação, além da proteção ao
consumidor de serviços bancários. Cumpre, neste ponto,
reiterar que não são os contratos bancários,
alguns deles sujeitos à disciplina do Código de Defesa
do Consumidor, o objeto do presente, mas o instrumento que regula as
relações e os compromissos de níveis de serviço
entre um banco e seu cliente quando este se utiliza da Internet para
a realizar suas transações bancárias, os SLAs,
como referido ao início.
Os Contratos de Níveis
de Serviço do e-banking
Pacífico que o
banco e seu cliente, usuário dos serviços de e-banking,
encontram-se diante de uma relação na qual interagem
nos papéis de fornecedor de serviços bancários e
de seu consumidor final.
Se o Estatuto Consumerista pode ser
afastado quando se trata de determinados contratos bancários
(como no caso dos descontos de títulos que se referem a
relações de crédito de segundo nível,
aonde um crédito comercial se transmuda em crédito
bancário), na utilização de home banking ou
Internet banking o CDC aplica-se em sua plenitude.
À
primeira vista, quem acessa os termos e condições de
fornecimento de serviços de e-banking disponibilizados
no Brasil tem a sensação de se encontrar diante
daquelas placas afixadas nos estacionamentos de supermercados ou
shopping centers, que avisam não existir qualquer
responsabilidade do estabelecimento que oferece essa facilidade por
eventuais danos causados aos veículos ou pelo furto de objetos
deixados em seu interior. A inocuidade jurídica de tais
instrumentos exoneratórios é manifesta. A
Esses
Contratos de Nível de Serviço, típicos contratos
de adesão, estruturam-se, independente da instituição
financeira verificada, em quatro módulos básicos, a
saber: a) privacidade das informações trafegadas; b)
segurança das operações realizadas; c) serviços
disponíveis e condições de uso; e d) uso de
informações pessoais sobre o cliente. Passamos a
analisar perfunctoriamente cada um desses módulos usualmente
encontráveis nas condições de uso de serviços
e-banking.
Sem muitas diferenças de banco para
banco, geralmente as páginas de e-banking têm
início com informações equivalentes a:
"Ao
acessar este site você estará concordando plenamente com
as regras, termos e condições a seguir estabelecidas.
Se não concordar não acesse este site e nenhuma das
páginas a ele relativas."
A seguir são
traçadas as regras gerais quanto a direitos autorais de uso do
site e das informações nele contidas, a existência
de marcas protegidas, a disponibilidade dos serviços "as
it is" (como se encontram), e a inexistência de qualquer
garantia quanto à exatidão dos dados e informações
exibidos ou tratados.
Segue-se a cláusula de limitação
de responsabilidade que, em todo e qualquer caso, é de
expressa inexistência de qualquer responsabilidade por parte da
instituição financeira. Ora, essa ressalva é um
paradoxo, pois se o banco investiu recursos de monta para criar um
site que fosse atrativo e eficaz, e assim conseguiu cativar o cliente
até este ponto, então deve se considerar "eternamente
responsável" por aquilo que cativou o cliente e valorizar
o investimento efetuado nessa plataforma.
Se inexiste a
possibilidade de garantir ao cliente que ele terá uma operação
produtiva e conseguirá realizar seus objetivos,
responsabilizando-se pelos "riscos que razoavelmente dele se
esperam", assim "considerados normais e previsíveis
em decorrência de sua natureza e fruição"
desse serviço, como dispõem os art. 8º e 14, §1º,
II, do CDC, então é melhor não disponibilizar
nada on-line e, apenas mostrando dados institucionais, mandar o
cliente direto para a fila da agência.
A Privacidade e
Segurança das Informações nas Transações
Quando se trata de privacidade é conveniente que se
determine que há naturezas diversas de informações
que trafegam numa transação de e-banking,
aquelas que se referem às operações realizadas e
as que se prendem a informações pessoais do cliente.
É público e notório que não
existe aparato técnico que permita garantir 100% de
inviolabilidade e segurança às informações
que trafegam pela rede. Se alguém conseguiu construir um
algoritmo de criptografia que tenta preservar o acesso não
autorizado a tais informações, com certeza alguém
conseguirá quebrar tais chaves criptográficas, é
apenas questão de conhecimento técnico, tempo e,
principalmente, vontade.
Nesse caso o banco tem uma obrigação
de meios, e o risco de alguma captura não-autorizada de dados
é perfeitamente previsível em decorrência da
natureza do serviço e de sua fruição.
As
"promessas" ou "compromissos" de privacidade
estão presentes em todos os sites de e-banking, quase
sempre partindo de uma proposta mercadológica que busca
inculcar no cliente a necessária confiança para que ele
venha a realizar as transações e operações
oferecidas, pelo banco, no ambiente Web.
Certamente
faz-se necessário estabelecer um padrão de confiança
entre as partes dessa relação de serviços. Para
o cliente é um ganho de tempo e de deslocamento físico
que pode significar uma "economia" razoável ao fim
de um determinado período; para o banco, o simples fato de
poder verificar a consistência das informações
remetidas e a suficiência de recursos do cliente, em tempo
real, sem que com isso tenha que arcar com despesas de pessoal e
instalações de agência, também representa
um ganho significativo, tanto sob o aspecto de otimização
operacional quanto sob o prisma de custo da operação.
A segurança das operações realizadas
pelo site, explica a maior parte desses Contratos de Nível de
Serviços, é "garantida" por meio de
"criptografia padrão da Internet" (SSL) e do uso de
senhas; alguns bancos utilizam "frases secretas" ou
recomendam o uso de senhas alfanuméricas, sugerindo ao cliente
que verifique se, ao realizar a operação, aparece um
ícone na forma de um "cadeado" na página que
estiver suportando a transação no momento.
Alguns
desses Contratos de Nível de Serviço, especialmente os
"importados" por bancos que têm sua origem e centro
de decisões e padrões jurídicos no exterior,
parecem ter sido traduzidos para o português por um programa de
tradução automática, pois apresentam frases e
dispositivos contratuais sem o menor nexo e ainda repletas de erros
de concordância.
Em um dos contratos de nível de
serviço e-banking de banco com origem no exterior
pode-se encontrar a seguinte pérola do vernáculo:
"
XXXXX (o banco) não estará sujeito às quaisquer
obrigações de confidencialidade com relação
à informação submetida, exceto quando acordado
pela entidade XXXXXX que tem um relacionamento direto com cliente ou
então conforme especificamente concordados contrário ou
exigido por lei."
Não é exatamente o
que se possa denominar de "informação adequada e
clara" ao consumidor, como preceitua o art. 6º, II, do CDC.
Certamente o que o banco economizou ao não contratar
um profissional capacitado para fazer a tradução desse
Contrato de Nível de Serviços para seu e-banking,
não compensa o risco da informação incorreta que
apresenta a seus usuários de internet-banking.
É
de se salientar que inobstante tais crimes perpetrados contra "a
última flor do Lácio", alguns grupos financeiros,
dentre os três maiores do Brasil, ainda se sujeitam a
"piratear" cláusulas inteiras de tais contratos
"importados", salvo a possibilidade de estarem utilizando
padrões confeccionados pelas entidades associativas, o que não
é de nosso conhecimento.
Vejamos dois exemplos reais
de cláusulas constantes de contratos de nível de
serviço de e-banking de uma instituição
financeira nacional e de outra de origem estrangeira:
Banco X
(nacional): "Qualquer informação que nossos
clientes nos passem serão coletadas e guardadas de acordo com
padrões rígidos de segurança e confidencialidade
";
Banco Y (estrangeiro): "Salvaguardaremos,
de acordo com padrões rígidos de segurança e
confidencialidade, qualquer informação que nossos
clientes nos passarem";
Banco X (nacional): "Para
fins de operações de crédito e gerenciamento de
riscos, nós poderemos trocar informações sobre
nossos clientes com fontes respeitáveis de referência e
serviços de compensação";
Banco
Y (estrangeiro): "Para fins de relatório de crédito,
verificação e gerência de risco, nós
trocaremos informações sobre os nossos clientes com
fontes respeitáveis de referência e serviços de
compensação.".
Impressionante a coincidência; no primeiro caso apenas foi
passada a frase da voz ativa para a voz passiva, no segundo nem isso;
se tais frases fossem inseridas num mecanismo de busca (search
engine) na Internet, que tivesse sensibilidade fonética,
certamente retornaria como resposta o site dos dois bancos, rankeados
ambos com 5 estrelas de afinidade em relação ao
argumento de pesquisa utilizado.
Esses aspectos são
apenas ilustrativos a respeito da falta de cuidado que instituições
financeiras de renome e peso no mercado internacional dedicam aos
contratos de serviços que propõem a seus clientes na
Internet.
Passemos, às exonerações de
responsabilidades e obrigações contratuais que esses
instrumentos prevêem.
As Garantias e Responsabilidades
Perante os Clientes de e-banking
É de se
recordar, já na abertura do presente tópico desta breve
digressão, os dispositivos dos arts. 24 e 25 do CDC, que vedam
estipulação contratual que exonere, atenue ou
impossibilite a obrigação legal de adequação
dos serviços fornecidos em face dos objetivos do consumidor.
Constata-se que nesses contratos de nível de serviços
de e-banking, praticamente, só existem cláusulas
predispostas a exonerar o fornecedor de toda e qualquer
responsabilidade ou obrigação pelos serviços que
disponibiliza e oferece a seus clientes.
Vale transcrever
algumas dessas cláusulas, evidentemente sem menção
ao banco:
"1. O XXXXXXX não garante o conteúdo,
os instrumentos e os materiais contidos, utilizados e oferecidos
neste site estejam precisamente atualizados ou completos, e não
se responsabiliza por danos causados por eventuais erros de conteúdo
ou falhas do equipamento."
"3. Em nenhuma
circunstância, o XXXXXX, seus diretores ou funcionários
serão responsáveis por quaisquer danos diretos ou
indiretos, especiais, incidentais ou de conseqüência,
perdas ou despesas oriundos da conexão com este site ou uso de
sua parte ou incapacidade de uso por qualquer parte, ou com relação
à (sic) qualquer falha de desempenho, erro, omissão,
interrupção, defeito ou demora na operação
ou transmissão, vírus de computador ou falha de linha
ou do sistema, mesmo se o XXXXXXX ou seus representantes estejam
avisados da possibilidade de tais danos, perdas ou despesas."
Certamente não falta clareza e precisão a tais
informações, nessas condições apenas um
potencial suicida se arriscaria a realizar qualquer transação
de e-banking por meio de um site com essas declarações
expressas de inexistência de confiabilidade e segurança.
Tais disposições e cláusulas contratuais
conflitam com a legislação vigente e são nulas
de pleno direito, não eximindo a instituição
financeira de qualquer responsabilidade ou obrigação de
indenizar caso venha a ocorrer algum dano ou prejuízo a seu
cliente.
Sob este aspecto exoneratório, geralmente o
segmento mais extenso dos contratos de nível de serviço,
não se necessita de uma abordagem mais aprofundada, pois a sua
posição de conflito com as normas consumeristas é
manifesta.
Os "cookies" e os Sistemas CRM nos sites
de e-banking
Uma
das maiores vantagens comerciais que podem ser obtidas por quem
consegue cativar um usuário para navegar em seu site na
Internet é a possibilidade de disparar um cookie (agente de
programa) que irá ficar residente no disco rígido desse
usuário, "espionando" suas preferências
pessoais e remetendo, após algum tempo ou quando esse
internauta acessar novamente o site, o perfil desse usuário
para o departamento de marketing.
Tais agentes certamente
trazem algumas vantagens para o usuário em cujo equipamento se
instalaram, servindo, por exemplo, para permitir a execução
de operações virtuais em múltiplas sessões,
funcionando como uma memória contínua.
O
tratamento dessas informações é realizado pelos
denominados sistemas CRM - Costumer Relantionship Management, que se
encarregam de analisar preferências e comportamentos dos
usuários, indicando possíveis oportunidades de negócios
a serem exploradas.
Os bancos não fazem segredo de que
se utilizam dessa tecnologia para análise do comportamento de
seus clientes na rede, assegurando que tais cookies não se
prestam a fazer uma "varredura" nos demais dispositivos de
armazenamento de dados do equipamento do cliente, garantindo que se
valem desse agente para trabalhar a fidelização do
usuário.
No presente caso constata-se a expressa
violação ao previsto no art. 43, § 2º, do
CDC, mas é de se referir que tal prática não é
privilégio dos bancos; toda e qualquer instituição
que disponibiliza um site na Internet, com os mais diversos
propósitos, utiliza-se desses mecanismos de registro de dados
pessoais e de preferências de consumo de seus eventuais
navegadores, sem que seja solicitado, deixando de comunicar-lhes de
tal procedimento "por escrito", como prevê a lei.
O
Eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, já proferia,
há mais de 5 anos, lapidares decisões sobre esse tema,
como se colhe:
"A inserção de dados
pessoais do cidadão em bancos de informações
pode se constituir em invasão de área que deve ficar
restrita à intimidade pessoal. Muitas vezes o cidadão
sequer sabe de sua existência ou não dispõe de
meios eficazes para se defender. As informações podem
ser usadas para fins lícitos quanto para fins contrários
à moral ou ao Direito, como instrumento de perseguição
política ou opressão econômica." (REsp.
22.387-8/RS, 13.02.1995, RDC 23-24/264-265)
Nessa senda,
portanto, e escudados nos próprios termos dos contratos de
nível de serviço que os bancos apresentam na Internet,
não é de se acreditar que tais cookies restrinjam-se a
facilitar a vida do usuário dos serviços de e-banking.
São efetivas ferramentas de marketing decorrentes do estado da
arte da Tecnologia de Informação.
Conclusão
Este modesto trabalho está longe de esgotar o tema e
trata de uma minúscula fatia das relações
jurídicas de consumo e de prestação de serviço
que se formam entre bancos e seus clientes quando estes executam
operações bancárias através do uso da
Internet.
Paradoxalmente, como lembra De Lucca, os avanços
que se operam em nossa era digital são de tal monta que "a
dependência do mundo virtual passou a ser uma realidade
irrefutável".
Os negócios bancários
apresentam um diferencial de extraordinária vantagem sobre as
demais operações das pontocom, para sua realização
o essencial é a informação, estando ausente
quase toda a problemática da logística que contamina o
e-commerce. Certamente o cliente aprecia e necessita de tais
serviços. Certamente ao banco é bastante conveniente
que o cliente se utilize dessa tecnologia para realizar suas
operações bancárias.
Constata-se por
algumas observações efetuadas sem qualquer apego à
metodologia, que a maioria esmagadora dos usuários de serviços
de e-banking sequer dá-se ao trabalho de ler as
informações, advertências e cláusulas dos
Contratos de Nível de Serviço, há inclusive
casos de sites em que é quase materialmente impossível
a localização de tais instrumentos, conseguindo-se
alcançá-los apenas por meio de opções que
o usuário médio não costuma acessar, como os
"mapas do site".
Sem sombra de dúvidas essa
ferramenta tecnológica de alto valor administrativo, comercial
e operacional para os bancos, deve e necessita ter seu uso
incrementado; limitada aos riscos que razoavelmente dela se pode
esperar é confiável, segura e extremamente prática,
motivo pelo qual entendemos que tanto instituições
financeiras quanto consumidores poderiam estabelecer suas regras e
compromissos de uso em um patamar mais elevado.
Nosso novel e
bem elaborado CDC traz os regramentos mínimos que permitem dar
aos clientes a necessária segurança jurídica
para trabalhar no ambiente e-banking, e a tecnologia
disponível garante ao banco que ele possa fornecer serviços
de alta qualidade de forma a estabelecer um padrão de
confiança que permita, cada vez mais, ter seus clientes num
relacionamento leal e seguro, sem tantas exonerações. O
serviço só tende a crescer nos próximos anos e
assim tornar-se o principal canal para realização de
operações bancárias rotineiras para uma
significativa parcela da sociedade, conquistando relevante papel na
realização de negócios e contratos bancários
no Brasil.
VIII - Referencial Bibliográfico
a)
Computerworld, Edição Especial Bancos - Junho de 2000,
nº 344.
b) ABRÃO, Nelson. DIREITO BANCÁRIO.
Ed. Saraiva. 7ª ed. SP. 2001.
c) BAPTISTA, Joaquim de
Almeida. Código do Consumidor Interpretado. SP, Ed. Iglu, 3ª
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d) MARTINS, Ives Gandra da S. e GRECO, Marco
Aurélio Direito e Internet - Relações Jurídicas
na Sociedade Informatizada. RT, SP, 2001
e) DE LUCCA, Newton
e SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & Internet - Aspectos
Jurídicos Relevantes.
f) CORREA, Gustavo Testa.
Aspectos Jurídicos da Internet. Ed. Saraiva, SP. 2000.
g)
GANDELMAN, Henrique. De Guttemberg à Internet - Direitos
Autorais na era Digital. Ed. Record, RJ, 4ª Ed., 2001.
Revista
Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2002.
Reinaldo
de Almeida Fernandes é
advogado em Santa Catarina
Retirado de http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=8179&ad=c