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CONTRATOS INTERNACIONAIS VIRTUAIS

Angela Bittencourt Brasil

Quando vamos fazer um contrato, um pacto ou mesmo um acordo, o pilar mais consistente deste ato é a autonomia da vontade. Isto se dá nas relações mais comuns e mesmo nos contratos mais banais, como quando entramos num coletivo e fazemos um contrato de transporte com a empresa de ônibus, por ex., em que pagamos a passagem e o motorista simplesmente cumpre a sua parte.

E nas relações virtuais, como se daria os contratos? Com já falamos em artigo anterior, da mesma forma como se faz nos contratos formais e, levando-se em conta o espaço virtual, adotando-se as normas civilistas dos contratos à distância.

Vamos enforcar neste trabalho um tema que hoje está muito em voga e que precisa ser visto com bastante acuidade. São os contratos internacionais que se tornam cada vez mais comuns com o advento da Internet e que acreditamos na sua incrementação com o desenvolvimento da informática.

A autonomia da vontade nos contratos internacionais sempre exerceu grande fascínio entre os estudiosos da matéria e Niboyet, já em 1927 (Niboyiet, in Recueil de Cours, 1927), dizia que achava exagerado dizer que autonomia da vontade seria o tema mais complexo do Direito Internacional Privado.

É preciso destacar primordialmente que a autonomia da vontade no Direito Internacional Privado não tem as mesmas formas daquela vontade exteriorizada nos contratos de Direito Civil, em que a faculdade privada é a tônica do acordo, fazendo lei entre as partes.

Para o DIPr (Direito Internacional Privado) o enfoque da teoria da vontade está ligado à faculdade de escolha entre os contratantes sob que lei vai imperar o contrato, se de um país ou de outro. Aí está a diferença entre este tipo de contrato e aquele firmado internamente, onde não se pode escolher qual o sistema jurídico indicado para dirimir as questões.  No DIPr opta-se por um sistema jurídico e no Direito Privado o sistema é o ditado pelas normas legislativas, sejam civis puramente, comerciais ou mesmo trabalhistas. Este é o ponto que diferencia os contratos referidos acima.  No Contrato Internacional, por este estar disponibilizado em vários sistemas jurídicos é preciso saber qual será a lei aplicável; se doutrina ou lei de origem interna ou internacional e jurisprudência, ou mesmo um terceiro gênero considerado neutro pelas partes e que se adapte mais às circunstâncias do contrato.

A preocupação recente é com os contratos internacionais feitos através da Internet pois é uma área do direito vital para o desenvolvimento do e-commerce e para a tendência de formação de holdings virtuais, que juridicamente se traduzem em processos integracionistas, como o Mercosul.

Mas não devemos pensar que esta autonomia da vontade nos Contratos Internacionais, sejam os formais ou por aqueles feitos por meios eletrônicos, vão dar as partes um poder quase legiferante, função específica do Estado. Escolher a lei que será usada como norteadora do contrato significa dizer que no acordo deve constar uma cláusula especificando-a, podendo ser no DIPr expressa ou tácita, mas entendemos que nos contratos internacionais virtuais, ela deverá ser expressa, devido à distância entre os contratantes e para evitar maus entendidos.

O contrato internacional virtual é uma situação jurídica complexa, pois envolve vários aspectos que não podem ser tratados conjuntamente e, por isso, a lei aplicável ao contrato dirá respeito apenas à sua substância e aos seus efeitos. Esta realidade é conhecida como Dépeçage ou fracionamento, mecanismo pelo qual um contrato é dividido em partes diversas, onde cada uma delas será submetida à leis diferentes. E isto pode ocorrer em dois níveis: primeiramente o DIPr irá dizer que a substância pode ser regida por uma lei, enquanto a capacidade das partes, a sua forma e execução serão regidos por outro sistema jurídico. No segundo nível a própria autonomia da vontade das partes irá determinar se uma ou mais leis serão aplicáveis aos contratos. Estas regras tem que ser seguidas nos contratos on-line, como o são nos contratos formais. A Dépeçage ou fragmentação será usada quando presente dada situação jurídica passível de utilização de leis diferentes aplicáveis aos diversos aspectos do contrato. Isto decorre da limitação da autonomia da vontade que rege os contratos internacionais que implica então na decomposição do contrato em seus vários elementos, para a aplicação em cada uma de suas partes, da lei pertinente.

Na Europa e outros países como os Estados Unidos, a autonomia da vontade está especificada na legislação interna e este fato se deu de fora para dentro, isto é, depois da codificação internacional, que foi incorporada às legislações internas, como ocorreu com a adoção da Convenção de Viena e a Convenção de Roma. Com isto a autonomia da vontade nos Contratos Internacionais, e vale aqui, os Contratos Internacionais on line, é uma regra universal, e o que antes era baseado em construções doutrinárias e jurisprudenciais, hoje é o caminho para que todos os países a adotem como norma taxativa.  O Brasil, tem na Lei de Introdução do Código Civil em vigor as regras que norteiam os Contratos Internacionais e é preciso ficar atento porque o país não consagrou a autonomia da vontade nos contratos internacionais e, mesmo os tribunais brasileiros não enfrentaram a questão nem adotaram a tese da autonomia da vontade como se faz nos contratos Internacionais assinados em outros países.

Atualmente a escolha livre de uma lei para ser aplicada em determinado contrato internacional, não encontra amparo da legislação brasileira porque ali não se acha contemplada e os contratos feitos pela Internet também devem obedecer as leis locais. No entanto, formas contratuais utilizadas em outros países são comuns entre nós, e a esse respeito já existe legislação sobre o contrato de leasing e franchising e formas de concentração de empresas no sistema holding o que demonstra o caráter internacionalista com o qual está se revestindo as nossas leis, e urge que o novo Código Civil que está em fase de projeto, contenha em sua Lei de Introdução o reconhecimento da teoria da autonomia da vontade para dar mais celeridade aos contratos internacionais, ainda mais com a nova ferramenta da Internet. Um contrato de compra e venda, desses que se vê diariamente nas páginas da WEB, em que o comprador é de um país e o vendedor de outro, mais de uma ordem jurídica podem estar aptas a disciplinar o contrato. Suponhamos que os contratantes estejam no Brasil, mas o objeto do negócio se encontre em outro país : neste caso o contrato assume a feição internacional e pode ser regidos pela Déperçage , principalmente no que diz respeito à solução dos conflitos daí decorrentes, porque a forma não pode ser mudada. A oferta, a aceitação, garantias e outras são aquelas dispostas na legislação do país onde foi feito o negócio. Os contratos pela Internet devem seguir as regras dos contratos por correspondência no mesmo passo que indica o Código Bustamante - Código de Direito Internacional Privado- onde está explicitado que os contratos por correspondência só se aperfeiçoarão quando as legislações dos países envolvidos estiverem com as suas condições cumpridas.

Problema relativamente novo e que está esperando soluções à curto prazo é a relação jurídica decorrente do MERCOSUL, porque se pretende criar um novo direito, de cunho regional, integrado ao Direito Internacional porque as regras atuais não tem auto-executoriedade, o que significa que cada país membro precisa adaptar as suas normas internas ao processo comercial mercosulista, o que convenhamos, dificulta bastante as relações comerciais sem barreiras.

A União Européia adotou a superação da soberania absoluta de seus membros para adotar um modelo comunitário para reger as relações comerciais, tal como sempre foi feito no Direito Comercial Interacional.

Concluindo, os contratos internacionais cibernéticos podem ser exequíveis dentro das regras acima expostas, mas com certa cautela devido às limitações das leis brasileiras, e cautela maior em relação à segurança, devendo ser cada vez mais usado o sistema de Criptografia. Mas temos certeza que caminhamos para um aperfeiçoamento dos métodos e a internacionalização dos acordos, como sempre foi feito neste tipo de relação sem maiores problemas.

Angela Bittencourt Brasil - Membro do Ministério Público do RJ - Especializada em Direito de Informática

Fonte: http://www.direitobancario.com.br/artigos/direitointernacional/01mar_211.htm

Acesso: 15/03/2002