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A imprensa e os crimes contra o consumidor
Antonio Ezequiel de Araújo Neto
Promotor de Justiça titular da 1ª Promotoria
de Defesa dos Direitos do Consumidor
Ministério Público do Distrito Federal
 
 

O Código de Defesa do Consumidor instituído pela Lei nº 8.078/90, para a implementação dos direitos e deveres que estabelece, criou um sistema de responsabilidade de natureza civil, administrativa e penal. Nos seus artigos 63 a 74 criminaliza doze condutas, catalogando-as como infrações penais contra o consumidor.

Praticamente todos os tipos penais acima indicados estão, direta ou indiretamente, relacionados com a informação do consumidor. Daí a importância dos meios de comunicação - rádio, jornal, televisão etc -, relativamente a esse assunto que desperta grande interesse nos dias atuais.

A informação adequada é um direito básico do consumidor. Segundo Luc Bihl, grande penalista francês, ''só um consumidor completamente informado pode contratar, em pleno conhecimento de causa, com os fornecedores e desempenhar o papel que deve ser seu, o de parceiro econômico''.

Segundo Antonio Herman V. Benjamin, um os autores do CDC, ''a garantia de informação plena do consumidor -, tanto no seu aspecto sanitário quanto no econômico - funciona em duas vias. Primeiro, o direito do consumidor busca assegurar que certas informações negativas (a ''má informação'', porque inexata - digo algo que não é - como na publicidade enganosa) não sejam utilizadas. Em segundo lugar, procura garantir que certas informações positivas (deixo de dizer algo que é, como, por exemplo, alertar sobre os riscos do produto ou serviço) sejam efetivamente passadas ao consumidor''.

A Constituição Federal, em vários dispositivos, fez engajar os meios de comunicação social nas políticas públicas de defesa dos direitos difusos e coletivos da sociedade (art. 5º, XIV; 221, I e IV, dentre outros).

É inegável, portanto, a responsabilidade dos órgãos de imprensa em geral com a informação clara, precisa, legítima e lícita a respeito desses direitos, dentre os quais ressalta o direito do consumidor.

Na atualidade, entretanto, temos verificado a ocorrência de crimes contra os consumidores, praticados através da imprensa e materializados através da publicidade e, até mesmo, em anúncios classificados. Como exemplos, veja-se a publicidade das facas ''gynsu'', veiculada aos consumidores por determinada emissora de televisão, na qual se vê alguém cortando pregos, pedaços de ferro etc. com as referidas facas. Ainda na referida emissora, veja-se a propaganda das meias ''vivarina'' do uso feminino, onde alguém demonstra que uma dessas meias suporta o reboque de um veículo por outro; nelas se esfrega com força um garfo e as fibras não se danificam, dentre outros absurdos.

Através de anúncios classificados em jornais, vários crimes contra o consumidor têm sido perpetrados, destacando-se a oferta de veículos novos aos consumidores, por empresas inidôneas comandadas por verdadeira súcia de estelionatários de outros estados que, após atraírem pessoas incautos via anúncios enganosos, dela recebem o sinal do pagamento e não entregam os veículos negociados, perdendo-se, inclusive, qualquer forma de contato ou comunicação com os responsáveis por essa conduta delituosa.

Mediante a veiculação de anúncios classificados, corretores e empresas imobiliárias sem escrúpulos oferecem à venda em Brasília, sistematicamente, lotes em condomínios irregulares e ilegais a preços convidativos, cujos contatos são feitos normalmente por telefones celulares. Essa conduta, igualmente, está criminalizada pela lei protetiva do consumidor.

Uma determinada grande empresa de supermercado, atuante em nível nacional, de há muito vinha se valendo da imprensa, principalmente da escrita, para veicular publicidade enganosa (crime previsto n art. 66 do CDC), ao afirmar que ''garante o menor preço ou a diferença à vista''. Na verdade, não garante menor preço algum, mas apenas o pagamento da diferença ao consumidor que encontrar a mesma mercadoria ou produto noutro estabelecimento com preço inferior ao seu. Evidentemente, que não se trata aí de ''garantir o menor preço'', pois, para isso, teria a empresa que monitorar os preços das mercadorias em todo o comércio, o que não ocorre. Além disso, os consumidores eram, por ela, ''usados'' para promover pesquisa de preços junto à concorrência, cujo comportamento é igualmente ilícito e aético. Aliás, a prova material desse crime está também representada até mesmo por escritura pública registrada em cartório pela empresa responsável.

Pequenas empresas que lidam com cursinhos preparatórios para concursos, freqüentemente têm praticado contra consumidores incautos o crime previsto no art. 66 do CDC, ao fazerem, nos respectivos anúncios, afirmações enganosas sobre a qualidade do material didático que utilizam e, até mesmo, da competência dos professores que ministram as aulas. Todas essas empresas foram submetidas a investigação preliminar pela Promotoria de Defesa do Consumidor, e seus responsáveis, uma vez caracterizada a infração penal de consumo, serão processados criminalmente.

A Lei nº 4.591/64 dispõe ser obrigatório, nos anúncios de venda de unidades imobiliárias feitos por empresas construtoras e incorporadoras, a inscrição do número de registro do memorial descritivo do empreendimento, no cartório de registro de imóveis. Essa omissão caracteriza, inclusive, o crime previsto no art. 66 do Código de Defesa do Consumidor, o qual é cometido diariamente através dos jornais.

É freqüente, nas páginas de classificados dos jornais, a oferta de ''pacotes turísticos'' por empresas e pessoas físicas, a preços convidativos. Nos respectivos anúncios, oferecem-se ao consumidor viagens em ônibus de luxo com videocassete, frigobar e outras comodidades; hospedagem em boas pousadas, residências alugadas e hotéis, quando, em verdade, estão os consumidores sendo atraídos para verdadeiras ''armadilhas'', pois nada do que foi ofertado existe na condições e qualidade anunciadas, cujo procedimento constitui crime contra o consumidor.

Estes alguns dos ilícitos penais mais freqüentes praticados contra os consumidores através da imprensa.

Vale salientar, por oportuno, que a responsabilidade criminal ''in casu'', atinge também o dono do jornal, da rádio ou da emissora de televisão, posto que o Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 75, dispõe que, quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes nele referidos, incide nas penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou oferta e prestação de serviços nas condições legalmente proibidas.

Tem-se, aí, o princípio da solidariedade na persecução da responsabilidade criminal dos infratores da lei de proteção ao consumidor.

Devem os órgãos da imprensa em geral buscar soluções internas para impedir, na medida do possível, a prática de crimes contra os consumidores, a eles assegurando boa informação e inibindo a ação criminosa dos delinqüentes organizados em empresas de fachada.
 

Retirado do site: www.solar.com.br/~amatra/outros.html