Agravo de Instrumento n. 2004.024644-7, de Guaramirim.
Relator: Des. Salim Schead dos Santos.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISIONAL. INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE
INADIMPLENTES. POSSIBILIDADE. DEVEDOR. POSSE DO BEM. MANUTENÇÃO.
MEDIDA EXCEPCIONAL. CABIMENTO.
1. A discussão judicial da dívida, por si só, não é suficiente
para vedar a inscrição do nome do devedor nos cadastros de órgãos
de proteção ao crédito.
É
“necessária e concomitante, a presença dos seguintes requisitos:
a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência
integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração
de que a contestação da cobrança indevida se funda na
aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo
Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a
contestação apenas de parte do débito, deposite o valor
referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução
idônea, ao prudente arbítrio do magistrado” (RESP/RS n.
702.710, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 10-02-2005).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 2004.024644-7,
da Comarca de Guaramirim, em que é agravante Banco Bradesco S/A e agravado
Izaac de Melo Girardi ME:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Comercial, por votação
unânime, conhecer e dar parcial provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I – RELATÓRIO:
Banco Bradesco S/A interpôs agravo de instrumento, através do
qual objetiva a reforma de decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito
da Comarca de Guaramirim (fls. 84-86), nos autos da ação de revisão
contratual n. 026.04.001421-0.
Relatou ter sido deferido, em parte, o pedido de antecipação
dos efeitos da tutela, determinando: a) a abstenção do réu
em inscrever o nome do devedor nos cadastros de inadimplentes; b) a exibição
de documentos relacionados na inicial; e c) a manutenção da posse
dos bens alienados fiduciariamente com o autor.
Requereu a concessão do efeito suspensivo, que lhe foi negada (fls.
92-93), e, ao final, o provimento do recurso (fls. 2-28).
Intimado, o agravado apresentou contra-razões às folhas 96 a
117.
É
o relatório.
II – VOTO:
1 – O recurso merece parcial provimento.
2 – Insurge-se o agravante contra o despacho de folhas 84 a 86 que, em
ação revisional, deferiu o pedido de antecipação
de tutela para determinar: a) a abstenção do réu em inscrever
o nome do devedor nos cadastros de inadimplentes; b) a exibição
de documentos relacionados na inicial; e c) a manutenção da posse
dos bens alienados fiduciariamente com o autor.
3 – Inscrição nos cadastros de inadimplentes
3.1 – A inscrição do nome do devedor nos cadastros de órgãos
de proteção ao crédito é matéria que tem suscitado
muita controvérsia. Durante algum tempo predominou o entendimento de que
a discussão judicial da dívida, por si só, justificava a
vedação da inscrição do nome do devedor naqueles órgãos.
3.2 – Esse entendimento não é mais acolhido pelo Superior
Tribunal de Justiça que tem a competência constitucional de uniformizar
a jurisprudência quando a matéria está afeta a legislação
infraconstitucional. Vejamos:
“
Para tanto, deve-se ter, necessária e concomitantemente, a presença
desses três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor
contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja
efetiva demonstração de que a contestação da cobrança
indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência
consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite
o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução
idônea, ao prudente arbítrio do magistrado. O Código de Defesa
do Consumidor veio amparar o hipossuficiente, em defesa dos seus direitos, não
servindo, contudo, de escudo para a perpetuação de dívidas.” (grifei)
(RESP/RS n. 527.618, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 24-11-2003, p. 214).
3.3 – Nesta Corte, já há precedentes neste sentido:
“Não vislumbrada a possibilidade de êxito da presente revisional,
haja vista estar fulcrada em tese que confronta jurisprudência consolidada
do Supremo Tribunal Federal e, ainda, não demonstrada, de forma efetiva,
que a contestação da cobrança indevida esteja fundada na
aparência do bom direito ou, no que diz respeito à medida de antecipação
de tutela, no pressuposto de verossimilhança das alegações,
deve ser permitida a inscrição do nome de suposto devedor em cadastros
de órgãos de restrição ao crédito”.
(Agravo de instrumento n. 2004.032830-2, rel. Des. Ricardo Fontes, DJ de 07.03.05,
p. 19).
No mesmo sentido, a decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento
n. 2004.001872-0, da Capital, da lavra do e. Desembargador Gastaldi Buzzi, j.
em 22.04.04.
3.4 – In casu, a decisão concessiva da antecipação
dos efeitos da tutela foi embasada tão-somente na existência de
discussão judicial da dívida, entendimento que não é mais
acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça.
3.5 – Em relação à existência de discussão
judicial dos valores devidos, importante ressaltar que está em andamento
ação de revisão n. 026.04.001421-0, através da qual
o agravado pretende discutir a cobrança de juros acima de 12% ao ano,
comissão de permanência, a existência de anatocismo e demais
valores que reputa indevidos, no contrato de financiamento.
No entanto, nos autos da ação principal, o agravado não
comprovou a existência de cláusula contratual que contrarie o entendimento
pacificado no Superior Tribunal de Justiça, tampouco a jurisprudência
predominante. De fato, em análise perfunctória da ação
revisional, não vislumbro qualquer prática abusiva, de acordo com
as regras do Código de Defesa do Consumidor.
3.6 – Destarte, a decisão impugnada merece ser reformada, haja vista
que os bancos têm legitimidade para inscrever o nome do devedor nos cadastros
de proteção ao crédito, quando ausentes os requisitos, conforme
entendimento majoritário da jurisprudência.
4 – Manutenção da posse do bem com o devedor
4.1 – Colhe-se dos autos que as partes firmaram em 03/11/2000, o Contrato
de Financiamento de Bens e Veículos n. 0478891-5, na qual o agravado
obrigou-se a pagar a importância de R$ 50.000,00, em 24 parcelas mensais
de R$ 2.752,29.
Em garantia da operação realizada, o agravado alienou fiduciariamente,
os bens a seguir identificados (fls. 33-34):
“
a) CAR/CAMINHÃO/C. FECHADA, ANO/MOD 1978, CHASSI 34501312369035, COR
VERDE, M. BENZ/ L 1519;
“
b) CAR/CAMINHÃO/C. ABERTA, ANO 1978, MOD. 1979CHASSI 34501312369035,
COR VERDE, M. BENZ/ L 1519;
“
c) TRATOR MARCA VALMET, MOD. 65, ANO FAB. 1980, COM GUINCHO DE 33T E PNEU GARRA
ALTA;
“
d) TRATOR MARCA VALMET, MOD. 1979, ANO FAB. 1965, COM GUINCHO DE 33T E PNEU
GARRA ALTA;
“
e) TRATOR MARCA VALMET, MOD. 1988, ANO FAB. 1985, COM GUINCHO DE 33T E PNEUS
ARROZEIRO;
“
f) TRATOR MARCA VALMET, ANO 1986, FAB. 1983, COM GUINCHO DE 33T E PNEUS ARROZEIRO;
“
g) TRATOR MARCA VALMET, MOD. 65, ANO FAB. 1980, COM GUINCHO DE 33T E PNEUS
ARROZEIRO.
4.2 – Em que pese a caracterização da mora por parte do
devedor, entendo que, em casos excepcionais, admite-se a permanência
dos bens em seu poder, por conta dos graves danos que a empresa terá se
estes saírem de sua esfera funcional, inclusive com a possibilidade
de paralisação das atividades e consequentemente a demissão
de funcionários.
Conforme salientou o MM. Juiz a quo “é reconhecida a viabilidade
desta medida, caracterizando-se a verossimilhança do alegado na declaração
de firma individual da autora pessoa jurídica (fl. 49), onde está consignado
que o objeto da sociedade é a ‘reparação e manutenção
de máquinas agrícolas e a prestação de serviços
de mão-de-obra em reflorestamento’”.
Nestes casos, a jurisprudência dominante tanto do Superior Tribunal de
Justiça quanto desta Corte, consolidou entendimento no sentido de admitir
a permanência dos bens na posse do devedor inadimplente, quando indispensável à sua
atividade econômica.
A propósito já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – BUSCA E APREENSÃO – BENS
ALIENADOS INDISPENSÁVEIS AO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA – DEVEDOR – DEPOSITÁRIO
JUDICIAL – POSSIBILIDADE.
“
I – As máquinas indispensáveis à atividade da empresa
devedora, apreendidas em ação de busca e apreensão, podem
permanecer na posse da ré, durante a tramitação do processo,
fato que não enseja violação ao artigo 3º do Decreto-lei
911/69. Precedentes do STJ” (REsp/SC n. 440700, rel. Min. Castro Filho,
j. em 22/05/2003).
E, desta Corte, colhe-se os seguintes arestos:
“
Agravo. Busca e apreensão. Instrumento particular de contrato de financiamento
(capital de giro). Alienação fiduciária. Decreto Lei n.
911/1969, art. 3º, caput. Discordância do credor quanto à permanência
do devedor como depositário dos bens. Essencialidade das máquinas à continuidade
das atividades da empresa. Manutenção dos bens na posse da devedora
até a efetiva venda extrajudicial. Circunstância peculiar suficiente
para permitir a excepcionalidade da medida. Código de Defesa do Consumidor,
art. 51, § 1º, inc. III. Recurso provido” Agravo de instrumento
n. 2002.020922-3, de Trombudo Central, rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j.
em 22/09/2003).
Também:
“
Consolidou-se a jurisprudência do STJ no sentido de admitir, excepcionalmente,
que o bem permaneça na posse do devedor até o julgamento da demanda,
para que não se paralise a atividade produtiva. Recurso especial não
conhecido. (REsp. n. 193.098, Min. Costa Leite).” (AI n. 2002.013919-5,
de Blumenau, Rel. Des. Cláudio Barreto Dutra. DJ de 09.04.03)” (Agravo
de Instrumento n. 2003.013608-8, de Pomerode, rel. Des. Ricardo Fontes, j.
em 06/11/2003).
4.3 – Dessa forma, considerando que os bens são, de fato, essenciais
ao regular desenvolvimento das atividades da empresa, determino seja mantido
nas mãos do representante legal do agravante até a decisão
final do processo, ficando o mesmo na qualidade de fiel depositário,
sujeito às sanções expressas em lei.
5 – Ante o exposto, meu voto é no sentido de conhecer e dar parcial
provimento ao recurso para possibilitar a inscrição do nome do
devedor.
III – DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, a Câmara, por unanimidade, decidiu conhecer
e dar parcial provimento ao recurso.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Excelentíssimo Doutor
Tulio Pinheiro, Juiz Substituto de Segundo Grau.
Florianópolis, 7 de abril de 2005.
Ricardo Fontes
PRESIDENTE COM VOTO
Salim Schead dos Santos
RELATOR
Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina