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A aposentadoria espontânea e o contrato de trabalho:
o julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal e seu reflexo
perante o Judiciário trabalhista
Alexandre Simões Lindoso*
1. Introdução
No dia 11/10/2006, o Supremo Tribunal Federal (STF), em
sua composição plenária, houve por bem julgar o mérito da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.721-3/DF, declarando a inconstitucionalidade do § 2º
do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), expresso ao proclamar
que "o ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que
não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou 30
(trinta), se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício".
Embora o mencionado dispositivo legal já estivesse com sua
eficácia suspensa desde 19/12/1997, em razão do provimento cautelar deferido
nos autos da referida ação direta, o posicionamento definitivo da Suprema Corte
sobre o tema era bastante aguardado por todos que atuam no âmbito do Judiciário
Trabalhista. E isso porque o Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de
várias sinalizações do STF na direção oposta, pacificou sua jurisprudência no
sentido de ser a aposentadoria espontânea do empregado causa de extinção
automática do contrato de trabalho e, por isso mesmo, suscetível de isentar o
empregador do pagamento da multa de 40% (quarenta por cento) incidente sobre os
depósitos do FGTS (CF, art. 7º, I, e ADCT, art. 10, I).
E, de fato, embora não com lastro no § 2º, mas no caput
do artigo 453 da CLT, a mais alta Corte trabalhista definira a questão em sua
jurisprudência, por intermédio da edição de sua Orientação Jurisprudencial nº
177/SbDI-I, expressa nos seguintes termos: "a aposentadoria espontânea
extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar
na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida
a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria".
No dia 25/10/2006, porém, o Tribunal Superior do Trabalho,
defrontando-se com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, reuniu-se
em sua composição plenária e deliberou pelo cancelamento da Orientação nº
177/SbDI-1. Naquela oportunidade, porém, conforme noticiado pelo TST em sua
página na rede mundial de computadores (internet) [01], o Excelentíssimo
Ministro Vantuil Abdala, na condição de Presidente da Comissão de
Jurisprudência do TST, ressaltou: "A proposta é de cancelamento puro e
simples, sem qualquer tomada de posição quanto ao mérito".
Nessa mesma perspectiva, foi acompanhado pelo Excelentíssimo
Ministro Rider Nogueira de Brito, Vice-Presidente do TST, que sinalizou,
tendo como marco o cancelamento da OJ, que "os processos em tramitação
relativos a trabalhadores que se aposentaram, mas continuaram a trabalhar – e
discutem na Justiça do Trabalho se a multa de 40% do FGTS deve incidir sobre
todo o período ou apenas sobre os depósitos posteriores à aposentadoria – serão
resolvidos caso a caso. ‘Não podemos nos antecipar’, destacou. ‘Uma vez
cancelada a OJ, cada ministro decidirá como achar por bem, até que a Corte
possa encontrar novamente um denominador comum a respeito do tema. A
jurisprudência deverá flutuar até que novamente encontre o seu caminho
definitivo, em que a maioria se expresse em determinado sentido, para que nós,
se for o caso, voltemos a aprovar algo a respeito deste tema’, assinalou.".
Tendo-se em conta a posição de cautela assumida pelo
Tribunal Superior do Trabalho, é preciso examinar, sob o prisma da decisão
emanada do Supremo Tribunal Federal, quais as alternativas e os caminhos
passíveis de serem trilhados nesse processo de "flutuação da
jurisprudência" deflagrado com o cancelamento da OJ nº 177.
2. O controle concentrado de
inconstitucionalidade. Finalidades e Efeitos.
A pletora de processos em curso nos tribunais constitui um
tema recorrente no meio jurídico nacional, que permanece à busca de soluções
para o estado de permanente congestionamento da máquina judiciária. Além de ser
um fator de inegável desgaste da imagem do Poder Judiciário perante a
sociedade, o assoberbamento dos tribunais revela-se um importante obstáculo a
ser superado no caminho da instituição de um processo célere e efetivo e que
atenda aos objetivos de pacificação social e afirmação da autoridade do
ordenamento jurídico estatal.
Esse cenário de sobrecarga, contudo, tem sido agravado
pela oscilação da jurisprudência dos tribunais, problema que vem sendo visto
com bastante preocupação no meio jurídico brasileiro, sobretudo porque, segundo
estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, contribui para
um decréscimo da ordem de 20% na taxa anual de crescimento do país, conforme
informações divulgadas pela Revista Exame [02].
No âmbito do Direito Constitucional, mais precisamente no
que concerne ao controle de constitucionalidade das leis, um dos fatores que
conduzem à oscilação jurisprudencial tem sua gênese no complexo sistema adotado
pela Constituição Federal de 1988, que, ao mesclar as modalidades difusa e
concentrada, a despeito de suas múltiplas virtudes, acabou por produzir um
campo propício ao choque de decisões.
Realmente, consoante observa Bruno Noura de Moraes Rêgo,
"os choques entre os dois sistemas ocorrem porque uma mesma questão
constitucional pode ser examinada tanto no difuso quanto no concentrado".
[03] Por essa razão, importantes vozes vêm preconizando a necessidade de
o sistema jurídico nacional caminhar rumo à prevalência do controle concentrado
frente ao difuso, sobretudo nos denominados processos de massa, que giram em
torno de direitos individuais homogêneos [04]. É o que se extrai de
manifestação da lavra do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, constante do
voto proferido na questão de ordem na Ação Declaratória de Constitucionalidade
nº 1, ao examinar o cenário de convivência entre as modalidades difusa e
concentrada de controle de constitucionalidade:
"Esta convivência não se faz sem uma permanente
tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será
inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa;
na multiplicidade de processos que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da
legislação, sobretudo da legislação tributária e matérias próximas, levará, se
não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente rápida e uniforme, ao
estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de sua
ampliação e, progressivamente ao maior descrédito da Justiça, pela sua total
incapacidade de responder à demanda de centena de milhares de processos
rigorosamente idênticos, porque reduzidos a uma só questão de direito.".
[05]
O cenário posto acima é precisamente o que se encontra
materializado no caso ora em exame, onde o Tribunal Superior do Trabalho, no
exercício do controle difuso, ao concluir pela constitucionalidade do
entendimento segundo o qual a aposentadoria é causa extintiva do liame
empregatício, firmou sua jurisprudência em absoluto contraste com a posição
sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado.
Realmente, o STF, ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.721-3/DF, declarando a inconstitucionalidade do
artigo 453, § 2º, da CLT, proferiu decisão em sentido diametralmente oposto
àquele preconizado pela Orientação Jurisprudencial nº 177 do TST. Para assim
concluir, basta notar que, enquanto a OJ dispõe no sentido de ser a
aposentadoria causa de extinção automática do contrato de trabalho, o STF, por
meio do voto lavrado pelo Excelentíssimo Ministro Carlos Ayres Britto
[06], consigna justamente o contrário. Nesse sentido, in verbis:
"Sucede que o novidadeiro § 2º do art. 453 da
CLT, objeto da presente ADI, instituiu uma outra modalidade de extinção do
vínculo de emprego. E o fez inteiramente à margem do cometimento de falta grave
pelo empregado e até mesmo da vontade do empregador. Pois o fato é que o ato em
si da concessão da aposentadoria voluntária a empregado passou a implicar automática
extinção da relação laboral (empregado, é certo, ‘que não tiver
completado trinta e cinco anos, se homem, ou trinta, se mulher (...)’
(inciso I do § 7º do art. 201 da CF).
Ora bem, a Constituição versa a aposentadoria como um
benefício. Não como um malefício. E se tal aposentadoria se dá por efeito do
exercício regular de um direito (aqui se cuida de aposentadoria voluntária), é
claro que esse regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular
numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles
que resultariam do cometimento de uma falta grave. Explico. Se um empregado comete
falta grave, assujeita-se, lógico, a perder seu emprego. Mas essa causa legal
de ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente. É preciso que o
empregador, no uso de sua autonomia de vontade, faça incidir o comando da lei.
Pois o certo é que não se pode recusar a ele, empregador, a faculdade de
perdoar seu empregado faltoso.
Não é isto, porém, o que se contém no dispositivo
legal agora adversado. Ele determina o fim, o instantâneo desfazimento da
relação laboral, pelo exclusivo fato da opção do empregado por um tipo de
aposentadoria (a voluntária) que lhe é juridicamente franqueada.
Desconsiderando, com isso, a própria e eventual vontade do empregador de
permanecer com seu empregado. E também desatento para o fato de que o direito à
aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago
de uma relação jurídica entre o ‘segurado’ do Sistema Geral de
Previdência e o Instituto Nacional de Seguridade Social. Às expensas, portanto,
de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto. Não às
custas desse ou daquele empregador. O que já significa dizer que o
financiamento ou a cobertura financeira do benefício da aposentadoria passa a
se desenvolver do lado de fora da própria relação empregatícia, pois apanha o obreiro
na já singular condição de titular de um direito à aposentadoria, e não
propriamente de assalariado de quem quer que seja.
[...]
Não enxergo, portanto, fundamentação jurídica para
deduzir que a concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador deva
extinguir, instantânea e automaticamente, a relação empregatícia.".
De outra banda, enquanto a Orientação Jurisprudencial nº
177 dispõe no sentido de ser indevida a multa de 40% (quarenta por cento)
incidente sobre os depósitos do FGTS, o Supremo Tribunal Federal proclama o
inverso, in verbis:
"Nada impede, óbvio, que, uma vez
concedida a aposentadoria voluntária, possa o trabalhador ser demitido.
Mas acontece que, em tal circunstância, deverá o patrão arcar com todos os
efeitos legais e patrimoniais que são próprios da extinção de um contrato de
trabalho sem justa motivação. Obrigação patronal, essa, que se faz presente até
mesmo na hipótese em que a aposentadoria do empregado é requerida pelo seu
empregador.".
Irrelevante, outrossim, é a circunstância de o TST haver
firmado sua jurisprudência mediante a interpretação do caput do artigo
453 da CLT e a ação direta de inconstitucionalidade ter por objeto o § 2º do
dispositivo consolidado. E isso porque, ao proclamar, em sede de controle
concentrado, a impossibilidade de se tomar a aposentadoria espontânea como
causa de extinção automática do contrato de trabalho, o Supremo Tribunal
Federal profere decisão com efeito vinculante [07] e que irradia
reflexos não só a partir do comando constante da parte dispositiva do julgado,
mas também dos fundamentos determinantes (ratio decidendi) ali adotados.
E isso porque, no exercício do controle concentrado de
constitucionalidade das leis, o Supremo Tribunal Federal não soluciona lide e
nem aprecia situações envolvendo a tutela de direito subjetivos. Em realidade,
o processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis e atos
normativos é de índole eminentemente objetiva [08] e, nesse
diapasão, a decisão dele decorrente tem também por finalidade traçar pautas
gerais, abstratas e vinculativas das instâncias judiciárias inferiores,
prestigiando, assim e a um só tempo, a segurança jurídica, em razão do alto
grau de previsibilidade que confere aos julgamentos futuros, e o valor justiça,
em decorrência da aplicação isonômica e uniforme da jurisprudência aos casos
idênticos. [09] Sobre o tema, revela-se pertinente o magistério de Gilmar
Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins:
"Problema de inegável relevo diz respeito aos
limites objetivos do efeito vinculante, isto é, à parte da decisão que
tem efeito vinculante para os órgãos constitucionais, tribunais e autoridades
administrativas. Em suma, indaga-se tal como em relação à coisa julgada e à
força de lei, se o efeito vinculante está adstrito à parte dispositiva da
decisão ou se ele se estende também aos chamados fundamentos determinantes,
ou, ainda, se o efeito vinculante abrange também as considerações marginais, as
coisas ditas de passagem, isto é, os chamados obter dicta.
Enquanto em relação à coisa julgada e à força de lei
domina a idéia de que elas hão de se limitar à parte dispositiva da decisão,
sustenta o Tribunal Constitucional alemão que o efeito vinculante se
estende, igualmente, aos fundamentos determinantes da decisão.
Segundo esse entendimento, a eficácia da decisão do
Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da
parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da
Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades os casos
futuros.". [10]
E a doutrina acima, lastreada no posicionamento da Corte
Constitucional alemã, constitui hoje jurisprudência assente no Supremo Tribunal
Federal, corroborada por inúmeros precedentes daquela Corte [11],
dentre os quais, pelo seu pioneirismo e didatismo, se destaca o seguinte
[12]:
"E M E N T A: RECLAMAÇÃO. 2. Seqüestro de
recursos do Município de Capitão Poço. Débitos trabalhistas. 3. Afronta à
autoridade da decisão proferida na ADI 1662. 4. Admissão de seqüestro de verbas
públicas somente na hipótese de quebra da ordem cronológica. Não equiparação às
situações de não-inclusão da despesa no Orçamento. 5. Efeito vinculante das
decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade. 6. Eficácia que
transcende o caso singular. 7. Alcance do efeito vinculante que não se limita à
parte dispositiva da decisão. 8. Aplicação das razões determinantes da decisão
proferida na ADI 1662. 9. Reclamação que se julga procedente.".
3. O efeito vinculante e o
"processo de flutuação da jurisprudência" deflagrado pelo TST
Frente ao cenário descrito no tópico anterior, verifica-se
que o "processo de flutuação da jurisprudência" deflagrado pelo
Tribunal Superior do Trabalho a partir do cancelamento da OJ nº 177 não poderá
seguir outro caminho, que não aquele traçado pela pauta vinculativa emanada da
decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 1.721.
Independente de a norma em debate nas reclamações
trabalhistas ser o caput ou § 2º do artigo 453 da CLT, o Tribunal
Superior do Trabalho deverá necessariamente conformar seus julgamentos futuros
à diretriz externada pelo Supremo Tribunal, qual seja: que a aposentadoria
voluntária do empregado, além de não constituir causa de extinção do contrato
de trabalho, não isenta o empregador, caso opte pela dispensa sem justa causa
do empregado, de arcar com os ônus patrimoniais daí decorrentes.
Realmente, tendo-se em conta o fato de a decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal vincular as instâncias inferiores também no
tocante aos elementos determinantes de sua fundamentação e em caráter
retroativo (ex tunc), inexiste qualquer espaço para um novo processo de
"flutuação jurisprudencial". O julgamento emanado do STF constitui o
ápice e o fechamento desse processo de formação da jurisprudência, que, a
partir de agora, deverá harmonizar-se com o decidido pela Corte Suprema em
todas as instâncias do Poder Judiciário. A inobservância da diretriz acima
abrirá ensejo ao manejo da reclamação (CF, art. 102, inciso I, alínea l),
porquanto restará materializada a existência de afronta à autoridade de decisão
do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, anote-se o magistério de Celso
de Albuquerque Silva:
"A vinculação dos demais órgãos constitucionais
também aos fundamentos justificantes do caso precedente tem importante
repercussão nas hipóteses de leis e/ou atos normativos de conteúdo semelhante
àquele apreciado pela Corte vinculante.
É que, como visto anteriormente, superada a visão
clássica dos limites objetivos da coisa julgada, a vinculação aos fundamentos
justificantes do precedente implica ou na obrigação dos demais órgãos
constitucionais de se omitirem em adotar qualquer conduta específica que faça
parte daquela categoria de condutas consideradas ilegítimas pela decisão
vinculante ou na obrigação de praticarem a conduta considerada legítima e,
portanto, exigível.
Destarte, inaplicada qualquer norma de conteúdo
semelhante a outra já considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal
evidencia-se cristalina violação ao que foi decidido de forma vinculante.
Igualmente, aplicada que seja qualquer norma de conteúdo semelhante à outra já
declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal essa aplicação importa
afronta à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, legitimando o
manejo da reclamação, ocasião, inclusive, em que se pode declarar
incidentalmente a inconstitucionalidade da lei de conteúdo semelhante. Na
reclamação 595-0/SE o STF acolheu essa orientação.". [13]
3. Conclusão
Frente à decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal,
que expressamente descaracteriza a aposentadoria espontânea como causa
automática de extinção do contrato de trabalho, os demais segmentos do Poder
Judiciário e, em especial, o Tribunal Superior do Trabalho, deverão conformar
sua jurisprudência ao posicionamento vinculante lançado pela Suprema Corte nos
autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.721.
Não é a primeira vez que a jurisprudência dos tribunais
trabalhista, não obstante pacificada, sofre alteração em decorrência de
posterior julgamento emanado do Supremo Tribunal Federal. Célebre exemplo é o
caso dos expurgos inflacionários decorrentes dos denominados planos econômicos.
Realmente, conquanto houvesse consenso no âmbito da
Justiça do Trabalho acerca da existência de direito adquirido aos índices de
correção salarial originados dos Planos Bresser e Verão, o STF acabou por
decidir em sentido contrário, promovendo uma verdadeira reviravolta
jurisprudencial. Evidência disso são os termos do seguinte voto do eminente Ministro
Milton de Moura França, que, após discorrer acerca da alteração de rumos
promovida pelo Supremo Tribunal Federal na jurisprudência trabalhista,
consignou, com enorme grandeza e desprendimento:
"O excelso Supremo Tribunal Federal, guardião e
intérprete máximo da Carta Constitucional, decidiu, em sua composição plena,
julgando a ADIN nº 694-DF, proposta pelo procurador-geral da República contra a
Resolução Administrativa nº 32, de 9/10/91, do egrégio Superior Tribunal
Militar, que autorizara o pagamento da URP de fevereiro de 1989 (26,05%), no
período de fevereiro a outubro de 1989, ementa do acórdão publicado no Diário
da Justiça de 11/3/94, que não é devido o referido reajuste, proclamando, via
de conseqüência, a constitucionalidade da Lei nº 7.730, de 31/1/89. Afastou a
Suprema Corte, com sua decisão, o argumento, até então vigente nos tribunais,
de que a referida norma legal teria infringido os princípios constitucionais do
direito adquirido e da irredutibilidade dos vencimentos, contidos no art. 5º,
XXXVI, e no art. 37, XV, da Constituição Federal, respectivamente.
[...]
Embora tenha entendimento pessoal contrário, rendo-me
à jurisprudência dominante da nossa mais alta Corte de Justiça, por sabedor da
imprescindível conveniência de se observar, tanto quanto possível, a
jurisprudência reiterada e pacífica, verdadeira fonte de direito, para que, por
meio dela, os jurisdicionados possam pautar seu procedimento. Realmente, uma
vez conhecida a orientação definitiva de nosso órgão judiciário superior, não
me parece razoável persistir na posição divergente, criando nos empregados a
expectativa de um direito que já se sabe de antemão inexistir, sem se falar no
evidente gravame processual que se impõe às empresas, que possam estar em
dificuldades financeiras (tal a dimensão pecuniária da condenação), para levar
seu inconformismo a reexame pelo Juízo ad quem. Ressalto que essa tomada de
posição foi igualmente adotada pelo eminente Ministro Carlos Velloso, em
recente decisão proferida pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ocasião em
que S. Exa., após transcrever em seu voto a orientação do Pleno, consignou
expressamente: "Não me convenci do desacerto do meu entendimento. Todavia,
não posso, na Turma, afrontar o decidido pelo Plenário. Por isso, com ressalva
do meu entendimento a respeito do tema - entendimento que reiterarei toda vez
que a questão voltar ao debate no Plenário – conheço do recurso e dou-lhe
provimento". (RE nº 166.860-1 - origem: Distrito Federal - Recorrente:
União Federal - Recorridos: Ana Mello Neta e Outros - Decisão unânime - julgado
em 12/4/94 - sem grifo no original).
Relembre-se, finalmente, que ao juiz não é dado o direito
de impor suas convicções em prejuízo dos interesses alheios, mas, sim, zelar
pela segurança das relações jurídicas, pugnando para que sejam eliminadas ou
reduzidas a intranqüilidade e a instabilidade resultantes da versatilidade de
decisões sobre casos idênticos. Para tanto, é imprescindível que adote atitude
de grandeza intelectual, acatando, com ressalva de entendimento pessoal
contrário, os precedentes dos tribunais superiores, mormente os do Supremo
Tribunal Federal, último grau de jurisdição e derradeiro intérprete de toda a
matéria constitucional, sempre que iterativos. Assim procedendo, certamente estará
impedindo ou dificultando a conversão de seu intelecto em mero intelectualismo,
carente de sentido e objetivo maiores, para ajustá-lo ao pragmatismo jurídico
fundado na hierarquia e na disciplina judiciária, providência que, sem dúvida,
contribuirá para que os cidadãos confiem e prestigiem o Judiciário, reduto
último de defesa de seus direitos, ameaçados ou violados. E, mais do que isso,
desestimulará a eclosão de novos conflitos e de novas ações, sem se falar
também no caráter inibidor que exercerá nos litigantes que pretendam eternizar
as demandas com uso de recursos protelatórios, pela definição precisa e
iterativa do direito proclamado. Os jurisdicionados têm o direito à
tranqüilidade e à segurança jurídica para a prática de seus atos e negócios em sociedade.".
[14]
O fenômeno agora se repete com o julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 1.721 e subseqüente cancelamento da Orientação
Jurisprudencial nº 177 do TST. Em prol da segurança jurídica e do próprio valor
justiça, contudo, a sociedade espera que o Judiciário Trabalhista, com a mesma
grandeza de outrora, conforme sua jurisprudência, evitando a desnecessária
interposição de recursos extraordinários ou de reclamações constitucionais para
o Supremo Tribunal Federal.
Com isso, ganha o jurisdicionado, com a certeza do direito
a ser aplicado na solução dos conflitos intersubjetivos de interesses, ganha a
Justiça, com o parcial desafogamento do Poder Judiciário, em decorrência da
solução uniforme de milhares de processos idênticos e, mais que tudo, ganha o
Brasil.
Notas
01Disponível:<http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=7055&p_cod_area_noticia=ASCS>,
Acesso em 25/10/2006, 22:17h.
02 Quem perde com o vai-e-vem da Justiça.
Revista Exame, edição de outubro de 2006.
03 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Ação
Rescisória e a Retroatividade das Decisões de Controle de Constitucionalidade
das Leis no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p.
340.
04 A explicação para essa tomada de posição
encontra sua essência na seguinte explanação de Mauro Capelletti: "No
método de controle ‘difuso’ de constitucionalidade – no denominado método
‘americano’, em suma – todos os órgãos judiciários, inferiores ou superiores,
federais ou estaduais, têm, como foi dito, o poder e o dever de não aplicar as
leis inconstitucionais aos casos concretos submetidos a seu julgamento.
Experimentemos então imaginar, como hipótese de trabalho – uma hipótese que, de
resto, foi tornada realidade, como já se referiu, em alguns Países, ou seja, na
Noruega, Dinamarca, Suécia, Suíça e foi posta em prática, por poucos anos,
também na Alemanha e na Itália – a introdução deste método ‘difuso’ de controle
nos sistemas jurídicos da Europa continental e, mais em geral, nos sistemas
denominados de civil law, ou seja, de derivação romanística, em que não
existe o princípio, típico dos sistemas de common law, do ‘stare
decisis’. Pois bem, a introdução, nos sistemas de civil law do método
‘americano’ de controle, levaria à conseqüência de que uma mesma lei ou
disposição de lei poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional,
por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada
em contraste com a Constituição por outros." (CAPELLETTI, Mauro. O
Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. 2ª
ed., Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 77).
05 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação
Declaratória de Constitucionalidade nº 1 (Questão de Ordem). Relator: Ministro
Moreira Alves, Diário de Justiça da União de 16/9/95.
06 Disponível: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=211647&tip=UN¶m>=.
Acesso em 27/10/2006, 18:20h.
07 Assim dispõe o § 2º do artigo 102 da
Constituição: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal.".
08 Conforme Luís Roberto Barroso: "[...] O
controle de constitucionalidade por ação direta ou por via principal, conquanto
também seja jurisdicional, é um exercício atípico de jurisdição, porque nele
não há um litígio ou situação concreta a ser solucionada mediante a aplicação
da lei pelo órgão julgador. Seu objeto é um pronunciamento acerca da própria
lei. Diz que o controle é em tese ou abstrato porque não há um caso concreto
subjacente à manifestação judicial. A ação direta destina-se à proteção do
próprio ordenamento, evitando a presença de um elemento não harmônico,
incompatível com a Constituição. Trata-se de um processo objetivo, sem partes,
que não se presta à tutela de direito subjetivos, de situações jurídicas
individuais." (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade
no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 113-114).
09 SILVA, Celso de Albuquerque. Do Efeito
Vinculante: Sua Legitimação e Aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,
p. 200-202.
10 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES,
Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade: Comentários à
Lei n. 9.868, de 10-11-99. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 339.
11 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação
nº 4.416/PA Medida Cautelar. Relator: Ministro Celso de Mello, Diário de
Justiça da União de 29/9/2006; BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº
4.387/PI Medida Cautelar. Relator: Ministro Celso de Mello, Diário de Justiça
da União de 2/10/2006; BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.220/SP
Medida Cautelar. Relator: Ministro Carlos Britto, Diário de Justiça da União de
11/5/2006; BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 3.453/MG. Relator:
Ministro Joaquim Barbosa, Diário de Justiça da União de 23/2/2006, entre
outros.
12 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação
nº 2.363-0/PA. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Diário de Justiça da União de
1/4/2005.
13 SILVA, Celso de Albuquerque. Do Efeito
Vinculante: Sua Legitimação e Aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,
p. 227-228.
14 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho.
Recurso de Revista nº 700.929/2000, Relator: Ministro Milton de Moura
França. Diário de Justiça da União de 13/02/2004.
*advogado em
Brasília, sócio do escritório Alino & Roberto e Advogados, especialista em
Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie
LINDOSO, Alexandre Simões. A aposentadoria espontânea e o contrato de trabalho: o julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal e seu reflexo perante o Judiciário trabalhista. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1231, 14 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9155>. Acesso em: 24 nov. 2006.