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A competência da justiça do trabalho nas relações de consumo

 

 

Analisa a competência da justiça do trabalho após a EC 45/2004. Faz um paralelo entre as relações de consumo e as relações de trabalho para que se determine o que deve ser julgado por tal justiça especializada.

 

 

Ilda Valentim*

 

*Advogado. Professora Universitaria. Especialista em Direito Publico e Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Mestre em Ciencias Juridicas

 

Renata Ramos Toigo*

 

*Estudante de Direito

 

 

1 Introdução

 

Antes da Emenda Constitucional 45/2004 a justiça do trabalho tinha uma competência limitada, ou seja, julgava apenas os conflitos decorrentes do trabalho humano subordinado.

 

As demais resoluções - como as oriundas do trabalho informal - ficavam a cargo da justiça comum, que diferentemente da justiça especializada, é morosa, formalista e onerosa, tornando-se desestimuladora do ingresso dos envolvidos em algum litígio.

 

Então, a EC n. 45 ampliou a competência da justiça do trabalho, abarcando todos os litígios decorrentes da relação de trabalho, tais como os decorrentes dos sindicatos, os decorrentes de acidentes de trabalho, dentre outros que estavam sob a égide da justiça comum.

 

Oportuno salientar que existem posicionamentos de que tal emenda conferiu a competência para processar e julgar delitos penais oriundos das relações de trabalho, art. 114 inciso IV da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.

 

Contudo, não é essa a discussão do presente trabalho e sim verificar se a ampliação de competência, prevista no art. 114, versa sobre as relações de consumo. E para tanto, parte-se da doutrina pátria, analisando suas sustentações, bem como as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal para dirimir tal duvida.

 

 

2 RELAÇÃO DE CONSUMO X RELAÇÃO DE TRABALHO

 

Para LIEBMANN a competência “é a medida da jurisdição”. Para tanto, saber quais conflitos serão dirimidos pela justiça do trabalho é verificar sua jurisdição.

 

Alguns autores defendem que havendo trabalho humano, mesmo sendo uma relação de consumo e não de emprego, a competência foi designada para a Justiça do trabalho.

 

No entanto, relação de consumo é um termo utilizado e tratado pelo Direito do Consumidor, como defende a jurista GRINOVER (p. 28):

 

As relações de consumo são relações jurídicas por excelência. Toda relação de consumo:

 

a) envolve duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço - consumidor e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço;

b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor.

c) o consumidor, por si só, não dispondo de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços."

 

Pode-se perceber que se trata de uma relação contratual (paciente e dentista, por exemplo) sem caráter trabalhista. Sendo assim, não pode ser levado a justiça especializada para dirimir tal conflito, vez que, a competência da justiça comum estaria prejudicada e também da especializada, pois se tornaria morosa ante o excesso de trabalho.

 

Acrescenta-se a isso que a Justiça do Trabalho surgiu para colocar as partes em igualdade, o hipossuficiente (EMPREGADO) que, na teoria é a parte mais fraca em condições de discutir direitos com o Empregador.

 

Sendo assim, como um consumidor vai buscar direitos na justiça do Trabalho? Utilizaria o juiz o Código de Defesa do Consumidor? Perderia a tradição da Justiça do Trabalho.

 

Quanto à relação de trabalho, a doutrina trata como um gênero do qual relação de emprego é a espécie, assim como o trabalho eventual, o trabalho autônomo, a prestação de serviços e de outras formas variadas de labor.

 

Nesse sentido é o entendimento de SÜSSEKIND (p. 45)

 

Relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é uma das espécies, pois abrange também outros contratos, como os de prestação de serviços por trabalhadores autônomos, empreiteiras de lavor, mandato para empreender determinada atividade  em nome do mandante, representação comercial atribuída a pessoa física, contratos de agenciamento e corretagem.

 

Assim, a competência da justiça especializada, compreendendo as relações de trabalho, já foi suficientemente alterada\ampliada, não necessitando ir tão alem, e abarcar também as relações de consumo.

 

Portanto, verifica-se a previsão legal sobre o tema:

 

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

 

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

 

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

 

Para FELICIANO (p. 34), a competência da justiça do trabalho “se estabelece sempre que há prestação de trabalho de fundo consensual, aspecto tendencionalmente pessoal e de caráter continuado ou coordenado”.

 

Diferente é o entendimento de DELGADO (p. 58) “relação de trabalho refere-se a todas as relações jurídicas características por terem sua prestação essencialmente centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano”. Percebe-se que para tal doutrinador a justiça do trabalho seria a competente para resolver todos os conflitos.

 

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, trazido LIMA (p. 34) é de que “a expressão relação de trabalho inscrito no inciso I do art. 114 da CF tem alcance bem mais restrito, significando apenas relação de emprego”.

 

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ante o aqui estudado, percebe-se que o objetivo da Emenda Constitucional 45, de 31 de dezembro de 2004 foi dar celeridade a todos os litígios que envolvem relação de trabalho humano e para isso trouxe para o âmbito da tutela trabalhista os conflitos decorrentes de tal relação que estavam sob a égide da justiça comum.

 

Quando se trata dos conflitos oriundos das relações de consumo a questão se torna problemática.

 

 

Para finalizar o presente trabalho, defende-se a competência da justiça comum nas definidas relações de consumo e prestações de serviços contidas no Código de Defesa do Consumidor, entendimento esse da doutrina majoritária, seguida por Sergio Pinto Martins.

 

 

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DELGADO,  Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo, LTr, 2002.

 

GRINOVER, Ada Pelegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994

 

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tópicos Avançados de Direito Material do Tralbaho: Abordagens Multidisciplinares – Vol. 2. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2006.

 

 

LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença. Rio de Janeiro, Forense, 1984.

 

LIMA, Salvador Franco de. A competência da Justiça do Trabalho: o significado da expressão  “relação de trabalho” no artigo 114 da Constituição e as Relações de Consumo. São Paulo: LTR, vol. 69, maio de 2005.

 

SÜSSEKIND, Arnaldo. As Relações Individuais e Coletivas de Trabalho na Reforma do Poder Judiciário In: Justiça do Trabalho: Competência Ampliada. Grijalbo Fernandes Coutinho, Marcos Neves Fava (coord.). São Paulo: LTr, 2005

 

 

 

VALENTIM, Ilda; TOIGO, Renata Ramos. A competência da justiça do trabalho nas relações de consumo. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/30/05/3005/. Acesso em 17 de novembro de 2006.