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A justiça do trabalho e o estagiário
de direito
Flávio
Quinaud Pedron*
O tema em questão pode a
primeira vista, tratar-se de assunto pacífico em nosso Direito. Entretanto,
ainda pode-se observar o contrário. Muitos operadores do Direito,
principalmente operadores do Direito do Trabalho, não estão a par com a real
situação jurídica a que o Direito pátrio disciplina a figura do estagiário de
Direito. É este, então, o propósito do presente trabalho, lançar apenas
questionamentos sobre quais são os direitos e deveres do acadêmico inscrito na
Ordem dos Advogados, levando em consideração a Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) e
os ditames do Processo Trabalhista.
Inicialmente,
é conveniente esclarecermos o que vem a ser a figura do estagiário. Estágio
é a atividade de aprendizado que proporciona ao estudante vivenciar situações
reais de trabalho e de convivência com o meio e junto a um profissional de mesma
área, que será responsável por seus atos. Visa, portanto, apresentar situações
reais para eu o estudante complemente seus aprendizado. Podemos, com
isso, deduzir que é requisito para ser estagiário o fato do estudante
encontrar-se freqüentando algum curso vinculado ao ensino público ou
particular.
Segundo
o mestre Maurício Godinho Delgado:
"Os requisitos materiais do estágio
visam assegurar (...) a realização, pelo estudante, de atividades de efetiva
aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas pela participação
do estagiário em situações reais de vida e trabalho de seu meio"(1).
Contudo,
no caso do acadêmico de Direito, há mais um requisito a ser observado, que é a inscrição
nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na categoria relativa aos
estagiários. Esta inscrição se fará na conformidade do artigo 9º do Estatuto da
OAB (Lei 8.906/94).
A
idéia principal do estágio
"é permitir que o estudante conheça a
dinâmica do Direito, percebendo como que, na prática, desenvolvem-se as
atividades jurídicas cotidianas (...). Portanto, sua atuação e´, ainda, de
aprendiz (...). Possui conhecimentos específicos que o qualificam a compreender
a mecânica dos trabalhos onde se inserirá, mas carece justamente do contato com
esses trabalhos para dinamizar os conhecimentos estáticos que possui. Ou seja,
por um lado, não está habilitado para uma caminhada solitária, enquanto, por
outro, não constitui trabalhador sem formação"(2).
Sobre
esta "caminhada solitária" nos cumpre esclarecer que se trata do
dispositivo do Estatuto da OAB que expressamente proíbe o estagiário que atuar
sozinho, isto é, desacompanhado por um profissional legalmente habilitado. Este
último, nada mais é que um advogado regularmente inscrito na OAB, que por ato
de vontade acolhe o estagiário como responsável por seus atos e incumbe-se de
passar ao mesmo, parte da experiência prática da rotina de um profissional.
Esta
é a expressa e evidente regra contida na Lei 89.06/94:
Art. 3 - O exercício da atividade de
advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos
dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.
§ 2º - O estagiário de advocacia,
regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no artigo primeiro, na
forma do Regulamento Geral, em conjunto com advogado e sob
responsabilidade deste (grifos nossos).
Logo,
é evidente a necessidade da presença de um advogado para auxiliar a prática dos
atos do estagiário acadêmico. Entretanto, há exceções, que lembramos estarem taxativamente
expressas.
"Recorrendo ao Regulamento Geral, pode o
estagiário inscrito na OAB praticar, isoladamente os atos listados em seu art.
29, § 1º, quais sejam: (I) retirar e devolver autos em cartório, assinando a
respectiva carga; (II) obter certidões de peças ou autos de processos em
curso ou findos; (III) assinar petições de juntada de documentos a
processos judiciais ou administrativos. (...).
Afora tais possibilidades, os atos praticados
pelo advogado seguem a regra do art. 4º do EOAB, vale dizer, são nulos.
É o que afirma, inclusive, a jurisprudência brasileira"(3)
(grifos nossos).
Podemos
observar que a o Estatuto da OAB é, antes de tudo, a Lei 8.906/94. Isto
significa que se trata de uma Lei Federal, e como toda lei federal, tem
aplicabilidade em todo o território nacional. Por isso, suas normas têm
eficácia e devem ser respeitadas em qualquer órgão do Poder Judiciário, uma vez
que a Carta Magna reconhece a indispensabilidade da advocacia e elege o
mistério privado do advogado como uma função social.
Posto
tudo isso, entramos, então, no tema que nos propusemos a debater. Conforme
argumentos anteriormente apresentados, a Lei 8.906/94 é uma lei federal, e por
isso, de vigência em todo o nosso território. Sendo que esta mesma lei
determina a impossibilidade do estagiário de Direito praticar os atos
privativos de advogado desacompanhado.
A
Doutrina e a Jurisprudência caminham juntas quando observadas a tese acima em
se tratando da chamada "Justiça Comum", conforme decisão abaixo
transcrita:
Tribunal
de Justiça de São Paulo - TJSP
INTIMAÇÃO
- Publicação em nome de estagiário de direito - Inadmissibilidade - Faculdade
para prática de atos somente se acompanhado por advogado e sob sua
responsabilidade - Impossibilidade do Exercício de ato equivalente ao do
profissional habilitado.
O
Novo Estatuto faculta ao estagiário exercer todos os atos, desde que acompanhado
necessariamente por advogado, e sob a responsabilidade deste. Não é mais
possível que o estagiário exerça os atos isoladamente, por mais
simples que sejam, sem autorização expressa do advogado. Recurso provido.
(TJSP
- AI nº 244.306-1 - SP - 1ª Câm. - Rel. Des. Álvaro Lazzarini - J. 18.04.95 -
v.u.).
Mas
o assunto ainda causa estranheza e posições divergentes quando apresentado na
Justiça do Trabalho.
A
Justiça do Trabalho é uma Justiça Federal especializada, criada com a
finalidade principal de dirimir conflitos que versem sobre a relação de
emprego. Tendo então a prestação jurisdicional origem no Poder Judiciário
Federal, há de se convir que uma anomalia a hipótese de não incidência de uma
lei federal (Lei 8.906/94).
Mas
os defensores da tese contrária se embasam no argumento de que esta Justiça, a
Justiça do Trabalho, possui a particularidade de dar a própria parte o ius
postulandi, ou seja, o direito postulatório, que é, em regra, privativo de
advogado, é entregue as partes do processo trabalhista (reclamante e
reclamado). As partes praticam, então, os atos privativos de advogado (art. 791
da CLT).
Com
base neste fato, argumentam os defensores da possibilidade de atuação do
estagiário em atos privativos de advogado, mas sem a assistência do mesmo, como
válida, que podendo as partes postular pessoalmente perante a Justiça do
Trabalho, não haveria impedimento do estagiário acadêmico fazer o mesmo em nome
das partes. Seria o princípio do "quem pode o mais", que no caso é
atuar sozinho em um processo, "pode o menos", que é atuar através de
uma pessoa que apresente mais conhecimentos técnicos que a parte.
Entretanto,
a simples leitura da Lei 8.906/94 bastaria para estancar qualquer dúvida. O
estagiário não pode substituir a parte nas ações do processo, e com isso
assumir a autoria dos atos processuais. O máximo que lhe seria aceitável
é atuar como consultor da parte, orientando-na a uma decisão mais benéfica. Mas
fazer às vezes de parte, utilizando em seu nome a capacidade
postulatória que é da parte (ou de um advogado) e apresentar, por
exemplo, uma contestação em audiência assinada de próprio punho; ou interpor um
recurso ordinário também assinado somente por um acadêmico; ou mesmo fazer uma
sustentação oral perante o Tribunal, mancharia o ato com a marca da nulidade
processual. Nulidade esta, que esclarecemos tratar-se de uma nulidade
absoluta.
Reforçando
tal entendimento podemos notar o entendimento dos próprios Tribunais
Trabalhistas:
REPRESENTAÇÃO
- Recurso - Agravo regimental subscrito tão-somente por estagiário -
Irregularidade de representação.
Os
estagiários de direito, por força da Lei nº 8.906/94 (EOAB), apenas estão
autorizados a praticarem atos privativos do advogado, como a assinatura de
recurso, desde que atuem em conjunto com o profissional habilitado e sob a
responsabilidade deste. Agravo Regimental não conhecido, por irregularidade
de representação.
(TST
- AR-E-RR nº 283.901 - Ac. SBDI1 195/97 - Rel. Min. Wagner Pimenta - DJU
21.02.97) (grifos nossos).
ESTAGIÁRIO
- REPRESENTAÇÃO - LEGITIMIDADE.
Estagiário
não tem autorização legal para atuar legitimamente na advocacia, visto
que este só pode subscrever a revista assistido por um advogado devidamente
habilitado. Para que a subscritora do Apelo pudesse assinar o Recurso
sozinha como advogada, seria necessária a concessão de novo instrumento
habilitando-a para tanto, quando da interposição do Recurso de Revista. Recurso
de Revista não conhecido.
(TST – RR nº 547387/1999 – 3ª T –
Rel. Ministro Carlos Alberto Reis de Paula) (grifos nossos).
ADVOGADO
- Estagiário de advocacia-atividade - Lei nº 8.906/94 (EOAB).
Nos
termos do parágrafo segundo do artigo 3º da Lei nº 8.906/94, o estagiário,
regularmente inscrito na OAB, pode praticar os atos previstos no artigo 1º da
Lei, acima citada, na forma do Regulamento Geral em conjunto com advogado e
sob responsabilidade deste.
(TRT
2ª R - RO nº 219.095 - Guarulhos - Rel. Juiz Ildeu Lara de Albuquerque) (grifos
nossos).
Afinado
ao entendimento dos Tribunais justrabalhistas está também a Doutrina. Valentin
Carrion é um dos defensores:
"Os estagiários, pelo antigo Estatuto,
(...) somente poderiam receber procuração em conjunto com advogado e para atuar
no Estado ou circunscrição da Faculdade onde matriculados. O estagiário não
poderia participar da audiência desacompanhado de advogado, posto que os atos
praticados em audiência (...) eram privativos de daquele. Assim, continua
impossibilitado de participar de audiência ou postular desacompanhado do
advogado"(4).
Finalmente,
a atuação de estagiário de Direito desacompanhado, desvirtua a finalidade
matriz da figura do estágio, uma vez que priva o acadêmico da oportunidade de
compartilhar da experiência do profissional, impedindo seu processo de
aprendizado. Mais grave ainda, impõe a sua pessoa uma responsabilidade
que nitidamente não está preparado para assumir, uma vez que a responsabilidade
por ato do estagiário é do advogado que o assiste.
Diante dos argumentos expostos e explicados, temos por bem sustentar a tese jurídica de que não é possível a atuação do estagiário de Direito como detentor da capacidade postulatória, praticando assim, os atos que a Lei considera como privativos de advogado, como se este o fosse.
NOTAS
1.DELGADO,
Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,
1999. p. 288.
2.MAMADE,
Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegra:
Síntese, 1999. p. 97-98.
3._________.
p. 60-61.
4.CARRION,
Valentin. Comentários à Consolidação Das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva,
2001. 26ª ed. p. 580-581.
*
Mestrando em Direito Constitucional na
UFMG, monitor de Pós-Graduação nas disciplinas Teoria da Constituição e Teoria
Geral do Direito Público, bolsista pelo CNPq.
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2376
>. Acesso em: 01/11/06.