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Manual de sobrevivência na selva de bits: evitando as
ações judiciais contra publicações na Internet
Autores: Túlio Lima Vianna e Cynthia Semíramis Machado Vianna
Legislação ou noções de direito não fazem
parte do currículo escolar. Legislação, em si, não é para lamentar, pois
pressupõe a simples memorização de leis. Se estas forem revogadas, a
memorização foi inútil.
Mais importantes, e menos voláteis, são as
noções de direito. Elas se fundam em princípios, sejam jurídicos, sejam sociais,
orientando na elaboração das leis.
São essas noções que trataremos neste
artigo. Destinam-se principalmente aos autores de blogs, mas podem ser
estendidas a todos os interessados em utilizar a Internet como forma de
comunicação. O objetivo é suprir o conhecimento básico do direito que deveria
ser ministrado na escola, e proporcionar melhor compreensão das condutas que,
se adotadas, podem evitar ações judiciais.
Anonimato
Um blog anônimo hospedado em servidor
estrangeiro dificilmente será alvo de um processo no Brasil. Isto porque o
procedimento exige que o juiz brasileiro requeira ao colega estrangeiro, por
meio do serviço diplomático, a retirada da página hospedada em outro país.
Um blog anônimo hospedado no Brasil, porém,
pode ser facilmente retirado da Internet, por meio de uma ordem judicial
dirigida diretamente ao servidor, neste caso sujeito à lei brasileira. Além
disso, o juiz pode determinar ao servidor a quebra do sigilo contratual e a
informação do nome e outros dados do titular do blog. Ele, posteriormente,
poderá ser alvo de um processo de indenização por danos morais ou mesmo
criminal.
É bom frisar que a Constituição Federal
garante a livre manifestação do pensamento, mas veda expressamente o anonimato
(art.5º, IV) que, em princípio, poderá ser interpretado como má-fé do autor.
O pseudônimo adotado para atividades lícitas
goza da proteção que se dá ao nome (art.19 do Código Civil). No caso de um
processo, o juiz determinará ao servidor que forneça o nome e dados verdadeiros
do autor do blog, tal como na hipótese do anonimato, mas o uso do pseudônimo,
por si só, não poderá ser interpretado como má-fé.
Disclaimer
A interação dos leitores através de
comentários é uma característica marcante dos blogs. Deveria ser óbvio que, por
serem opiniões de terceiros, elas não representam necessariamente a opinião do
autor. Porém, nem todas as pessoas conhecem um blog ou entendem sua estrutura
de imediato. A função do disclaimer é exatamente a de informar a quem chega que
o espaço dos comentários pode ser utilizado, inclusive para discordar do ponto
de vista do autor, mas que a pessoa será responsável por aquilo que escrever.
O disclaimer, porém, não isenta o autor do
blog de uma eventual responsabilidade civil ou mesmo criminal. Como o blogueiro
é, tradicionalmente, a pessoa que detém o poder de autorizar os comentários,
editá-los ou apagá-los, dependendo do sistema utilizado, a página de
comentários está também sob sua responsabilidade.
Adotar posturas que possibilitem maior
controle dos comentários, como impedir que sejam feitos em posts antigos ou
cadastrar previamente quem desejar comentar, também ajuda a reduzir o risco de
processos por comentários ofensivos. No caso de dúvidas quanto à possibilidade
de identificar o autor, ou do comentário ser injustamente ofensivo a terceiros,
é recomendável apagá-lo, pois o autor do blog pode ser responsabilizado
juntamente com o autor do comentário.
Os tipos de responsabilidade jurídica
Um comentário ofensivo pode gerar dois tipos
diferentes de responsabilidade jurídica: a responsabilidade criminal e a
responsabilidade civil.
A condenação criminal, em regra, resulta na
prisão do culpado, mas em crimes leves – como nos casos de crimes contra a
honra – a prisão pode ser substituída por prestação de serviços à comunidade
e/ou multa.
A condenação civil é sempre patrimonial e
consiste no pagamento de uma indenização à vítima pelos danos sofridos.
Os tribunais têm entendido, corretamente,
que somente a pessoa física pode ser vítima de crimes contra a honra. As empresas,
portanto, não podem ser vítimas de crimes contra a honra e somente poderão
acionar o autor das ofensas no juízo cível.
Responsabilidade penal
Três são as modalidades de crimes contra a
honra: calúnia, difamação e injúria.
A calúnia (art. 138 do Código Penal) é a
imputação falsa de fato criminoso a alguém. Para a sua caracterização é
necessária a descrição do falso crime. Ex: uma postagem na qual o autor afirma
que viu Tião Medonho furtando livros na biblioteca na noite anterior. O uso de
expressões como “ladrão”, “bandido”, “corrupto”, etc, caracteriza o delito de
injúria, não o de calúnia.
A difamação (art. 139 do Código Penal) é a
imputação de fato ofensivo à reputação de alguém. Ao contrário da calúnia, aqui
não há necessidade de que os fatos sejam falsos. Ex: uma postagem na qual o
autor afirma que viu Patrícia Angélica se prostituindo na noite anterior. Mesmo
que a informação seja verdadeira, caracteriza-se a difamação. É bom frisar que
a simples postagem “Patrícia Angélica é uma prostituta” configura a injúria,
pois na difamação deve haver a descrição do fato desonroso.
A injúria (art. 140 do Código Penal) é
qualquer ofensa à dignidade de alguém. Na injúria, ao contrário das hipóteses
anteriores, não se imputa um fato, mas uma opinião. É caracterizada
principalmente pelo uso de palavras fortes: ladrão, prostituta, idiota e,
muitas vezes por expressões de baixo calão. Ressalte-se ainda que a injúria
terá a pena aumentada se praticada com elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião ou origem.
Evidentemente, em todos os casos acima, para
a caracterização dos crimes é necessário que as ofensas sejam proferidas contra
uma vítima determinada. A afirmação vaga de que “há uma colega na minha sala
que é prostituta”, sem a possibilidade de determinar a quem o autor se refere,
não configura o crime.
Responsabilidade civil
A ação de indenização por dano moral tem por
fim uma reparação econômica pela desonra sofrida.
Inicialmente destinada às pessoas físicas,
acabou sendo reconhecida também como instrumento de tutela dos direitos da
pessoa jurídica (Súmula 227 do STJ).
Ao contrário da esfera criminal, na qual
estão expressamente previstas as condutas proibidas, na esfera cível há
tão-somente a determinação que:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito. (art.186 do Código Civil)
Conclui-se, pois, que são necessários os
seguintes pressupostos:
1. Ação ou omissão: tanto o autor dos
escritos quanto o responsável pelo blog que permitiu a postagem de comentários
ofensivos à honra de alguém podem ser responsabilizados pelo dano moral;
2. Dolo ou culpa: age com dolo o agente que
agiu ou omitiu-se intencionalmente. Age com culpa quem não desejava o
resultado, mas por negligência ou imprudência gerou o dano;
3. Dano: não há responsabilidade civil sem
dano. O dano pode ser material (ex: a vítima deixar de fechar um contrato
milionário em virtude dos escritos) ou moral (ex: a vítima ter sua
respeitabilidade maculada pelos escritos);
4. Nexo de causalidade: é imprescindível
comprovar que a ação ou omissão do agente foi a causadora do dano material ou
moral.
Nota-se que, por sua própria natureza, a
responsabilidade civil é, ao contrário da esfera criminal, absolutamente
indeterminada, sendo definida pelo juiz na análise de cada caso.
A sugestão de valor de indenização por danos
morais feita por advogados não é, por si só, indicativa do valor da indenização
ao fim do processo. Esse valor é decidido exclusivamente pelo juiz, após
analisar todas as provas juntadas aos autos, inclusive as que comprovarem o
prejuízo sofrido.
Alguns cuidados na redação de críticas
A crítica deve ser objetiva. Isso significa
que ela não deve ser feita à pessoa, mas a um fato, a algo que ela fez. Em uma
crítica literária, deve-se discutir a obra, não o autor. Em uma crítica ao
comportamento de alguém, deve-se criticar apenas a atitude desagradável.
As críticas subjetivas, em regra, são
possíveis tão-somente quando atacam uma opinião e não uma pessoa. É lícito
dizer que é estúpido o raciocínio simplista de que aumentando a pena diminui-se
a criminalidade. Mas deve-se evitar dizer que a pessoa que emitiu esta opinião
seja estúpida. Ainda que eventualmente os raciocínios estúpidos sejam
provenientes de pessoas estúpidas, uma afirmação como essa não pode ser
considerada uma ofensa, pois mesmo indivíduos brilhantes emitem opiniões
infelizes.
Deve-ser evitar criticar uma empresa sem ter
algo contra ela. A reclamação pode ser feita, sim. Mas quem reclama deve
fazê-lo com base em fatos, não em suposições, ou porque ouviu alguém reclamar.
A crítica aos serviços das empresas pode ser considerada de utilidade pública,
mas deve ser dirigida ao serviço prestado, não ao dono ou à empresa como um
todo, a menos que quem critique realmente tenha algo contra eles, e possa
provar isso.
Se uma empresa reclamar por email do que foi
escrito sobre ela, é aconselhável que o autor do blog convide-a a integrar o
debate e se manifestar no espaço de comentários, dando-lhe a oportunidade de
emitir sua opinião e, porventura, alterar a opinião dos demais debatedores. Não
há, em princípio, a obrigação de retratação ou de retirada de comentários, a
menos que os termos usados tenham sido realmente desrespeitosos e ofensivos.
Não se deve usar o nome de uma pessoa para
expô-la ao desprezo público, como nas “páginas de ódio". Isso é vedado
pelo art. 17 do Código Civil. Evitar expor o email de um desafeto também é
aconselhável para não se perder o controle do debate ao estendê-lo a terceiros,
nem aumentar a possibilidade de ofensas ou prejudicar o funcionamento normal do
email da pessoa.
O autor do blog tem o dever de cuidar da
veracidade da informação que vai publicar, verificando sempre a origem da
notícia que será divulgada. Por mais que o blogueiro tenha orgulho em ser pato
do Cocadaboa, não deve divulgar boatos ou fatos não confirmados.
Não se pode esquecer que, mesmo usando
pseudônimo, o conteúdo do blog pode facilitar a identificação de seu autor,
seja por amigos ou colegas de trabalho. Assumir um pseudônimo exige cuidado
redobrado nas informações disponibilizadas para não dar margem à interpretação
de que o psedônimo foi usado para fornecer informações que não seriam
publicadas se fossem feitas com o próprio nome.
A Lei de Direitos Autorais (lei 9610/98)
protege o direito do autor de ter seu nome associado à sua obra. Sempre que o
responsável pelo blog mencionar algo que não é de sua autoria, deve indicar o
nome do autor e a fonte de onde o texto foi retirado. Se a pessoa não souber
quem é o autor, deve explicar que o trabalho é de autoria desconhecida.
Preferencialmente, o trabalho de outrem deve ser destacado do trabalho do autor
do blog, seja por fonte diferente, recuo de margem, ou outro recurso que não
deixe dúvidas quanto à autoria de cada um.
Em hipótese alguma se pode alterar o texto
de terceiros sem autorização expressa do autor, pois isso também constitui
infração prevista na Lei de Direitos Autorais.
Em caso de processo
Guardar as mensagens de advogados (sejam por
email ou por correio tradicional) requerendo a retirada de artigos ou
comentários do blog em tom ameaçador e arbitrário é uma boa providência, pois
as mensagens poderão ser incluídas na instrução de um eventual processo.
Se uma pessoa receber notificação assinada
por advogados, mas tiver dúvidas sobre a sua autoria, deve procurar informações
na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Como princípio básico, advogados sempre
acrescentam o número da OAB e a região de registro (MG,SP,RJ,PR, etc) à
assinatura. Quem se apresentar como advogado sem ter habilitação legal para
isso pode ser processado por falsidade ideológica.
A notificação, apesar da formalidade, é um
ato extra-judicial que não obriga o notificado a fazer nada. É realizada por um
cartório de notas e se destina a comunicar um fato ou requerer uma ação de
alguém. Não é necessário haver processo para ser feita a notificação. Seu
descumprimento pode ser utilizado como prova em posterior processo judicial,
mas não há qualquer obrigação legal de cumpri-la.
Caso o autor do blog receba uma citação,
deve procurar um advogado de confiança, pois já foi iniciado um processo
judicial e, neste caso, é imprescindível a assistência jurídica.
A liminar é uma decisão judicial concedida
pelo juiz sem ouvir a parte contrária, com o fim de evitar um prejuízo maior à
suposta vítima. Por mais arbitrária que ela possa parecer, deve ser cumprida,
imediatamente, na íntegra. Posteriormente, com a assistência de um advogado,
pode-se reverter essa decisão no julgamento definitivo da causa.
Uma última palavra
Não pretendemos esgotar o assunto com esse
guia, mas apenas orientar os colegas blogueiros sobre os efeitos jurídicos de
seus atos. Traçamos linhas gerais de conduta, e explicamos os problemas mais
comuns, na esperança de ver minimizadas as ações judiciais contra textos
publicados na Internet.
As orientações aqui constantes são baseadas
nos entendimentos majoritários dos Tribunais e não quer dizer que
necessariamente concordemos com todas elas. Nem todos os casos estão previstos
aqui, e nem sempre este guia será o bastante, o que torna essencial ter um
advogado de confiança para consultar em caso de dúvida.
Sobre os autores:
Túlio Lima Vianna é professor de Direito Penal da PUC-MG. Doutorando (UFPR) e
Mestre (UFMG) em Direito. Editor do site www.tuliovianna.org.
Cynthia Semíramis Vianna é Mestre em Direito (PUC-MG). Editora do site www.direitoinformatico.org.