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A Prescrição em Face da
Reparação de Danos Morais e Materiais Decorrentes de Acidentes de Trabalho ou
Doença Profissional ao mesmo Equiparada
Júlio Bernardo do Carmo*
Uma onda avassaladora de decisões judiciais conflitantes,
verdadeiro tsunami, invadiu os tribunais do país na última década, afetos a
questões cíveis e trabalhistas, quando se discutia com ardor qual seria o órgão
do Poder Judiciário competente para apreciar e julgar litígios envolvendo
pretensões de indenização por dano moral ou material decorrente, a princípio,
da relação de emprego e depois com maior ênfase, os conflitos oriundos de
acidente de trabalho.
Quanto ao pedido de indenização por danos morais e materiais
decorrentes de ofensas perpetradas contra o empregado no âmbito da relação de
emprego, em que pesem algumas cizânias doutrinárias e jurisprudenciais tenham
surgido quando do aparecimento das primeiras demandas desse jaez, as mesmas
logo se dissiparam, eis que se mostrava evidente e de clareza solar que, tendo
o gravame surgido no decurso de uma relação de emprego, a competência para
apreciar e julgar o litígio seria genuinamente da Justiça do Trabalho, ainda
que o magistrado desta carreira especializada fosse instado a analisar matéria
afeta a outro ramo do direito, especificamente do direito civil. (01)
Questão jurídica de mais difícil trato deu-se com as demandas
envolvendo pedidos de reparação por danos morais e materiais resultantes de
acidente de trabalho, eis que os tribunais afetos a matérias cíveis e
trabalhistas não se afinavam, gerando toda uma pletora de decisões conflitantes
que servia de sismógrafo para a primeira instância, a denunciar um terremoto
jurídico de catastróficas conseqüências e que se consubstanciava e se avolumava
em uma cauda incandescente, qual magma jurídico, de intermináveis conflitos de
competência que só fazia retardar a prestação jurisdicional, especialmente no
âmbito da Justiça do Trabalho que tem como pedra de toque a celeridade
processual e a pronta efetividade de suas decisões, dada a preocupação
manifesta que ela ostenta de imprimir e transmitir sempre uma visão garantista
e não meramente idílica do processo trabalhista.
Os anos arrastaram-se e bem recentemente, após uma vacilação
inicial, o Supremo Tribunal Federal, graças ao ingente empenho do amicus curiae
juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, que para nosso gáudio e honra, integra o
egrégio TRT da 3a. Região, à semelhança de Cesare Vivante retratou-se de
decisão anterior que pregava a competência irrestrita da Justiça Comum e no
conflito de competência n. 7.204-1-MG da relatoria do eminente Ministro Carlos
Brito adotou o entendimento histórico de que a competência para apreciar e
julgar pedidos de reparação por danos morais e materiais oriundos de acidente
de trabalho é da Justiça do Trabalho. (02)
Pacificada a questão da competência da Justiça do Trabalho para
apreciar e julgar litígios envolvendo pedidos de reparação de danos morais e
materiais decorrentes de acidentes de trabalho, surge nova discussão,
igualmente candente e de magna importância pelo seu alcance social, abrangendo
agora áspera diatribe em torno da prescrição que seria aplicável ao caso
concreto quando os juízos trabalhistas são chamados a dirimir conflitos de tal
jaez : a prescrição seria a do artigo
7º, item XXIX, da Constituição Federal, irrestritamente; seria, pela
natureza do litígio, segundo alguns a envolver nítida matéria de índole
civilista, a prescrição gizada pelo Código Civil, observada a data em que se
consumou a lesão à saúde do trabalhador, se na vigência do Código Civil de
1.916, com aplicação irrestritamente da prescrição vintenária e se na vigência
do Código Civil de 2.002, a prescrição trienal,
irrestritamente; ou ainda se teríamos que aplicar a regra de transição prevista
no Código Civil de 2.002, que leva em consideração o lapso
prescritivo temporal transcorrido à data de sua vigência, o que redundaria em
aplicação ora de prescrição vintenária, ora de prescrição trienal; e ainda
finalmente se em se tratando de questões jurídicas afetas ao chamado direito de
personalidade, o direito à reparação seria imprescritível ?
Defensor da imprescritibilidade do direito do trabalhador à
reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho,
dentre outros, cita-se o eminente articulista Francisco das Chagas Lima Filho,
cujo pensamento jurídico pode assim ser condensado: "...a ação seria
imprescritível dado ao fato de tratar-se de ação de reparação de danos a
direitos da personalidade que, por irrenunciáveis, o seu exercício não está
sujeito a prescrição, face aos termos do que disposto no art. 11 do Código Civil (03) e pela natureza do bem
envolvido, ou seja, a personalidade, a dignidade do ser humano. A ação de
reparação de danos morais decorrentes de acidente do trabalho ou de doença
profissional - equiparada a acidente de trabalho por força de expressa
disposição legal - tem por objetivo indenizar o trabalhador pelos danos à
saúde, à vida, à integridade física ou mental, enfim direitos ligados à
personalidade e à dignidade do ser humano. Essa categoria de direitos
fundamentais constitucionalmente é garantida ao ser humano enquanto pessoa e
não porque ostenta a condição de cidadão trabalhador ou empregado. Por
conseguinte de natureza indisponível, não podendo o seu titular a eles renunciar
e sendo irrenunciáveis o são por conseqüência, imprescritíveis.... não se
trata, pois, de direito de natureza trabalhista, nem tampouco civil, mas de
direito de índole fundamental que diz respeito à dignidade humana. Portanto,
imprescritível, pois a dignidade humana sendo "aquela qualidade intrínseca
e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos ", não é subtraída da
tutela constitucional apenas porque aquele que sofreu a violação não reclamou,
muitas vezes por circunstâncias alheias à sua vontade, dentro de certo espaço
de tempo. Não se perde a dignidade em razão do decurso do tempo, evidentemente
". (04)
Na mesma toada, apesar de minimizando a tese da
imprescritibilidade do direito sob epígrafe, mas ainda assim reconhecendo-a,
enfatiza o eminente doutrinador Raimundo Simão de Melo que " os direitos
da personalidade têm como características, entre outras, a imprescritibilidade.
Isto quer dizer que, não obstante a inércia do seu titular quanto ao exercício
de um desses direitos, pode o mesmo, a qualquer tempo, reivindicar a sua
efetivação. Assim, a possibilidade de exercício dos direitos da personalidade
jamais prescreve. O que prescreve é a pretensão à reparação dos danos causados
a esses direitos, após certo lapso de tempo previsto em lei ". (05)
Parece-me, salvo melhor juízo, existir erro de perspectiva
jurídica nos excertos doutrinários colacionados supra naquilo em que pregam, em
uníssono, a inexistência de prescrição no âmbito dos direitos da personalidade,
e, com divergência de conteúdo, quanto ao do último articulista, naquilo em que
o mesmo em que pese reconheça a imprescritibilidade dos direitos de
personalidade, defende a tese jurídica de que a prescrição só envolve a
pretensão à reparação dos danos causados a tais direitos, após o lapso temporal
previsto em lei, sendo que a discrepância de meu entendimento com as teses
expostas cinge-se à afirmação categórica de inexistência de prescrição para os
direitos da personalidade, em se tratando de reparação civil.
Seriam tais direitos, de fato, imprescritíveis ?
Como a tese jurídica dos doutos articulistas centra-se na dicção
do artigo 11, do Código Civil de 2.002, não custa mais uma
vez transcreve-lo para logo depois introduzir a nossa tese jurídica
diametralmente oposta àquelas citadas.
Enfatiza o artigo 11, do Código Civil de 2.002, inserido no capítulo
II que tem como título DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE, o seguinte :
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu
exercício sofrer limitação voluntária.
A ratio essendi do dispositivo marginado assenta-se em que o ser
humano, no âmbito civil, não ostenta apenas direitos reais e pessoais, sendo
igualmente titular de direitos inerentes à sua condição singular de pessoa,
podendo ser declinado o direito à própria imagem, ao próprio nome, à
privacidade, à honra, à vida, à integridade físico-psíquica, dentre outros.
Tais direitos não eram tutelados na vigência do direito civil pretérito,
adstrito ao Código Civil de 1.916, época em que a matéria carecia da relevância
social que alcançou na sociedade moderna, sendo exemplo dela o fato de a
Exposição de Motivos do projeto do atual Código Civil ter salientado que fora
reservado " todo um capítulo aos direitos da personalidade, visando à sua
salvaguarda, sob múltiplos aspectos, desde a proteção dispensada ao nome e à
imagem até o direito de se dispor do próprio corpo para fins científicos e
altruísticos ".
Neste contexto, a matéria, pela sua indiscutível relevância
jurídica, tem assento de ordem constitucional, sabido que a Constituição
Federal de 1.988 traçou contornos eficazes de proteção a direitos desse jaez ao
dispor, primeiro, no artigo 5º, inciso V, que "é assegurado o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral
ou à imagem ", depois complementando no inciso X que " são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação ".
Neste compasso, como enfatizam com argúcia os eminentes
doutrinadores J. Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves "a reparação
autônoma do dano moral ganhou definitiva e ampla cidadania no direito pátrio a
partir da Constituição Federal de 1.988. Com a indenização ao dano moral
compensa-se o ofendido pela lesão a seu direito de personalidade. Assim, quando
alguém sofre os constrangimentos naturais de ver o seu nome inscrito
indevidamente em órgão de proteção a crédito, tem sua dor moral presumida e
pode buscar, através de uma indenização pecuniária, a compensação da ofensa
recebida. São, dentre outras hipóteses de dor moral, autorizativas do pleito da
indenização reparatória: a morte (para os parentes que sofrem com a perda do
falecido), a lesão corporal, os procedimentos médicos e cirúrgicos mal
sucedidos e decorrentes de culpa do profissional, o registro indevido do nome
do cliente em órgãos de proteção ao crédito, o uso indevido de imagem ou do
nome de outrem, a calúnia, a injúria e a difamação ". (06)
Tais gravames são suscetíveis de ocorrer igualmente no âmbito de
uma relação de trabalho, nela embutida a relação de emprego, eis que o
trabalhador encontra-se igualmente, máxime pelo exercício abusivo e arbitrário
do poder de direção inerente ao empregador, sujeito a gravames de ordem moral
de toda a sorte, os quais afloram também quando o mesmo sofre, por dolo ou
culpa do empregador, acidente de trabalho, ou seja, acometido de doença
profissional ao mesmo equiparada que imponha limitações irremediáveis não só à
sua capacidade laborativa como também à sua integridade corporal, minando-lhe
irremediavelmente a saúde, ocasionando danos à sua vida, à sua integridade
física ou mental, afetando assim direitos estritamente conectados à
personalidade e à dignidade do ser humano.
A correlação entre acidente de trabalho e ofensa a direitos da
personalidade é de tal forma absoluta e indiscutível que, conforme assinala o
eminente doutrinador Francisco das Chagas Lima Filho, já citado: "a ação
de reparação de danos morais decorrentes de acidente do trabalho ou de doença
ocupacional - equiparada a acidente de trabalho por força de expressa
disposição legal - tem por objetivo indenizar o trabalhador pelos danos à
saúde, à vida, à integridade física ou mental, enfim direitos ligados à personalidade
e à dignidade do ser humano. Essa categoria de direitos fundamentais é
constitucionalmente garantida ao ser humano enquanto pessoa e não porque
ostenta a condição de cidadão trabalhador ou empregado". (07)
Disso tudo se extrai que uma coisa é indiscutível: os gravames
sofridos pelo trabalhador em virtude de acidente de trabalho ou de doença
profissional afetam diretamente os chamados direitos da personalidade, pelas
razões expostas, mas, bem por isso, seriam imprescritíveis?
A resposta é taxativamente negativa.
O artigo 11 do Código Civil de 2.002 reporta-se tout court
à intransmissibilidade e à irrenunciabilidade dos direitos da personalidade, os
quais não podem sofrer limitação em seu exercício por ato de vontade de seu
titular, garantias essas que não salvaguardam, à míngua de sua literalidade, a
imprescritibilidade desses mesmos direitos, quanto a aspectos ressarcitórios.
Busco de imediato respaldo na doutrina, trazendo à colação
ensinamentos doutrinários do insigne civilista Sílvio de Salvo Venosa, ao
dispor, em esclarecedora lição de direito que : "... para a satisfação de
suas necessidades, o homem posiciona-se em um dos pólos da relação jurídica :
compra, empresta, vende, contrai matrimônio, faz testamento,etc.Desse modo, em
torno de sua pessoa, o homem cria um conjunto de direitos e obrigações que
denominamos patrimônio, que é a projeção econômica da personalidade. (Diniz,
1982: 81). Contudo, há direitos que afetam diretamente a personalidade, que não
possuem conteúdo econômico direto e imediato. A personalidade não é exatamente
um direito; é um conceito básico sobre o qual se apóiam os direitos. Há
direitos denominados personalíssimos porque incidem sobre bens imateriais ou
incorpóreos. A Escola do Direito Natural proclama a existência desses direitos,
por serem imanentes à personalidade. São, fundamentalmente, os direitos à
própria vida, à liberdade, à manifestação do pensamento.... citando excelente
monografia de Gilberto Haddad Jabur (2000 : 28) que ao referir-se sobre o tema
em debate deixou assente que : " os direitos da personalidade são, diante
de sua especial natureza, carentes de taxação exauriente e indefectível. São
todos indispensáveis ao desenrolar saudável e pleno das virtudes psicofísicas
que ornamentam a pessoa ". (08)
Como os direitos da personalidade estão intimamente ligados à
pessoa humana, ressalta Guilhermo Borba que os mesmos ostentam as seguintes
características: (a) são inatos ou originários porque se adquirem ao nascer,
independendo de qualquer vontade; (b) são vitalícios, perenes ou perpétuos,
porque perduram por toda a vida. Alguns se refletem até mesmo após a morte da
pessoa. Pela mesma razão são imprescindíveis porque perduram enquanto perdurar
a personalidade, isto é, a vida humana. Na verdade, transcendem à própria vida,
pois são protegidos também após o falecimento; são também imprescritíveis; (c)
são inalienáveis, ou mais propriamente, relativamente indisponíveis, porque, em
princípio, estão fora do comércio e não possuem valor econômico imediato; (d)
são absolutos, no sentido de que podem ser opostos erga omnes. (09)
A imprescritibilidade dos direitos de personalidade deve ser
inteligida com grão de sal, até porque, como dito alhures " a
possibilidade de exercício dos direitos da personalidade jamais prescreve. O
que prescreve é a pretensão à reparação dos danos causados a esses direitos,
após certo lapso de tempo previsto em lei ". (10)
A imprescritibilidade absoluta dos chamados direitos da
personalidade criaria situação de discriminação em nosso direito positivo, pois
ao passo que todas as demais pretensões jurídicas estariam a sofrer, para a sua
efetivação, os efeitos inexoráveis do decurso do tempo, o titular de direito
subjetivo tendente à salvaguarda de valores constitucionais conectados a
direitos da personalidade jamais seriam atingidos pela prescrição, podendo a
qualquer tempo deduzir a pretensão em juízo e reclamar a devida reparação.
A discriminação, além de odiosa, estaria a ferir a ordem natural
das coisas, pois nessa toada, deveriam ser imprescritíveis todos os crimes
contra a vida ou contra a incolumidade física das pessoas, situação que
inocorre no direito penal, que sujeita crimes dessa natureza, como todos os
demais legalmente capitulados, (nullum crime nulla pena sine previa lege
penale), a exemplo do homicídio, infanticídio, lesões corporais graves, etc,
aos efeitos inexoráveis da prescrição, que é instituto jurídico que resguarda a
harmonia e a paz social.
Outra falácia é a de que a irrenunciabilidade de determinado
direito acarretaria, por conseqüência, a sua imprescritibilidade. O argumento
assenta-se sobre falsa premissa e não cede ao rigorismo da lógica. A ser assim
poderíamos montar o seguinte silogismo: (a) os direitos irrenunciáveis são
imprescritíveis. (b) os direitos trabalhistas previstos na CLT, garantidos por princípios de ordem pública, são
irrenunciáveis. (c) Logo, os direitos trabalhistas previstos na CLT são imprescritíveis.
A teoria jurídica da imprescritibilidade dos direitos da
personalidade, em todos os sentidos, em que pese sedutora, serve como fator de
intranqüilidade e de quebra da harmonia da paz social, colocando o ser humano
ou quem quer que esteja obrigado a respeitar direito dessa natureza a um jugo
eterno e inexorável, pois a qualquer tempo poderá ser acionado por uma
responsabilidade civil que se esvaneceu nas brumas do tempo.
Se o próprio ser humano é finito e transitório, mostra-se
incongruente a criação de uma potestade jurídica atemporal que não guarde
correspondência com a ordem divina imprimida à própria natureza humana.
Em um mundo onde tudo é fluido e transitório não é concebível a
criação de direitos subjetivos eternos, porque imprescritíveis.
A primeira teoria jurídica da imprescritibilidade do direito do
trabalhador acionar o seu empregador ou tomador de serviços para demandar
reparação civil por danos morais e materiais decorrentes de acidente de
trabalho, porque conectado a direito de personalidade, não sobrevive ao
rigorismo da crítica científica e sucumbe diante do próprio arcabouço de direito
positivo que tutela os direitos subjetivos, todos sujeitos inexoravelmente aos
efeitos do tempo.
Devemos, assim, prosseguir nos objetivos deste modesto estudo
doutrinário, encarando agora as demais facetas do direito subjetivo do
trabalhador demandar contra o seu empregador ou tomador de serviços por danos
morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho em contraste com os
efeitos jurídicos que o decurso do tempo contrapõe ao exercício desse direito.
A mim me parece que a solução dos demais casos de incidência de
prescrição em processos movidos pelo trabalhador contra seu empregador ou
tomador de serviços objetivando reparações civis por danos morais e materiais
decorrentes de acidentes de trabalho é de solução singela, se se considerar o
norte de direito transitório divisado pelo próprio Supremo Tribunal Federal ao
julgar o conflito de competência n. 7.204-1, da relatoria do eminente Ministro
Carlos Britto e ainda a superveniência da Emenda Constitucional
n. 45/04, que transferiu os litígios dessa natureza, na visão do STF, da
Justiça Comum para a Justiça do Trabalho, o que implica necessariamente em um
exame da vis atrativa que o juízo natural exerce sobre a prescrição, quando
excepcionado o princípio da perpetuatio jurisdictionis.
Ou seja, tenho para mim que, a prescrição da pretensão de
reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho é
uma matéria que só guarda relevância e discussão candente no momento atual em
face do advento da emenda
constitucional n. 45/04, ou seja, em decorrência da alteração do juízo
natural competente para apreciá-las : antes a Justiça Comum, hoje a Justiça do
Trabalho.
Como o Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição
Federal, ao julgar o conflito de competência n. 7.204-1, deixou assente regras
de caráter transitório quanto ao juízo natural perante o qual o processo em
curso quando do advento da emenda constitucional
n. 45/04 deve tramitar, ou seja: aqueles processos com sentença de mérito
já proferida na Justiça Comum antes da entrada em vigor da EC n. 45/04, ali
permanecem, até o respectivo trânsito em julgado. Logo, quanto a esses
processos, não existe celeuma jurídica em torno da prescrição aplicável,
porque, ajuizados perante a Justiça Comum e decididos em primeira instância
antes da superveniência da EC n. 45/04, lógico
que a prescrição é a do Código Civil, competindo aos juízes dos Tribunais
Trabalhistas ao defrontarem, no exame de recursos ordinários, com processos
dessa natureza, em face da declinação de competência suscitada pelos Tribunais
de Alçada ou de Justiça, devolvê-los à Justiça Comum, porque na interpretação
imprimida pelo excelso STF quando do exame do conflito de competência n.
7.204-1, ficou assente que tais processos continuam explicitamente na
competência residual da Justiça Comum.
Quanto aos processos pendentes de decisão em primeira instância
cível quando da superveniência da emenda constitucional
n. 45/04, a conseqüência natural é a sua remessa imediata para a Justiça do
Trabalho, sendo que somente quanto a tais processos é que se estabelece séria
controvérsia a respeito da prescrição aplicável ao caso concreto: a) bienal do artigo
7o, inciso XXIX, da CF/88? b) vintenária? c) vintenária ou trienal de
acordo com as disposições transitórias do atual Código Civil ?
Quantos aos processos transferidos para a Justiça do Trabalho, sem
sentença de mérito antes da EC n. 45/04 emitida
pela Justiça Comum, excepcionalmente e apenas para evitar-se uma situação de
armadilha para os autores das pretensões deduzidas em juízo, eis que a tempo e
modo ajuizaram a ação de reparação perante a justiça que era a competente e no
prazo prescricional afeto àquele juízo natural, penso ser justa e jurídica a
incidência da prescrição civil, não porque o litígio guarde natureza de índole
civil, e sim porque houve alteração constitucional do juízo natural,
modificando-lhe a competência. A prescrição nestes casos deverá tomar como
marco o princípio da actio nata, ou seja, a data em que o interessado teve
ciência inequívoca da lesão à saúde ou integridade física em virtude do
acidente de trabalho. (Súmula n. 278 do STJ). (11) Se o acidente de trabalho é
anterior ao Código Civil de 2.002, a prescrição é indiscutivelmente
vintenária. Se o acidente de trabalho é posterior ao Código Civil de 2.002, a
prescrição será vintenária se tiver ocorrido mais da metade do tempo previsto
para a prescrição anterior, ou seja, se quando da lesão e ajuizamento da ação
já tiver transcorrido mais de dez anos do lapso temporal que fixava a
prescrição anterior. Se inexistir a fluência de mais da metade do prazo
previsto no regime civil anterior, a prescrição civil será a trienal, que é a
prescrição genérica aplicável a toda e qualquer pretensão de reparação civil,
onde se enquadra tranqüilamente as reparações por danos morais e materiais
decorrentes de acidente de trabalho. A regra de direito transitória que aqui se
aplica tem previsão no artigo 2.028 do Código Civil em vigor. Esta interpretação
só tem aplicação para os processos egressos da Justiça Comum, haja vista que
sendo o processo ajuizado diretamente na Justiça do Trabalho a prescrição
aplicável é sempre a do artigo 7º inciso XXIX da Constituição Federal. (12)
O fundamento da natureza civil do litígio (como tem sido
proclamada pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, salvo engano em arestos
da lavra dos eminentes Ministros Lélio Bentes e Oreste Dalazen, que com base
nesta característica aplicam a prescrição civil e não a trabalhista), desserve,
a meu ver, como critério norteador da prescrição prevista no Código Civil,
porque a ser assim, os litígios envolvendo pequena empreitada deveriam observar
a prescrição civil relativa à empreitada, quando é incontroverso que a
prescrição aplicável é a do juízo natural competente para apreciar a demanda,
com incidência pacífica do artigo
7o, inciso XXIX, da CF/88 e anteriormente à sua vigência, o artigo 11, da CLT. A aplicação da prescrição trabalhista
para esse litígio de típica natureza civil, onde o trabalhador, como operário
ou artífice, participava de pequena empreitada, nunca foi objeto de cizânia
doutrinária ou jurisprudencial. Como a competência para a apreciação de tais
litígios decorre diretamente da legislação consolidada, que foi encampada pela EC/45/04,
inexistindo controvérsia em torno do juízo natural ou migração de processos de
um para outro juízo natural em face do aniquilamento do princípio da
perpetuatio jurisdictionis por lei constitucional superveniente, a prescrição
não autoriza a adoção de regras de contemporização, porque tais ações
ajuizáveis originariamente na Justiça do Trabalho orientam-se pelo norte
inexorável da prescrição trabalhista bienal ou qüinqüenal no curso do contrato
de trabalho.
Quanto aos processos egressos da Justiça Comum com sentença de
mérito emitida pelo juiz de direito após a Emenda Constitucional
n. 45/04, os tribunais trabalhistas quando do exame do recurso ordinário
deverão anular a r. sentença por incompetência absoluta, com remessa dos autos
à primeira instância trabalhista, onde nova sentença será emitida, sendo a
questão da prescrição automaticamente transferida para o primeiro grau.
Lógico que, em toda e qualquer ação ajuizada após a Emenda Constitucional
n. 45/04, seja na Justiça Comum ou do Trabalho, a prescrição é
inexoravelmente a prevista no artigo
7º, inciso XXIX, da Constituição Federal. (13)
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Notas
(01) O " leading case " consubstanciou-se em empolgante
decisão do Supremo Tribunal Federal, da relatoria do eminente Ministro
Sepúlveda Pertence, quando em visão esclarecedora estratificou-se o
entendimento de que " à determinação da competência da Justiça do Trabalho
não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas
sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento
do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no
contrato de trabalho ". ( STF, Pleno, Conflito de Jurisdição n. 6.959-6,
Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 22.02.91, p. 1.259 ).
(02) O conflito de competência n. 7.204-1 - Minas Gerais a que me
reporto teve a seguinte ementa : " CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE
EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU
(EX-) EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA.
REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/04. EVOLUÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTI;A COMUM
DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. 1. Numa primeira interpretação
do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal
entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais
decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra
seu ( ex-) empregador, eram da competência da Justiça comum dos
Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei
Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque
o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja
porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava,
em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou a Corte sob a
égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de
política judiciária - haja vista o significativo número de ações que já
tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante
interesse social em causa -, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco
temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda
que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova
orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde
quependentes de julgamento de mérito. É dizer : as ações que tramitam perante a
Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC
45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto
àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do
Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos
praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que
distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas
recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo
Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em
prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com
a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões
de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é
preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem
mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no
julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi
cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988,
ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de
competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal
Superior do Trabalho.
(03) Consoante o disposto no artigo 11 do Código Civil de 2.002
" com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária ".
(04) Francisco das Chagas Lima Filho, Prescrição da Ação de
Reparação de Danos Morais decorrentes de Acidentes do Trabalho, in
http://www.douradonews.com.br.
(05) aimundo Simão de Melo, Prescrição do dano moral no Direito do
Trabalho : um novo enfoque. Extraído do site jurídico http://jus2.uol.com.br.
(06) J. Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves, Colaborador
João Bosco Cascardo de Gouvêa, in O Novo Código Civil Anotado, 3a. edição,
Editora Forense, pg. 8.
(07) Op. cit.
(08) Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, Parte Geral, terceira
edição, Atualizada de acordo com o novo Código Civil, com Estudo comparado com
o Código Civil de 1916, Editora Atlas, pg. 150.
(09) Citado por Venosa, op. cit. Pg. 150
(10) Raimundo Simão de Melo, op. cit.
(11) De fato dispõe a Súmula n. 278 do STJ que " o termo
inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o
segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral".
(12) A jurisprudência tem sido sensível a esta peculiaridade da
transferência do Juízo Natural para a apreciação de lides envolvendo pedidos de
reparação de danos morais e materiais oriundos de acidentes de trabalho, como
se colhe do seguinte aresto : " PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E
MATERIAL DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. PRESCRIÇÃO. AÇÃO AJUIZADA ANTES DA
PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004 PERANTE A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
Considerando que a presente demanda foi proposta muito antes da promulgação da
Emenda Constitucional 45/2004; considerando que não foi argüida nem declarada a
incompetência do Juízo Cível da 6a. Vara da Comarca de Governador Valadares em
data anterior a tal promulgação; considerando que havia, em 1999, acirrada
controvérsia e posicionamentos diversos, inclusive dentre as diversas Turmas da
Suprema Corte, acerca da competência para julgamento de ações acidentárias,
entendo que não se pode aqui adotar os prazos previstos no art. 7o, inciso
XXIX, da Constituição Federal de 1988, aplicáveis às ações quanto aos créditos
resultantes das relações de trabalho. ( TRT-3a. Região, processo 00781-2005-RO,
Relatora Juíza Maria Laura Franco Lima de Faria, DJMG dde 02.12.2005, p. 4 ).
(13) Neste sentido o seguinte aresto : INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DO
TRABALHO OU DOENÇA PROFISSIONAL. PRESCRIÇÃO. AÇÕES AJUIZADAS APÓS A EC/45/2004.
A indenização por acidente de trabalho é um direito de natureza trabalhista, a
teor do disposto no artigo 7o, inciso XXIX, da Constituição da República, que
estabelece que : "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social : (...) XXVIII - seguro
contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização
a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa ". Com efeito,
a referida indenização constitui um crédito resultante da relação de trabalho,
ainda que atípico, porquanto proveniente de um ilícito trabalhista. Após a
edição da Emenda Constitucional n. 45/2004 ficou ainda mais evidente a natureza
jurídica trabalhista do direito à indenização por dano moral e material
decorrente de acidente do trabalho, em face da nova redação dada ao artigo 114
da Constituição da República. Dessa sorte, para as ações ajuizadas a partir da
vigência da Emenda n. 45/2004, é imperioso concluir que a prescrição aplicável
é a trabalhista. ( TRT-3A. Região, processo n. 00805-2005-RO, Rel. Juiz
Sebastião Geraldo de Oliveira, 2a. Turma, DJMG de 10.03.2006, p. 9 ).
*Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região,
integrante da 4ª Turma e da 2ª SDI.
CARMO, Júlio Bernardo do. A Prescrição em Face da
Reparação de Danos Morais e Materiais Decorrentes de Acidentes de Trabalho ou
Doença Profissional ao mesmo Equiparada Disponível em <http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=143601>.
Acesso em 18 de setembro de 2006.