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Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho*
1 - INTRODUÇÃO
Entrou em vigor no
final do mês de setembro de 2008, a Lei n. 11.788/08 que dispõe sobre o estágio
de estudantes, alterando o artigo 428 da CLT e revogando expressamente as Leis
nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o
parágrafo único do art. 82 da Lei 9.394, e 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º
da Medida Provisória n. 2.164-41, de 24 de agosto de 2001. As modificações
perpetradas implicaram em significativa evolução em relação à legislação
anterior. As melhorias verificadas são de três ordens: medidas que visam evitar
a contratação de estagiários de maneira fraudulenta; medidas que buscam
assegurar alguma proteção aos estagiários; e inovações legislativas de ordem
diversa.
2 – MEDIDAS PARA COMBATER A CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIOS DE FORMA
FRAUDULENTA
A nova lei inova
ao definir estágio como ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no
ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de
educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação
superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos
anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de
jovens e adultos. A legislação anterior, para se ter uma idéia, limitava-se a
possibilitar que pessoas jurídicas de Direito Privado, Órgãos da Administração
Pública e Instituições de Ensino Superior aceitassem como estagiários alunos
regularmente matriculados e que estivessem freqüentando, efetivamente, cursos
vinculados à estrutura do ensino público e particular. A nova norma estatuiu
ainda que o estágio faz parte do projeto pedagógico do curso e integra o
itinerário formativo do educando, além de visar ao aprendizado de competências próprias
da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o
desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho. A nova dicção
legal enfatiza ainda mais a necessária vinculação que deve haver entre a
formação teórica do estagiário e a suas atividades de estágio [01].
O intuito desta maior precisão terminológica é combater contratações
irregulares de estagiários para atividades que em nada contribuam com a sua
formação, prática ilícita que vinha se proliferando nos últimos anos. Dois
exemplos simbólicos de desvirtuamento de contrato de estágio eram os de
estudantes de direito colocados para trabalhar no autoatendimento de
instituições financeiras, e o de estudantes de enfermagem recrutados para atuar
como secretária em hospitais e consultórios médicos.
Ainda no afã de
combater desvirtuamento na contratação de estagiários, a nova norma cuidou de
ressaltar expressamente a possibilidade de reconhecimento de vínculo
empregatício em juízo em caso de descumprimento da obrigatoriedade de matrícula
e freqüência regular do educando em seu curso, de celebração de termo de
compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de
ensino, de compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e
aquelas previstas no termo de compromisso, ou o descumprimento de qualquer
obrigação que conste deste. E foi além: estabeleceu expressamente no art. 15
§§1º e 2º que a instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade
de que trata o artigo ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos,
contados da data da decisão definitiva do processo administrativo
correspondente naquela filial ou agência onde for cometida a irregularidade.
Ainda como medida
destinada a combater fraudes, a nova legislação instituiu ainda a
obrigatoriedade de acompanhamento efetivo pelo professor orientador da
instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, o qual será provado
através dos vistos apostos nos relatórios de atividades que serão apresentados
semestralmente às instituições de ensino.
A melhor de todas
as medidas ajustadas para coibir a contratação de empregados como mão de obra
barata foi, contudo, a instituída no artigo 17. Segundo ele o número de
estagiários do ensino médio, educação especial e dos dois últimos anos do
ensino fundamental em estabelecimento variará conforme o número de empregados
contratados. Assim, empresas que disponham de um a cinco empregados poderão ter
apenas um empregado. As que contem com número entre seis e dez empregados
poderão contratar dois. As que tenham entre onze e vinte poderão contratar
cinco estagiários. E, por fim, as que possuam mais que vinte e cinco
estagiários poderão dispor de 20% de estagiários.
O legislador
deixou claro que, para fins deste cálculo, levar-se-á em consideração o
conjunto de trabalhadores empregados existentes no estabelecimento do estágio e
não apenas os que exerçam a função idêntica ou similar à do estagiário. Quando
o cálculo do percentual resultar em fração, poderá ser arredondado para o
número inteiro imediatamente superior. Esta medida é extremamente interessante
para evitar discussões futuras acerca do número máximo de estagiários em
determinados estabelecimentos.
O único pecado da
proposta neste ponto foi excluir desta limitação, sem que para tanto haja
qualquer justificativa plausível, os estágios de nível superior e de nível
técnico profissional. Não se consegue vislumbrar razão alguma para que a mesma
limitação não seja aplicada aos estágios com estas peculiaridades, haja vista
também nestes casos ser possível a utilização de estagiários como mão-de-obra
barata.
Em termos
conceituais, a legislação ora em vigor cuidou ainda de distinguir estágio
obrigatório, definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é
requisito para aprovação e obtenção de diploma; e estágio não-obrigatório,
aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular
e obrigatória.
3 – PROTEÇÃO CONFERIDA AOS ESTAGIÁRIOS PELA NOVA LEI
A nova legislação
criou diversas medidas destinadas a proteção dos estagiários. Uma das que
merecem maior destaque é a que instituiu limitação de jornada conforme o nível
de educação a que esteja se submetendo o estagiário. Para os estudantes de
educação especial dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade
profissional de educação de jovens e adultos, o limite passou a ser de 4
(quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais. Para os estudantes do
ensino superior, educação profissional de nível médio e do ensino médio
regular, o limite passou a ser de 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas
semanais.
Corrigiu-se, com
isso, um dos maiores equívocos da Lei 6.494 que apenas mencionava que a jornada
a ser cumprida pelo estudante deveria se compatibilizar com o horário escolar e
com o horário da parte em que venha ocorrer o estágio, imprecisão que acabou
possibilitando diversas e graves distorções. Na cidade de São Paulo, por
exemplo, havia se tornado comum que estagiários cumprissem jornada de oito
horas, o que é claramente incompatível com os fins buscados por esta modalidade
contratual, na medida em que o estudante fica praticamente sem tempo para
aprofundar o aprendizado das aulas estudando em casa. Entender que uma jornada
integral pode ser compatível com as aulas do ensino superior e do segundo grau
consiste em ignorar a necessidade de leitura e de realização de exercícios pelo
estudante em sua própria casa. Apenas freqüentar as aulas não é suficiente para
assegurar aprendizagem adequada ao estudante.
A limitação
temporal do estágio na mesma empresa a dois anos mostrou-se ao mesmo tempo
interessante e preocupante. Interessante na medida em que coloca termo certo
para à possibilidade de utilização do estagiário apenas como mão-de-obra
barata, desvirtuando a sua finalidade. Atualmente não é raro um estudante
passar quatro anos na mesma empresa ou escritório, desempenhando uma função
repetitiva que já não lhe traz nenhum aprendizado porque precisa do dinheiro
para se manter e, por vezes, para custear o seu curso universitário, sem ser
efetivado porque o empregador prefere mantê-lo como estagiário a contratá-lo
como empregado. Com a modificação proposta, o estagiário passará a ter data
certa para ser efetivado ou substituído por outro. E é justamente neste ponto
onde a medida é preocupante. Ela acaba abrindo espaço para a possibilidade de
os empresários optarem por substituir um estagiário com potencial de ser
efetivado na empresa, apenas pelo fato dele ter atingido o termo do contrato, a
contratá-lo antes da conclusão de sua graduação.
A exclusão de
estagiários com deficiência desta limitação temporal de dois anos não se
justifica. A imposição de limite temporal para o estágio realizado para
determinado tomador de serviços força este a contratá-lo, o que protege muito
mais o deficiente do que a possibilidade de prorrogação desse lapso temporal.
Com efeito, caso a limitação temporal de dois anos também fosse aplicável ao
estagiário deficiente, haveria grande possibilidade de ele vir a ser efetivado
na função para que o empregador preenchesse as quotas previstas na Lei 8.213/91
após o decurso deste prazo. A sua exclusão desta limitação temporal possibilita
que o empregador que já tiver preenchido a quota de deficientes mantenha o
deficiente como estagiário, somente o efetivando quando houver a necessidade de
preenchimento da quota, por razões diversas.
Outra medida que
seguramente irá reduzir a utilização de estagiários como mão-de-obra barata é a
obrigatoriedade de remuneração e de cessão do vale-transporte para os estágios
obrigatórios. Esta política aumenta os custos com a contratação de estagiários
e, com isso, a torna menos atrativa em relação a contratação de empregados o
que contribuirá para diminuir a muitas vezes alta proporção de estagiários por
trabalhador formalmente contratado.
A extensão do
direito a férias aos estagiários também representou interessante avanço. Em
verdade, as mesmas razões de ordem biológica, social e econômica que justificam
a concessão de férias aos empregados aplica-se aos estagiários.
4 – INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
A proposta inovou ao
possibilitar expressamente que estudantes estrangeiros regularmente
matriculados em cursos superiores no País, autorizados ou reconhecidos, façam
estágio ainda que não disponham de visto permanente. Este dispositivo mostra-se
importante sobretudo em razão de a lei 6.815/90 (Estatuto do Estrangeiro) vedar
ao estrangeiro com visto de turista, de trânsito ou temporário de estudante, o
exercício de atividade remunerada.
O Projeto também
avançou ao possibilitar expressamente que profissionais liberais de nível
superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização
profissional desde que atendam às mesmas exigências impostas às pessoas
jurídicas de direito privado e aos órgãos públicos como, por exemplo, celebrar
termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu
cumprimento, ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao
educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural,
contratação de seguro de acidentes pessoais, entrega de termo de desligamento
do estagiário contendo a indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos
períodos e da avaliação de desempenho, disponibilização de documentos que
comprovem a relação de estágio e envio de relatórios semestrais de atividades
do estágio. A única exigência que não se aplica aos profissionais liberais é a
de indicar funcionário com experiência profissional para orientar e
supervisionar até dez estagiários simultaneamente, pois em se tratando desta
categoria profissional presume-se que o próprio profissional se encarregará da
orientação e da supervisão.
A proposta inovou
também ao deixar explícito que o seguro de acidentes pessoais cuja apólice
conste do contrato de estágio deverá ser compatível com os valores de mercado.
A legislação anterior, para fins de comparação, apenas mencionava que o
estudante deveria estar segurado contra acidentes pessoais nada falando sobre o
valor da apólice. Para que a inovação surta algum efeito será imprescindível
que o decreto que venha a regulamentar a legislação institua alguns parâmetros
que esclareçam como se chegará aos referidos valores de mercado. Se não o fizer
a novidade não atingirá o seu fim que é justamente evidenciar que o valor da
apólice não pode ser irrisório.
Outra inovação
bastante salutar foi a determinação de que 10% das vagas oferecidas pela parte
concedente do estágio (a pessoa jurídica de direito privado, o órgão público ou
o profissional liberal) sejam reservadas à pessoas portadoras de deficiência.
Essa ação afirmativa mostra-se bastante salutar e acompanha a política de
quotas já instituída no tocante ao número de empregados.
Em matéria de
direito intertemporal a lei esclareceu que a nova lei, conquanto comece a viger
na data de sua publicação, não será aplicável aos contratos em andamento, mas
apenas às suas prorrogações e renovações e naturalmente aos contratos que
celebrados depois de sua publicação.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei 11.788/08
ampliou a proteção ao estagiário, assegurando-lhe alguns direitos similares aos
que são consagrados aos empregados da iniciativa privada e implementou medidas
para combater a proliferação de contratos de estágio fraudulentos e
desvirtuados. A sua eficácia real, contudo, dependerá também da conscientização
dos tomadores de serviço e da fiscalização por parte das autoridades do
Ministério do Trabalho e Emprego e das Universidades. Outrossim, só o tempo
dirá se a aparente evolução verificada na letra abstrata da lei se consolidará
na prática ou se esta será apenas mais uma boa lei que não atingiu o seu
objetivo.
Notas
01 A título
comparativo, a legislação anterior apenas ponderava que os estágios deveriam
propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e serem planejados,
executados e acompanhados, em conformidade com os currículos, programas e
calendários escolares
* Advogado em São Paulo (SP), especialista em Direito do Trabalho,
mestrando em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11848
Acesso em: 13 out.
2008.